1 TRANSFORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS NO MUNDO DO TRABALHO: INCIDÊNCIAS NO SERVIÇO SOCIAL Patricia da Silva Monteiro*. Jocelina Alves de Souza Coelho** Elaine Nunes da Silva*** RESUMO Este artigo tem por objetivo apresentar algumas reflexões sobre como as transformações societárias contemporâneas, ocorridas na esfera da organização e produção do trabalho, repercutem no Serviço Social. Entendendo que a profissão está inserida na divisão social e técnica do trabalho, contribuindo para a reprodução das relações sociais que não se resume apenas à reprodução de trabalho, mas engloba o conjunto das atividades desenvolvidas pelos homens no processo de produção. Palavras-chave: Serviço Social; mundo do trabalho; processo de produção ABSTRACT This paper aims present some explains about the changing practices of work. Thus, shows how those transformations, which are caused by a new paradigm of work organization, in order to understanding how this impacts reflect on the Social Work. Understanding that the profession is involved on the social and technical division of the work. Key-words: social work; job world; manufacturing process 1 INTRODUÇÃO É inquestionável a revolução que a introdução da máquina no processo produtivo ocasionou na estrutura social, econômica e política da sociedade, dando origem ao chamado capitalismo. Consolidado como prática econômica e política a partir da segunda metade do século XVIII e, principalmente no século XIX com o advento da Revolução Industrial, o sistema capitalista tem suas bases estruturadas na propriedade privada dos meios de produção, cujas * Assistente Social, mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL Assistente Social do INSS, Especialista em Serviço Social e Política Social pela UNB, Membro da Diretoria do CRESS 16ª Região, como Tesoureira (gestão 2002/2005) e Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL; *** Assistente Social, mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 ** 2 relações são fundamentadas na exploração de uma classe sobre a outra mediatizadas pelo regime de assalariamento. Por ser um método de produção que se nutre da exploração de uma classe sobre a outra, é inevitável às contradições e injustiças por ele engendradas. Em sendo assim, ao longo de sua trajetória, o capitalismo é marcado por momentos de expansão e retração, além das alterações na organização do trabalho, assim como na classe trabalhadora. Tal fato, o briga o capital a criar mecanismos que o permita superar sua crise. É nesse cenário, marcado por avanços e retrocessos oriundos de um regime de produção historicamente determinado pautado na exploração de classe e na acumulação da propriedade que pretendemos desenvolver nossas reflexões. Assim, o presente texto pretende apresentar algumas reflexões sobre como as transformações societárias contemporâneas ocorridas na esfera da organização e produção do trabalho, estão repercutindo no Serviço Social. 2 DO FORDISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL Por sua natureza contraditória, o capitalismo é caracterizado por movimentos cíclicos de crise e prosperidade. O período mais agudo da crise capitalista ocorreu a partir da década de 1970, quando o esgotamento do padrão de acumulação capitalista do pós-guerra, o fordismo, evidencia-se no cenário internacional. Em linhas gerais, o fordismo é um modelo de gerenciamento que visa à organização da produção e do trabalho. Com a finalidade de suprir as debilidades do sistema artesanal de produção, Ford introduz na esfera produtiva da indústria automobilística americana a Teoria Geral da Administração, formulada por Taylor, cuja finalidade era de promover o aumento da produtividade na indústria, por meio de uma melhoria no nível operacional. Nesse processo, a ênfase recai nas tarefas, e também, visa eliminar os desperdícios de tempo e matéria-prima, através da adoção de métodos e técnicas da engenharia industrial. Apesar da revolução ocasionada pelo modelo fordista na esfera produtiva e organizacional do trabalho, a consolidação desse modelo encontrou resistência dos trabalhadores devido aos danos físicos e mentais provenientes desse processo. Ora, se por um lado o fordismo potencializa a produção, por outro degrada o trabalhador à medida que a habilidade dos trabalhadores é substituída e/ou eliminadas pelo parcelamento das tarefas, pois a execução do trabalho torna-se fragmentada, gerando inquietações na classe operária. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 3 Com a falência do padrão de acumulação fordista/taylorista, abre-se espaço para a consolidação de um novo modelo de acumulação, assentado em bases flexíveis, o chamado toyotismo. Ao contrário do fordismo, o modelo nipônico é voltado e conduzido pela demanda. A produção é flexível e diversificada, a qualidade é fator primordial, além do predomínio tecnológico. Nesse cenário, segundo Antunes (1998, p.16), novos processos de trabalho emergem onde o cronômetro e a produção em série e de massa são ‘substituídos’ pela flexibilização da produção, pela ‘especialização flexível’, por novos padrões de busca de produtividade, por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado. A transição do fordismo à acumulação flexível não significou apenas uma mudança no paradigma de produção e acumulação do capital, tal processo demarca o que podemos denominar de reestruturação do processo produtivo, que surge como uma alternativa de superação da crise do capital trazendo graves conseqüências à classe trabalhadora. 3 IMPACTOS DA REESTRUTURAÇÃO DO CAPITAL NA CLASSE TRABALHADORA NO BRASIL Os imperativos do mundo globalizado obrigam as empresas a adotar novos padrões de produtividade, tendo em vista o ingresso no mercado competitivo. Com a crise econômica de 1970, as empresas são obrigadas a investir em inovações tecnológicas e substituir a política repressiva de gestão de mão-de-obra do sistema fordista, por formas mais democráticas que permitam uma parceria entre trabalhadores e empresários com o objetivo de aumentar a produtividade e a qualidade dos produtos e serviços. É na década de 1980 que, conduzido pela necessidade de se lançar no mercado externo devido à recessão econômica, o Brasil vivencia o processo de reestruturação produtiva levando as empresas brasileiras a aderir aos métodos flexíveis de acumulação capitalista alterando significativamente a classe trabalhadora. As inovações tecnológicas e organizacionais passam a alastrar-se na economia brasileira somente a partir dos anos 90. Doravante passa a ser difundida na indústria e serviços públicos os programas de cunho flexível, como forma de reduzir custos e aumentar a produtividade. Conseqüentemente, a adesão às inovações tecnológicas organizacionais e gerenciais começa a atingir um número maior de trabalhadores. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 4 Sendo assim, a reestruturação do processo produtivo das empresas conduz a redução de despesas, na maioria dos casos, através de demissão de trabalhadores como forma de reajustar-se face às necessidades impostas pelo mercado. De acordo com Antunes (1998, p. 41-42), O mais brutal resultado dessas transformações é a expansão, sem precedentes na era moderna, do desemprego estrutural, que atinge o mundo em escala global. Pode-se dizer, de maneira sintética, que há uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado industrial e fabril; de outro, aumenta o subproletariado, o trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços. Incorpora o trabalho feminino e exclui os mais jovens e os mais velhos. Há, portanto, um processo de maior heterogeneização, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora. Llorens (2001, p. 56) reforça ao afirmar que, [...] no que tange ao emprego, cabe assinalar o impacto da introdução de inovações tecnológicas no sentido de provocar uma modificação de conteúdos e qualificações da força de trabalho, assim como uma alteração substancial da organização do trabalho, com tendências para maior heterogeneidade do mercado de trabalho, precariedade nos empregos (fundamentalmente na mão-de-obra-não-qualificada) e incremento da informalidade contratual. 4 REFORMA DO ESTADO Aliado ao processo de reestruturação da produção merece destaque à reforma do Estado. Como já foi destacada anteriormente, a falência da economia internacional ocorrida na década de 1970 é caracterizada pela saturação dos paradigmas de acumulação capitalista adotados a partir dos anos 1940 (taylorismo/fordismo). Diante do contexto acima mencionado, os países hegemônicos em resposta a essa crise, lançam mão de um conjunto de propostas, por eles elaboradas, concretizadas no que resultou o Consenso de Washington configurado como uma “cartilha” de cunho neoliberal formulada a partir dos interesses dos países capitalistas centrais, cujas regras definem que as ações que os países periféricos devem adotar para se adequar aos padrões de exigência capitalista. Inserido nesse contexto, o Brasil, na condição de país periférico, é submetido às regras impostas pelo Consenso de Washington. A adoção dessas regras modificou profundamente as relações entre Estado e sociedade civil, o que implica conseqüentemente na reforma do Estado, fato este que vai incidir diretamente nas demandas postas ao Serviço Social. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 5 Em resposta ao abalo no sistema financeiro internacional, os países hegemônicos apontam à necessidade de se encontrar mecanismos de superação em resposta aos problemas demandados por essa situação. A solução encontrada foi a reforma do Estado via implantação de política neoliberal. Na transição da década de 1980 a 1990, instaura-se o neoliberalismo com o governo de Fernando Collor, sob o discurso que a condição indubitável ao desenvolvimento é a redução da miséria. Nestas condições, segundo as “regras do jogo”, o Estado é minimizado, e tem no mercado representado pelos países ricos, o definidor dos rumos sociais, políticos e econômicos mundiais. A consolidação do projeto neoliberal ganha mais solidez com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Nessa perspectiva, o neoliberalismo não é configurado como uma ideologia, mas como um projeto objetivo de sociedade caracterizado pela livre concorrência e predomínio das leis de mercado que ajusta as atividades e os agentes econômicos. É marcado por representar aos interesses do empresariado e do capital privado, entre outros, prima pela liberdade individual; apóia o crescimento econômico – sem alterar sua estrutura, assim como sua intervenção na economia – daí decorrem as privatizações, a liberdade nas taxas de juros e a liberdade de ação ao capital estrangeiro (BRUM, 1998). Com essa postura, o trato as políticas sociais revelam-se privatizadas: no sentido de privar alguns e dar direitos a outros “atribui-se ao próprio sujeito portador de necessidades a responsabilidade pela satisfação de suas carências” (MONTAÑO, 2001, p. 19). O ataque neoliberal promove o total desequilíbrio dos direitos sociais conquistados. Desemprego, trabalho precário, perdas salariais, violação da liberdade dos sindicatos, entre outros, fazem parte do cotidiano do trabalhador. No decurso de sua trajetória, os trabalhadores representados pelos sindicatos, vêem encontrando dificuldades na luta por seus direitos, estes, conquistados ao longo dos tempos. Não podemos afirmar que a categoria sindical encontra-se estruturada diante da atual conjuntura, pois a mudança do quadro econômico e as estratégias cada vez mais rudes do capitalismo têm precarizado à classe trabalhadora (BRUM, 1998). No atual contexto de reestruturação da produção e das leis do mercado, os trabalhadores são cooptados a cooperar com o acúmulo do capital e ainda usar seu potencial de forma participativa e lucrativa (IAMAMOTO, 1998). Em função dessa nova abordagem das relações entre empregador e empregado, cujo eixo principal reside na idéia de que o trabalhador deve dar o melhor de si para o bem de todos e da empresa, tomam-se medidas cujo único objetivo é o aumento da lucratividade através de maior exploração do trabalho. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 6 5 DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS DO SERVIÇO SOCIAL As transformações no mundo do trabalho têm um rebatimento no serviço social que se insere como profissão participando na divisão social e técnica do trabalho, contribuindo para a reprodução das relações sociais que não se resume apenas à reprodução de trabalho, engloba o conjunto das atividades desenvolvidas pelos homens no processo de produção. A reprodução das forças produtivas envolve também a reprodução ideológica. Na sociedade capitalista, a instituição do Serviço Social enquanto profissão vem responder a reprodução das relações sociais antagônicas. Assim, a profissão é polarizada pelos interesses de segmentos, de um lado o poder do Estado representando a classe dominante e por outro a classe dos trabalhadores, responsáveis pela reprodução social. Assim, é indispensável que o profissional vá além das rotinas institucionais buscando apreender o movimento da realidade para identificar tendências e possibilidades impulsionadoras da prática (IAMAMOTO; CARVALHO, 1998). Portanto, os assistentes sociais possuem como objeto de trabalho as várias expressões da questão social, fruto da relação de confronto e antagonismo entre classes. Desse modo, o Serviço Social “situa-se no processo de reprodução das relações sociais, fundamentalmente como uma atividade auxiliar e subsidiária no exercício do controle social e na difusão da ideologia da classe dominante junto à classe trabalhadora” (IAMAMOTO; CARVALHO, 1998, p. 93-94). As demandas contemporâneas do serviço social estão, portanto, articuladas às transformações ocorridas nas formas de gestão e consumo da força de trabalho e as configurações operadas na sociedade devido à adoção da política neoliberal do país. Com as mudanças oriundas da minimização do Estado e da reestruturação do processo produtivo, profissionais das áreas mais distintas são obrigados a redimensionar sua prática para permanecer no mercado. Esta realidade reflete no campo de atuação dos assistentes sociais, pois se ampliam novos espaços ocupacionais do assistente social, derivados das demandas postas pelo processo de reestruturação produtiva, no âmbito das organizações públicas e privadas mais exatamente dentro do conjunto de práticas que objetivam a implantação de processos de qualidade voltados à maior rentabilidade no mercado profissional. (ANDRADE, 2000, p.175). Dentro das novas atribuições postas ao serviço social destaca-se a cultura da qualidade total, o novo símbolo que impera no mundo capitalista, nesse sentido os assistentes sociais é solicitado para criar um consenso em torno desses programas gerando um São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 7 comportamento produtivo da força de trabalho com a finalidade de garantir os padrões de qualidade e produtividade dos bens e serviços. Como se percebe, todos os processos que vêm sendo desenvolvidos pelas organizações, apesar da aparência de modernidade, reeditam o que o Serviço Social vem fazendo há muitos anos. Ou seja, a natureza do trabalho não mudou, pois continua voltada para o processo de reprodução da força de trabalho, mas com outra roupagem e através de novas estratégias que reforçam o discurso da coesão social. (ANDRADE, 2000, p. 185). Como já foi abordada anteriormente, a nova estratégia a dotada pelas empresas para se legitimar no mercado faz crescer a necessidade de profissionais, dentre elas o assistente social Iamamoto (1998, p. 131) ratifica, Os novos requisitos de qualificação, que extrapolam o campo empresarial, envolvem capacitação para atuar em equipes interdisciplinares, para atuar em programas de qualidade total e para elaboração e realização de pesquisas; reciclagem do instrumental técnico; capacitação em planejamento (planos, programas e projetos), aprofundamento de estudos sobre áreas específicas de atuação e temas do quotidiano profissional entre outros. Tais elementos são indispensáveis para que o assistente social possa responder a novas e antigas atribuições que abrangem funções de coordenação e gerenciamento, planejamento, socialização de informações referentes a direitos sociais, mobilizações da comunidade para implementação de projetos além de orientações, encaminhamentos e providências. 6 CONCLUSÃO A partir de nossas reflexões aqui desenvolvidas, é possível depreender, portanto, que o Serviço Social inserido no atual contexto da reestruração do capital está articulado as transformações ocorridas no mundo do trabalho em resposta à crise do capitalismo. O Serviço Social, como as demais profissões inseridas da divisão social do trabalho, são conduzidas a redefinir sua prática profissional em decorrência das transformações empreendidas pelas mudanças na organização e gestão da força de trabalho. Em nossas considerações, merece destaque à difusão de programas voltados à qualidade, cujo objetivo é de sensibilizar a classe trabalhadora a contribuir com o fortalecimento da empresa para assim, atingir os padrões de produtividade e competitividade do mercado globalizado. Ou seja, estimular a classe trabalhadora à geração de um comportamento produtivo. Nesse aspecto, os assistentes sociais reafirmam sua condição histórica de regulação social. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005 8 REFERÊNCIAS ANDRADE, D. B. M. O processo de reestruturação produtiva e as novas demandas organizacionais para o Serviço Social. Capacitação em Serviço Social e política social. Módulo 04. Brasília: NED/CEAD – Universidade de Brasília, 2000. ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho. 5. ed. São Paulo: Cortez, Campinas, Unicamp, 1998. BRUM, A. J. Desenvolvimento econômico brasileiro. 19. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. IAMAMOTO, M. V. ; CARVALHO, R. de. Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodolópgica. 12. ed. São Paulo: Cortez/Celats, 1998. IAMAMOTO, M. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. – 3. ed. – São Paulo: Cortez, 2000. LLORENS, F. A. Desenvolvimento econômico local: caminhos e desafios para a construção de uma nova agenda política. Rio de Janeiro: BNDES, 2001. MONTAÑO, C. E. Reforma do Estado e “Terceiro Setor” In: AMARAL, Maria V. B. ; TRINDADE, Rosa L. P. (Orgs.). Serviço social, trabalho e direitos sociais. Maceió: EDUFAL, 2001. p. 15 – 45. São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005