O Emprego da Crase

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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GRAMÁTICA E USO
DISCIPLINA: REGÊNCIA VERBAL, REGÊNCIA NOMINAL, CRASE E
ACENTUAÇÃO.
DOCENTE: PROFESSORA MS. MARCILENE R. PEREIRA BUENO
1. PROGRAMA
1. Dia 14/03:
a) Apresentação do Curso – motivações e intenções;
b) O Fenômeno da Regência: reflexões sobre norma e uso
c) Regência Verbal, Regência Nominal: ideias iniciais.
2. Dia 21/03:
a) Estudo das preposições.
b) Regência Verbal: estudos gramaticais e didáticos. Análise de textos e
exercícios.
c) Regência Nominal: estudos gramaticais e didáticos. Análise de textos e
exercícios
3. Dia 28/03:
a) O Fenômeno da Crase: reflexões sobre norma e uso.
b) Crase: estudos gramaticais e didáticos. Análise de textos e exercícios.
4. Dia 11/04:
a) O fenômeno da acentuação: histórico, normas e mudanças.
b) Acento fonético, acento gráfico.
c) Acentuação e reformas ortográficas.
2. AVALIAÇÃO
Análises de textos jornalísticos, didáticos e científicos sobre os fenômenos da
regência verbal, regência nominal, crase e acentuação na Língua Portuguesa.
3. BIBLIOGRAFIA BÁSICA
ALMEIDA, Napoleão Mendes (1999): Gramática Metódica da Língua Portuguesa.
44ª ed., São Paulo, Saraiva,
BAGNO, Marcos (2000): Dramática da Língua Portuguesa. São Paulo, Loyola.
BARBADINHO NETO, Raimundo (1977). Sobre a norma literária do modernismo.
Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico.
BECHARA, Evanildo (2001): Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed., Rio de Janeiro,
Lucerna.
BEZERRA, Antonio Ponciano (1984): Norma e Linguagem. Um estudo sobre a
representação da norma em Gramáticas de Língua Portuguesa. Tese de Doutorado,
Área de Filologia e Língua Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e
Vernáculas, Universidade Estadual de São Paulo.
CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley (1985): Nova Gramática do Português
Contemporâneo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.
CIPRO NETO, Pasquale & INFANTE, Ulisses (1998): Gramática da Língua
Portuguesa. São Paulo, Scipione.
GONÇALVES, Liney de Mello (2001): Tradição e Mudança na Regência Verbal do
Português Contemporâneo. In Revista de Letras, PUC Campinas, 20(1/2), 61-80,
dezembro de 2001.
LESSA, Luiz Carlos (1976). O modernismo brasileiro e a língua portuguesa. Rio de
Janeiro, Grifo.
LUFT, Celso Pedro(2001). Dicionário Prático de Regência Verbal. São Paulo, Editora
Ática.
_______________ (2002) Dicionário Prático de Regência Nominal. São Paulo, Editora
Ática.
MARTINS, Eduardo (1998): Manual de redação e estilo. 3ª ed., São Paulo, Moderna.
SACCONI, Luiz Antonio (1998): Não erre mais! 23ª ed., São Paulo, Atual.
Bibliografia
______________________________
PARTE I – DISCUSSÕES SOBRE O FENÔMENO DA REGÊNCIA
1. Introdução
Em nossa opinião, assim como na de muitos outros professores de Língua
Portuguesa, a sintaxe da regência é um dos grandes problemas dos usuários da língua. É
grande a dificuldade para saber se os verbos que são utilizados nos textos orais ou
escritos pedem ou não complemento. E mais: quando há complemento, serão ou não
introduzidos por preposição?
Podemos dizer que, de modo geral, no momento da comunicação, os usuários
utilizam os modelos, julgados confiáveis, realizados por pessoas que ocupam posições
sociais, econômicas e culturais ascendentes. Tais modelos de regência são adquiridos
por meio da observação da língua oral. Raros são os usuários que consultam gramáticas
ou dicionários antes do uso da regência. Assim também, pesquisas indicam que a língua
escrita não costuma ser modelo para o usuário comum: seu universo de observação e
imitação restringe-se ao cenário da língua oral.
Tais situações apontam para a necessidade de conscientizar o usuário da língua a
respeito das diferenças existentes entre língua oral e língua escrita, especialmente, em
relação às regras da sintaxe de regência. Isto é, é preciso analisar as situações, o
contexto e escolher o uso. Mas, para que exista a escolha, é preciso existir o
conhecimento. Segundo Gonçalves (2001) o usuário da língua precisa ser advertido – ou
por que não dizer ensinado – a respeito de “em que contextos se podem e em quais não
se podem aceitar algumas formas, por que e quais as consequências comunicativas do
emprego de cada uma delas.”
Assim, fica claro – mesmo num primeiro olhar – o “problema” que temos diante
de nós, professores e pesquisadores de Língua Portuguesa: a tensão entre a norma e o
uso na sintaxe da regência. Além disso, as mudanças ocorridas mesmo no uso.
Enfim, estamos diante de um “interessantíssimo” assunto, tanto na perspectiva
da pesquisa quanto na perspectiva do ensino-aprendizagem. Portanto, numa tentativa de
elucidar alguns dos fatos que compõem o tema Regência, Regência Verbal e Regência
Nominal, apresentamos um roteiro de estudos:
- A noção gramatical de regência em Napoleão Mendes de Almeida, Evanildo
Bechara, Celso Cunha e Lindley Cintra e Celso Pedro Luft.
- A Regência Verbal;
- Um Estudo Complementar: as preposições e seus significados.
2.
A noção gramatical de regência em Napoleão Mendes de Almeida,
Evanildo Bechara, Celso Cunha e Lindley Cintra e Celso Pedro Luft.
2.1 - Napoleão Mendes de Almeida
O gramático Napoleão Mendes de Almeida trata a Regência como um fenômeno
amplo e restrito. Por isso, em sua obra podemos encontrar títulos como:
- Regência;
- Regência Verbal;
- Regência Irregular.
De modo amplo, a regência é por ele tratada como relação de subordinação, ou
seja, de dependência entre dois termos. É por isso que as relações de regência podem ser
na frase indicadas pela posição, pela preposição ou pela conjunção subordinativa.
Uma das observações que faz é sobre o sentido amplo de regência, e a função
sintática de certos termos da oração, só revelada pela posição em que esses termos se
encontram na frase:
Exemplos:
1. O soldado feriu o ladrão.
2. O ladrão feriu o soldado.
Também o advérbio em muitos casos se manifesta pela posição, ou seja,
conforme o lugar em que vem na frase, sabe-se qual o termo por ele modificado.
Exemplos:
1. Minha residência aqui é conhecida.
2. Minha residência é conhecida aqui.
3. Relatou, ainda, que não encontrou o filho.
4. Relatou que não encontrou o filho ainda.
Napoleão Mendes de Almeida conclui suas explanações sobre o sentido amplo
de Regência afirmando que, em geral, os complementos na frase revelam a sua regência
pela posição junto aos termos completados ou regentes. A colocação de termos foi um
dos recursos neolatinos para suprir a perda dos casos latinos. Para substituir os casos, as
línguas neolatinas usam as preposições e o artigo. Por essa razão se diz que o latim é
língua sintética, e as neolatinas, analíticas.
Nota: Havia no latim mais um tipo de flexão, a flexão causal. De acordo com a
função sintática (sujeito, objeto direto, objeto indireto etc.) que a palavra exercia na
oração, tinha ela uma terminação, uma desinência, um caso especial; assim, se Pedro
era o sujeito de uma oração, este nome terminava em us – caso nominativo: Petrus est
bônus (Pedro é bom); se era adjunto adnominal restritivo, terminava em i – caso
genitivo: líber Petri (livro de Pedro); se objeto indireto, em o – caso dativo: Librum
dedi Petro ( Dei o livro a Pedro); se objeto direto , em um – caso acusativo: Vidi
Petrum ( Vi Pedro) ; se empregado em orações imperativas, exclamativas ou de apelo,
em e – caso vocativo: Hoc vide, Petre. (Veja isto, Pedro); se adjunto adverbial, também
em o – caso ablativo: Cum Petro ambulavimus. (Passeamos com Pedro). Parágrafo 180
2.2 - Evanildo Bechara
O gramático Evanildo Bechara localiza e define o assunto regência em decorrência
de seus estudos sobre Complemento Verbal, Complemento Nominal e Emprego da
Preposição.
2.3 - Celso Cunha e Lindley Cintra
Na obra Nova Gramática do Português Contemporâneo, os autores tratam o
assunto regência dentro dos estudos do verbo, adotando o critério sintático para explicar
o fenômeno. Definem a regência como uma exigência entre os termos que estabelecem
relação de dependência. Assim, a regência pode ser indicada pela ordem em que
aparecem os termos na oração, pelo nexo de dependência estabelecido por algumas
preposições e também conjunções subordinativas no período composto.
2.4 - Celso Pedro Luft
Segundo Luft (2002), a palavra regência deriva de reger que, por sua vez,
significa governar, comandar, dirigir. Assim, é natural que regência signifique também
governo, comando, direção.
Para este autor, nos estudos gramaticais, o termo regência é empregado tanto em
sentido amplo quanto restrito. Em sentido amplo, regência equivale a subordinação em
geral; por exemplo, na expressão trabalha muito, o verbo trabalha subordina o advérbio
muito. Em sentido restrito, regência é a subordinação especial de complementos às
palavras que os prevêem na sua significação.
Em outras palavras, para Celso Pedro Luft ( ), a regência - em sentido restrito –
implica na necessidade ou não de complementação implicada pela significação de
nomes (substantivos, adjetivos, advérbios) e verbos. Assim, “o termo regência serve
para designar a subordinação peculiar de certas estruturas a palavras que as requerem
ou prevêem na sua significação ou em seus traços semânticos. Essas estruturas
compõem, com as palavras que as requerem (i.e., ‘regem’), um complexo significativo –
estruturas regidas ‘completam’ com os núcleos regentes um todo semântico, motivo por
que se denominam ‘complementos’.”
Ao pensarmos no sentido restrito de regência, portanto, concluímos que a
mesma é uma exigência ou previsão de complementação para palavras que não são
semanticamente auto-suficientes. Exemplos:
(1)
- O rapaz coloca.
- O rapaz colocou os livros na estante
Verbo colocar rege dois complementos obrigatórios porque pressupões na sua
significação, além do agente, objeto(s) a movimentar e um lugar-meta.
(2)
- Foi provado o conluio.
- Foi provado o conluio do diretor com funcionários nos desfalques do banco.
A palavra conluio, na sua significação ou em seus traços semânticos, implica
‘combinação ou companhia’ e ‘ato negativo’.
Para concluir, quando o verbo necessitar de elementos nominais para completar
uma estrutura significativa é o que se chama “regência verbal” e outros casos de
palavras que regem complementos constituem o que se denomina “regência nominal.”
EM RESUMO:
Regência, de modo geral, significa a interdependência entre palavras para formar
um todo significativo. A necessária relação de complementação entre algumas palavras
produz uma palavra dependente, chamada de regida, e uma palavra que subordina, ou
seja, a regente. Para Gonçalves (2001) “Regência é, portanto, o mecanismo que regula
as ligações entre o verbo ou o nome e os seus complementos e/ou adjuntos.”
Além disso, é preciso salientar que tal ligação entre as palavras pode se
manifestar de modo direto ou indireto:
a) Direto: quando a relação de dependência é imediata.
Exemplos: a menina bonita; Maria ama Pedro.
b) Indireto: quando a relação de dependência é intermediada por outros
elementos da língua, como as preposições.
Exemplos: A filha de Maria; Maria gosta de Pedro.
VISUALIZAÇÃO

o predicado é subordinado em relação ao sujeito, que é subordinante:

os complementos verbais são subordinados ao verbo, que é subordinante:

os complementos nominais são subordinados em relação ao nome, que é
subordinante:

os adjuntos são subordinados ao nome ou ao verbo:
Regência, em sentido amplo, é sinônimo de subordinação.
PARTE II – REGÊNCIA VERBAL
1. Napoleão Mendes de Almeida
O gramático Napoleão Mendes de Almeida dedica uma parte de sua obra para o
título Regência Verbal, ou seja, está considerando o sentido restrito de regência. Assim,
para ele, quando indagamos se tal verbo exige objeto direto ou indireto, ou quando,
exigindo objeto indireto, procuramos saber se a preposição que o liga ao objeto deve ser
de ou por ou com ou a ou para ou em etc., estamos procurando saber a regência do
verbo.
Disso ele conclui que a regência verbal só diz respeito a verbos de predicação
incompleta, pois os intransitivos, sendo completos, não regem palavra alguma.
Percebemos aí um aceno em relação a conceitos semânticos que serão, posteriormente,
retomados em Celso Pedro Luft e seu “Dicionário Prático de Regência Verbal”.
Para a consulta das específicas regências de cada verbo, Napoleão Mendes de
Almeida aconselha que sejam pesquisados bons dicionários, pois eles mostram, com
exemplos, a verdadeira regência de um verbo.
Os verbos de dupla regência são por ele tratados em dois momentos de sua obra.
Num primeiro momento (parágrafo 305) o gramático afirma que muitos verbos
possuem duas ou mais regências e devem conservar, em qualquer delas, o mesmo
sentido e correção.
Exemplos:
- Puxar a espada.
- Puxar da espada.
- Puxar pela espada.
Também há os verbos que possuem, conforme a regência, significado especial.
Exemplos:
Assistir – OD – prestar socorro, cuidar, tratar. “O médico assiste o enfermo.”
Assistir – OI – estar presente. “Assisti ao desfecho da questão.”
Já no parágrafo 684 de sua gramática, Napoleão Mendes de Almeida, explana
sobre o desejo de muitos autores de que os verbos de dupla regência que podem,
indiferentemente, vir com objeto direto ou indireto, sejam sempre transitivos diretos e o
objeto sempre direto. Segundo esta opinião, tanto é objeto direto “puxar a espada”,
como “puxar da espada”. No entanto, outros autores, segundo o gramático, querem que
a desigualdade de regência só passe a existir quando trouxer desigualdade de sentido.
Para estes, o verbo esperar, na frase “esperar alguém” é transitivo direto, passando a ser
transitivo indireto na frase “esperar em alguém”, visto haver diversidade de sentido.
Mendes de Almeida discorda dos dois grupos de autores citados. Para ele o verbo, quer
conserve ou não o mesmo sentido, deixará de ser transitivo direto para ser transitivo
indireto.
Finalmente, em uma outra nota, a terceira do parágrafo 776, o gramático aborda
o caso de que duas ou mais palavras podem ter um mesmo complemento, caso tenham
essas palavras a mesma regência.
Exemplos:
1. A obediência e o amor à pátria. (Correto, pois obediência e amor têm a
mesma regência).
2. O conhecimento é o amor à pátria. (Incorreto, pois conhecimento e amor
exigem preposições diferentes – o conhecimento de alguma coisa e o amor à
alguma coisa. O correto seria: O conhecimento da pátria e o amor a ela.
3. Conheço este livro e gosto dele (Correto; e não “Conheço e gosto deste
livro”)
Também sobre este fenômeno faz o autor uma observação interessante. O aluno
não deve dizer “Conheço este livro e gosto do mesmo.” (parágrafo 342, nota 4) Tal uso
é considerado condenável e acontece em virtude de terem criado, a custa de
ensinamentos de origem duvidosa, incompreensível aversão às formas a ela, dela , para
ela etc. Daí é que freqüentemente vemos passagens como estas: “Vou à casa de minha
mãe; falarei com a mesma sobre o assunto.” “Realizou-se ontem a esperada festa; à
mesma compareceram...”
Para o gramático, é o caso de perguntar se o interlocutor tem outra mãe ou se o
cronista compareceu a outra festa. O correto, então, seria: “Vou à casa de minha mãe,
com quem falarei sobre o assunto” ou “Vou à casa de minha mãe e com ela falarei sobre
o assunto.”
Imagine-se Camões a escrever:
“Mas não servia ao pai, servia à mesma
Que à mesma só por prêmio pretendia.”
Há também o que Napoleão Mendes de Almeida nomeia como Regência
Irregular. Para ele existem quatro espécies de figuras ou de casos irregulares de regência
dos termos denominadas: elipse, pleonasmo, anacoluto, idiotismo.
a) Elipse:
Assim se denomina o caso em que um dos temos da frase não vem expresso,
sendo, ao mesmo tempo, facilmente subentendido
Exemplos:
-
Não posso sair (Eu não posso sair).
Casa de ferreiro, espeto de pau (Em casa ou Na casa de ferreiro, o espeto é
de pau).
b) Pleonasmo:
A palavra pleonasmo indica a figura de regência que consiste na redundância de
expressão, ou seja, na repetição de uma mesma idéia, mediante palavras diferentes:
Exemplo:
-
Vi com meus próprios olhos.
c) Anacoluto:
Especifica a figura de regência em que um termo da oração vem solto, sozinho,
sem nenhuma relação sintática com os outros termos.
Exemplos:
-
Os três reis orientais, que vieram adorar o Filho de Deus recém-nascido em
Belém, é tradição da Igreja que um era preto.
Eu me parece que...
d) Idiotismo:
É o termo ou dicção existente em uma língua, em correspondente em outros
idiomas. São frases ou modismos que se afastam dos princípios gerais de sintaxe.
Exemplos:
-
Eu é que fiz isso.
Nós é que quisemos assim.
Pobre do homem.
Coitado do velhinho.
O meu livro, os teus caprichos, as nossas relações.
2. Evanildo Bechara
Em seu capítulo sobre regência dedica-se ao estudo de alguns casos que merecem
destaque, como:
Isto é para eu fazer.
Para o gramático, se a preposição seguida de pronome não serve de introduzir
este pronome (que funciona como sujeito), mas um infinitivo, usam-se as formas retas
eu e tu, e não mim e ti.
Complementos de termos de regências diferentes.
Segundo Bechara, o rigor gramatical exige que não se dê complemento comum a
termos de regência de natureza diferente. Assim não podemos dizer: Entrei e saí de
casa – mas – Entrei em casa e dela saí, porque entrar pede a preposição em e sair a
preposição de.
Porém o gramático observa que, nossa língua não recusa tais fórmulas
abreviadas de dizer, principalmente, quando vêm dar à expressão uma agradável
concisão. Exemplos: Tenho-o visto entrar e sair do Colégio de São Paulo.
O autor ainda revela que, certos autores postulam a proibição aos dizeres em
que duas ou mais preposições de sentido diferente, e até contrário, se referem a um só
termo:
“Com ou sem vantagens sairei.”
“Antes e depois da luta”.
Para tais autores devemos dizer: com vantagens ou em elas, antes da luta e
depois dela, ou repetindo-se o substantivo com fez Machado de Assim:
“Os gritos da vítima, antes da luta e durante a luta, continuavam a repercutir
dentro de mim”.
No entanto, Bechara conclui que a língua dá preferência às construções
abreviadas que a gramática insiste em condenar, sem, contudo, obter grandes vitórias. E,
neste particular, discorda da afirmação que estudamos na primeira parte destes relatos,
feita por Napoleão Mendes de Almeida sobre o mesmo fenômeno.
Emprego de relativos precedidos de preposição.
Para Evanildo Bechara, o pronome relativo exerce função sintática na oração a
que pertence e, portanto, dispensa ou exige preposição.
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
Sujeito: O livro que está em cima da mesa é meu.
OD: O livro que eu li encerra uma bonita história.
Predicativo: Dividimos o pão como bons amigos que éramos.
Complemento: O livro de que precisamos esgotou-se.
OI: Este é o aluno a que dei o livro.
Adj. Adv.: A casa em que moro é espaçosa.
Agente da Passiva: Este é o autor por que a novela foi escrita.
Relativo Universal
Freqüentes vezes a linguagem coloquial e a popular despem o relativo de
qualquer função sintática, tomando-o por simples elemento transpositor oracional. A
função que deveria ser exercida pelo relativo vem mais adiante expressa por substantivo
ou pronome. A este relativo chamamos universal.
Exemplos:
-
O homem que eu falei com ele. (O homem com quem eu falei.)
A amizade é coisa que nem sempre sabemos seu significado. (A amizade é
coisa cujo significado nem sempre sabemos)
Para Bechara, embora a língua padrão recomende o correto emprego dos
relativos, o relativo universal se torna, no falar despreocupado, um elemento lingüístico
extremamente prático.
4. Celso Pedro Luft
As primeiras considerações de Luft (2001) sobre a regência verbal referem-se ao
papel do verbo na concepção de regência como um fenômeno amplo – o verbo rege
todos os termos da oração - e restrito – o verbo rege os complementos. Tal
consideração exige um retorno à noção de padrões oracionais.
Para o autor, a língua prevê padrões sintáticos segundo os quais se constrói
qualquer frase. Nesses padrões há quatro posições básicas:
1.Sujeito (S)
2.Verbo (V)
3.Complementos verbais (C) ou Predicativo (Pvo)
4.Adjuntos Adverbiais (A)
O motorista consertou o carro na garagem [ S V C A]
A criança estava muito alegre ontem [S V Pvo A]
As posições 1, 2 e 3 determinam os padrões da oração, já que os adjuntos
adverbiais são facultativos. Adotando o critério da natureza verbal, pode-se relacionar
dois grupos particulares de padrões: verbais e nominais, com dois subgrupos – pessoais
e impessoais, pelo critério da presença ou ausência do sujeitos.
Padrões Verbais Pessoais
A criança dorme. [S V]
A verdade tem asas. [S V OD]
Os filhos obedecem ao pai. [S V OI ]
O professor falou aos alunos sobre educação. [S V OI OI]
João entregou os recibos ao gerente.[S V OD OI]
O bedel transportou as malas da portaria para o carro [S V OD OI OI]
Padrões Verbais Impessoais
Chove [V]
Houve problemas [V OD]
Chega de improvisações [V OI]
Padrões Nominais Pessoais
Aquele menino é um gênio [S V Pdo] – sintagma nominal substantivo
A vida é bela [S V Pdo] – sintagma nominal adjetivo
A praia é longe [S V Pdo] – sintagma nominal adverbial
O saco era de plástico [S V Pdo] – sintagma nominal preposicional
Padrões Nominais Impessoais
É primavera. [V Pdo]
Está nublado [V Pdo]
Foi ficando tarde [V Pdo]
Foi em janeiro [V Pdo]
Ressalte-se que há também estruturas mistas, com dois núcleos no predicado, um
verbal e outro nominal. E, enfim, que são os padrões oracionais que levam à
classificação dos verbos, tendo por dados classificatórios a relação entre as posições
oracionais 1, 2 e 3:
Posição 1 - ter ou não sujeito = pessoal e impessoal;
Posição 2 – ser ou não de significação plena, lexical = nocional e predicativo
Posição 3 – ter ou não complemento = transitivo ou intransitivo, com ou preposição.
Intransitivação e transitivação
Para Luft é a noção de semântica que dita a regência. São os traços semânticos
dos verbos que prevêem a presença ou ausência de complementos. Assim, fica possível
compreender as mudanças e variações de regência verbal. Verbos que sempre se
constroem com complemento podem aparecer sem ele, e os que normalmente
prescindem de complemento, às vezes passam a recebê-lo. Exemplos:
1. Alguns alunos quase não lêem.
2. O moço riu uma gargalhada cínica.
Na primeira oração temos o verbo “ler”. Sua significação básica prevê objeto da
ação e, opcionalmente, um destinatário: alguém lê algo (para outrem). Mas no exemplo
dado, apenas a ação foi focalizada, não os destinatários. É um caso de verbo transitivo
que aparece como intransitivo.
Na oração 2 temos o verbo “rir”, basicamente intransitivo. Porém, para efeito
expressivo, temos o fenômeno da transitivação, pois aparece um complemento do
mesmo campo semântico, passando do significado de “contrair os músculos da face em
reação de alegria” para o de “emitir”.
É comum ocorrer a transitivação quando se dá a pronominalização de verbos
intransitivos: rir-se, sorrir-se, ir-se, partir-se. Também freqüente é a intransitivação de
transitivos pronominais, com a omissão do reflexivo: ajoelhar, apagar, casar, esquecer
de e outros.
A respeito dos verbos pronominais, o autor destaca que são assim chamados, por
critério morfológico, os verbos que ocorrem acompanhados de pronome oblíquo da
mesma pessoa do sujeito. Segundo a classificação tradicional, temos:
1. reflexiva simples – O caçador feriu-se – [S V OD]
2. reflexiva recíproca – Os amigos se cumprimentaram – [S V OD]
3. reflexiva dinâmica – Eu me levanto cedo – [ S V OD]
4. reflexiva enfática – O corretor se riu – [S V OD]
5. reflexiva obrigatória – Ninguém se queixou – [ S V OD]
Regência de Preposições
O autor insiste na questão semântica propondo que são os traços semânticos dos
verbos que prevêem ou selecionam esta ou aquela preposição. Tal afirmativa nos leva a
rever a tendência de considerar as preposições vazias de sentido; é certo que em alguns
casos o significado das preposições não é tão claro, seja porque o campo semântico é
muito abstrato, seja por esvaimento histórico. Exemplo:
- Em assistir a, a preposição exprimia presença, proximidade (à porta)
Porém, os casos como o citado não anulam a regra de que a preposição possui
traços semânticos que se relacionam com os traços das palavras que regem.
Verbos direcionais, por exemplo, traduzem movimento de partida e chegada e,
portanto, selecionam as preposições, respectivamente, de e a, para ou até (a). A
preposição por exprime também idéia de percurso (andar, passar, correr por diversos
lugares), o que explica a diferença semântica e classificatória entre:
- procurar alguém (TD)
- procurar por alguém (TI)
Nos verbos que possuem prefixos ocorre um interessante caso de regência
preposicional: o prefixo da palavra regente volta sob forma de preposição: conviver
com, derivar de, embarcar em.
Regência e evolução
“A regência, como tudo na língua, a pronúncia, a acentuação,
a significação, etc., não é imutável. Cada época tem sua regência, de
acordo com o sentimento do povo, o qual varia, conforme as
condições novas da vida. Não podem seguir hoje exatamente a mesma
regência que seguiam os clássicos; em muitos casos teremos mudado.”
(Nascentes, 1960, p. 18)
Quando trata de regência e evolução, o autor reitera seu ponto de vista: a
regência verbal é um fenômeno governado pelos traços semânticos dos verbos. Se os
traços são alterados, também se altera a regência.
Acontece com o verbo agradar, aproximado dos sinônimos contentar, satisfazer,
alegrar: agradar a alguém, agradar-lhe tornar-se agradar alguém, agradá-lo.
Atingir, como o significado de alcançar ou tocar com a mão é TD: atingir algo o
alguém, atingi-lo. O traço semântico chegar, aproximar-se a explica a mudança para TI:
atingir a algo o a alguém.
Em algo custa a alguém, custa-lhe, a regência do verbo deve-se ao traço ser
difícil. Com o traço demorar ou tardar muda-se a regência: ele custou a acreditar.
A regência indireta originária – assistir a algo – está ligada ao traço ‘estar
presente, junto’. O apagamento deste traço, porém, fez aparecer os traços de presenciar,
ver, o que refletiu na troca de regência: assistir algo,assisti-lo (TD)
Em namorar, namorá-lo, tradicionalmente TD pelos traços de amar, cortejar,
passou a implicar traços de companhia, encontro: namorar com.
Em obedecer, TI, obedecer a, obedecer-lhe, o acréscimo dos traços ouvir, acatar,
respeitar, observar, seguir, leva-nos a mudar a regência para obedecer alguém ou algo,
obedece-lo.
Complemento/Adjunto
Para um problema freqüente – distinção entre o complemento e o adjunto -,
Celso Pedro Luft propõe o critério semântico. Segundo ele, “é preciso ter em conta que
o verbo prevê na sua significação, o que está implícito em seus traços semânticos”. Para
os casos abaixo, como classificar a expressão “na garagem”:
- 1. O motorista consertou o carro na garagem.
-
2. O motorista pôs o carro na garagem.
Na garagem é adjunto adverbial na frase 1, mas é complemento na 2, apesar de
exprimir lugar e ser substituível por lá. O verbo consertar só prevê um complemento, o
objeto da ação, ao passo que pôr prevê, além do objeto, o lugar-meta.
Uma seqüência como trabalhar num prédio pode ter duas interpretações. Se
considerarmos o prédio como objeto da ação, teremos um complemento. Porém, se o
considerarmos apenas lugar da ação, é adjunto.
Outra interessante consideração feita pelo autor é a respeito de verbos com
proceder e conduzir-se. Segundo Luft, tais verbos prevêem advérbios ou locuções
adverbiais de modo, já que são inviáveis frases como – Ela procede ou Ela se conduziu?
Os elementos adverbiais necessários (bem, mal, com dignidade, etc), previstos pela
significação de tais verbos, são complementos e não adjuntos.
EM RESUMO
De modo geral, os gramáticos deixam transparecer que a regência – em sentido
estrito ou restrito – deve considerar o aspecto semântico das palavras, especialmente dos
verbos. Ocorre porém que a significação é fenômeno difícil de determinar ou, até
mesmo, de controlar. Muitas vezes é a pragmática, ou seja, o contexto que determinará a
acepção com que a palavra – verbo ou nome – foi utilizada.
Deste modo, é interessante considerar o fator sistematizador da gramática
normatiza que, ao pressupor a variação semântica, propõe a regra como limitadora do
dinamismo das palavras. Assim, a prescrição normativa tem, acima de tudo, caráter
uniformizador num cenário de tantas possíveis mudanças.
No entanto, não é possível descartar, nem seria um comportamento científico
sério, o fenômeno de evolução da regência, acompanhando as transformações de
significado das palavras.
VISUALIZAÇÃO
Regência em sentido estrito
Trata das relações de dependência entre:

O verbo e seus complementos. Neste caso, diz-se que a regência é verbal.
Exemplo:
Nos dois primeiros exemplos, a relação de dependência entre os verbos e os
complementos é feita diretamente, isto é, sem auxílio de preposições. Nos dois
outros exemplos, com o auxílio de preposições.

O nome e seus complementos. Neste caso, diz-se que a regência é nominal.
As preposições desempenham papel relevante no capítulo da regência. O uso
correto das preposições é um indicador seguro do conhecimento da língua.
CASOS DE REGÊNCIA
Casos de Regência
São apresentados a seguir casos de regência em que se verifica divergência
entre o que preceitua o ensino tradicional e a realidade lingüística atual.
A abordagem que se faz desses casos diverge consideravelmente da realizada
pela maioria dos manuais de cultura idiomática, que privilegiam apenas as
regências primárias, originárias, não registrando, por isso, as fortes tendências
evolutivas nesta área. Dá-se atenção, nesta apresentação, às inovações sintáticas
observadas na realidade lingüística atual, tendo como base as pesquisas de Luiz
Carlos Lessa e Raimundo Barbadinho Neto, amplamente aproveitadas por Celso
Pedro Luft em seu "Dicionário Prático de Regência Verbal".
Na apresentação dos aspectos normativos da língua, como em qualquer
apreciação de fatos lingüísticos, há que se observar o que é preferível, o que é
tolerável, o que é admissível, o que é aceitável, o que é grosseiro, o que é
inadmissível, deixando de lado a dicotomia elementar, o primitivismo lingüístico
que observa a língua sob o prisma estreito de "certo" x "errado".
1 - Agradar (desagradar)
Sentido: Causar agrado; ser agradável.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: O professor agradou aos alunos.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como transitivo direto.
Exemplo: O filho agradou a mãe.
Observação:
- Este uso já era encontrado entre os clássicos.
- Esta regência explica-se por analogia com "contentar", transitivo direto.
2 - Aspirar
Sentido: Desejar; anelar.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Aspirar ao cargo.
Observação: Esta é a sintaxe originária.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como transitivo direto.
Exemplo: Aspiro o cargo.
Observação:
- É uma inovação regencial sob a pressão semântica de "desejar", "querer", "pretender" todos verbos transitivos diretos.
- Em nível culto formal, Luft recomenda a sintaxe originária.
3 - Assistir
Sentido: Ajudar; auxiliar.
De acordo com o ensino tradicional
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: O médico assiste ao doente.
Observação: Esta é a regência primitiva.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como transitivo direto.
Exemplo: O médico assiste o doente.
Observação: É uma evolução regencial sob a pressão de "ajudar", "auxiliar" - verbos
transitivos diretos.
4 - Assistir
Sentido: Presenciar.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Assisti ao filme.
Observação: Esta é a regência primária, original.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como transitivo direto.
Exemplo: Assisti o filme.
Observações:
- É uma evolução regencial sob a pressão de semântica de "ver" - verbo transitivo
direto.
- A forma passiva "o filme foi assistido" comprova a transitivação do verbo.
- De acordo com luft, o mais que se pode é aconselhar a sintaxe original, tradicional.
5 - Chegar
Sentido: Atingir o término do movimento de ida ou vinda.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Chegou cedo à escola.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: em
Exemplo: Chegou cedo na escola.
Observações:
- A preposição "em" é exclusiva diante da palavra "casa". Exemplo: Chegou em casa.
- No Brasil, usa-se muito a construção com a preposição "em". É, portanto, um
brasileirismo. Exemplo: Quando ele chegou na porta da cozinha.
- "Já se tolera o "chegou em" na linguagem escrita". (Sílvio Elia).
- Luiz Carlos Lessa e R. Barbadinho Neto confirmam amplamente essa regência entre
os modernistas.
- Mesmo assim, Luft entende que, em texto escrito culto formal, melhor se ajusta o
"Chegar a".
6 - Ir
Sentido: Deslocar-se de um lugar para outro.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: para, a
Exemplos:
- Para: Quando há intenção de permanecer, de fixar residência. "Ir para Porto Alegre".
- A: Quando há intenção de não se demorar, de não fixar residência. "Ir a Porto Alegre".
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: em
Exemplo: Ir no colégio.
Observações:
- A regência"ir em" é típica da fala brasileira, podendo até ser sobrevivência da língua
arcaica.
- "Os portugueses dizem ir à cidade. Os brasileiros, na cidade. Eu sou brasileiro".
(Mário de Andrade).
- Na fala brasileira, prevalece o emprego de "para", sobre o "a". Apesar disso, Luft
recomenda o "ir a" / "ir para" na linguagem culta formal, sobretudo escrita.
7 - Morar
Sentido: Ter habitação ou residência; habitar.
De acordo com o ensino tradicional:
Preposição: "em", em todos os contextos
Exemplos:
- Moro em Porto Alegre.
- Moro na Rua da Saudade.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Preposição: Emprega-se também com a preposição "a" com o substantivo "rua", e
menos freqüentemente, com outros femininos, como "avenida", "praça", "travessa", na
linguagem escrita de jornal, tabelionato, etc.
8 - Namorar
Sentido: Cortejar.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo direto
Exemplos:
- Namorar alguém.
- Namorá-lo.
Observação: Esta é a regência primitiva.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: com
Exemplo: Namorar com alguém.
9 - Obedecer (desobedecer)
Sentido: Submeter-se à vontade de alguém.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Obedeço aos pais.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como transitivo direto.
Exemplo: Obedeço os pais.
Observações:
- Entre os clássicos antigos, aparece como transitivo direto.
- Os modernistas também empregam esta construção.
- A passiva é vista como normal.
- Luft recomenda na linguagem culta formal a construção com objeto indireto.
- A mesma descrição vale para o verbo "desobedecer".
10 - Pagar
Sentido: Satisfazer dívida, encargo, etc.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo direto e indireto; objeto direto do que se paga e objeto indireto de
pessoa (a quem se paga)
Exemplos:
- Paguei a consulta.
- Paguei ao médico.
- Paguei a consulta ao médico.
Observação: Esta é a sintaxe originária.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como objeto direto de pessoa.
Preposição: com
Exemplo: Paguei o médico.
Observação:
- Os puristas condenam esta construção.
- Segundo Luft, quando muito, pode-se dizer que, na língua escrita formal, a sintaxe
"pagar a alguém", "pagar-lhe" é preferível a "pagar alguém".
11 - Pisar
Sentido: Pôr os pés sobre.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo direto
Exemplo: Não pise a grama.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: em
Exemplo:
- Não pise na grama.
- Pisar em ovos.
- Pisar nos calos.
12 - Preferir
Sentido: Dar primazia a.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo direto e indireto
Preposição: a
Exemplo: Prefiro o azul ao vermelho.
Observação: Esta é a sintaxe primária.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Também ocorrem as construções "preferir antes ou mais ((do) que)".
Exemplos:
- Prefiro mais a música do que a pintura.
- Prefiro antes a música que a pintura.
Observações:
- Há abonações literárias dessa regência.
- Segunto Nascentes, "não há erro nenhum nas expressões "preferir antes ou preferir do
que"".
- De acordo com Luft, "Mesmo assim, em lingua culta formal, cabe a sintaxe primária".
13 - Querer
Sentido: Ter afeto; amar; estimar.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo:
- Quer a alguém.
- Querer-lhe.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como verbo transitivo direto.
Exemplo:
- Quer alguém.
- Querê-lo.
Observação:
- É inovação regencial por influência de "amar" - verbo transitivo direto.
- Para Luft, pode-se recomendar a variante com objeto indireto (querer a alguém), na
modalidade culta formal, sem, no entanto, condenar a outra (querê-la).
14 - Sentar
Sentido: Tomar assento.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Sentar-se à mesa.
Observação: Esta é a sintaxe originária.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Verbo transitivo indireto
Preposição: Emprega-se também com a preposição "em"
Exemplo: Sentar-se na mesa.
Observação:
- "Sentar em" é um brasileirismo.
- De acordo com Luft, "Em linguagem culta formal, mantenha-se a sintaxe primitiva".
15 - Visar
Sentido: Ter em mira; ter em vista; objetivar.
De acordo com o ensino tradicional:
Verbo: Transitivo indireto
Preposição: a
Exemplo: Eles visam a fins nobres.
Observação: Esta é a regência primária, originária.
De acordo com a realidade lingüística atual:
Verbo: Emprega-se também como verbo transitivo direto.
Exemplo: Eles visam fins nobres.
Observação:
- É uma inovação regencial sob a pressão semântica de "pretender", "buscar" - verbos
transitivos diretos.
- Vários gramáticos e dicionaristas registram esta sintaxe.
16 - De + o/a + substantivo + infinitivo
ou De + pronome + infinitivo
De acordo com o ensino tradicional: - Não se contrai a preposição e o artigo neste tipo
de construção.
Exemplos:
- Há possibilidade de o chefe se atrasar.
- Está na hora de o trem partir.
- Apesar de ele se mostrar indiferente, é muito solidário.
- Isso se deve ao fato de o português ser assim.
De acordo com a realidade lingüística atual: - É natural a contração da preposição
com o artigo ou com o pronome.
Exemplo: Está na hora do trem partir.
17 - Entregar a domicílio/Em domicílio
De acordo com o ensino tradicional (regra purista):
• A Domicílio: Com verbos que indicam movimento.
- Exemplo: Ir a domicílio. Enviar encomendas a domicílio.
• Em Domicílio: Com verbos que não indicam movimento.
- Exemplo: Dar aulas em domicílio. Fazer as unhas em domicílio.
De acordo com a realidade lingüística atual:
- Usa-se "a domicílio" em ambos os casos.
Exemplo: Entrega a domicílio.
18 - Complemento comum a verbos de regência diferente
De acordo com o ensino tradicional (regra purista):
• Verbos com regência diferente não podem reger um mesmo complemento. Estariam,
pois, erradas as frases:
- Entraram e saíram da sala (entrar em/sair de).
- Compreendeu e participou da alegria do marido (Compreender algo/participar de
algo).
- Fui e voltei a Porto Alegre (ir a/voltar de).
• O correto seria:
- Entraram na sala e saíram dela.
- Compreendeu a alegria do marido e participou dela.
- Fui a Porto Alegre e voltei (de Porto Alegre).
De acordo com a realidade lingüística atual:
- Prefere-se a construção simplificada.
Exemplo: Entraram e saíram da sala.
ANEXO I
ATIVIDADES
Regência, Regência Verbal, Regência Nominal:
1. Faça a leitura do texto Perdas Inúteis e, levando em consideração o fenômeno de
regência, analise sua estrutura, seus significados, enfim, sua coerência:
Perdas Inúteis
Os dados de um estudo do Instituto de Engenharia de São Paulo sobre desperdício
na produção de bens e serviços no país são alarmantes.
Segundo a investigação, seriam perdidos sob as formas mais diversas, da produção
de peças e componentes defeituosos a gargalos no sistema de transporte, cerca de US$
50,78 bilhões anuais, ou 14,5% do PIB.
Ainda que estimativas dessa natureza estejam sujeitas a elevada margem de erros, a
ordem de magnitude dos números sugere que se trata de um foco importante de
problema.
A falta de treinamento, a inadequação dos transportes, a utilização de equipamentos
obsoletos e a pequena difusão de processos automatizados constituem alguns dos fatores
para desempenho tão desfavorável.
A superação desses obstáculos, como de tantos outros problemas da economia
brasileira, está a exigir a consecução prática, e não apenas retórica, de reformas
modernizantes como a da abertura, privatização e concentração dos recursos públicos na
formação de capital humano.
Jornal Folha de S.Paulo, 24/8/1992
2. Analise e comente a regência verbal e/ou nominal das frases abaixo. Corrija-as,
se necessário, considerando a prescrição normativa para o fenômeno da
regência:
a) As medidas emergenciais consistem de novas regras para as aplicações
financeiras e de um novo sistema de controle de divisas.
b) Ainda não se determinou o momento exato de ela intervir com seus
argumentos contundentes.
c) Só aspiro hoje uma vida calma, em um sitiozinho qualquer, onde espere a
grande paz da morte, que não deverá demorar.
d) Venho avisá-lo, meu bom amigo, que estou na fazenda, onde lhe espero por
todo este mês. Dou-te ainda esplêndida notícia: está aqui o Pedrinho, que
estivemos no ano passado em casa dele, em Resende.
3. Tendo em vista o fenômeno da regência, explicite o sentido de cada uma das
orações abaixo:
a) Devemos avisar-nos dos ladrões.
b) Eu e tu não comungamos muito bem.
c) Não lhe quero – Não a quero.
d) Nem por tudo posso responder.
e) Tive de socorrer-me dele para esse negócio.
4. Observem os exemplares do jornal que lhe foram entregues. Realizem nele/com
ele uma atividade de leitura crítica, em busca de manifestações de regência
verbal em acordo ou desacordo com as regras da gramática normativa. Listem os
exemplares e comente-os.
5. Faça a leitura do texto O montepio – com o olhar dirigido pelos estudos sobre o
fenômeno da regência – e dê sua opinião a respeito da seguinte polêmica:
A regência pode atuar como elemento de coesão textual?
O Montepio
Que herança transmite
o pai a seu filho?
Não lhe deixa casa
ou sombra de apólice
nem tampouco o sujo
de seu colarinho.
Não lhe lega a velha
mala de viagens
nem os seus amores
e as suas bobagens.
E as roupas do pai
que a chuva encolheu
no filho não cabem.
Com pau seco e fogo
o pai de resina
arma o seu legado.
Deixa uma fogueira
que ele fez sozinho
no escuro da mata.
(Borboletas em
seus ombros pousavam.)
E também menino
na pele do vento
solta para o céu
o seu papagaio.
E antes de mudar-se
de suor em musgo
o pai dá ao filho
como pé-de-meia
algo da paisagem
- sobra de pupila,
moeda de lágrimas.
Deixa-lhe o balaio
cheio de apetrechos
e o jeito de andar
com as mãos às costas.
Para o filho passa
todo o seu cansaço
suas promissórias
e seu olhar baço.
Da árvore do povo
deixa-lhe no sangue
um ramo orvalhado.
Transmite-lhe o grito
de espantado amor
que gritou na praia.
De agrestes gravetos
faz o fogo e esquenta
na palhoça ao vento
a comida fria
de sua marmita.
O pai dá ao filho
o ninho vazio
achado no bosque
e a raposa morta
por sua espingarda.
Dá-lhe a sua anônima
grandeza do nada.
Sua herança é o frio
que sentiu rapaz
quando impaludado.
Dá-lhe a lua imensa
na noite azulada.
Estende-lhe as mãos
sujas de carvão
molhadas de orvalho.
Fala-lhe da dor
que sente nos calos.
Dá-lhe a verde e rubra
pimenteira em flor.
Mostra-lhe o tambor
de salitre e brisa
que rufa sozinho
entre os arquipélagos
de sua pobreza.
Mostra-lhe o cadarço
de espuma no mar
cheio de mariscos.
Ser pai é ensinar
ao filho curioso
o nome de tudo:
bicho e pé de pau.
Que o pai, quando morre,
deixa para o filho
o seu montepio
- tudo o que juntou
de manhã à noite
no batente, dando
duro no trabalho.
Deixa-lhe palavras.
(IVO, Lêdo. O sinal semafórico. Rio de
Janeiro, José Olympio, Brasília, 1974.
p. 379-381)
ANEXO II
UM ESTUDO SOBRE AS PREPOSIÇÕES
Preposição
Preposição é a palavra que estabelece uma relação entre dois ou mais termos da
oração. Essa relação é do tipo subordinativa, ou seja, entre os elementos ligados pela
preposição não há sentido dissociado, separado, individualizado; ao contrário, o sentido
da expressão é dependente da união de todos os elementos que a preposição vincula.
Exemplos:
Os amigos de João estranharam o seu modo de vestir.
...[amigos de João / modo de vestir: elementos ligados por preposição]
...[de: preposição]
Ela esperou com entusiasmo aquele breve passeio.
...[esperou com entusiasmo: elementos ligados por preposição]
...[com: preposição]
Esse tipo de relação é considerada uma conexão, em que os conectivos cumprem
a função de ligar elementos. A preposição é um desses conectivos e se presta a ligar
palavras entre si num processo de subordinação denominado regência.
Diz-se regência devido ao fato de que, na relação estabelecida pelas preposições,
o primeiro elemento – chamado antecedente - é o termo que rege, que impõe um
regime; o segundo elemento, por sua vez – chamado conseqüente – é o temo regido,
aquele que cumpre o regime estabelecido pelo antecedente.
Exemplos:
A hora das refeições é sagrada.
...[hora das refeições: elementos ligados por preposição]
...[de + as = das: preposição]
...[hora: termo antecedente = rege a construção "das refeições"]
...[refeições: termo conseqüente = é regido pela construção "hora da"]
Alguém passou por aqui.
...[passou por aqui: elementos ligados por preposição]
...[por: preposição]
...[passou: termo antecedente = rege a construção "por aqui"]
...[aqui: termo conseqüente = é regido pela construção "passou por"]
As preposições são palavras invariáveis, pois não sofrem flexão de gênero,
número ou variação em grau como os nomes, nem de pessoa, número, tempo, modo,
aspecto e voz como os verbos. No entanto em diversas situações as preposições se
combinam a outras palavras da língua (fenômeno da contração) e, assim, estabelecem
uma relação de concordância em gênero e número com essas palavras às quais se liga.
Mesmo assim, não se trata de uma variação própria da preposição, mas sim da palavra
com a qual ela se funde (ex.: de + o = do; por + a = pela; em + um = num, etc.).
Preposições
Palavras invariáveis que exprimem relações entre duas partes de uma oração que
dependem uma da outra.
a
ante
após
até
com
conforme
contra
consoante
de
desde
durante
em
exceto
entre
mediante
para
perante
por
salvo
sem
segundo
sob
sobre
trás
Preposições e Traços Semânticos
O Emprego da Crase
Professora Marcilene Rodrigues Pereira Bueno
Chama-se crase a contração de dois sons vogais idênticos. Segundo Olívia
(1978), krasis em grego significava mistura. Na língua portuguesa o fenômeno da crase
já aconteceu entre outras vogais. Temos por exemplo: door = dor, coor = cor, fee = fé,
pee = pé. Atualmente tal contração só se verifica entre os fonemas aa.
Mas, que “as” são esses? Um é sempre preposição; o outro varia. Pode ser
artigo “a”, pronome demonstrativo “a”, ou o som inicial “a” de outros pronomes:
aquele, aqueles, aquela, aquilo, a qual.
O fenômeno da crase é indicado, graficamente, pelo acento grave (`). Segundo
Almeida (1989), é importante observar que crase não é o nome do acento. Assim, é
incorreto dizer: “O a desta frase tem crase”. O acento grave indica que houve a fusão de
dois aa. Portanto é melhor dizer: “O a desta frase possui acento grave.” Para tal autor o
verbo crasear é um brasileirismo que deve ser evitado. Melhor é substituí-lo por
acentuar o a: “Vou acentuar o a desta locução”, e não “ Vou crasear o a desta locução”.
Destaca-se também que para a utilização do acento grave é importante
considerar as noções de termo regente e termo regido:
a) termo regente: é o termo da esquerda, que exige complemento regido da
peposição a;
b) termo regido: é o termo da direita, que completa o sentido do termo anterior,
admitindo a anteposição do artigo a ( ou as).
Exemplo: Falei a a mestra – Fales à mestra.
Iremos a a cidade – Iremos à cidade.
Se o termo regente não exige complemento regido de preposição a,
evidentemente não ocorre a crase:
Exemplo: Visitamos a cidade.
MANUAIS DIDÁTICOS E CRASE
Primeiro caso: A crase ocorre obrigatoriamente quando o termo regente deve
exigir complemento regido da preposição a , e o termo regido deve admitir artigo
feminino a (ou as):
Pedi informações à ( = a + a ) secretária.
Refiro-me às ( = a + as ) novelas de ontem.
Iremos à ( = a + a) Bahia.
Neste primeiro caso, podemos usar os seguintes recursos para confirmar a
ocorrência ou não da crase:
a) Substituir a palavra feminina por uma masculina. Se na substituição ocorrer
a combinação ao ( ou aos), então a crase será confirmada: A decisão coube à
diretora ( A decisão coube ao diretor – crase confirmada). – Presentearemos
a diretora (Presentearemos o diretor. – crase não confirmada).
b) Com nomes próprios geográficos, substitui-se o verbo da frase pelo verbo
voltar. Se resultar a expressão voltar da, confirmar-se-á a ocorrência da
crase: Iremos à Argentina. (Voltaremos da Argentina – crase confirmada) –
Viajarei a Roma ( Voltarei de Roma – crase não confirmada). Observação:
Se o nome próprio geográfico aparecer modificado por um adjunto
adnominal, ocorrerá a crase: Viajarei à Roma das ruínas. (Voltarei da Roma
das ruínas – crase confirmada).
Segundo Caso : A letra a dos pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s),
aquilo também receberá acento grave se o termo regente exigir complemento regido da
preposição a. Nota-se fazendo o desdobramento da contração:
Dei pão àquele(s) ( = a + aquele) pobre(s).
Iremos àquela(s) ( = a + aquela) cidade(s).
Fiz críticas àquilo ( = a + aquilo) que você disse.
Esta história é igual à(s) ( = a + a ) que vovó contava.
Terceiro caso: A letra a que forma locução com palavras femininas recebe o
acento grave. Usamos crase diante das locuções adverbiais, prepositivas e conjuntivas,
formadas de substantivo feminino:
a) Locuções adverbiais: às vezes, à noite, à tarde, às ocultas, à esquerda, à
direita, às pressas, etc.
b) Locuções adjetivas: (fato) à-toa, (soldado) à paisana, (baile) à fantasia, etc.
c) Locuções prepositivas: à beira de, à espera de, à procura de, etc.
d) Locuções conjuntivas: à medida que, à proporção que ( apenas estas duas).
Observações:
1. Não ocorre a crase em locuções adverbiais que indicam modo ou
instrumento, embora alguns autores coloquem o acento por força da tradição
de seu emprego: O cão foi morto a bala. Escrevo a máquina. Pagamento a
vista.
2. Se a locução adverbial apresentar a singular + palavra adjetivada plural, não
ocorrerá a crase: Ficaram a portas fechadas. Rimos a bandeiras
despregadas.
3. A locução adverbial a distância não deve ser acentuada: Olhávamos o
incêndio a distância. Porém, se a palavra “distância” aparecer determinada,
teremos locução prepositiva, e não adverbial. Portanto, ocorrerá a crase:
Olhávamos o incêndio à distância de cem metros.
4. Em locuções adverbiais formadas por palavras repetidas não ocorre a crase:
Estávamos frente a frente. Tomei o remédio gota a gota.
5. Se as locuções prepositivas à moda de e à maneira de ficarem
subentendidas, ocorrerá a crase, mesmo que o a esteja anteposto a palavra
masculina. Escrevi um poema à Cecília Meireles. Fiz um gol à Pelé. Ele usa
sapatos à Luis XV.
Quarto caso:. Ocorre crase diante de horas quanto houver o artigo definido, feminino, a
que se refere à palavra “hora” e a preposição “a” regida pelo verbo: O jogo
começará às 9 horas. Papai voltará às 17 horas. Espere-me às 8 horas em ponto.
Quinto caso: Diante de nomes de cidades, regiões, países e lugares em geral, haverá
crase se o nome admitir artigo feminino. Pode-se dizer: Inglaterra é país antigo
ou A Inglaterra é país antigo. O nome Inglaterra, por questão de uso, aceita
artigo. Então se escreverá: Iremos à Inglaterra, um dia...
Sexto caso: Usa-se crase diante da palavra distância se ela estiver seguida de algum
adjunto: O menino parou à distância de dois metros.
Casos Facultativos da Crase
O acento grave pode ser usado facultativamente nos seguintes casos:
a) antes de nomes de mulheres: Refiro-me à ( ou a) Amélia. Observação: com
nomes adjetivados, ocorre obrigatoriamente a crase: Refiro-me à prestativa
Amélia.
b) Antes de pronomes possessivos femininos no singular: Fiz alusão a ( ou à )
sua carta. Observação: Se tivermos as (plural) e pronome possessivo
feminino plural, a crase será obrigatória: Fiz alusão às suas cartas.
c) Após a preposição até: Iremos até a ( ou à ) escola.
Casos em que não ocorre crase
Não se coloca o acento grave nos seguintes casos:
a) antes de palavras masculinas, desde que não estejam subentendidas as
locuções à moda de e à maneira de: Refiro-me a Carlos. Não façam a prova
a lápis.
b) antes de verbos: Começou a chover. Pôs-se a falar muito alto.
c) no a singular anteposto a substantivo plural: Não me refiro a atividades
desonestas. Não vou a festas.
d) antes de numeral: O número de reprovados chegou a trinta. Observação: Se
se tratar de locução adverbial feminina, ocorrerá a crase: Viajarei às quinze
horas.
e) Antes da palavra casa, não especificada: Voltei tarde a casa. Observação: Se
a palavra casa aparecer determinada por um adjunto adnominal, ocorrerá a
case; Voltarei à casa de meus pais..
f) Antes da palavra terra usada no sentido de “chão firme”: Os marinheiros
foram a terra para descansar. Observação: Se a palavra terra indicar região,
local, pátria, ocorrerá a crase: Os marinheiros voltaram à terra onde
nasceram.
g) Antes de pronomes que repelem o artigo: Entreguei meu coração a ela. Ela
sentou-se junto a mim. Você é a pessoa a quem sempre obedecerei. Apelo a
Vossa Senhoria.
h) Diante de substantivos femininos usados em sentido geral: Isto me cheira a
coisa velha. Dedicou o trabalho a homem ou a mulher?
i) Diante de expressões de tratamento mais cerimoniosas que não aceitam o
artigo feminino: Falarei a Vossa Senhoria.
Observações Gerais
a) Os pronomes senhora, senhorita, dona e madame admitem artigo. Logo,
coloca-se o acento grave no a que os antecede: Levarei flores à senhora
Leopoldina. Dedico estes versos à dona Ernesta.
b) O corre crase antes do pronome relativo qual ( e flexão: quais), desde que
seu antecedente seja uma palavra feminina, e que o pronome relativo
dependa de um termo regido pela preposição a Recorra ao seguinte artifício:
Substitua o pronome relativo pelo seu antecedente, antepondo-lhe o pronome
indefinido certo ( ou variações: certa, certos, certas). Haverá crase se antes
do indefinido aparecer a preposição a: Dobre essa folha, a qual será
grampeada. ( Certa folha será grampeada – crase não confirmada) – Dobre
essa folha, á qual anexarei um convite. ( Anexarei um convite a certa folha –
crase confirmada) – São situações as quais enfrentamos ( Enfrentamos certas
situações – crase não confirmada) – São situações às quais me refiro. (
Refiro-me a certas situações – crase confirmada).
GRAMÁTICA NORMATIVA E CRASE
1. Napoleão Mendes de Almeida
O gramático Napoleão Mendes de Almeida define crase (do grego crásis =
mistura) como a fusão escrita e oral de duas vogais idênticas. Neste sentido, a palavra
crase pode ser aplicada a outras grafias como: têm (teem), vêm (vêem). No entanto, essa
denominação visa a especificar principalmente a contração ou fusão da preposição a
com:
-
artigo definido ou pronome substantivo feminino átono a, as;
os demonstrativos aquele, aquela, aqueles, aquelas e aquilo.
Essa contração expressa-se, na grafia, mediante o acento grave: à, às, àquele,
àqueles, àquelas e àquilo.
à = a (preposição) + a (artigo ou pronome)
Após esta explicação inicial, o gramático passa a explanar sobre as regras para o
perfeito uso da crase:
Primeira regra – é condição essencial que a crase venha antes de palavra
feminina. De maneira nenhuma se pode usar a crase antes de nomes masculinos. São
erros gravíssimos formas como:
Ele foi à pé
Isso pertence à seu irmão.
Compras à prazo.
Também não se pode usar a crase antes dos verbos, porque são considerados do
gênero masculino:
Ele esta a morrer – Ele está à morrer.
Segunda regra – É necessário que a palavra dependa de outra que exija a
preposição “a”. Erro seria na frase “A rosa murchou” crasear o a, porque rosa é sujeito
e o a que o antecede é simples artigo.
Terceira regra – É necessário que a palavra admita o artigo feminino “a”. Na
frase: “Ele foi a Roma” – não podemos crasear o a que antecede Roma porque ela não
admite antes de si o artigo feminino. Diz-se: “Roma é cidade linda” e não “A Roma...”.
Prova isto que o a da oração “Ele foi a Roma” é simples preposição e na pode,
conseqüentemente, ser craseado.
Todavia, quando queremos particularizar, empregamos a crase. Exemplo:
“Refiro-me à Roma de César” – “Reporto-me à Lisboa de Camões”
O gramático também oferece em sua obra o que ele chama de regras práticas
para o emprego da crase. São elas:
Primeira Regra Prática: Emprega-se crase sempre que, substituindo-se o
vocábulo feminino por um masculino, aparece a combinação “ao” antes do nome
masculino. Por exemplo: Eu vou a cidade - Eu vou ao teatro.
Para o cumprimento desta regra prática, é necessário, no entanto, o cumprimento
de todas as regras anteriores; assim, em: “Eu vou a Roma”, de nada valerá aplicar a
regra prática, uma vez que Roma não admite antes de si o artigo feminino.
Da mesma maneira, não se emprega a crase quando, substituindo-se na locução
o nome feminino por outro masculino, não aparece a forma ao; por isso é que não se
craseia o a da expressão: “Ele foi ferido a bala”. Assim, não se pode grafar: “Escrever
uma carta à máquina, à mão, à tinta”, porque não se diz: “Escrever uma carta ao lápis”.
Não se grafa “pagamento à vista” mas “pagamento a vista” (não se diz pagamento ao
prazo; não há determinação); grafa-se, porém, “O resultado está à vista de todos”,
porque se diz “O resultado está ao alcance de todos” (= na vista de todos; há
determinação).
Segunda Regra Prática: Craseia-se o a de uma frase quando pode ser substituído
por para, a na, pela, com a, ou, de conformidade com o caso, por qualquer preposição
acompanhada do artigo a; assim, craseia-se o a em: “Dei isso à Casa de Misericórdia”,
porque se pode dizer “Dei isso para a Casa de Misericórdia”. “Estou às portas da
morte”. “Às três horas”, porque se pode dizer: “Pelas (per+as) três horas”.
Finalmente, Napoleão Mendes de Almeida conclui seus estudos sobre crase com
algumas observações:
1.
Será livre o emprego da crase quando livre for o emprego do artigo
feminino. Em: “Dei isto a minha irmã” fica à vontade do autor o
emprego da crase, porque tanto, nesse caso, empregamos o artigo
feminino. (“A minha irmã não está”), como o deixamos de fazer: “Dei
isto às minhas irmãs” – deveríamos sem dúvida crasear o as, o que
evidentemente demonstra a primeira regra prática: “Dei isto aos
irmãos”. O s indica a presença do artigo.
2.
Unicamente quando ficar comprometida a clareza da frase é que
poderemos fugir das regras acima; é difícil atinar com o significado da
sentença: “Fique a vontade em seu lugar”, onde não sabemos se a
vontade é sujeito ou locução adverbial. Se queremos dizer: “Fique
você a vontade”, isto é, a gosto, podemos crasear o a, embora de
encontro a todas as regras expostas: “Fique à vontade em seu lugar.”
3.
Em expressões como “Vestir-se à Luís XV” – “Móveis à Luís XV” o a
aparece craseado, por modificar a palavra feminina moda, oculta
nessas frases: Agiram à palhaços de circo”.
4.
O a, quando seguido de nome plural, é mera preposição; não pode, por
isso, levar crase: “Quanto a referências...” – Chegou a vias de fato” –
“Daremos a pessoas dignas...”
5.
Possuímos duas palavras femininas que, ordinariamente, não admitem
o artigo: casa, na acepção de morada, residência: “Vim de casa” –
“Estive em casa” – “Ó de casa” – são expressões que mostram
claramente a não existência do artigo antes do vocábulo casa, pois do
contrário as expressões seriam “Vim da casa” – “Estive na casa” – “Ó
da casa”. Daqui facilmente concluiremos ser erro crasear o a antes
dessa palavra, quando empregada com o sentido de lar, residência,
domicílio: “Eu vou a casa” e não “Eu vou à casa.” Se, porém, o
vocábulo casa vier seguido de uma especificação qualquer, como “A
Casa X”, “A casa de Pedro”, é admissível e necessária a crase
(quando, naturalmente, essa palavra estiver em relação complementar).
“Fui à Casa Anglo-Brasileira” – “Dirigi-me à casa de Pedro” – “Irei à
Casa da Moeda” – pois, aplicando-se a segunda regra prática, diremos:
“Estive na Casa da Moeda”.
6.
Outro caso de supressão do artigo se dá com a palavra terra na acepção
de chão firme, empregada para contrastar com o elemento movediço
do mar: “Estive em terra” – “Iremos por terra”. Portanto, dadas as
mesmas razões que apontamos no caso anterior, devemos escrever:
“Levamo-lo a terra” ( e não à) – “Chegamos ainda hoje a terra” (e não
à).
7.
O emprego da crase antes de nomes próprios femininos obedece à
possibilidade ou não do artigo: se antes de nomes próprios femininos
de pessoas íntimas por relações de parentesco, amizade ou política
empregamos o artigo (a Maria, a Laura, a Noemi, a Chiquinha), é claro
que esses nomes, quando em relação complementar, devem vir
precedidos de a craseado: “Vou levar isto à Maria” – “Darei o dinheiro
à Laura”. Se, porém , costumamos referir-nos a essas pessoas
conhecidas sem empregar artigo (Laura está doente – Maria não veio),
é também claro que esses nomes, quando em relação complementar,
não devem vir precedidos de a craseado: “Escrevi a Laura” (e não à
Laura”. Tratando-se de pessoas célebres ou a nós não íntimas, não
empregamos o artigo: Maria Stuart, Joana D´Arc. Quando tais nomes
estiverem em relação complementar, não poderão vir precedidos de
crase: “Impuseram condições a Maria Stuart” (e não à).
8.
Três nomes existem – Europa, Ásia e África – que outrora não
levavam artigo; daí o dizer “Meter lanças em África”. Esses nomes, e
mais os de alguns países, como Espanha, França, Inglaterra, Holanda,
não exigem obrigatoriamente o artigo, quando regidos de preposição:
vir de França, Leão de França, estar em Holanda. Pois bem, o
emprego da crase antes de tais nomes é livre, tal qual acontece com a
crase antes de possessivos.
9.
Uma vez que os pronomes de tratamento começados por possessivos
(sua senhoria, vossa majestade, sua santidade) não admitem o artigo
antes de si, jamais poderão vir precedidos de a craseado: “Dei isso a
vossa senhoria” (e não: à vossa senhoria).
10.
As expressões “devido a”, “relativo a”, “referente a”, “com respeito a”,
“quanto a”, “obediência a” e outras devem ter o a craseado quando
vêm antes de nomes femininos determinados pelo artigo: devido à
morte do pai, devido às dificuldades, obediência às leis, referente à
prisão, com respeito à situação, quanto à natureza.
Por último, uma observação sobre as locuções adverbiais. As locuções
adverbiais levam crase ou para evitar ambigüidade ou quando se enquadram nas regras
práticas do emprego da crase: “Peguei à mão” (com crase, tão somente para evitar
ambigüidade; pela regra não havia necessidade de crase, uma vez que se diz “pegar a
laço” e não “pegar ao laço”). “Peguei-o a mão” (aqui já não é necessário crase, pois
deixa de existir perigo de ambigüidade).
2. Evanildo Bechara
Evanildo Bechara trata a crase como “emprego do à acentuado” ou acento grave.
Para ele o acento grave no a é usado para indicar que soa como vogal aberta nos
seguintes dois casos:
1. quando representa a construção da preposição a como artigo a ou o início de
aquele, aquela, aquilo.
2. quando representa a pura preposição a que rege um substantivo feminino no
singular, formando uma locução adverbial que, por motivo de clareza, vem
assinalada com acento diferencial: à força, à míngua, à bala, à faca, à espada.
Para este gramático a crase é um fenômeno fonético que se estende a toda fusão
de vogais iguais. Também não há razão para condenar-se o verbo crasear para
significar: “pôr o acento grave indicativo de crase”. O que se não deve é chamar crase
ao acento grave.
Bechara lista os casos seguintes em que a crase ocorre ou não:
A)
diante de palavra feminina, clara ou oculta, que não repele artigo: Fui
à cidade. Para sabermos se um substantivo feminino não repele artigo,
basta construí-lo em orações em que apareçam regidos das
preposições de, em, por, Se tivermos puras preposições, o nome
dispensa artigo; se tivermos necessidade de usar, respectivamente da,
na, pela, o artigo será obrigatório: Fui à Gávea.
B)
A crase não ocorre diante de palavra de sentido indefinido: Falou a
uma pessoa.
C)
Há acento antes do numeral uma: Irei vê-la à uma hora.
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