Departamento de Química Dinâmica Molecular das Interações de Surfactante Pulmonar com Antibióticos Aluno: Alline Alves Pedreira Orientador: André da Silva Pimentel Introdução O surfactante pulmonar é uma mistura de lipídios e proteínas que formam um filme na interface de transferência entre o alvéolo pulmonar e o ar. A principal função do surfactante pulmonar é o de reduzir a tensão superficial na interface ar-líquido do alvéolo, evitando o colapso alveolar e facilitando a respiração [1]. O mau funcionamento do surfactante tem sido relacionado com certo número de doenças respiratórias. Na Síndrome do Desconforto Respiratório (SDR) em recém-nascidos, baixas quantidades de surfactante presente em pulmões neonatais levam ao colapso alveolar [2]. A deficiência do surfactante pulmonar no recém-nascido está associada a diversos distúrbios respiratórios neonatais além da SDR. O principal fator de risco para a ocorrência dessa síndrome é a prematuridade. Para suprir a deficiência de surfactante pulmonar em recém-nascidos, utiliza-se tratamento com surfactante exógeno. Esse procedimento também tem sido utilizado em adultos com problemas respiratórios, mas não tem tido os mesmos resultados por causa de problemas como infecções e inflamações. Nesses casos, utilizam-se tratamentos com antibióticos. Por isso, a importância do estudo das interações entre o surfactante pulmonar e os antibióticos e da possibilidade de utilização do surfactante pulmonar exógeno como um transportador desses fármacos. Em função do alto custo computacional, não foi possível obter resultados para o antibiótico Claritromicina. Portanto, esse estudo foi focado nas interações do antibiótico Levofloxacina com surfactante pulmonar. Figura 1: Estrutura química da Levofloxacina. Departamento de Química Objetivos Caracterizar as interações do antibiótico Levofloxacina com surfactante pulmonar através da dinâmica molecular para verificar se as propriedades interfaciais serão mantidas. Metodologia Os parâmetros dos fármacos foram obtidos usando o servidor Automated Topology Builder (ATB) [3]. Para otimizar os compostos, a energia das moléculas foi minimizada através do programa Ghemical 3.0.0, no qual o método de Monte Carlo foi aplicado em 100 passos. Os parâmetros dos fosfolipídios DPPC e POPC foram obtidos do banco de dados lipidbook. Utilizaram-se os parâmetros padrões do modelo de água de carga pontual única (SPC/E). Para construir os filmes de Langmuir, que são uma representação do surfactante pulmonar a ser estudado, usou-se o software Cellmicrocosmos [4]. Os sistemas consistem em duas camadas construídas usando o algoritmo para distribuir as moléculas de forma aleatória sobre um plano de 6,5 nm x 6,5 nm. Cada camada é constituída de 45 moléculas de DPPC e 19 moléculas de POPC. As camadas são dispostas de maneira que a região polar de uma camada esteja de frente para a região polar da outra, estando estas separadas por uma distância entre 6 e 7 nm. O espaço vazio entre as camadas é posteriormente preenchido com água. Finaliza-se a etapa de construção inserindo o sistema no centro de uma caixa de simulação cujo comprimento é de 30 nm na direção z [5]. Dessa forma, ficaram duas regiões com vácuo: uma acima da camada superior e outra abaixo da camada inferior. Em seguida, sistemas similares foram construídos, mas com inserção de 1 e 10 moléculas do fármaco de interesse em cada região com vácuo, totalizando 2 e 20 moléculas, respectivamente, de Levofloxacina no sistema, representada na figura 2. Esses sistemas passaram por minimizações energéticas e então pela dinâmica molecular. Todas as simulações foram realizadas no software GROMACS, utilizando o campo de força Gromos53A6. A dinâmica molecular foi realizada com o ensemble de tensão superficial constante de 0 e 20 mN/m à temperatura de 310 K utilizando os métodos de acoplamento de Parrinello-Rahman e de Nosé-Hoover. O tempo inicial de simulação foi 200 ns para estabilizar o filme. Depois da estabilização, procedeu-se à simulação com 50 ns para medir as interações do filme com o fármaco. Figura 2 – Representação esquemática dos sistemas estudados na presença do fármaco de interesse. Departamento de Química No total foram simulados 5 sistemas: 2 sistemas na ausência do fármaco com tempo de simulação de 200 ns e 3 sistemas na presença do fármaco com tempo de simulação de 50 ns. A simulação com 20 moléculas de Levofloxacina e tensão de 20 mN/m não foi concluída, pois necessitava de um tempo maior de equilíbrio que as outras em função de apresentar mais moléculas e uma tensão superficial maior. Características Gerais Sistema constituído somente por DPPC/POPC/Água Sistema constituído por DPPC/POPC/Água/levofloxacina Quantidade de moléculas da Levofloxacina --2 2 20 Tensão Superficial (mN/m) 0 20 0 20 0 Nomenclatura utilizada no estudo FILME-TENS0 FILME-TENS20 LEV2-TENS0 LEV2-TENS20 LEV20-TENS0 Tabela 1: Características iniciais dos sistemas simulados. Resultados Energia O valor da energia ao longo da simulação é um parâmetro importante para determinar se o sistema está em um estado de equilíbrio. A energia é resultado da soma da energia cinética das partículas e da energia potencial das interações entre as partículas. O gráfico 1 apresenta a energia potencial dos sistemas com 2 moléculas de Levofloxacina nas tensões superficiais de 0 e 20 mN/m em função do tempo e do sistema com 20 moléculas de Levofloxacina nas tensões superficiais de 0 mN/m em função do tempo. Através da análise desses gráficos, é possível verificar que os sistemas se encontram em equilíbrio termodinâmico, pois a energia potencial dos sistemas varia pouco em relação ao tempo. Gráfico 1: Energia total no decorrer do tempo Departamento de Química Temperatura Através da análise do gráfico 2, verificou-se que a temperatura é praticamente constante e próxima de 310 K durante a simulação computacional, validando dessa forma a temperatura utilizada e os parâmetros termodinâmicos adotados na confecção dos sistemas. Gráfico 2: Temperatura no decorrer do tempo Análise Qualitativa do coeficiente de partição O coeficiente de partição (P) é um parâmetro usado para medir a lipofilicidade de compostos bioativos. Tanto a Claritromicina quanto a Levofloxacina apresentaram log P > 1. Esses dados foram qualitativamente de acordo com os dados experimentais de log P encontrados na literatura e demonstrou que esses fármacos tendem a ultrapassar com maior facilidade as biomembranas hidrofóbicas. Área por lipídeo A área média por lipídio (Apl) é uma medida da área ocupada pelo lipídio no plano da membrana e é calculada em função do tempo. Quando começa a variar pouco em torno de um valor é um indicativo da estabilidade estrutural da membrana. Lx – Dimensão da caixa de simulação no eixo x. Ly – Dimensão da caixa de simulação no eixo y. nLipidA – Número de lipídios por camada. Pela análise dos 3 gráficos a seguir, percebeu-se que nos últimos 10 nanossegundos a área por lipídeo é praticamente constante, caracterizando a estabilidade estrutural dos sistemas. Posteriormente, esse tempo foi utilizado para a análise do parâmetro de ordem dos fosfolipídios DPPC e POPC. Departamento de Química Gráfico 3: Área por lipídio em função do tempo para o sistema contendo 2 moléculas de Levofloxacina na tensão superficial de 0 mN/m. Gráfico 4: Área por lipídio em função do tempo para o sistema contendo 20 moléculas de Levofloxacina na tensão superficial de 0 mN/m. Gráfico 5: Área por lipídio em função do tempo para o sistema contendo 2 moléculas de Levofloxacina na tensão superficial de 20 mN/m. Departamento de Química Parâmetro de ordem O parâmetro de ordem é uma medida do grau de anisotropia da ligação C-H em relação ao vetor normal a membrana. Os parâmetros de ordem foram calculados para as cadeias aciladas dos fosfolipídios DPPC e POPC. Nessa análise, consideraram-se apenas os carbonos CH2 presentes na cadeia. Figura 3: Estrutura química do DPPC contendo as cadeias sn1 e sn2 e do POPC contendo as cadeias sn3 e sn4 com os átomos, analisados pelo parâmetro de ordem, numerados. O comportamento esperada para parâmetro de ordem é um curva onde o valor do parâmetro de ordem decai gradativamente para os átomos de carbono de maior índice. Isso porque à medida que se aproxima do termino da cadeia, os graus de liberdade são menos restritos. Dessa forma, apresentam uma maior desordem e um menor valor do parâmetro de ordem. Esse comportamento não ocorreu nas cadeias dos sistemas conforme observado pelo gráfico 6. Na cadeia sn1 e sn2 ocorre um leve aumento do parâmetro de ordem para átomos com numeração mais baixa e só depois ela segue o esperado. Esse leve aumento provavelmente ocorre em função da interação dos átomos de carbono com os átomos de oxigênio que estão próximos. Na cadeia sn4, ocorre um leve aumento entre os átomos 5-7. Isso deve ocorrer provavelmente por causa da interação com a dupla ligação da cadeia sn3 que está próxima desses átomos. Na cadeia sn3, o parâmetro de ordem é muito irregular em função da dupla ligação presente na cadeia que afeta a organização do sistema. Departamento de Química Gráfico 6: Parâmetros de ordem dos átomos das cadeias sn1, sn2, sn3 e sn4 dos fosfolipídios DPPC e POPC. Densidade A densidade foi medida tomando-se o centro do sistema como a origem do eixo Z. Através dos gráficos a seguir, é possível notar que o perfil da densidade foi o mesmo tanto para DPPC e POPC quanto para Levofloxacina. Indicando que esse antibiótico está adsorvido no filme constituído pelos fosfolipídios. Esse fato também foi comprovado pela observação dos sistemas, conforme ilustrado por um dos sistemas presentes na figura 4. Dessa forma, o surfactante exógeno pode atuar como um bom transportador para a droga. Gráfico 7– Densidade dos fosfolipídios e da droga em função da posição em relação ao centro do sistema contendo 2 moléculas de Levofloxacina na tensão superficial de 0 mN/m. Departamento de Química Gráfico 8– Densidade dos fosfolipídios e da droga em função da posição em relação ao centro do sistema contendo 20 moléculas de Levofloxacina na tensão superficial de 0 mN/m. Gráfico 9– Densidade dos fosfolipídios e da droga em função da posição em relação ao centro do sistema contendo 2 moléculas de Levofloxacina na tensão superficial de 20 mN/m. Departamento de Química Figura 4: Adsorção da droga pelo filme no sistema contendo 20 moléculas de Levofloxacina na tensão superficial de 0 mN/m. Conclusões A terapia com surfactante exógeno é bastante efetiva no tratamento de distúrbios respiratórios neonatais. No entanto, o seu uso associado a antibióticos no tratamento de adultos que apresentam alguma infecção ou inflamação ainda é bem questionável. Através da dinâmica molecular foi possível estudar a interação do antibiótico Levofloxacina com surfactante pulmonar. Pelas análises e observações dos sistemas, conclui-se que o surfactante pulmonar exógeno pode ser uma boa via de transporte para a droga. Nesse aspecto, pretende-se realizar testes experimentais na universidade. Departamento de Química Referências 1 - Odalys Blanco, Yuliannis Lugones, Octavio Fernández, Roberto Faure. An update on clinical surfactant preparations and respiratory disease. Biotecnología Aplicada, 2012; Vol.29, No.2: (53). 2 - Doyle Rose, Jennifer Rendell, Derrick Lee, Kaushik Nag, Valerie Booth. Molecular dynamics simulations of lung surfactant lipid monolayers. Biophysical Chemistry 138 (2008): (67) 3 - Malde AK, Zuo L, Breeze M, Stroet M, Poger D, Nair PC, Oostenbrink C, Mark AE. An Automated force field Topology Builder (ATB) and repository: version 1.0. Journal of Chemical Theory and Computation, 2011, 7(12), 4026-4037. 4 - Sebastian Rubert, Christian Gamroth, André J Heissmann, Gunther Lukat, Ralf Rotzoll, Alexander Schäfer, Jens Krüger, and Björn Sommer, The GMX- Plugin for the CELLmicrocosmos MembraneEditor. J Cheminform. 2012; 4(Suppl 1): P49. 5- Kandasamy, S.K. and Larson, R.G. Molecular dynamics study of the lung surfactant peptide SP-B1–25 with DPPC monolayers: insights into interactions and peptide position and orientation. Biophysical Journal, 2005, 88, 1577-1592.