Pombal

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Pombal – Diplomata em Londres e Viena de Áustria
Carlos Jaca
Publicado a 17, 24 e 31 de Maio e 7 de Junho de 2006
Desde os finais do passado mês de Março e prolongando-se até 14 de Dezembro (data de
reconhecimento do Douro, Património Mundial da Humanidade), organismos públicos e
privados têm promovido e continuam a promover vários eventos integrados nas comemorações
do 250º aniversário da fundação da Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro.
Como não podia deixar de ser, tem sido enaltecido o pioneirismo da iniciativa do
Governo do Ministro de D. José ao criar a 1ª Região Demarcada do Mundo, já que só muito
depois, em 1855, a região de Bordéus foi instituída.
A essas comemorações, provavelmente, deverá associar-se o “Diário do Minho”, através
do seu suplemento “Cultura”, em tempo considerado oportuno.
Assim, por agora, o objectivo é divulgar alguns dados biográficos do futuro Marquês de
Pombal que, em determinados aspectos, julgo desconhecidos da grande maioria, nomeadamente
a sua estadia em Londres e Viena de Áustria e que terão concorrido para o guindar ao Poder e
dominar o país durante 27 anos.
Alguns dados biográficos.
Sebastião José de Carvalho e Melo nasceu em Lisboa a 13 de Maio de 1699 e foi
baptizado a 6 de Junho na freguesia de Nossa Senhora das Mercês, conforme consta dos
Baptizados (1685 -1745), livro 2 B, fol. 80, existente no Arquivo Nacional da Torre do Tombo:
«Aos seis de Junho de seiscentos e noventa e nove baptizei a Sebastião, filho de Manuel
Carvalho e Ataíde, e de sua mulher D. Tereza Luiza de Mendonça: padrinho (avô paterno)
Sebastião José de Carvalho e Mello – o cura Luiz de Lima».
Descendente dos Carvalhos de Sernancelhe, vila da Beira duriense, seu pai era fidalgo da
Casa Real, capitão de cavalaria, e sua mãe pertencia à família dos morgados dos Olivais e de
Souto de El – Rei. Seriam esses Carvalhos da pequena nobreza empobrecida?
Os detractores de Pombal dirão que os antepassados do futuro primeiro-ministro «não
passaram de uma corja de litigantes, que traziam no sangue uma peçonha de inquietação e
ambição insofrida», e mesmo no tempo em que já dominava toda a política da Nação, não
faltavam «difamadores impressos» que tivessem inventado a existência, entre os seus
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antepassados, de um padre, Sebastião da Mata Escura, amancebado no Brasil com uma negra
chamada Marta Fernandes.
Carvalho e Melo era encarado com imensa suspeita pelos “grandes” do Reino e rotulado
como um misto de «plebeísmo e fidalguia postiça, homem rústico de hábitos populescos e
tendências intelectuais sem brilho».
Sendo assim, logo à partida, se verificava que Sebastião José
não era portador dos predicados indispensáveis para se alcandorar a
uma posição de relevo, de acordo com os padrões convencionais: falta
de nobreza, um título sonante e quanto a pergaminhos, nenhuns ou
discutidos. Por conseguinte, Carvalho e Melo não dispunha dos
requisitos para poder servir ao rei num posto importante da
administração, porque esta era em geral feudo da nobreza de “quatro
costados”, a nobreza “bacteriologicamente” pura.
Hoje, tem-se como certo que não pertenceu a seu avô e
homónimo o senhorio e morgado dos Carvalhos, de que Pombal, para
melhor reabilitar a família se apropriou em 1759, por morte do conde de Atouguia. Mais tarde,
os seus inimigos chamar-lhe-iam «fidalgote da rua Formosa», para assim deslustrarem a
ascendência do Secretário de Estado que não entroncava na alta linhagem.
Os dados que se conhecem levam-nos a situá-lo na zona de franja que separa a burguesia
da nobreza ou, talvez, mais exactamente, colocam-no de pleno direito entre a nobreza de toga,
situação a que parecia não querer resignar-se … queria pertencer ao mundo da nobreza de
sangue.
Embora não pertencesse à primeira nobreza do Reino, não tinha, contudo, a ascendência
baixa que os seus inimigos, com propósitos de o rebaixar, fizeram circular. Entre os seus
antepassados incluíam-se alcaides-mores, capitães do exército e da armada lentes da
Universidade, desembargadores, médicos e eclesiásticos. Portanto, a família do poderoso
ministro não era tão importante como poderia parecer pelo título, nem tão modesta como os
inimigos dele nos pretendem fazer crer… As honrarias só lhe foram concedidas em idade já
madura, o título de Marquês de Pombal foi-lhe outorgado em 1769, quando tinha 71 anos de
idade e, em 1759, tinha sido nomeado Conde de Oeiras.
Sebastião José era o mais velho de doze irmãos, quatro dos quais morreram ainda jovens.
As irmãs entraram para as ordens eclesiásticas. Geralmente, apenas são referidos os seus dois
irmãos mais conhecidos: Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que veio a ser Governador de
Grão – Pará e Maranhão e Secretário de Estado e o doutor Paulo António de Carvalho
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Mendonça, Cónego da Sé Patriarcal e membro influente do Santo Ofício. Existia entre eles uma
forte coesão. Os recursos financeiros e as propriedades eram geridas de acordo com o interesse
comum, pois nem Francisco Xavier nem Paulo de Carvalho se casaram. Os três irmãos estão
representados numa pintura, que junta os três e as respectivas armas no tecto do palácio de
Oeiras. Tem por título «Concordia Fratrum», «uma representação alegórica que também serve
para demonstrar que os três irmãos dominavam o Estado, a Igreja e o Império».
Ignora-se onde teria feito os estudos menores, mas tudo leva a crer que foi no Convento
franciscano de Nossa Senhora de Jesus, próximo do Solar dos Carvalhos e onde é, hoje, a sede da
Academia das Ciências de Lisboa.
Há quem afirme peremptoriamente ter Carvalho e Melo frequentado a Universidade de
Coimbra, mas tal versão carece de fundamento e a verdade é que no arquivo da prestigiada
Universidade não há registos de matrícula e de exame de um aluno com esse nome. E mais:
parece de algum modo estranho, o facto de em 1772, quando da entrega dos Estatutos da
Reforma Universitária Pombalina, Carvalho e Melo tivesse permanecido em Coimbra cerca de
um mês (22 de Setembro a 24 de Outubro), como consta de um “Diário” manuscrito existente na
Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga, e não haja do próprio, ou de quem quer que seja,
qualquer referência à sua passagem como escolar pela vetusta instituição.
Com Coimbra ou sem Coimbra, pouco interessa ao caso. Sebastião José revelaria através
da sua carreira uma cultura de nível bastante elevado, talvez superior à de muitos seus
contemporâneos. No Palácio de Oeiras teve uma biblioteca de autores portugueses, espanhóis,
franceses e alguns ingleses; obras de direito, história e clássicos. E parece não haver dúvida que
tivesse espírito arejado, não contaminado pelo academismo do tempo, adquirindo pelo seu
esforço de autodidacta uma sólida preparação basilar. No entanto, alguns autores portugueses
sustentam que Pombal teria sido «um homem de visão intelectual estreita, leitor de poucas
coisas, cultura cercada por preconceitos, e mais nada». Essa opinião é desmentida pelo que
Pombal escreveu privada e oficialmente.
Acrescente-se, ainda, que na casa da rua Formosa, entre 1717 e 1720, esteve sediada a
“Academia dos Ilustrados”, sob o patrocínio do avô paterno, que se dedicava a dissertações de
filosofia e literatura, sendo provável que o jovem Sebastião José estivesse algumas vezes
presente nas reuniões periódicas do pequeno grémio.
Os seus princípios de vida não foram fáceis. Por volta dos vinte anos de idade, e no
espaço de alguns meses, a morte ceifou-lhe o avô paterno, o pai e a avó materna. O Arcipreste
Paulo de Carvalho tornava-se agora o sustentáculo da mãe, da cunhada e dos sobrinhos.
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Aos vinte e três anos casava com uma senhora muito mais velha, tinha trinta e cinco anos,
viúva de um sobrinho, D. Teresa de Noronha e Bourbon Mendonça e Almada, pertencente ao
primeiro estrato da nobreza. Possuidora de muitos bens e sobrinha do 5º Conde dos Arcos, era
dama da Rainha D. Maria Ana de Áustria (esposa de D. João V) dispondo, por conseguinte, de
valimento cortesão, pelo que representava um bom partido para Carvalho e Melo.
A família de D. Teresa de Noronha não deu o acordo, sendo versão corrente que
Sebastião José a raptou do palácio dos Almadas e casou com ela por procuração, a 23 de Janeiro
de 1723, levando depois a esposa para o «campo do Mondego». Há quem pretenda localizar a
estadia do casal, durante este período, na Quinta da Capa Rota, integrada no lugar de Casconho,
na vila de Soure.
Já depois da sua queda do Governo, e com residência fixa em Pombal, escrevia daqui da
vila, a seu filho Henrique, em Junho de 1777: «Quando estive nestas terras morador, com mais
gosto daquele que hoje tenho…». Ora, esta declaração parece suficientemente elucidativa para
situar a estadia do futuro Conde de Oeiras, na Quinta da Gramela, próxima a Pombal, e que
pertencia a Gaspar da Costa Ataíde, ainda familiar dos Carvalhos da Rua Formosa. Sebastião
José afeiçoou-se de tal modo à Gramela que, antes de partir para Viena como embaixador,
procurou obter a quota por compra ou doação, conseguindo que uma provisão régia de 24 de
Fevereiro de 1744 (e que consta do tombo da propriedade) lhe concedesse o senhorio da referida
quinta e as suas pertenças. Carvalho e Melo tinha em tal consideração o título de “Senhor do
território da Gramela”, que em 1745, em Viena de Áustria, o vai invocar no contrato de
casamento com a Condessa de Daun.
Passados que foram sete anos, com o duplo aproveitamento agrícola e literário, volta
Sebastião de Carvalho ao convívio da sua família da Rua Formosa, iniciando os esforços para a
conquista de uma posição.
Ao regressar a Lisboa, Carvalho e Melo volta a participar na vida literária, reunindo-se
com muitos dos antigos membros da “Academia dos Ilustrados”, tendo sido patrono da pequena
e renascida tertúlia e transportando consigo «um bom cabedal de erudição, formado na calma do
viver campestre».
Em 24 de Outubro de 1733, na presença de D. João V, é recebido na Academia Real da
História como sócio de número. Ainda sem obra histórica, pode admitir-se que dons de
ilustração e de convívio lhe tivessem proporcionado a distinção. Barbosa Machado (“Biblioteca
Lusitana”) atribui tal distinção ao facto de Pombal «ser ordenado de notícias enciclopédicas»,
não sendo, porém, de rejeitar algumas influências de seu tio Paulo de Carvalho e Ataíde, lente da
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Universidade, Cónego da Sé Patriarcal de Lisboa, homem bem relacionado nas altas esferas do
Poder.
Foi aqui na Real Academia, que Carvalho e Melo começou a tornar-se conhecido, com
uma comunicação sobre o panegírico do 5º Conde da Ericeira, 1º Marquês do Louriçal, notável
vice – rei da Índia.
Aproxima-se dos quarenta anos quando conseguiu que lhe fosse confiada a primeira
missão pública, iniciando-se a sua trajectória política pela carreira diplomática exercida em
Londres e Viena de Áustria, entre 1738 e 1749.
Tão extensa quanto polémica, a bibliografia sobre Sebastião José de Carvalho e Melo
tem-se circunscrito praticamente à análise do período em que foi ministro de D. José. Mas o que
geralmente se desconhece, creio, é que o futuro Marquês de Pombal(1) protagonizou uma acção
diplomática anterior acerca da qual as informações são, na realidade, muito escassas.
Obviamente, também neste aspecto os juízos formulados não deixam de ser controversos,
tal como o período em que esteve à cabeça da administração do País. E nada há de estranho
nisso, se considerarmos Pombal como uma das figuras mais polémicas, senão a mais polémica,
de toda a História de Portugal e até talvez da história sua contemporânea.
Se bem que não exista ainda um perfeito conhecimento da sua presença nas cortes de
Londres e Viena, terá de rejeitar-se, por inconsistente, a opinião do Prof. Jorge Borges de
Macedo quando sustenta que «a missão não o prestigiou e não parece que o tenha preparado em
espírito crítico ou capacidade de organização», acrescentando, mesmo, que a biblioteca de
Carvalho e Melo não é muito elucidativa e é preciso provar que foi lida.
Completamente oposta, e bem fundamentada, é a opinião do Prof. J. S. da Silva Dias,
cuja competência no campo da investigação é de há muito justamente reconhecida.
Diz o ilustre investigador que o diplomata português apesar de absorvido pelas missões
profissionais no estrangeiro, conseguiu «lazeres para voos mais amplos, em termos de formação
para se realizar como político
E ainda: o catálogo da biblioteca pessoal constituída em Londres revela-nos um
conjunto de obras que «não foram adquiridas como ornamento residencial. Carvalho utilizou
frequentemente o seu magistério, e cita-as ou alega-as, de maneira directa ou indirecta, em
vários dos seus relatórios, representações ou pareceres, ilustrando com elas a sua doutrina ou
reforçando os seus argumentos».
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Atendendo às circunstâncias em que actuou, a acção diplomática de Pombal não pode
considerar-se pior do que a dos seus predecessores, e há mesmo quem a considere lisonjeira
dados os difíceis e até insuperáveis obstáculos que se lhe depararam.
Nota: (1) – Embora só em 1769 tivesse sido atribuído a Carvalho e Melo o título de
Marquês de Pombal, o uso enraizado dessa nomenclatura para o referir, permite utilizá-la
mesmo para situações anteriores à atribuição do celebrizado título.
Pombal diplomata: apoios recebidos.
A trajectória política de Carvalho e Melo iniciou-se pela carreira diplomática em 1738,
com a missão de enviado extraordinário
a Inglaterra.
Houve
quem
ficasse
surpreendido e até... despeitado (outros
terão sido preteridos), pela nomeação de
Pombal para um lugar que era dos mais
difíceis, mas simultaneamente, dos mais
honrosos da vida pública portuguesa.
Haja em conta que uma boa posição na
diplomacia funcionava, por via de
regra, como trampolim para alcançar o Poder, sendo certo que alguns embaixadores atingiram a
elevada posição de titular dos Negócios Estrangeiros; e daí a primeiro-ministro era uma questão
de... oportunidade.
Efectivamente, Londres era ponto de singular importância política para Portugal e, como
era habitual, D. João V despachava para os mais importantes postos diplomáticos, quase sempre,
fidalgos de título sonante, o que não era na circunstância o caso de Sebastião de Carvalho.
Ora, por volta desse ano de 1738, Carvalho e Melo não tinha pergaminhos de nobreza,
diplomas universitários, memórias históricas publicadas ou quaisquer outros serviços prestados.
Como explicar que um «fidalgote» obscuro ou um «plebeu com fumaças de nobreza» e sem
qualquer experiência no estrangeiro, surgisse imprevistamente representante de Portugal na
cidade do Tamisa? Não parece crível que D. João V estivesse a dar pouca importância à missão
diplomática portuguesa na Inglaterra.
Teria sido a sua escolha consequência de alguma indicação feita por burgueses ricos de
Lisboa, com larga influência na Corte?
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O mais provável é que a escolha se prenda à luta das «camarilhas» em torno de D. João
V, e que Sebastião José estivesse bem ligado ao grupo que integrava o Cardeal D. João da Mota
e Silva, Padre João Baptista Carbone e Marco António de Azevedo Coutinho; a «clique» ligada à
rainha era chefiada pelo jesuíta José Ritter (austríaco, confessor de D. Maria Ana), com quem
Pombal mantinha excelentes relações.
O facto é que Carvalho e Melo iria suceder na embaixada de Londres a Marco António de
Azevedo Coutinho, chamado a Lisboa para ocupar a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da
Guerra. Apadrinhamento poderoso foi o que foi, ou deve ter sido.
Pombal teria sido ajudado e lançado na carreira diplomática, muito provavelmente, pela
indicação de seu tio Paulo de Carvalho e Ataíde, lente da Universidade e que o deve ter
apresentado e recomendado com interesse ao Cardeal D. João da Mota, então primeiro-ministro
de D. João V. Homem de destaque e com certa influência na Corte, gozava de audiência junto de
Frei Gaspar da Encarnação, antigo reitor da Universidade de Coimbra e homem de bom conselho
junto de D. João V.
Assim, dentro deste quadro, não seria difícil a Paulo de Carvalho mover influências nas
altas esferas e colocar o sobrinho junto da Corte de S. James.
Outra circunstância que terá contribuído para acelerar o processo de nomeação, pode ter sido
a reforma que se verificou nas secretarias de Estado, em 1736, o que implicou o chamamento de
diplomatas para os cargos de governo e, ainda, o falecimento de António Guedes Pereira,
secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra.
Esta mexida a nível de governo, acabou por favorecer Pombal, permitindo que o
primeiro-ministro, D. João da Mota, aproveitasse a oportunidade para investir o sobrinho do seu
amigo Paulo de Carvalho como enviado extraordinário em Londres.
Os anos de Londres: observação e adaptação.
Embora a nomeação estivesse preparada desde meados de 1737, Carvalho e Meio só
deixou Lisboa a 8 de Outubro do ano seguinte, a bordo da nau inglesa «King of Portugal», vindo
a desembarcar em Londres no dia 19 onde o aguardava o primo e antecessor Marco António de
Azevedo Coutinho.
Como relata a «Gazeta de França», só a 29 de Novembro é recebido em solene e pública
audiência pelo Rei Jorge II, o que quer dizer que não assumiu o lugar imediatamente após a
chegada.
Marco António permaneceu em Londres até Junho de 1739, sob pretexto de resolver
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situações pendentes, mas na realidade o que ele pretendia era orientar o primo, homem sem
percurso diplomático e por consequência inexperiente nos assuntos com que iria lidar na
Inglaterra industriando-o nas subtilezas e dificuldades da política internacional.
Essa ajuda foi incontestavelmente proveitosa e até decisiva para nortear a enviatura
londrina de Carvalho e Melo, como se pode inferir pela leitura de uma carta, datada de Viena de
Áustria, que oito anos depois dirigia a Marco António testemunhando-lhe a sua gratidão pela
aprendizagem diplomática que fizera em Londres sob a sua orientação. Transbordando em
agradecimentos ao seu amigo e conselheiro diz, textualmente: «Alumiado pelos exemplos e
instruções de V. Ex., fiz o meu noviciado, e prossegui depois d'elle o meu ministério em
Londres.»
Durante cerca de oito meses, Azevedo Coutinho funcionando como mentor do novo enviado,
ensinara-lhe tudo o que pudera e considerara essencial. Mais tarde, os factos subsequentes
vieram demonstrar que o discípulo aproveitara bem as lições do mestre, assimilando rapidamente
os segredos e os processos da diplomacia, ao
menos no que toca à Corte de S. James.
Aprender e observar constituíram, sem
dúvida, os aspectos fundamentais do programa
de acção de um homem que em experiência
diplomática partia do ponto zero.
Justamente por isso, «procurou interpretar bem
a psicologia inglesa, bem como a maneira por
que a Inglaterra defendia os seus interesses na
órbita internacional. As informações de Carvalho e Melo denotam dedicação escrupulosa ao
fenómeno económico britânico. Por isso mesmo, as suas informações à Corte a respeito da
economia inglesa são altamente interessantes, revelando personalidade e observação. Sabendo
dos inimigos que deixara em Lisboa, Carvalho e Melo porfiava em impor-se, brilhar, sobressairse num extraordinário esforço de superação de personalidade. A sua missão diplomática adquiria
aos seus olhos um carácter excepcional».
A passagem diplomática de Carvalho por Londres podia ser uma cartada de vida ou de
morte, um momento decisivo e único, já que uma acção meritória no desempenho da sua missão
projectar-se-ia, certamente, no seu futuro político, concedendo-lhe mais cedo ou mais tarde o
estatuto de ministeriável.
Bastava, pois, que Carvalho e Melo alcançasse uma certa reputação na sua enviatura para
que, mais tarde, o capricho do monarca ou o favor dos protectores, o chamasse na primeira
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vacatura ao tão desejado posto de conselheiro e ministro do rei.
Sebastião José sentiu, desde logo, a importância da missão que lhe fora confiada, assim
como o valor das lições que diariamente aprendia em contacto com as realidades britânicas. No
seu posto de Londres teria de lidar com problemas políticos, económicos e comerciais, mas ao
mesmo tempo a Inglaterra constituía um magnífico campo nessa área para adquirir a experiência
que mais tarde tanto viria a influir na sua passagem pela administração «Josefina».
Espírito sedento de novas ideias, depressa se adaptou a um ambiente totalmente diverso
que era a sociedade culta, inteligente, progressiva e liberal britânica contrastante com o
obscurantismo e rotina peninsular.
Tudo pretendia ver e observar: «As sessões do Parlamento em que se discutia a política
internacional e onde, por vezes, se ditava o destino dos outros povos; a laboração das fábricas
que exportavam para todas as colónias e para tantos países, cuja economia, como a nossa,
dependia da Inglaterra: os hábitos e a estrutura da aristocracia britânica, que ainda guardava tanta
energia da nobreza medieval e que, sem perder uma perfeita distinção de maneiras se ia adaptando às novas condições de existência; os organismos que regulavam o comércio e a indústria.
Tentava surpreender o segredo do êxito inglês.
Tudo anotava, tudo analisava miudamente e, sobre as suas observações, elaborava extensos relatórios para o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e para o Rei D. João V,
já velho e doente, que os afastava da vista enfadado, pois nunca mostrara interesse por outros
negócios que não fossem os do ouro e os dos diamantes do Brasil e alguns amores… mais ou
menos clandestinos.
Mas, se os relatórios não aproveitavam, nesse melindroso momento histórico, aos homens do
governo, aproveitavam-lhe a ele, particularmente, apetrechando-o para a gerência dos negócios
do Estado com uma bagagem tão rica como nunca, até então, secretário ou ministro algum
possuíram em Portugal. Além da vida inglesa, podia observar, do seu magnífico posto de
Londres, toda a política da Europa, que ali tinha o seu eco mais puro e mais nítido. E tudo lhe
servia de lição».
Dificuldades e objectivos da embaixada londrina.
Não poderiam ser mais difíceis os primeiros passos de Carvalho e Melo ao chegar à
legação portuguesa de Golden Square. Para além de não possuir um pomposo título de nobreza
que sobre si chamasse a atenção da fidalguia britânica, Carvalho e Melo representava um país
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que muito decaíra e ao qual apenas o ouro e os diamantes do Brasil iam dando algum prestígio
internacional.
Efectivamente, a época desta embaixada foi uma das mais agitadas na história política da
Europa, com a Inglaterra e a França, as duas maiores potências de então, em constante
rivalidade, colocando a Portugal as maiores dificuldades e envolvendo-o, inequivocamente, em
situações de alto risco.
Pombal não deixaria de acompanhar, a par e passo, as questões que se debatiam acerca da
política mundial, informando a Corte de Lisboa, «com toda a individuação, das sessões do
Parlamento, das intrigas da diplomacia, dos movimentos de tropas, do aparelhar das esquadras, e
até das anedotas correntes no paço e nas embaixadas». Essa fase agitadíssima em que a trama
dos acontecimentos lançaria Portugal, para o tabuleiro do xadrez político europeu, iria pôr à
prova o altíssimo tacto diplomático de Carvalho e Melo.
A missão, segundo ele próprio o deixou escrito, tinha por assuntos principais «Inquirir as
causas, pelas quais era activo e opulento o comércio dos estrangeiros em Portugal, e passivo e
miserável o dos nossos nacionais; ocorrer à desigualdade, com que eram tratados em Londres
os portugueses em câmbio dos amplos e valiosos privilégios, que fruíram os ingleses em
Portugal; pôr um termo às insolências cometidas em nossos portos pelos comandantes dos
navios de guerra da Grã Bretanha».
Concretamente, a matéria diplomática com que o representante português teria de se
haver em Londres incluía dois objectivos específicos: conseguir uma solução favorável para
Portugal no contencioso anglo – luso respeitante ao comércio e navegação e apreender, na
própria Albion, os métodos e meios adequados relativamente a estes dois sectores, no sentido da
implantação de uma política nacional de desenvolvimento.
O referido contencioso agravara-se particularmente
durante a última fase do reinado de D. João V e, tanto o
Cardeal da Mota, como Alexandre de Gusmão e Marco
António de Azevedo Coutinho, reconheciam a necessidade
imperiosa de se conseguir uma plataforma de entendimento.
Porém, a astúcia do duque de Newcastle, então
secretário de Estado do Departamento Meridional, e a
convicção generalizada entre os ingleses de que Portugal seria
um aliado facilmente manobrável bloquearam praticamente as
negociações, circunscrevendo-se às questões pontuais. Mesmo assim, o decorrer dos contactos
depressa veio demonstrar que o Foreign Office não dava mostras de abertura para considerar
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como justas as nossas reclamações.
Ao mesmo tempo que vão decorrendo longas conversações com Newcastle e outros
ministros, Pombal aplica-se assiduamente a estudar tudo quanto se referia à Grã-bretanha e,
muito especialmente, no que dizia respeito aos mecanismos do seu poderio económico.
Debruçava-se sobre Montesquieu e os jusnaturalistas, documentava-se com os novos
historiadores e os novos economistas, dialogava com políticos, funcionários e empresários e,
«meditando sobre a sua experiência pessoal de diplomata descobriu, com uma lucidez
impressionante, em menos de dois anos, o porquê da prosperidade inglesa e o onde do verdadeiro
contencioso entre Portugal com a Inglaterra».
Apoio militar para a Índia.
O primeiro problema que lhe cabia resolver com o Gabinete de S. James e, na sequência
das negociações iniciadas pelo seu, antecessor, dizia respeito ao Estado Português da Índia: obter
socorro militar do rei Jorge II para reconquista da ilha de Salsete, situada perto de Bombaim,
onde os Maratas invasores tinham posto em apertada situação as forças portuguesas. A própria
Bombaim fora colónia de Portugal, mas havia sido cedida à Inglaterra no dote de D. Catarina de
Bragança e, posteriormente, alugada à Companhia das Índias.
A ilha de Salsete estava constantemente sujeita ao ataque dos Maratas do continente, e o
governo português instruíra o seu enviado em Londres para obter auxílio dos ingleses.
Instalados ali desde Abril de 1737, depois de forte arremetida que o governador D. Pedro
de Mascarenhas não conseguira rechaçar, os Maratas constituíam nessa posição um perigo
latente para as praças de Chaúl e Baçaim, sobretudo esta última considerada uma rival de Goa
pela grandeza urbana e valor comercial.
Nesta emergência, o governo português invocando a secular aliança procurava obter o apoio
militar da Inglaterra, só que os esforços desenvolvidos por Carvalho encontraram a mais viva
oposição.
Por esta altura estava, em pleno crescimento a Companhia das Índias Ocidentais, sediada em
Baçaim, e que em face das nossas pretensões adoptou um comportamento estranho ou... talvez
não!
O primeiro-ministro britânico, Sir Robert Walpole, ao receber as representações portuguesas sondou a City e pediu à Companhia das Índias a sua opinião naquele assunto, o que de
facto veio a suceder com o envio de um memorando ao duque de Newcastle. Esse memorando
foi enviado à nossa legação e nele se revelava a existência de arrastadas disputas entre as
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feitorias inglesa e portuguesa de Bombaim e Salsete.
A resposta de Pombal ao memorando salientava a necessidade de uma colaboração
recíproca no Oriente, e informava que pedira esclarecimento a Lisboa sobre as queixas
apresentadas.
Em conclusão, poderá dizer-se que o ministro Walpole ia protelando a resposta dando
tempo a que os britânicos consolidassem os seus espaços de comércio, pois o «declínio
comercial dos portugueses servia plenamente os interesses da Companhia de Bombaim, desejosa
de obter para a Inglaterra posições chave, como Baçaim e Chaúl, que faziam parte do nosso
Império Oriental».
O Governo de Jorge II alegava que para nos conceder o auxílio de tropas era indispensável a
anuência da Companhia das Índias, enquanto que esta, por sua vez, ia evocando pretextos em
série para não permitir a colaboração britânica.
Ao Enviado português, que estava atento e suficientemente envolvido na trama dos
acontecimentos, parece não lhe ter sido difícil detectar os motivos porque a garantia da ajuda
inglesa permanecesse em situação de impasse: a Companhia recearia a possível oportunidade de
contrabando que seria proporcionada aos navios de guerra participantes na expedição, para além
de que a animosidade dos indígenas servia com vantagem os desígnios da referida Companhia,
na esperança de que os portugueses viessem a ser definitivamente expulsos da Índia. «A estas
razões – dizia Carvalho, ajunta força incontestável a grande dependência que Roberto Walpole
tem daquela Companhia e a condescendência com que obra pelos seus ditames». Paralelamente,
em Lisboa o Governo português fizera diligências junto do embaixador Tirawley, diligências
essas que não tiveram melhor sucesso do que as do nosso representante em Londres, embora este
fosse sempre enérgico na sua argumentação como se conclui da sua correspondência sobre o
assunto.
Como a situação de impasse se mantivesse D. João V viu-se obrigado, em Abril de 1740,
a enviar para o Oriente o 1º Marquês do Louriçal e que durante os anos de 1740-42 período em
que foi vice-rei, conseguiu alguns êxitos militares sobre os Maratas, tendo ficado o caso
resolvido, por então
Situação de Portugal perante a Espanha e a Inglaterra: a Colónia de
Sacramento.
A guerra que por volta de 1738 estoirou entre a Espanha e a Inglaterra criava a Portugal
uma posição difícil, apesar da política intransigente de D. João V em manter-se neutro.
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O conflito aberto com a Espanha prejudicava a navegação desta com Portugal, porquanto
navios de guerra britânicos apresavam navios mercantes espanhóis em águas nacionais, criando
situações que se repercutiam na política externa de D. João V.
Pombal recebia instruções para protestar contra a violação de neutralidade mas, ainda que
o fizesse com energia, o governo de Madrid não deixava de apresentar protestos a Lisboa, de
modo que as relações entre as duas cortes peninsulares iam esfriando.
O representante português fora informado de que os ingleses pretendiam assaltar
domínios espanhóis na América do Sul, parecendo sua intenção apossar-se de Buenos Aires,
vizinha da nossa colónia de Sacramento, e estabelecendo-se definitivamente nas margens do rio
da Prata.
As pretensões da Inglaterra aos territórios do Prata
alarmaram a Espanha e, apesar de nossa velha aliada, também
com justa razão a sua presença nas proximidades de Sacramento
causava sérias apreensões a Portugal. A colónia de Sacramento,
à beira do Prata e frente a Buenos Aires, constituía desde a sua
fundação em 1678, um foco gerador de hostilidade constante
com a Espanha, tendo sido retomada e restituída diversas vezes
pelas forças castelhanas. Perdida, uma vez mais foi restituída ao
senhorio português em1713 por disposição do Tratado de
Utrech.
A rivalidade entre os dois povos peninsulares nesta região da América devia-se ao facto
da colónia gozar de notável prosperidade, proveniente do contrabando que se fazia para o interior
dos domínios de el-rei de Espanha. A fim de conseguir a posse efectiva do território, cujo
fundamento assentava em convenções anteriores, o Gabinete de Lisboa desenvolvia infatigável
actividade negociando, em simultâneo, com Paris, Londres e Madrid.
Ao mesmo tempo que pretendia atrair para a sua roda o Cardeal Fleury com as vantagens
de um tratado comercial, dava a entender ao Governo de Jorge II a possibilidade de uma aliança
com a França e a Espanha o que constituiria séria ameaça, já que a sua concretização implicava
para as esquadras britânicas a perda de uma base indispensável de apoio na Península Ibérica.
Ora, D. João V desejava não só conservar Sacramento, mas também recuperar territórios
adjacentes à colónia que os espanhóis nos tinham arrebatado nessa zona, sem contudo chegar a
um conflito armado que, a consumar-se, seria sempre de consequências imprevisíveis.
O Gabinete britânico pressionava Portugal a envolver-se na contenda acenando-lhe com a
possibilidade de vir a recolher vantagens na América, só que essas vantagens nem de longe nem
Carlos Jaca
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de perto, compensavam os males da invasão na metrópole, inevitável com a fronteira indefesa e
o exército desorganizado.
Perseguindo a navegação castelhana por toda a parte e demonstrando descaradamente o
maior desprezo pelo direito internacional, a Inglaterra justificava-se pela boca do Duque de
Newcastle ao afirmar que «Sua Majestade Britânica tinha todas as disposições de concorrer
para as vantagens de Portugal, tanto como para a ruína de Espanha».
Considerado o problema do Prata como um dos assuntos mais delicados e importantes da
missão de Carvalho na Corte britânica, o diplomata português não descurou as negociações junto
do Gabinete de S. James, com o facto de robustecer o Tratado de Utrech por meio de uma
declaração de Walpole a respeito da soberania de Portugal sobre o território da colónia de
Sacramento até ao mar. Ainda que não lhe fosse fácil conseguir semelhante declaração, que os
ingleses julgavam, ou pretendiam, desnecessária, Carvalho e Meio obteve-a: «Que S.M.B.
reconhecia que o território que está da Colónia do Sacramento para o Norte e para Leste, até à
costa do mar inclusive, é pertencente a S.M. pelo Tratado de Utrech, de que esta Corte é
garante; que nesta certeza se limitariam desde logo as ordens e instruções dos generais e
comandantes ingleses em devida forma a respeito do mesmo território; que se poria uma
cláusula limitativa na proclamação de Abril do ano passado; e que El-Rei britânico declarava
nulo, violento e contra as suas ordens e intenções qualquer atentado a estabelecimento que se
fizesse nos referidos limites por soldados ou quaisquer outros vassalos ingleses, deixando desde
logo a El-Rei N.S. a acção de os lançar fora, ou por si ou com a ajuda de S.M.B., se necessário
fosse; e castigando-se os que com tal intento pusessem em execução, como piratas e
perturbadores da paz entre as duas nações».
Embora tratando-se, sem dúvida, de uma vitória diplomática importante alcançada pelo
representante português, as dificuldades não ficaram por aí.
A guerra da sucessão da Áustria, originada pelo falecimento, em Outubro de 1740 do
Imperador Carlos VI, da Alemanha, veio agitar o mundo político reavivando a tradicional
hostilidade entre a Espanha e a Inglaterra, tornando frequentes as violações de neutralidade por
parte dos britânicos.
Logo a partir do início da guerra, «os capitães ingleses procediam, nas costas de Portugal, com arrogante desenvoltura, como fariam nas do seu país, ou de nação inimiga. À
entrada dos portos perseguiam, faziam dar em terra, e apreendiam, ou destroçavam quando
encalhados, os barcos espanhóis. Desprezando os sinais, e até os tiros dos fortes, iam buscar as
presas acolhidas à protecção das batarias da costa».
Carlos Jaca
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O Governo de Lisboa reclama, Pombal protesta, o Almirantado promete fazer cessar os
abusos e desrespeito à neutralidade, mas as desatenções à nossa soberania nacional continuavam,
actuando como se estivessem em território seu, procedendo como se não existíssemos. Pombal,
agindo em função das instruções recebidas de Lisboa, enviava ao Duque de Newcastle uma
primeira representação relativa à violação do direito de neutralidade por marinheiros britânicos,
referindo em que ocasiões a neutralidade havia sido violada.
Carvalho e Melo, prosseguindo com as negociações, apresentava em 1741 um memorial
contendo dezanove reclamações específicas a respeito de incidentes. Às reclamações respondia o
Governo Britânico alegando ignorância dos factos, mas constatada a exactidão deles, fá-los-ia
cessar, apelando para as informações e providências do Almirantado; ia no entanto, com
subterfúgios, adiando e impedindo que as negociações chegassem a bom termo e tivessem pleno
cumprimento.
Os incidentes na costa continuavam, tornando mais enérgicos os protestos de Pombal. Em
Fevereiro de 1742, o embaixador português assume atitude audaciosa ao ameaçar Walpole com
uma quebra formal de relações diplomáticas, podendo proibir a entrada de quaisquer navios
ingleses em portos nacionais o que, para além de outras implicações, poria em perigo o comércio
britânico. E mais: não estaria ainda excluída a possibilidade de Portugal se vir a entender com a
França e a Espanha, atendendo aos laços de parentesco existentes entre a família real e a do país
vizinho, e «seduzido pelas sugestões da Corte, se passasse realmente ao inimigo».
Esta atitude corajosa do ministro de D. José parece ter impressionado o Gabinete
londrino, que se mostrou receptivo a transigir acabando mesmo por apresentar desculpas a
Portugal. Acontece que, ainda nesse mês de Fevereiro, uma revolução política faz cair o
Ministério Walpole e, se este acreditou na ameaça de Carvalho e Melo, Pelham procedeu de
maneira diversa dando pouco crédito aos protestos do nosso representante.
Analisando o problema talvez com mais calma do que os seus predecessores, «os novos
ministros compreendiam que Portugal se não abalançaria facilmente a uma resolução tão ousada;
que a neutralidade, mesmo violentada, era, para uma nação fraca, a mais conveniente situação».
O Governo Britânico terá chegado à conclusão de que Portugal era demasiado frágil para
se atrever a cumprir a ameaça e... tinha razão nas suas suspeitas.
Relação dos gravames do comércio e vassalos de Portugal na Inglaterra.
As situações motivadas por eventualidades de ordem política não foram as únicas que o
diplomata português iria debater na corte londrina. Outro dos objectivos da enviatura dizia
Carlos Jaca
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respeito ao conhecimento dos negócios internacionais, aos métodos do desenvolvimento
económico adoptados nos progressivos países do norte, Inglaterra e Holanda sobretudo.
Com efeito, durante a sua residência na Grã-Bretanha, o estado já florescente das suas
indústrias e as qualidades que a tornavam a primeira entre as nações navais e mercantis, haviam
de prender-lhe a atenção e reflectir-se em alguns aspectos da sua actuação enquanto estadista.
No que diz respeito a relações económicas com a Inglaterra, Carvalho e Melo levava na
bagagem a incumbência de renegociação dos tratados na base do princípio de reciprocidade e do
exclusivo português do seu comércio ultramarino; competia-lhe, ainda, procurar levar o Governo
Britânico ao fiel cumprimento sobre direitos dos súbditos, de modo que as vantagens que
gozavam os ingleses no nosso país tivessem correspondência para os portugueses no Reino
Unido.
Acerca desta matéria tinha-lhe sido recomendado que, antes de qualquer negociação,
estudasse os tratados e elaborasse com todo o pormenor um relatório que deveria ser apreciado
em Lisboa. Efectivamente, foi por via dessas instruções que o representante português, em estudo minucioso, iria remeter ao Governo de D. João V o documento denominado «Relação dos
Gravames do Comércio e Vassalos de Portugal» título que, só por si, revela claramente a
orientação desse trabalho.
Nessa elaboração são patentes, no dizer de J. Lúcio de Azevedo, os dotes de um espírito
observador e de um fino entendimento, as faculdades de estudo frutuoso e reflexão bem
conduzida, ao mesmo tempo que não esconde, em muitas partes, a parcialidade de quem votava
aos ingleses, politicamente, a mais forte antipatia.
Também não deixa de focar a nociva influência britânica no comércio português
referindo-se, particularmente, aos ingleses residentes que negociavam em Portugal e, isto, por via
do açambarcamento e exportação do ouro, falsificação de vinhos, imunidades abusivas,
privilégios tais como a isenção de impostos. E acrescenta ainda, que os súbditos de S.M.B.
residentes em Portugal dispunham de foro privativo, licença para andarem armados em toda a
parte, até mesmo em lugares onde isso era vedado aos nacionais.
Por este tempo, era numerosa a colónia inglesa no nosso país e que, por mercê de
recursos disponíveis, quase todo o comércio do reino lhe pertencia, considerando o futuro
ministro que: «Todo o dinheiro que gira é dos ingleses, que fazem adiantamentos aos
produtores; enviam mercadorias ao Brasil, com nomes supostos de portugueses; lotam os vinhos
e falsificam-nos, destruindo a boa fama do produto.» Aqui ressaltavam já os fundamentos que
iriam servir de base à fundação da Companhia do Alto-Douro. Carvalho e Melo punha o dedo na
ferida, mas indicava o remédio para a causa.
Carlos Jaca
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Considerando mesquinha a participação de Portugal nos lucros do seu comércio externo,
Pombal apontava para um projecto baseado no desenvolvimento das relações com as colónias:
«Todo o negócio, que se faz nos países de uma dominação estrangeira, é mal seguro e muito
contingente – afirmava –; e quando é mais lucroso, tanto se julga de maior perigo. A ambição e
a cobiça inspiram nas outras nações contínuos desejos, de que nascem os frequentes projectos,
para o impedir ou para o usurpar... Nenhum desses perigos receia o comércio, que se faz para
as colónias próprias. Cada nação monopoliza o tráfico das suas, e exclui delas as nações
estranhas irremissivelmente. Tais não são as leis de Portugal e Espanha. Tais são as que o Acto
de Navegação de 1660 prescreveu à Inglaterra. Tais da França, Dinamarca e todas as potências
que possuem colónias ultramarinas. De onde resulta que este é só o comércio seguro e perpétuo,
porque é próprio e sem sujeição aos projectos, em que todos os outros mais cedo ou mais tarde
acham a ruína.».
Com efeito, o projecto que visava privilegiar as relações com as colónias (e neste caso a
Índia) era um trunfo notável na “manga” do futuro estadista só que, como veio a verificar-se, não
chegou para ganhar a “partida”, sobretudo porque algumas “cartas do baralho” de Lisboa
estavam “viciadas”.
Projecto de uma Companhia para a Índia.
Como já referi, Carvalho e Melo muito aprendeu em contacto com a realidade britânica,
especialmente no sector do comércio e navegação.
Logo que chegou a Lisboa apresentou um projecto, devidamente elaborado em Londres,
propondo
a
fundação
de
uma
empresa
comercial, de economia mista que pudesse
competir com a Companhia da Índia, herdeira
do Império Lusitano e das conquistas holandesas e francesas em terras asiáticas. no
subcontinente asiático.
O diplomata português conhecera em
Londres um antigo funcionário da Companhia
britânica no Oriente, Cleland de seu nome, o
qual, não se sabe bem por que motivos havia
pedido a exoneração – certamente, terá sido o
despeito que o levaria a procurar Carvalho e Meio, nascendo das repetidas conversações entre os
Carlos Jaca
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dois o projecto de uma companhia para os domínios da Índia, igual à da inglesa.
Pombal estuda afincadamente a proposta de Cleland, de inegáveis vantagens nacionais,
considerando a sua concretização uma contribuição importante para o regresso do mercantilismo
português. Porém, não é de rejeitar que Carvalho tencionasse fazer parte da empresa, auferindo
os respectivos lucros, e isto porque... em 1756, no rol dos mais fortes accionistas da Companhia
do Alto Douro figurava o próprio Pombal e alguns membros da sua família.
Pombal confiava no projecto e o inglês confiava plenamente no nosso embaixador, uma
vez que o sabia aparentado com Marco António de Azevedo Coutinho, Secretário dos Negócios
Estrangeiros.
Algum tempo antes de regressar a Portugal, Sebastião José pensando que o projecto tinha
“pernas para andar”, redigia um memorial destinado a Lisboa, mais propriamente ao Cardeal D.
João da Mota e Silva, fundamentando e descrevendo as vantagens do seu plano: «O génio e o
costume dos ingleses é trabalharem infatigavelmente na mocidade, com o objecto de fazerem
ditosa e descansada velhice. Todos os meios que podem conduzir a este fim são reputados por
decentes em Inglaterra: de sorte que, entre os caixeiros dos mercadores que residem nesta corte,
uma parte deles são filhos segundos ou terceiros de lordes, ou de pessoas ilustres deste reino...
Observando eu, com aquela reflexão que em mim podia caber, os estabelecimentos e os
progressos das companhias orientais da Europa, tirei por consequência. da combinação de
todas, que, por mais sólidos e considerados que fossem os princípios sobre que se estabeleceram
essas sociedades, todas as providências e cautelas que se tomaram foram sempre inúteis,
enquanto na execução prática dos seus planos não interveio o concurso de um certo número de
mercadores... Os ministros de estado e políticos, que concorreram na maior parte dos tais
estabelecimentos, esmeraram neles o primor da sua grande dextridade e instrução. Não basta
porém isso; porque a função dos ministros não se estendia a mais do que a formar os planos
sabiamente; restava depois a execução que só pertence ao mecanismo dos homens de negócio».
Neste memorial, datado de 19 de Fevereiro de 1742, o Enviado português à Corte de S.
James destacava a grandiosidade do projecto, sublinhando que, na Inglaterra, os empreendimentos deste género tinham o apoio entusiástico de uma burguesia rica e esclarecida.
Bem, mas isso era na Inglaterra…
Pelo Outono de 1743, o futuro Marquês de Pombal alegando problemas de saúde pedia à
Secretaria de Estado autorização para se deslocar a Lisboa: «Há mais de quarenta dias que passo
enfermo. Os remédios em nada têm aproveitado. Antes me têm enfraquecido muito mais do que a
mesma doença que em si é uma sufocação dos espíritos animais com suores precedidos da
mesma debilidade da natureza...»
Carlos Jaca
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O diplomata português suportava com dificuldade os rigores do clima londrino, não
sendo poucas vezes que dizia sentir-se doente. Para além da justificação apresentada, é muito
provável que Carvalho e Meio desejasse aproveitar uma oportunidade para tratar de assuntos
pessoais, informar-se sobre a situação política e, sobretudo, influir na fundação da Companhia da
Índia.
Após ter chegado a Portugal, em período de licença, chama Cleland a Lisboa apresentando-o como suporte e informador abalizado do plano da Companhia da Índia. No entanto, a
argumentação invocada não foi suficiente para lançar um projecto «audacioso de mais para
receber a aprovação de um conselho de ministros rotineiro e confiado nas minas do Brasil, que
supunham inexauríveis».
O Cardeal da Mota parece ter concluído que o projecto devia ser arquivado. Ferido com a
indiferença e sem o auxílio do Cardeal, Carvalho e Melo sentiu um profundo golpe no seu
orgulho ao ver que o famoso plano se malograva perante uma Corte obscurantista, desistindo de
fazer-se ouvir nas altas esferas onde se instalara a inércia e o rotineirismo.
Por outro lado, também os seus poderosos inimigos estariam interessados em apresentar
como fracasso a missão de Inglaterra e, desse modo, provocar a sua transferência para um posto
susceptível de o «queimar». Esse posto era Viena de Áustria, onde havia... um problema
complicado.
Os anos de Viena. Conflito Viena – Roma.
Tomando por base algumas fontes documentais, parece poder inferir-se que o regresso de
Carvalho e Melo a Lisboa após a sua enviatura londrina não teria, pelo menos em princípio,
carácter definitivo. Muito provavelmente, o pretexto de um merecido período de férias servirlhe-ia para tratar de assuntos de ordem particular, apalpar o pulso ao meio político, fazer o ponto
da situação e, sobretudo, através de sondagens, conseguir os apoios imprescindíveis que dessem
corpo ao seu projecto de criação da Companhia das Índias.
De facto, enquanto esteve em Lisboa, Sebastião de Carvalho teve ocasião para poder
observar e estudar «in loco» os abusos que reinavam em todos os ramos da administração. Com
o seu «olho de lince» examina as diferentes repartições públicas; de Londres trazia na bagagem
judiciosas reformas, concluindo que a falta estava nos governantes e não nos governados
encontrando o País «infestado de ladrões, o comércio decaído, a propriedade nas mãos da
nobreza»...
Embora “apadrinhado” pelo Cardeal da Mota, Marco António de Azevedo Coutinho e
Carlos Jaca
19
bem “encostado” a três jesuítas poderosos: Padre João Baptista Carbone, conselheiro e
mandatário de El-Rei para certas esferas da Administração Pública, Padre José Ritter, austríaco,
confessor da Rainha e Padre José Moreira, confessor do Príncipe Real, Carvalho não regressa à
Corte de S. James e nem sequer a Lisboa.
A partir de 1743 agravavam-se as relações diplomáticas entre o papado e a Corte de
Maria Teresa, Rainha da Hungria e da Boémia, mais tarde Imperatriz.
O problema era, de facto, complicado, visto tratar-se de uma questão política de grandes
repercussões. Bento XIV, que era então o chefe da Igreja, via-se constantemente solicitado pelas
potências católicas no sentido de lhe captarem a influência em benefício da política de espoliação
que ambicionavam, constituindo-se a Corte de Roma em centro de intrigas onde pontificavam os
agentes diplomáticos de Paris e Madrid, empenhados em impedir as pretensões de Maria Teresa
que, no dizer de um historiador francês, foi «o único homem que os Habsburgos tiveram».
Inicialmente, as dissenções entre a Corte austríaca e a Cúria Romana resumiam-se a dois
pontos essenciais: Maria Teresa exigia que Monsenhor Mário Mellini, Auditor da Rota do
Tribunal Vienense, fosse elevado ao cardinalato como lhe tinha sido prometido pelo Cardeal
Kollonitz no tempo do Imperador Carlos VI e, ainda, que o Papa exonerasse do cargo de
Secretário de Estado Pontifício o Cardeal Valenti, bem como afastasse da Secretaria de Estado e
de outros serviços os ministros desafectos à Casa de Áustria. Dentro do Sacro Colégio dividiamse os partidos, prevalecendo a oposição à Casa de Áustria, sendo público e notório que o Cardeal
Valenti, inimigo declarado de Maria
Teresa, liderava essa oposição fazendo
o jogo de outros cardeais, bem como da
Corte de Lisboa.
Obviamente, a soberana austríaca
teria todo o interesse na insistência do
capelo
cardinalício
homem
dedicado
para
à
Mellini,
sua
causa,
diligenciando introduzir na Cúria um
representante
inteiramente
à
sua
devoção que inviabilizasse as tramas da
facção hostil, só que... Bento XIV em boas relações com a Corte de Madrid, não quer ceder no
contencioso entre Bourbons e Habsburgos. Vendo-se colocado entre dois fogos, e de grandes
proporções, o Santo Padre acabou em princípio por «roer a corda», voltando com a palavra atrás
Carlos Jaca
20
e tentando justificar-se perante o Gabinete austríaco com argumentos nem sempre bem
fundamentados.
A Santa Sé alegava não ter havido da sua parte promessas formais, mas apenas uma
esperança pendente de vários condicionalismos, sendo um deles abster-se Mellini de manifestar,
como até aí fizera sempre, a sua excessiva parcialidade pela Corte de Viena. Ora... «continuando
o prelado a apregoar altamente essas inclinações, não podia sem escândalo, e motivado
desgosto das outras potências, ser investido na púrpura».É certo que a notória simpatia de
Mellini pela Áustria tornaria a nomeação desagradável às potências estrangeiras. Porém, a
argumentação não colhia, voltando-se mesmo contra Bento XIV que, pouco antes, e contra a
doutrina invocada, promovera ao cardinalato Lanti e Monti, adversários confessos da Casa de
Áustria e dedicados servidores da Casa de Bourbon, reinante em Espanha e França.
Sob este ponto de vista as reclamações de Maria Teresa não deixavam de ser razoáveis, o
mesmo não sucedendo com a exigência que fizera ao Papa para exonerar o Cardeal Valenti e
outros prelados, funcionários subalternos, como desafectos à Corte austríaca. Naturalmente esta
exigência causaria estrondo, sendo explorada em todas as cortes interessadas em abalar o
prestígio da Áustria.
Como a Santa Sé não mostrasse empenho em cumprir a promessa, o dissídio tinha
tendência a alargar-se. Posteriormente, após a designação de Francisco I, marido de Maria
Teresa, para rei da Baviera, em 15 de Setembro de 1745, surgiram mais duas questões
suplementares: Bento XIV negava o reconhecimento do Imperador como rei da Baviera, e
Francisco I exigia a concessão do Breve de Elegibilidade para o Eleitor de Mogúncia. (O Breve
de Elegibilidade permitia ao Eleitor de Mogúncia, usufruir o direito de acrescentar à sua
Arquidiocese, um certo número de benefícios dispensando a respectiva licença papal).
Eram evidentes, em Maria Teresa, os planos de centralização religiosa, quando exige a
atribuição do barrete cardinalício para Mellini, o que implicaria o direito de Nomina e o Breve de
Elegibilidade permitindo, assim, ao Eleitor de Mogúncia, outra liberdade em relação aos Estados
Pontifícios.
Não era fácil concertar este conflito, porque a violenta oposição entre o Secretário de
Estado Pontifício e o Conde Weldfeld, Grão Chanceler da Rainha da Hungria, parecia tornar
impossível toda e qualquer solução, directamente negociada entre os dois adversários.
Ora, se não havia possibilidade de transigência entre ambas as Cortes, então o recurso
constituiria numa mediação sendo, no entanto necessário que o mediador fosse bem ouvido pelas
partes em litígio.
Carlos Jaca
21
Mediação portuguesa.
Durante os cerca de quarenta e quatro anos que governou o País, as grandes preocupações
de D. João V centravam-se na conservação de uma «neutralidade honrosa no meio dos conflitos
europeus, e manter o prestígio da realeza pelo exercício ilimitado do poder e pelo fausto sem
precedências».
A conveniência e a persistência de D. João na manutenção dos princípios de neutralidade
apoiava-se, significativamente, em bases de ordem económica e estratégica -Portugal dispunha
de ouro e de produtos com grandes cotações nos mercados do Norte europeu; também a sua
posição estratégica na costa europeia, ao largo do Atlântico e até no Indico, constituía uma
aliança muito desejada da parte de outras potências ou, então, preferível a sua neutralidade
evitando que essas vantagens fossem utilizadas pelos adversários. Em algumas ocasiões,
proclamada já a neutralidade, Portugal resistira, inclusivamente, às pressões britânicas que o
quiseram envolver no conflito.
Apesar de bem conhecida a orientação diplomática de D. João V, de não ingerência nas
questões políticas europeias, o soberano português autoriza a enviatura de um medianeiro a
Viena de Áustria com a missão extraordinária de conciliar a Corte de Maria Teresa com a Santa
Sé, tentando contribuir, desse modo, para desbloquear um conflito que poderia tomar proporções
internacionais.
Assumindo o conflito tão grave carácter, e dado que nenhum dos antagonistas queria
fazer a favor do outro a mais pequena concessão, não é de estranhar que o Papa Bento XIV
resolvesse apelar para a Corte de Lisboa no sentido de que D. Maria Ana, Rainha de Portugal,
como cristã e austríaca, interviesse na questão. Segundo crêem alguns autores portugueses, teria
sido Manuel Pereira Sampaio, embaixador português em Roma, quem sugerira ao Papa a
mediação neste conflito.
Para melhor esclarecimento deste processo não pode deixar de levar-se em conta uma
carta inédita do Padre Carbone, verdadeira «eminência parda» da política portuguesa. Essa carta,
dirigida a Sampaio em Dezembro de 1743, fornece-nos as seguintes informações:
«... Dei parte a S. M. dos intentos do Papa de recorrer à sua mediação para compor as
diferenças da Rainha da Hungria com a Corte de Roma; e sem embargo de repugnar sempre o
mesmo sr. a semelhantes ofícios, por justas causas que para isso tem (e se tivera sem dúvida
escusado de aceitar a dita mediação se lha pedisse qualquer outro príncipe), contudo o
particularíssimo amor, veneração e obrigações, que deve a S. S. não só lha não farão recusar,
mas lha farão aceitar com muito gosto, e com verdadeiro desejo dos seus efeitos. E como na
Carlos Jaca
22
ocasião em que eu lhe falei neste particular, se achava presente unicamente a Rainha Nª. S.ª lhe
intimou logo S. M. que também ela havia de escrever a S. Sobrinha, quando chegasse a proposta
do Papa. Desta notícia, que dou a V. S. faça o uso, que melhor lhe parecer, ou revelando tudo a
S. S., ou seguindo o meio, de que me diz se valeu, de consultar a Dom Luís da Cunha».
Pelo documento referido é líquido depreender-se ser intenção de Bento XIV recorrer à
mediação de D. João V, pois diz o jesuíta Carbone: «dei parte a S. M. dos intentos de recorrer à
sua mediação»...
Como se tratasse de assunto tão delicado não parece provável que a ideia tivesse partido
de Sampaio, mas sim que a iniciativa do convite pontifício ao Rei português partisse do próprio
Bento XIV, sendo natural que desta ideia ou plano o ministro de Portugal em Roma tivesse tido
conhecimento com alguma antecedência e dentro do máximo sigilo.
Por carta datada de 30 de Janeiro de 1744, o Papa parece ter voltado a insistir na mediação portuguesa entre as duas potências, pelo menos quanto às matérias pontuais, não se
revestindo a solicitação do carácter de arbitragem, nem sequer de interferência activa, «mas tão
só do de missão de bons ofícios, formalmente imparciais mas (por subentendido) orientados para
a maior aproximação entre Lisboa e a Cidade Eterna».
Em Março do mesmo ano, D. João e D. Maria Ana escreviam a Maria Teresa dando-lhe
conta do que tinham recebido do Papa. Em resposta que não se fez esperar a soberana austríaca
foi dizendo que, embora não acreditasse na viabilidade da mediação portuguesa aceitava-a, não
deixando de fazer cavalo de batalha dos agravos recebidos do Vaticano.
Carvalho e Melo em Viena de Áustria.
Faltava agora indicar o diplomata que faria a viagem até Viena. Para tão espinhosa
missão chegou a pensar-se em D. Luís da Cunha, embaixador em Paris, mas a sua avançada
idade ou a intriga de bastidores fizeram malograr a ideia. Lembrado e mesmo contactado para
esta particular negociação foi D. Manuel Teles da Silva, Conde de Tarouca e residente na capital
austríaca, homem que gozava de elevado prestígio na Corte Imperial, ocupando lugares de alta
responsabilidade. Devidamente sondado, Teles da Silva, então mais austríaco do que português,
declinou o convite, precisamente pela sua posição na Corte onde se tinha acolhido e onde era
tratado como se de facto nela tivesse nascido.
Logo que teve conhecimento da recusa o nosso Ministro em Roma, Pereira de Sampaio,
dispunha-se a indicar um emissário seu para Viena, ficando desta forma senhor de conduzir a
negociação através de um subordinado da sua confiança. Muito naturalmente, a Sampaio
Carlos Jaca
23
agradaria que o lugar fosse ocupado por um funcionário obediente, um títere, a quem a partir de
Roma puxasse os cordelinhos.
Estabelecendo relações directas com a Cúria e fazendo-se representar em Viena por
homem da sua confiança «avocava a si todos os elementos da disputa, e vinha a ser ele, com o
nome do seu monarca, realmente o medianeiro. A ocasião era rara, para sujeito como ele,
enfatuado do seu
mérito
pessoal,
satisfazer
a
vaidade; para um
ambicioso
se
adiantar no favor
dos príncipes. E
assim se explica
o proceder contraditório de Sampaio, no correr das negociações; o arrefecer do seu zelo, quando
outro plenipotenciário foi nomeado, a sua má vontade, a indisposição evidente contra este, os
obstáculos, que levantou por parte da Cúria, ao final acomodamento das dissenções».
A opção, após várias hesitações, veio a recair no futuro Marquês de Pombal. Carvalho e
Melo, homem extremamente inteligente e ambicioso, veio a considerar mais tarde que a sua
nomeação para Viena não correspondia a uma recompensa da sua missão londrina,
considerando-a, isso sim, um “presente envenenado” para o afastar de Lisboa, impedindo-o de
lutar pela concretização do projecto da Companhia das Índias e... queimá-lo politicamente.
Pouco tempo antes de regressar a Portugal escrevia particularmente a Manuel António de
Azevedo Coutinho, convencido de que o destacamento para Viena envolvia, deliberadamente, o
seu afastamento de Portugal: «Presenteando-se naquele tempo a negociação da mediação entre
as Cortes de Roma e Viena, mediação que devia ser negociada a oitocentas léguas de Lisboa, no
clima da Alemanha, muito mais frio que o da Inglaterra, onde a minha saúde se tinha arruinado,
e mediação que não prometia a menor esperança de poder ter efeito, contra a forte e já
declarada oposição dos Ministérios, com quem se devia negociar, presenteando-se, digo, esta
remota e quase impossível negociação, demonstraram os factos que não faltou quem me
inculcasse para ela... Não há, nos livros políticos, e nos exemplos da história ministerial, intriga
mais trivial e mais surrada do que o é aquela em que se promovem a semelhantes comissões,
muito remotas e sumamente difíceis, os Ministros que algum interesse particular procura afastar
da sombra do trono, e arruinar no conceito do amo... Os referidos meios escabrosos tiveram por
fim excluir-me do estabelecimento da sobredita Companhia Oriental, de sorte que eu não
Carlos Jaca
24
pudesse ter a menor parte nela.»
Presume-se que teria sido a primeira prova de fogo de Sebastião José, a segunda seria o
Terramoto de 1755, e parece não ter saído chamuscado de qualquer delas.
O eventual fracasso no desempenho da missão constituiria um rude golpe nas aspirações do
futuro Marquês à carreira política. Não sendo representante de uma grande potência e estandolhe vedado o envolvimento na alta política europeia, a sua «mediação» deixava todas as portas
abertas para negociações paralelas, quer fossem as negociações directas de Roma e Viena, quer
fosse o enquadramento do diferendo na moldura do arranjo global em curso no nosso
continente».
Certo é que, Carvalho e Melo, se viu enleado por dificuldades sem conta. Porém, não foi
surpreendido por isso, sabia ao que ia e por que ia.
Depreende-se da sua correspondência com Carbone a hesitação entre aceitar e recusar a
missão diplomática de que o incumbiam, e ao aceitá-la optou por uma via que «constituindo em
si mesma uma promoção, se mostrava no entanto problemática quanto aos resultados, e poderia,
por isso, revelar-se no epílogo uma despromoção, isto é, inviabilidade adquirida de progresso na
vida pública».
Ao ser despachado para além dos Alpes, Carvalho e Melo tinha consciência dos inimigos
pessoais e políticos que deixava em Lisboa e, para manter a carreira desimpedida, “engoliu”, por
mais de uma vez, sapos vivos.
Acção diplomática de Pombal obstaculizada.
Terminados os preparativos para a viagem, o novo Enviado do Rei de Portugal saía de
Lisboa, por via marítima, a 8 de Dezembro de 1744, tendo feito escala em Londres onde
informaria Jorge II da missão de que fora incumbido. A conselho do Padre Carbone, Carvalho
informaria o Rei da Grã-Bretanha das verdadeiras razões que o levavam ao Império, pois o
contrário poderia levantar falsas suspeitas, contrárias aos interesses portugueses.
Em fins de Abril, seguiu para Viena pelos caminhos de Haia e de Hannover, chegando à
capital austríaca nos primeiros dias de Julho de 1745. Ao chegar tinha à sua espera uma carta do
embaixador português em Roma, Pereira de Sampaio, em que se mostrava preocupado com a
demora de Carvalho e dando-lhe conta da situação.
Pereira de Sampaio pretendia superintender as negociações e, a princípio, foi muito amável,
procurando insinuar-se na esperança de moldar Sebastião de Carvalho às suas conveniências, a
seguir-lhe os seus conselhos, a... fazer-lhe o jogo, o que não veio a acontecer.
Carlos Jaca
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Assim, a missão de Carvalho, já difícil em si, iria tomar-se ainda mais eriçada de espinhos devido aos despeitos de Sampaio e à «camarilha» de Lisboa. O embaixador português junto
da Santa Sé, a quem competia transmitir as instruções régias para Viena, iria aproveitar todos os
ensejos para desacreditar a competência de Carvalho e Melo tornando-se feroz na hostilidade,
como se extrai das cartas que dirigia à Secretaria de Estado.
É extremamente fácil verificar que a postura de Sampaio seria muito diferente se o
enviado colocado em Viena tivesse sido um homem do seu agrado, ao seu jeito, se fosse aquilo
ou aquele a que, com propriedade, poderei chamar de “voz do dono”.
Para além dos obstáculos originados pela evolução dos acontecimentos que se deparavam a
Carvalho e Melo, a intervenção de Portugal era considerada, em Viena, de impopular dizendo-se
que Pombal pertencia ao partido do Papa, não tomando a peito os interesses austríacos, afastado
de procedimento imparcial seria tão somente submisso à Santa Sé. Curiosamente, do outro lado
da barricada, também Pombal era rotulado por suspeição de parcialidade; em Roma, Pereira de
Sampaio insinuava ser Carvalho e Melo afecto à Corte de Maria Teresa.
O processo de mediação era ainda extremamente agravado pelo facto de Sebastião José
ter saído de Lisboa sem estatuto definido, «sem nenhum carácter oficial, e sem mesmo estar
isento da sua qualidade de enviado na Corte de Londres». A Sebastião José não foi conferido
qualquer poder de arbitragem que permitisse alguma alteração na política diplomática
portuguesa. Segundo as instruções de 14 de Setembro, o Rei de Portugal «não entrava «como
árbitro para decidir nem como parte para se queixar».
Sem poder actuar oficialmente, limitavam-lhe o campo de manobra ficando praticamente
paralisado na sua dinâmica de intervenção. Esta estranha e dúbia situação foi, inclusivamente,
denunciada por Carvalho e Melo em carta particular de 31 de Maio de 1746, dirigida a Marco
António de Azevedo Coutinho: «Nas instruções com que saí dessa Corte me ordenou el-rei
Nosso Senhor que me intitulasse simples viandante. Nas cartas de crença, me denominou, quem
as escreveu, emissário. Daqui resultaram duas coisas. Primeira, que eu, quando aqui cheguei,
para contestar a falta dos meios que não havia nas minhas faculdades, disse que, com efeito, era
viandante e que deixara a minha casa em Inglaterra, porque a minha comissão nesta Corte era
restrita a um objecto que não podia ser de grande duração. Segundo, que a dita palavra de
emissário causou a esta Corte notável estranheza, parecendo-lhe absolutamente nova e não a
achando conforme nem com a gravidade do negócio que eu vinha tratar, nem com as minhas
circunstâncias pessoais, donde eu soube resultara uma gravíssima dúvida até sobre o lugar em
que a Rainha (Maria Teresa) me devia dar audiência, pois que em razão daquela qualidade, que
este ministério considerava abjecta, me não competia mais do que a antecâmara, onde a Rainha
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ouve qualquer particular.»
Como diz Carvalho e Melo, o termo «emissário» causou estranheza na própria Corte
vienense, dando origem a problemas de protocolo e etiqueta que Maria Teresa inteligentemente
ultrapassou. A Imperatriz resolve entender que o termo «emissário» seria lapso de quem redigira
as cartas de crença e, assim, decide atribuir ao «Enviado» português as mesmas honras e
homenagens habituais, devidas aos embaixadores normalmente acreditados.
Apesar deste apoio, logo de início da actividade diplomática, toda a espécie de restrições
obstaculizava o seu plano de actuação. Referindo-se mais tarde à complexidade dos assuntos e a
certas posições que lhe pareciam irrevogáveis, Pombal dizia ao Padre Carbone não ver «meio
algum decente para iniciar a negociação».
Sobre a matéria em controvérsia acrescente-se, ainda, o facto de decorrerem, praticamente,
negociações paralelas: uma processada directa e secretamente entre Roma e Viena, e outra
indirectamente através de Carvalho e Melo.
O Gabinete de Lisboa dando conta das dificuldades que se ofereciam à conciliação, e não
tendo esperanças de ver as negociações bem encaminhadas, entrega o seu «Emissário» à própria
sorte, não lhe transmitindo instruções e deixando-o em conflito com Pereira de Sampaio, que
mais parecia um embaixador de Roma em Portugal do que um embaixador de Portugal em
Roma.
As intrigas e as calúnias lançadas pelo nosso representante em Roma chegam mesmo a ter
eco em Lisboa, levando a Secretaria de Estado a repreender oficialmente o «Enviado» português
junto de Maria Teresa. Censurado pela Corte de Lisboa queixa-se amargamente ao Secretário de
Estado, Azevedo Coutinho: «Estou recebendo, desde 24 de Janeiro até à data desta, sucessivas e
multiplicadas repreensões, em cada despacho que recebo da nossa corte. Desta combinação
vem, pois, a resultar a minha pena. Porque, meu senhor, ser inalteravelmente aprovado, pelo
discurso de tantos anos, porque entendi sempre as ordens de S. M., e porque sempre as executei
no seu verdadeiro sentido, e ser agora tantas vezes repreendido, depois de tantas experiências,
porque não entendo as ordens de Manuel Pereira de Sampaio, e porque, antes de as entender,
não as executo contra o ditame da minha consciência... de tudo isto se tira na verdade uma
tristíssima combinação.»
Efectivamente, pressentindo que o seu percurso político podia ser interrompido devido à
incompatibilidade com Sampaio, ia desabafando para Lisboa: «Não tenho momento algum –
dizia –, livre de vexações, ou de fazer apologia, para convencer calúnias, que nunca mereci, ou
de padecer as censuras, que das mesmas calúnias resultam contra mim, primeiro em Roma, e
ultimamente em Viena de Áustria, por modo indirecto.»
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A própria Corte de Viena não deixava de ser permeável às intrigas propaladas por Manuel
Pereira de Sampaio, queixando-se Pombal das «murmurações e atitudes que para ele tomavam os
ministros austríacos». Chega a afastar-se da Corte e, com insistência, pede mesmo a exoneração
do cargo. Nos círculos políticos de Viena não se livrava da suspeita de que teria levado na bagagem o encargo especial de «zelar pelos interesses do Papa»; em contrapartida na Cidade Eterna
era considerado um “fixe” partidário de Maria Teresa, juízo a que não era estranha a propaganda
de Pereira de Sampaio e também, já agora, o casamento de Pombal com uma dama da Corte
austríaca.
Casamento com a Condessa de Daun.
Cerca de meio ano decorrido sobre a sua chegada a Viena, o futuro Marquês de Pombal
casava, em segundas núpcias, com uma das mais nobres damas da Corte de Maria Teresa.
Com efeito, a Condessa Leonor de Daun, nascida a 2 de Novembro de 1721, vinte e dois
anos mais nova que Carvalho e Melo, pertencia a uma das mais conceituadas famílias da
aristocracia vienense, porquanto era filha de uma dama de Maria Cristina, viúva do Imperador
Carlos VI e sobrinha do Marechal Daun, célebre pelas suas vitórias durante a Guerra da Sucessão
da Áustria.
Aos 13 de Dezembro de 1745 era assinado o contrato nupcial, realizando-se o casamento
a 18 do mesmo mês, tendo Carvalho e Melo por testemunhas o Conde Teles da Silva, Manuel
Saldanha de Albuquerque e Gabriel da Cunha, então residentes em Viena. Porém, antes que
Sebastião José e Leonor Daun realizassem o desejado consórcio, a elevada condição da jovem
condessa e a requintada Corte a que a sua família estava ligada exigia, o «timing» necessário
para as «recíprocas indagações de nobreza e fortuna, para o pedido, as consultas, a licença dos
respectivos soberanos e os aprestos indispensáveis ao casamento».
Por isto, ou por aquilo, a família Daun parece não ter considerado referencial suficiente o
cargo diplomático de Carvalho e Melo em Viena e... com precedência londrina. Pretendia mais
segurança e... tiveram-na.
A Imperatriz, após ter consultado particularmente sua tia D. Maria Ana, também ela
austríaca e afeiçoada ao ramo da casa Daun, recebe em Viena lisonjeiras referências à posição
social de Sebastião José, sublinhando as suas qualidades pessoais: homem inteligente, honesto,
de família fidalga embora de... situação remediada.
A interferência de Maria Teresa neste relacionamento deve ter sido motivada não só pela
simpatia e deferência que dispensava, e lhe merecia Carvalho e Melo, mas também, certamente,
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pelo facto de o pretender atrair para a esfera de influência austríaca.
Como a família Daun se encontrava em más circunstâncias financeiras, houve quem
pretendesse ver na anuência ao casamento de Carvalho e Melo interesses de ordem económica, o
que parece não ter qualquer consistência. E, isto, porque a jovem Daun pertencia a uma família
das mais requintadas cortes europeias, onde mais tarde ou mais cedo, se lhe apresentaria «um
partido muito melhor que o do diplomata português, atormentado por dívidas, forçado a pedir
empréstimos aos judeus, que ele nesse tempo ainda mal suportava, e a sacar letras sobre o
vínculo de seu tio Paulo de Carvalho, em que não podia tocar sem autorização do Governo.
Nessa data, as despesas de representação do seu cargo criavam-lhe embaraços e traziam-no
muito preocupado».
Independentemente das razões de ordem sentimental reforçadas pelo facto de Carvalho e
Melo ser um homem de 45 anos, viúvo e sem filhos, também é facto que o futuro ministro de D.
José estaria convicto que esse casamento lhe trazia promoção na sociedade austríaca, facilitando
o acesso ao «top» da política portuguesa, o que veio de facto a acontecer.
A notícia do casamento teve excelente recepção na capital portuguesa, já que poderia
contribuir para um reforço do relacionamento entre as duas nações. Foram várias as
personalidades que se dirigiram ao nosso Enviado, felicitando-o pelo enlace. O Cardeal D. João
da Mota e Silva, em carta datada de 27 de Janeiro de 1746, não escondia a sua satisfação por
Carvalho e Melo casar em Viena «com pessoa de tão nobre ascendência». Marco António de
Azevedo Coutinho e o Padre Carbone plenamente concordantes com tal decisão, viam nela um
factor relevante para garantir o êxito na missão diplomática de que fora incumbido.
Também em Julho de 1746 os seus irmãos, Paulo Amónio de Carvalho e Mendonça e
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, lhe demonstravam a «grande estimação e o grande
gosto» por terem recebido tão agradável notícia. Elogiando Leonor Daun «pelas partes que
concorrem na dita Sr.ª», afirmavam dar a sua aprovação a tal consórcio, declarando ceder ao
irmão se ambos viessem a falecer, a administração dos morgados da casa ou a darem dos seus
rendimentos 4000 cruzados por ano à Condessa de Daun, se esta ficasse viúva, ratificando assim
o contrato antenupcial celebrado em Viena.
A estadia na capital austríaca, proporcionando-lhe a união com a sobrinha do afamado
vencedor de Frederico II, e como compatriota da Rainha de Portugal, terá contribuído
decisivamente para a carreira política de Carvalho e Melo, futuro ministro e valido de El-Rei D.
José.
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Fim da mediação e regresso a Lisboa.
À época do casamento com Leonor Daun, Carvalho e Melo ainda não tinha dado os
primeiros passos com vista ao desempenho da sua missão. Desapontado por contrariedades de
toda a ordem, era ainda admoestado pela Secretaria de Estado onde as sugestões e insinuações de
Sampaio tinham algum impacto. Com efeito, as situações em que Pombal se vê confrontado com
Sampaio constituem «um vasto e elucidativo processo dos pedregulhos, das minas, das cascas de
laranja, lançadas no seu caminho».
Confrontando-se, por um lado, com as desconfianças da Corte de Viena e por outro, com
a má vontade dos Delegados da Cúria, Carvalho temia pelo malogro das suas ambições políticas.
Em Viena, o primeiro-ministro Welfeldt entendia-se, à “socapa”, com Bento XIV. Este
procedimento em relação ao Enviado português vinha justificar, cada vez mais, a já demonstrada
repugnância de Carvalho e Melo por aquilo que, ele, próprio, chamava de «encaracolada e
retorcida negociação».
Efectivamente, era inequívoca a existência de uma negociação paralela e directa Viena –
Roma. Carvalho sabia que era assim e seria também, por via disso, que apresentou a sua
demissão, chegando mesmo a despedir-se da família real e a sair de Viena.
O Governo Português, reprovando o procedimento do seu representante, ordena-lhe que
volte atrás com a deliberação de retirar-se e, se acaso os despachos o encontrassem já a caminho
de Inglaterra, mas ainda no continente, que regressasse a Viena e desse de imediato início às
negociações.
As instruções enviadas de Lisboa encontram-no ainda em Viena, contrariando desse
modo as suas aspirações de voltar a Londres onde, certamente, o chamava o famoso e nunca
abandonado projecto da Companhia Oriental.
Por grande que fosse o desejo de regressar a Inglaterra, Pombal não insistiu demasiado nessa
ideia e, retirando a renúncia, dispunha-se a ficar, mesmo com o sacrifício da própria vida, com o
propósito de cumprir os desejos do Rei: «As escusas, que acima faço da minha pessoa, não são
escusas senão enquanto se achar que podem contribuir para o melhor sucesso das negociações
que S. M. manda prosseguir nesta Corte, e enquanto S. M. não ordenar o contrário, do que a
mim me parece: porque, se o mesmo senhor ainda assim resolver que eu continue em Viena a
minha residência, e se as minhas débeis forças me desampararem no meio dos trabalhos,
cumprirei com a minha primeira e última obrigação, obedecendo a V. M., e acabando a vida no
seu real serviço. Isto escrevia Pombal em Maio de 1746.
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Pouco tempo depois, correndo o mês de Julho, morria Filipe V, Rei de Espanha,
personalidade de certa influência nos problemas do equilíbrio europeu.
O referido acontecimento parecia constituir uma esperança para a mudança do sistema da
Europa, mas também uma oportunidade para valorizar a posição política portuguesa, já que o
príncipe que agora subia ao trono castelhano era casado com Maria Bárbara, filha dos reis de
Portugal. Sem dúvida, Portugal estava agora excelentemente colocado para promover a conciliação entre a Casa de Áustria e a Espanha tanto mais que era conhecido o grande ascendente que
a princesa exercia sobre o espírito do novo rei, Fernando VI. Obviamente, a Corte vienense não
deixaria de considerar a possibilidade de conciliação com a Espanha tendo Portugal na situação
de mediador.
O futuro Conde de Oeiras, Carvalho e Melo, é convocado para uma audiência particular
em que Maria Teresa lhe manifesta o desejo de intervenção portuguesa nas negociações de paz
entre o Império e a Espanha, o que podia representar para o Enviado de D. João V «uma porta
aberta para se introduzir no mar da alta política europeia... e, sem abandonar a primeira
mediação, passou a contemplá-la como um simples elo da segunda».
Para além do prestígio que lhe adviria do facto de ser o agente promotor numa possível paz
entre a Áustria e a Espanha, Pombal considerava a influência da Rainha Maria Bárbara como
base sólida para o fortalecimento de um Portugal que pudesse fazer respeitar-se por ingleses e
holandeses.
As previsões de Carvalho e Melo não vieram a concretizar-se, pelo menos inteiramente,
apenas se terá verificado uma maior cordialidade entre Portugal e Espanha devido ao parentesco
das duas famílias reinantes. O pressuposto de que, após a morte de Filipe V, a rainha viúva
tentaria uma aproximação com a Casa de Áustria estava longe de vir a corresponder à realidade:
«não só a Espanha se mostrava pouco inclinada a afastar-se da França, mas a própria união com
Viena passava por negociações com Londres. E esta potência apontava para um sistema de liderança e não para uma federação de sub-alianças».
De qualquer modo, e ainda que a negociação Viena - Madrid não tivesse ido avante, é
inegável o desanuviamento verificado sobre a difícil questão que nos levara, como mediadores,
até à capital austríaca.
A 18 de Outubro de 1746, por meio de decreto, Pombal era efectivamente investido nas
atribuições do seu cargo, com poderes para negociar, concluir e assinar quaisquer tratados ou
convénios relativos à mediação, reconhecida oficialmente, o que até aí não sucedera pela Corte
de Viena. Finalmente, o Papado acaba por conceder o barrete cardinalício a Mellini, desistindo
Maria Teresa de um segundo que já tinha pedido para Roma e, ainda, da exigência na demissão
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do Cardeal Valenti, parcial da Espanha; em Dezembro, o Imperador obtém o reconhecimento
oficial da sua eleição em Frankfurt.
Tudo parecia encaminhar-se para uma solução definitiva do conflito quando surgiu uma
nova divergência entre as duas Cortes.
A nova situação «versava agora sobre caso de interesse particular do Eleitor de
Mogúncia, como arcebispo que era daquela diocese, dependente da Cúria; e, como príncipe do
Império, extremado partidário da Casa de Áustria. Pretendia o Eleitor ser provido em certos
benefícios, que uniria à sua Mitra, mas não o podia fazer, sem autorização do Pontífice por meio
de um Breve especial, dito de elegibilidade. Francisco I, que requerera, por seu Ministro em
Roma, a concessão, considerava a anuência regalia do Império, e não sofria que a Cúria lha
pudesse negar».
Welfeldt, ministro austríaco, fazia saber a Carvalho e Melo, em Fevereiro de 1747, ser a
concessão do Breve de Elegibilidade indispensável para a resolução do conflito. Porém, Roma
não parecia querer transigir sobre este assunto, que não era assim de tão grande importância.
Apesar da resistência, ou teimosia, que Bento XIV opôs à concessão do Breve de
Elegibilidade acabaria, algum tempo depois, por proceder à sua dispensa, exclusivamente ao
Eleitor de Mogúncia, tendo provavelmente contribuído para esta medida a acção diplomática de
Sebastião José de Carvalho e Melo. Na realidade, também o enviado português tomou parte
activa nessa questão, fazendo-se intérprete das ideias da Santa Sé a respeito do problema. Ao
mesmo tempo que Francisco I se apressava a dirigir agradecimentos ao Santo Padre, declarandose «seu filho submisso», o Eleitor de Mogúncia escrevia a Carvalho e Melo participando-lhe a
sua gratidão.
Como nenhuma outra questão se achava pendente entre as duas Cortes, a missão de
Pombal em Viena de Áustria chegava ao fim. Por despacho de 6 de Junho de 1748, D. João V
ordenava ao nosso embaixador que finalizasse as negociações, uma vez estarem resolvidos os
problemas que haviam constituído a matéria da mediação e serem, nesse momento, pacíficas as
relações entre Roma e Viena. No entanto, só a 31 de Maio de 1749 D. João V solicitava ao
Imperador que desse por finda a Enviatura, «por ser necessário que passe Sebastião José de
Carvalho a assistir a algumas dependências que tem nesta Corte», estimando que «o dito
Ministro tenha sabido merecer as graças com que V. M. o tem honrado».
Em Junho do mesmo ano, os soberanos da Áustria e Portugal trocaram correspondência
acerca das actividades desenvolvidas por Carvalho e Melo em Viena de Áustria manifestando
opinião aprovativa. E, em 6 de Agosto, o Imperador enviava uma mensagem a D. João V,
referindo-se ao diplomata português em termos altamente elogiosos: «Durante todo aquele
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tempo em que o Ministro Plenipotenciário de Vossa Majestade, Sebastião José de Carvalho e
Melo, residiu na minha Corte revelou-se de tal modo agradado e agradável tão constantemente
ocupado com a execução das ordens recebidas tão entusiasta no fortalecimento das suas posições...»
Ao contrário do que os seus adversários supunham e desejavam, Pombal não ficou
«queimado» pela delicada missão que lhe caiu em cima dos ombros, sendo extremamente
significativo o testemunho de Blondel, diplomata francês creditado em Viena. De um despacho
dirigido ao seu Governo, com data de 10 de Janeiro de 1750, retiro o seguinte extracto: «Mr. de
Carvalho foi por muito tempo Ministro de Portugal em Londres, de onde o Rei, seu amo, o fez
passar para aqui com o fim de empregar suas diligências
para restabelecer harmonia entre esta Corte e a de Roma.
Foi igualmente encarregado de fazer com que o Eleitor de
Mayence recuperasse a amizade do Papa. Nestes dois
negócios deu provas de habilidade, prudência, rectidão,
moderação, e especialmente de grande paciência, e
conciliou não somente a benevolência de todas as partes
interessadas, mas igualmente de todos os ministros
estrangeiros, e das pessoas distintas, que residem nesta
cidade... e sei que não dependeu dele o não adoptar a
Imperatriz mais cedo sentimentos pacíficos. Ele é tão bom
cidadão como íntegro, e tanto a Corte como a cidade
tiveram muitas saudades dele».
Em conclusão, pode dizer-se que a passagem de
Pombal por Viena de Áustria não deixaria de o marcar
profunda e duradouramente, sendo o período austríaco
bem mais proveitoso do que refere uma parte dos seus adversários. Foi na capital vienense que
Carvalho e Melo, em contacto com o mundo da política e da diplomacia, adquiriu os grandes
princípios do Despotismo Iluminado, bem como muitas das ideias económicas e culturais que,
servindo-lhe de trave mestra, viria a aplicar na sua política governamental, enquanto outras não
tiveram aplicação devido às carências de estrutura no organismo nacional.
A 3 de Setembro de 1749, levando a família e a numerosa criadagem inerente à sua
categoria, Sebastião José empreendia acidentada viagem, por terra, através da França e Espanha,
com destino a Lisboa onde chegou pouco antes do Natal.
Precisamente dois anos antes tinha-lhe sido nomeado um sucessor na Corte de Londres,
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vendo, assim, frustrada a esperança que alimentava ainda de regressar à sua embaixada.
Não admira que a decisão tomada, em Lisboa, tivesse sido o resultado da cabala desenvolvida por Sampaio e (ou) pela camarilha capitaneada por Alexandre de Gusmão e Frei
Gaspar Moscoso, junto de D. João V. Assim, desde Dezembro de 1749, altura em que chegou a
Lisboa, até Agosto de 1750, os adversários não deixaram de mover-lhe uma guerra surda e
implacável, obstando a que desempenhasse qualquer missão ou cargos de Estado.
Porém, esta situação não iria durar mais que meia dúzia de meses. Ao findar Julho de
1750, a morte de D. João V proporcionaria a Carvalho e Melo a sua imediata subida ao Poder,
donde só viria a ser apeado 27 anos depois.
O seu nome parece ter sido indigitado para o cargo de 1º Ministro por D. Luís da Cunha
no «Testamento Político», mas não terá sido estranho à nomeação o valimento de D. Maria
Leonor de Daun, junto da rainha – mãe, D. Maria Ana e que teria de se projectar no próprio
marido.
Nota: O tema em questão já havia sido publicado em 1990 nos números 126 e 127,
respectivamente em Março e Abril, da revista “História”. Porém, agora, achei por bem torná-lo
mais reduzido, sobretudo retirando-lhe o “peso” de algumas transcrições documentais
consideradas mais extensas, o que não afectará os objectivos que se pretendiam.
Bibliografia consultada.
Azevedo, J. Lúcio – «O Marquês de Pombal e a sua Época». Clássica Editora, 1909.
Brasão, Eduardo – «Relações Externas de Portugal», T.II. Porto, 1938.
Correia, Maria Alcina Ribeiro – «Sebastião José de Carvalho e Melo na Corte de Viena de Áustria – Elementos
para o estudo da sua vida pública (1744 – 1748). Instituto de Alta Cultura. Centro de Estudos Históricos-Anexo à
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa, 1965.
Dias, S. J. da Silva – «Pombalismo e Projecto Político». Lisboa, 1984.
Luís, Agustina Bessa – «Sebastião José». Biblioteca de Autores Portugueses. Imprensa Nacional – Casa da Moeda,
1981.
Macedo, Jorge Borges de - «O Marquês de Pombal».Biblioteca Nacional. Série Pombalina. Lisboa, 1982.
Maxwell, Kenneth – «O Marquês de Pombal» Tradução de Saul Barata. Editorial Presença.
Moniz, J. A. – «Mediação entre a Corte Austríaca e a Santa Sé». Missão Diplomática de Sebastião José de Carvalho
e Melo a Viena (1745 – 1748), cit. por Maria Alcina Ribeiro Correia.
«O Marquês de Pombal» – Obra comemorativa do centenário da sua morte. Mandada publicar pelo Clube de
Regatas Guanabarense do Rio de Janeiro. Lisboa, Imprensa Nacional, 1885.
Colaboraram nesta obra os Excelentíssimos Senhores José Maria Latino Coelho, Henrique Corrêa Monteiro,
Machado de Assis, Sylvio Romero, Dr. Thomás Alves Júnior, Conte Ângelo de Gubernatis, Dr. George Weber, Dr.
Manuel Emygdio Garcia, Oliveira Martins, Júlio Mattos, Teophilo Braga.
Peres, Damião – «História de Portugal». Edição Monumental Barcelos – MCMXXVIII, Vol.VI.
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34
«Pombal Revisitado». Vol. I. – Comunicações ao Colóquio Internacional organizado pela Comissão das
Comemorações do 2º Centenário da Morte do Marquês de Pombal. Coordenação de Maria Helena Carvalho dos
Santos. Editorial Estampa. Lisboa, 1984.
«Quadro Elementar das Relações Políticas e Diplomáticas de Portugal». Tomo XVIII. Tipografia da Academia
Real das Ciências. Lisboa, 1860.
Serrão, Joaquim Veríssimo – «O Marquês de Pombal, o Homem, o Diplomata e o Estadista». Lisboa, 1982.
Soares, Álvaro Teixeira – «O Marquês de Pombal». Editora Universidade de Brasília, 1961.
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