Formas imperativas em tiras de jornais paulistas Poliana Rossi Borges Faculdade de Ciências e Letras - Unesp Rodovia Araraquara-Jaú km 1, Araraquara-SP Cep 14800-901 Abstract. This study aims to describe the use of the imperative mood in current Brazilian Portuguese. There are two different ways of expressing order/demanding in Brazilian Portuguese, concerning the second singular person: the standard one, that follows the prescriptions of the Traditional Grammar and coincides with the subjunctive present (cante); and the variant one, that coincides with the second singular person (você) in the simple present. Some of the factors that condition the appearance of one or another imperative form, as singular/plural forms and the appearance of clitics. Key Words. Verb, mood, imperative, indicative, subjunctive. Resumo. Há duas formas usadas para expressar ordem hoje, no Português do Brasil, relativas à segunda pessoa do singular - você: uma, considerada padrão, oriunda do presente do subjuntivo (cante); outra que se confunde com a 2ª pessoa do singular do presente do indicativo (canta). A partir da literatura sobre o assunto e da análise de tirinhas publicadas em jornais paulistas, verificou-se que a forma indicativa com função de imperativo é muito usada e que alguns fatores como verbo no singular/plural e presença de clíticos pode determinar a escolha da forma imperativa. Palavras-chave. verbo, modo, imperativo, indicativo, subjuntivo. 1. Introdução No Português Brasileiro (PB) atual, é possível observar tanto na linguagem oral como na escrita a ocorrência de uma forma variante de imperativo, diversa daquela mais formal da linguagem, considerada a “correta” pela Gramática oficial. Na frase imperativa do PB ocorrem para a 2ª pessoa do singular, isto é, para referência direta ao interlocutor, ao ouvinte, duas formas: uma originária do presente do subjuntivo (experimente) e outra que aparentemente tem a mesma estrutura morfológica do presente do indicativo (experimenta). Neste trabalho, designaremos de forma variante esta última, homônima à 3ª pessoa do singular do presente do indicativo. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 738-743, 2005. [ 738 / 743 ] Essa forma variante tem aparecido quase que exclusivamente em textos dialogados ou que sugerem diálogo, em registros informais. Decidiu-se então restringir a análise a tirinhas publicadas nos dois jornais paulistas mais importantes: A Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo. Essa foi nossa escolha por entendermos que há, nesse tipo de texto, um registro de fala muito próximo ao da linguagem popular, cotidiana; não há um grande monitoramento por parte do autor, o que resulta em um texto muito mais espontâneo, que se aproxima da língua falada. Todos os autores foram estudados, inclusive os traduzidos.1 2. Análise dos dados Iniciaremos a análise, mostrando um levantamento quantitativo das ocorrências encontradas no corpus. Tabela 2: Ocorrências das formas padrão e variante dos verbos no imperativo no corpus (geral). Tipo de forma imperativa Quantidade Absoluta/ Porcentagem Forma padrão 165 (41.4%) Forma variante 234 (58.6%) Total 399 (100%) Essa tabela já mostra uma predominância do uso da forma variante sobre a forma padrão. É fato, então, a preferência dos autores em escolher a forma variante para expressar o imperativo. Neste trabalho, verificaremos alguns fatores que podem condicionar a variação. Analisaremos se a conjugação do verbo na 2ª pessoa do singular ou do plural e a presença de clíticos influenciam a escolha da forma imperativa. 2.1 Singular/Plural Percebe-se, através da tabela 3, o número reduzido de formas imperativas no plural. Dáse preferência à forma singular mesmo quando o auditório se compõe de um grupo de pessoas, quando uma personagem se dirige a mais de um interlocutor. Tabela 3: Ocorrências das formas imperativas no singular e plural. Singular/Plural Quantidade Absoluta/ Porcentagem Singular 374 (93.7%) Plural 25 (6.3%) Total 399 (100%) Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 738-743, 2005. [ 739 / 743 ] A tira de Caco Galhardo é bastante ilustrativa deste fato. O locutor, quando está fazendo um discurso em um púlpito, portanto um contexto bastante formal, usa a forma Desculpem, 3ª pessoa do plural no subjuntivo para se dirigir ao seu auditório. Quando a situação se torna menos formal, parecendo um bate-papo entre amigos, a forma variante é empregada, usando-se o mesmo verbo já usado no plural, mas agora na 2ª pessoa do singular (Desculpa). Figura 1: tirinha de Caco Galhardo Na tabela 4 o resultado é categórico: das 25 ocorrências do imperativo plural, todos estão na forma subjuntiva. Scherre (2002) já averiguara que a forma plural favorece o uso do imperativo subjuntivo. Isso agora se comprova nos nossos dados. Segundo a pesquisadora, a causa dessa como a única opção do falante é estritamente sintática: se a forma variante fosse usada, haveria possibilidade de preenchimento do sujeito (sujeito oculto você, ele, ela) ou interpretação de sujeito indeterminado. Tabela 4: Ocorrências das formas padrão e variante nos verbos no plural nas tirinhas em geral. Tipo de forma imperativa nos verbos no plural Quantidade Absoluta/ Porcentagem Forma padrão 25 (100%) Forma variante 0 Total 25 (100%) 2.3 Ocorrências de clíticos A tabela 6 mostra as ocorrências das formas padrão e variante, quando clítico me aparece anteposto ao verbo. Tabela 6: Ocorrências das formas padrão e variante em verbos acompanhados do pronome me antes do verbo. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 738-743, 2005. [ 740 / 743 ] Pronome me anteposto ao verbo Quantidade Absoluta/ Porcentagem Forma padrão 5 (16.7%) Forma variante 25 (83.3%) Total 30 (100%) É importante conhecer alguns dados para melhor interpretar a tabela 6. Nela há apenas cinco casos do uso da forma padrão quando o pronome me está anteposto ao verbo. Todos os cinco casos estão também na negativa, o que, como já foi analisado na tabela 5, favorece o uso da forma padrão. Além disso, quatro desses exemplos estão em uma mesma tira de Angeli, na qual há uma repetição de uma mesma forma verbal. Angeli é um autor bastante conservador quanto ao uso do imperativo, pois usa pouco a forma variante. A forma restante figura entre as tiras de Hagar, nas quais a forma subjuntiva é a única usada. Conclui-se, portanto, que o clítico me, posicionado antes do verbo, favorece o aparecimento da forma variante. Figura 3: tirinha de Jim Davis Quando o clítico é posposto ao verbo, seja o pronome me ou o pronome se (como veremos também na tabela 9), a forma verbal imperativa escolhida pelos autores/tradutores é sempre conjugada no subjuntivo, conforme mostra a tabela 7. Tabela 7: Ocorrências das formas padrão e variante em verbos acompanhados do pronome me, este vindo depois do verbo. Pronome me posposto ao verbo Quantidade Absoluta/ Porcentagem Forma padrão 5 (100%) Forma variante 0 Total 5 (100%) Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 738-743, 2005. [ 741 / 743 ] Na tabela 8, muito semelhantemente ao que acontece na tabela 6, das três ocorrências do pronome se antecedendo o verbo, duas estão na negativa, forma que favorece a forma subjuntiva, e uma foi retirada das tiras de Hagar, nas quais só aparece a forma subjuntiva. Tabela 8: Ocorrências das formas padrão e variante em verbos acompanhados do pronome se antes do verbo Pronome se anteposto ao verbo Quantidade Absoluta/ Porcentagem Forma padrão 3 (25%) Forma variante 9 (75%) Total 12 (100%) Figura 3: tirinha de Angeli Já a tabela 9 mostra que, quando o clítico se aparece posposto a uma forma imperativa (afirmativa, no caso), a forma variante não aparece, sendo usado apenas o imperativo padrão – forma subjuntiva. Tabela 9: Ocorrências das formas padrão e variante em verbos acompanhados do pronome se depois do verbo Pronome se posposto ao verbo Quantidade Absoluta/ Porcentagem Forma padrão 10 (100%) Forma variante 0 Total 10 (100%) Segundo Scherre (2000), o motivo de o contexto da fala favorecer categoricamente a forma subjuntiva com a presença do clítico depois do verbo é novamente de natureza sintática. Caso a forma indicativa fosse usada, haveria possibilidade de preenchimento da posição de sujeito, com interpretação de uma estrutura reflexiva, em vez de uma estrutura imperativa. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 738-743, 2005. [ 742 / 743 ] Pelos dados encontrados no nosso corpus, é muito mais corrente o uso do clítico anteposto ao verbo (próclise) do que posposto a ele (ênclise). Nossa hipótese é que essa última forma é considerada mais formal do que a primeira. É também este o motivo do uso da forma imperativa padrão quando o pronome vem posposto ao verbo. 3. Conclusão Ao final dessa análise é possível constatar, nos resultados obtidos, a alta eficácia comunicativa da forma variante, por ser amplamente usada em situações de diálogo, situação predominante nas tiras analisadas. Houve, em nosso corpus, uma preferência da maioria dos autores/tradutores estudados pela forma variante. Analisando os contextos em que o imperativo aparece, concluiu-se que das ocorrências do imperativo plural, todas estavam na forma padrão. Sendo assim, foi possível perceber que a variação entre as formas indicativa e subjuntiva do imperativo não ocorre nas 1ª e 2 ª pessoas do plural. Usa-se, no plural, apenas a forma subjuntiva. Com relação às ocorrências de formas imperativas acompanhadas dos clíticos me e se, foi possível observar que há muitos mais casos em que ocorre a próclise do pronome; temos menos casos de ênclise. E, quando esta ocorre, o verbo é sempre flexionado no imperativo na forma padrão. Quando há próclise, o verbo, na maioria das vezes, fica na forma variante. Há algumas exceções, quando o verbo está na negativa ou no plural. 1 Os dados aqui apresentados foram coletados e analisados por Borges (2004) 4. Bibliografia BORGES, P. R. Formas verbais imperativas em tiras de jornais paulistas. 2004. 217 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística e Língua Portuguesa). Universidade Estadual Paulista, Araraquara. FARACO, C. A. The imperative sentence in Portuguese: a semantic and historical discussion. 1982.University of Salford, 1982. Tese de Doutorado, inédito. ______. Considerações sobre a sentença imperativa no português do Brasil. D.E.L.T.A ., 2(1),1986. p.1-15. SCHERRE, M. M. P. Uma reflexão sociolingüística sobre o conceito de erro. In: BAGNO, Marcos. Lingüística da norma. São Paulo: Loyola, 2002. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 738-743, 2005. [ 743 / 743 ]