Capítulo I Noções Históricas Direito Cuneiforme: Assim chamado pela forma de escrita utilizada para o seu registro, ele é talvez a primeira manifestação escrita de uma estrutura legal de que temos conhecimento, e surpreendentemente algumas de suas criações, apesar de rudimentares, mostram-se extremamente justas, até mesmo no cenário atual. Desse período destaca-se o Código de Hamurabi, que não foi o primeiro, mas certamente é o mais importante, principalmente por ter resistido quase integro pela passagem dos séculos. Khammu-rabi foi rei da Babilônia no 18º século a.C., estendeu grandemente o seu império, governou uma confederação de cidades-estado, e o mais importante, erigiu no final do seu reinado, uma enorme "estela" em diorito1, na qual ele é retratado recebendo a insígnia do reinado e da justiça do rei Marduk, logo abaixo da sua imagem foram escritas 21 colunas, 282 cláusulas que ficaram conhecidas como Código de Hamurábi. Muitas das provisões do código referem-se às três classes sociais: a do "awelum" (filho do homem), ou seja, a classe mais alta, dos homens livres, que era merecedora de maiores compensações por injúrias - retaliações - mas que por outro lado arcava com as multas mais pesadas por ofensas); no estágio imediatamente inferior, a classe do "mushkenum", cidadão livre mas de menor status e obrigações mais leves; por último, a classe do "wardum", escravo marcado que no entanto, podia ter propriedade. O código referia-se também ao comércio (no qual o caixeiro viajante ocupava lugar importante), à família (inclusive o divórcio, o pátrio poder, a adoção, o adultério, o incesto), ao trabalho (precursor do salário mínimo, das categorias profissionais, das leis trabalhistas), à propriedade. Quanto às leis criminais, vigorava a "lex talionis"2: a pena de morte era largamente aplicada, seja na fogueira, na forca, seja por afogamento ou empalação. A mutilação era infligida de acordo com a natureza da ofensa. A noção de "uma vida por uma vida" atingia aos filhos dos causadores de danos e aos filhos dos ofendidos. As penalidades infligidas sob o Código de Hamurabi, ficavam entre os brutais excessos das punições corporais das leis mesopotâmicas Assírias, e das mais suaves, dos hititas. A codificação propunha-se a implantação da justiça na terra, a destruição do mal, a prevenção da opressão do fraco pelo forte, a propiciar o bem estar do povo, e a iluminar o mundo. Essa legislação estendeu-se pela Assíria, pela Judéia e pela Grécia. 1 2 Espécie de rocha; “Lei de Talião”, consagrava o “olho por olho, dente por dente”; Direito Romano3: O direito romano serviu como fonte de inspiração para muitos dos institutos da legislação atual, durante muito tempo considerou-se extremamente elegante a citação de passagens dos textos clássicos em peças jurídicas. Mas observem, nem todo texto em latim corresponde a uma criação romana, devemos ter em mente que até muito recentemente o latim era a língua dos eruditos e adotada nos textos canônicos4, que sem dúvida influenciaram profundamente os institutos do direito ocidental. No direito romano adotava-se a classificação (ainda utilizada atualmente) de pessoas (persona) e coisas (res), as primeiras poderiam ser sujeitos de direito, enquanto as segundas eram objetos de direito. As pessoas eram aqueles que nascessem com vida, que tivessem “forma humana”, não fossem alienados mentais, ou ainda escravos5, caso contrário seriam considerados coisas. Existiam diversos tipos de pessoas dentro da sociedade romana, as quais tinham direitos diferentes de acordo com seu status dentro da sociedade6. Os romanos já adotavam a concepção de pessoas fictícias, o que hoje chamamos de pessoas jurídicas, ou pessoas morais, considerando certos agrupamentos de pessoas como um só sujeito de direito, o que lhes permitia assumir obrigações e reivindicar direitos em nome do ente que formavam, não em seu próprio nome. Em Roma não houve grande preocupação em classificar os tipos de direitos, embora ficasse bem claro que existiam diversos tipos deles, posto que eram dados nomes diferentes às ações que buscavam o cumprimento de determinada obrigação assumida por pessoa, e àquelas que buscavam assumir ou garantir a propriedade de coisas7. Dessa classificação romana originou-se a atual classificação em: a) b) Direitos reais – Aqueles que incidem sobre coisas, itens; Direitos pessoais – Os que se manifestam sobre pessoa, a qual deve uma obrigação que lhe pode ser exigida pelo titular do direito. Para dar publicidade às normas e diminuir a incerteza da população quanto à forma da sua aplicação foi confeccionada a “Lei das XII Tábuas”, que por volta de 3 A fim de não alongar demasiadamente a explanação foi adotada uma abordagem genérica, sem levar em conta as peculiaridades particulares de cada um dos períodos da existência de Roma (Reino, Impérios, Principados, etc); 4 Da Igreja; 5 A reunião dessas características dotava o individuo de personalidade; 6 A isso se chama capacidade, e é ela que determina ainda hoje o tipo de obrigações que podemos assumir, embora naquele tempo servisse mais para delimitar os direitos que cada um tinha; 7 Actio in personam e actio in rem; 450 a.C. foi gravada em peças de bronze e fixada em frente ao fórum para que todos pudessem conhecê-la. Em 528 d.C., o imperador Justiniano (482-565 d.C.), ordenou que se iniciasse uma vasta compilação legislativa, composta de fragmentos extraídos das obras de jurisconsultos romanos, a qual se chamou “Código Justiniano” e se tornou uma das principais fontes de inspiração do direito contemporâneo. Direito Medieval: A Idade Média é o período histórico da Europa que se estendeu do século V d. C. até o século XV, ou seja, da queda do Império Romano do Ocidente em 476 até a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453. Estes mil anos não foram uniformes, podemos vislumbrar pelo menos dois momentos específicos a título de estudo: a Alta Idade Média e a Baixa Idade Média (do século IX ao XV) A Alta Idade Média (período do século V ao século IX) foi uma época de mudanças, de rompimento com o passado romano e de assimilação da nova situação pelos povos europeus, que tiveram que conviver com o fim do mundo que conheciam, o mundo romano, e ao mesmo tempo, com o surgimento de uma nova ordem, baseada principalmente em elementos das culturas germânicas e da Igreja Católica. O direito medieval é fortemente marcado pela influência do direito canônico8, que em diversas situações se sobrepunha à autoridade do direito laico9, visto que era escrito, difundido em toda a Europa, e aplicado coercitivamente a todos os cristãos, principalmente com o avanço do poder da igreja sobre o estado por toda a Europa. Entretanto devemos observar que foi uma época de transição, em que a derrocada do Império romano permitiu o à divulgação do direito particular dos povos europeus, particularmente o direito germânico, e a multiplicação de feudos e reinos, que adotavam uma legislação informal, baseada nos costumes, na autoridade do governante, na superstição e na religião. Com o fortalecimento do comércio e a urbanização o direito passou a ter uma dimensão diferente, sendo estudado nas universidades que começaram a proliferar pela Europa, particularmente nas da atual Itália, onde o resgate e a atualização do direito romano começou a delimitar, salvo algumas exceções, as codificações nacionais que surgiriam a partir de então. Esse resgate do direito romano como fonte de inspiração é em parte responsável pelo status de que ele goza dentro da ordem jurídica contemporânea. Codificação das Leis: 8 9 Direito religioso, instituído por autoridade religiosa; Direito comum, “leigo”, instituído por autoridade não religiosa; Com o reconhecimento da necessidade de padronização das leis em seus territórios as nações iniciaram um processo de codificação das suas leis, merecendo destaque os trabalhos realizados pelas nações germânicas e, principalmente, o de Napoleão, que fez redigir não somente um, mas cinco códigos, disciplinando as matérias de Civil, Comercial, Penal, Instrução Criminal e de Processo Civil. A classificação adotada nos códigos napoleônicos serviu de base para muitas das posteriores, pois, permitiu de forma muito clara a disposição dos ramos do direito posteriormente estruturados em torno dessa estrutura inicial. Uma exceção ao movimento de codificação das leis é a Inglaterra, que por ter passado por um sistema feudal centralizado na figura de um único rei (diferentemente do que ocorreu no continente, onde inúmeros feudos tinham vida quase própria, gerando diversidade de ordenamentos e menos resistência às influencias externas), desenvolveu um forte sentimento nacionalista e certa rejeição às influências de outros povos, particularmente aos romanos (de quem foram colônia até o período pré-feudal). A reunião dessas características peculiares na Inglaterra levou à criação do chamado sistema common law, onde o juiz declara a existência do direito com base nos costumes populares, na sua própria consciência, e nos precedentes10. Apesar disso não é correto dizer que não havia leis na Inglaterra medieval, somente que elas não eram tantas, e que enquanto no resto da Europa a existência de leis para regular o direito era a regra geral, e os costumes eram instrumentos para resolver situações não previstas em lei por acaso, para o direito inglês ocorria o contrário, os costumes eram a regra e a existência de lei uma situação excepcional. Esse sistema deixou profundas marcas no direito inglês, que até os dias de hoje é um pouco resistente aos demais sistemas europeus e mantém diversas instituições que lhes são peculiares, tendo, entretanto, adotado estatutos que se aproximam dos códigos, posto que também são leis promulgadas por legisladores. Direito Brasileiro: Tendo o Brasil nascido como uma colônia portuguesa, foi regido pelas leis de Portugal até o ano de 1822, quando foi instalado o império brasileiro, sendo que as somente passamos a sermos regidos por leis totalmente brasileiras em 1916, com a revogação das leis anteriores pelo Código Civil brasileiro11. Constituições Do Brasil: 1ª - Constituição do Império (1824): 10 Declaratory theory of the common law; Tal código permaneceu válido, apesar de ter sofrido algumas alterações, até 11 de janeiro de 2003, quando entrou em vigor o nosso novo Código Civil; 11 Na monarquia, os textos constitucionais consagravam a forma do Estado com a centralização do poder político nas mãos do Imperador, como era de se esperar a nossa primeira constituição não foi diferente. Foi outorgada em 25 de março de 1824, por Pedro I, após dissolver por decreto, em 12 de Novembro de 1823, a Assembléia Constituinte que ele próprio convocara como resultante da proclamação da Independência, em 7 de Setembro de 1822. Definia o Brasil como sendo uma monarquia hereditária, constitucional, e representativa. Instituiu um quarto poder, o “Poder Moderador”, que era exercido pelo próprio do monarca e que lhe atribuía poderes quase ilimitados. 2ª - Constituição Republicana (1891): De 1889 em diante, quando foi proclamado o regime republicano, tornou-se vitoriosa a idéia da Federação, traduzida na descentralização política e a conseqüente autonomia dos Estados-membros. E foi nesse contexto que foi promulgada em 24 de Fevereiro de 1891, por um assembléia constituinte convocada pelo governo provisório instituído após a proclamação da República, em 15 de Novembro de 1889. O Chefe dessa assembléia constituinte foi o Marechal Deodoro da Fonseca. Tal constituição foi elaborada com base no projeto governamental, no qual Rui Barbosa se destacou como um dos principais legisladores. O Federalismo, o presidencialismo e o liberalismo político, foram os princípios fundamentais da primeira constituição republicana do Brasil. Foi clara a inspiração dos legisladores em Montesquieu quando prescreveram que: “são órgãos da soberania nacional: o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si.” Foram também fonte de inspiração: a constituição norte-americana de 1787, da Argentina e da Suíça. 3ª - Constituição de 1934: Promulgada em 16 de julho de 1934, por uma Assembléia Constituinte que o governo provisório instalou após a Revolução de 1930, sob a chefia de Getúlio Vargas. Ao contrário da anterior (de 1891), que foi eminentemente política, a Constituição de 34, seguindo uma nova concepção do Direito e do Estado, recebeu, de maneira sensível, a influência dos abalos sociais provocados pela Primeira Guerra Mundial (1914- 1918) Algumas das inovações da Constituição de 34 foram a instituição da Justiça do Trabalho, e a criação da Justiça Eleitoral. 4ª - Carta Política de 1937: Outorgada, num golpe de Estado, em 10 de Novembro de 1937, em plena campanha presidencial, pelo próprio Chefe do Governo, Getúlio Vargas, que a impôs sob a justificativa, falsa, como tantas outras emanadas do arbítrio, de que o povo (é o que se lê no preâmbulo da Constituição de 1937) estaria com sua “paz política e social profundamente perturbadas por conhecidos fatores de desordem”, “uma notória propaganda demagógica” procurava “desnaturar em luta de classes”, com a “extremação de conflitos ideológicos” que tendiam “a resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência de guerra civil; e, para não ir mais longe, a infiltração comunista se tornava “dia a dia mais extensa e profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente”. Conhecida vulgarmente, e durante muito tempo, como “a polaca”, ou “carta polaca”, por ter buscado inspiração na Constituição da Polônia. Substituiu a supremacia do Congresso nacional pela competência legislativa do ditador, que então pôde impor sua vontade sem muita dificuldade, visto que não respeitava nem às próprias disposições da constituição. A Constituição de 37 não tinha, portanto, vigência constitucional, era um documento de caráter puramente histórico e não jurídico. 5ª - Constituição de 1946: Promulgada em 18 de Setembro de 1946, por uma Assembléia eleita conjuntamente com o novo Presidente da República (General Eurico Gaspar Dutra), o Estatuto Fundamental de 1946, foi, na maioria de seus aspectos, uma reprodução melhorada da constituição de 1934. Embora considerada analítica em excesso representou um esforço bem sucedido no encaminhamento dos nossos problemas jurídicos fundamentais, com proveitosas incursões no campo das conquistas econômicas e sociais, e uma penetração sensível nos domínios da educação, da cultura e do funcionamento público. Como inovações da Constituição de 46, temos o restabelecimento do cargo de Vice-Presidente da República, suspenso em 1934; a criação do Tribunal Federal de Recursos e do Conselho Nacional de Economia; a integração da Justiça do Trabalho no âmbito do Poder Judiciário; o dispositivo que vedou a organização, registro ou funcionamento de qualquer partido político ou associação cujo programa de ação contrariasse o regime democrático (Partido Comunista); o reconhecimento do direito de greve; a participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa (preceito que não chegou a ser disciplinado em lei ordinária) e a aposentadoria facultativa do funcionário com 35 anos de serviço. 6ª - Consttituição de 1967: Referendada em 24 de Janeiro de 1967, pelo Congresso Nacional, investido do poder constituinte delegado. Posta em vigor em 15 de março do mesmo ano. A Constituição de 1967 sofreu diversas emendas, porém, diante dos diversos atos institucionais e complementares, cogitou-se de uma unificação do seu texto. Até então haviam sido promulgados dezessete atos institucionais e setenta e três atos complementares. Em 17.10.1969 foi promulgada a primeira emenda à Constituição de 1967, combinando com o espírito dos atos institucionais elaborados. A Constituição de 1967 recebeu ao todo vinte e sete emendas. 7ª - Constituição de 1988: Promulgada em 05 de outubro de 1988 tendo Ulysses Guimarães como presidente da Assembléia Nacional Constituinte, a nova constituição restaurou a ordem democrática, mas, manteve certos resquícios do período ditatorial, como o instituto da medida provisória, que nada mais é do que um substituto ao extinto decreto-lei. A constituição, ora em vigor, possui trezentos e vinte artigos e é por isso considerada analítica. Já a Constituição de 24.2.1891 era sintética com oitenta e cinco artigos e mais doze das Disposições Transitórias era considerada uma das menores do mundo12. 12 Entre as Constituições sintéticas podem ser mencionadas a dos Estados Unidos de 1787, com trinta e três artigos, a da França de 1958, com noventa e dois artigos, e a do Japão de 1947, com cento e dois artigos. Entre as Constituições analíticas mais longas podem ser referidas a da índia de 1949, com trezentos e noventa e cinco artigos, a do Peru de 1978, com trezentos e vinte e cinco artigos, e a de Portugal de 1976, com trezentos e cinco artigos. A nossa atual Constituição, conforme já foi dito, conta com trezentos e vinte artigos; é no fundo uma meia Constituição, pois para a sua exeqüibilidade ficou dependendo de trinta e três leis complementares e cerca de cento e trinta leis ordinárias. Já sofreu cinqüenta e três emendas constitucionais (até dezembro de 2005), e seis emendas constitucionais de revisão, como previsto nos termos do seu artigo 60, combinado com o artigo 3o do Ato das Disposições Transitórias.