UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO E AÇÕES COMUNITÁRIAS DEPARTAMENTO DE EXTENSÃO PROGRAMA DE INCLUSÃO, ACESSO E PERMANÊNCIA __________________________________________________________________________________________________________________________________ peso na minha existência?/ Será que sou Disciplina: Filosofia apenas um joguete nas mãos daquilo que Profª Sami Hiasmin chamamos “forças naturais?". Queira ou não, esse questionamento Introdução a Filosofia surge até nos momentos mais inesperados e provoca, Algumas das questões recorrentes ao lado de outras inúmeras questões, o início da atitude de filosofar. (...). entre os jovens, quando apresentados ao A atitude filosófica, nascida dessa estudo da Filosofia, são: "De que trata essa tensão, deve levar–nos matéria?", "Para que serve a Filosofia?", realidades, ou seja: o eu, o outro, a natureza, "Reprova?", "Cai no vestibular?", “para que através de um olhar crítico, em que estamos serve, então?”. “desarmados”: sem a ver essas preconceitos, sem Quem não ouviu pelo menos uma vez posições já assumidas anteriormente. Esse falar em Filosofia? Aqui e acolá, encontramos olhar crítico leva-nos a compreender e a em conversas ou nos textos que lemos dos expressar o que compreendemos e, para nomes dos famosos filósofos. Quantos de conseguir essa finalidade, ele nos ensina a nós, e quantas vezes, já não tivemos a questionar tudo: a nós mesmos, ao outro, à oportunidade de ouvir alguém dizendo: "pela natureza, e ainda mais: ele nos ensina que minha filosofia, considero certo fazer isto ou importante é aprender a ver a realidade. aquilo"? O termo filosofia é vigente e muito A atitude filosófica possui algumas utilizado. Mas sabemos nós (e sabem todos características que usam esse termo) o que significa, de independentemente do conteúdo investigado. fato, a Filosofia? Nós já nos pusemos a Essas características São: pensar nisto? • Filosofar: Uma atitude natural no homem pergunta qual é a realidade e qual é a Há certas perguntas que o homem não que são as mesmas, Perguntar o que é. Ou seja, a Filosofia significação de algo, não importa o quê; cessa de fazer a si próprio, quer esteja ele na • etapa primitiva de sua evolução. Quer esteja indaga como é a estrutura ou o sistema de na etapa mais sofisticada. São perguntas que relações que constitui a realidade de algo; o atormentam, que o persegue, a ponto de • provocar nele o espanto, a angústia: porque algo existe, qual é a origem ou a causa de existo? uma coisa, de uma ideia, de um valor, de um Qual a finalidade da minha existência, se é que tem finalidade?/ Qual a Perguntar como é. Ou seja, a Filosofia Perguntar por que é. Ou seja, porque comportamento. importância do outro na minha existência? E A atitude filosófica inicia-se dirigindo aquilo que chama “natureza”, qual o seu essas indagações ao mundo que nos rodeia Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 e às relações que mantemos com ele. Pouco fechar no mundo da introspecção, num a pouco, descobre que essas questões mundo todo “seu”. Da mesma forma, ela pressupõem a figura daquele que interroga e exclui o fechamento num mundo de ideias, que elas exigem que seja explicada a pois a realidade não se deixa absorver nem tendência do ser humano a interrogar o mesmo pela própria reflexão, como também mundo e a si mesmo com o desejo de não se reduz a uma simples projeção do conhecê-lo pensamento. e conhecer-se. Em outras palavras, a Filosofia compreende que precisa conhecer nossa capacidade de conhecer, Filosofia: O Problema do Conceito. que precisa pensar sobre nossa capacidade Quando começamos a estudar de pensar. Por ser uma volta que o Filosofia, somos logo levados a buscar o que pensamento realiza sobre si mesmo, a ela é. Nossa primeira surpresa surge ao filosofia ou, descobrirmos que não há apenas uma seguindo o oráculo de Delfos, busca realizar definição da filosofia, mas várias. A segunda o “Conhece-te a ti mesmo”. surpresa vem ao percebermos que, além de se realiza como reflexão várias, as definições parecem contradizer-se. Filosofia e a atitude filosófica. Eis porque muitos, cheios de perplexidade, indagam: afinal, o que é Filosofia, que sequer Provocada pelo “espanto” original, a consegue dizer o que ela é? Filosofia nos incita e nos desafia a manter Uma curiosidade interessante nos livros um constante contato com todos os fatos e de filosofia é a sua denominação usual: todas as experiências, numa atitude radical “Fundamentos de olhar crítico, e com esse radicalismo, ”Noções de...”. Louvável essa preocupação numa verdadeira renúncia. É com esta dos autores de livros didáticos de Filosofia, atitude que a Filosofia alcança alguns dos até momentos mais ricos da realidade, onde o características mais marcantes da busca do sentido reside e se revela. conhecimento filosófico; o fato de constituir A Filosofia também nos ensina a porque de...”, coerente “Elementos com uma de...”, das uma busca permanente. assumir o fato de vivermos todas as Os problemas é que, na mais das consequências da luta entre a ignorância e o vezes, quando um livro desses é manuseado saber. Ela é a procura livre que ousa por um estudante de segundo grau, ou enfrentar o inabitual o insólito na realidade qualquer outro iniciante na Filosofia, o concreta. Portanto, a Filosofia nunca se resultado é diverso do pretendido pelo autor confunde com a ideologia e muito menos com essa modéstia. Geralmente funciona com a mistificação. Ela ensina o homem a como um choque aversivo, reforçando ainda evitar a armadilha que consistiria em se mais a visão preconceituosa da Filosofia Página 2 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 como um conhecimento fechado, só tradições vigentes. É nesse sentido que as acessível aos iniciados, “sábios”, donos de sabedorias orientais são também chamadas uma erudição notável, portanto, um conteúdo “filosofias” árido e sem qualquer ligação com a realidade • do homem comum. que teve inicio na Grécia, em torno dos Como “o filosofar propriamente dito”, Na história do pensamento, que a séculos VI e V a.C. Por essa época, humanidade vem construindo ao longo do começou-se a repensar a natureza, o ser tempo, muitos foram os, pensadores e humano e as divindades com um olhar pesquisadores que deram uma definição ou crítico. Procurava-se saber a validade dos um conceito para a Filosofia. Por vezes, próprios conhecimentos. Até que ponto a esses foram complexos, por vezes simples; cultura era fruto de fantasia e crenças dos por antepassados? O que garantia que as vezes rebuscados e quase incompreensíveis. Há, pois, um emaranhado tradições recebidas dos anciãos eram de conceitos. Diante deles muitas pessoas se verdadeiras? A filosofia, portanto, questiona sentem entediadas e, em vez de enfrentar o os fundamentos da cultura. problema, preferem descartá-lo, dizendo que A Filosofia, na sua acepção ampla, é a Filosofia é um "jogo inútil e estéril de considerada "uma acepção de vida e de palavras", ou que é "muito difícil e só serve e mundo". Acepção que se aplica a todos seres interessa a pessoas especiais e muito humanos. Todo ser humano tem uma visão inteligentes". de mundo produto de questionamentos e O verbo filosofar pode ser usado com reflexões sobre as ações, sentimentos e três significados distintos: ideias, extraídas da vivência cotidiana e • geradas pela curiosidade. Como simples sinônimo de “pensar”. Às vezes, doenças ou mortes de pessoas Para Gramsci "todos os homens são próximas, decepções, perdas irreparáveis e filósofos", pois participam de uma filosofia outros problemas existenciais nos fazem espontânea expressa na linguagem, no pensar (“filosofar”) sobre o sentido de nossa senso comum, na cultura popular, crenças, vida. Mas esse significado é por demais vago folclore, etc. Só que esta reflexão na busca e amplo para caracterizar o verdadeiro de sentido do filosofar. compreensão de sua razão de ser se dá de • Como sinônimo de “saber viver” uma explicação dos fatos espontânea. sabedoria. O sábio é aquele que se torna um mulheres exemplo vivo das virtudes apreciadas em humanos, uma sociedade e é tomado como ponto de compreender, referencia problemas existenciais e sociais. fortalecer o valor das da forma assistemática, ametódica, ocasional e virtuosamente. Aqui filosofar é viver com para e Neste sentido, filosofam, que homens enquanto refletem, explicar e e seres tentando resolver os Página 3 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 Mas o que caracteriza o trabalho A palavra “Filosofia” aparece na Grécia filosófico propriamente dito? O que distingue no século VI a.C nos escritos de Pitágoras, a minha filosofia de vida (minha concepção que não querendo definir-se como “sábio”, de mundo) da Filosofia de Platão ou a de prefere autodenominar-se “Filos-sophos” - A Kant? A filosofia na sua acepção estrita palavra Filosofia é grega. É composta por consiste na "procura de soluções para as duas outras: PHILO e SOPHIA. Philo deriva - problemáticas do ser humano". É a busca de se de Philia que significa amizade, amor explicações das causas dos fenômenos, em fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer investigar o porquê e a razão de ser dos dizer sabedoria e dela vem à palavra Sophos fatos. se = sábio -, ou seja, aquele que busca a caracteriza como uma atividade racional que sabedoria, “amante da sabedoria”, “amigo do não se detém nas comuns impressões, mas saber”, para ele uma denominação mais busca fundamentar por rigoroso exame humilde e fiel à sua postura de tentar crítico e reflexivo todas as convicções, compreender a realidade de seu tempo. encarando a realidade como problema. É Filosofia significa, portanto amizade pela uma busca. sabedoria, amor e respeito pelo saber. A filosofia nesta perspectiva A filosofia não é ciência: é uma reflexão sobre os fundamentos da ciência, isto é, Filósofo: o que ama a sabedoria tem amizade pelo saber, deseja o saber. sobre procedimentos e conceitos científicos. Deste modo podemos observar que a Não é religião: é uma reflexão sobre os filosofia, desde sua definição originária, se fundamentos da religião, isto é, sobre as faz compreender como um saber sobre o causas, origens e formas das crenças homem, sobre o mundo, sobre a própria religiosas. Não é arte: é uma reflexão sobre realidade, um processo sempre dinâmico de os fundamentos da arte, isto é, sobre os apreensão das significações históricas da conteúdos, as formas, as significações das realidade humana, de maneira humilde e obras de arte e do trabalho artístico. Não é processual. O verdadeiro filósofo rejeita o sociologia a status de “possuidor da verdade”, como se dos fosse possível conhecê-la ou ainda, que nem interpretação e psicologia, avaliação mas crítica conceitos e métodos da sociologia e da alguém psicologia. Não é política, mas interpretação, totalidade compreensão e reflexão sobre a origem, a compreende a precariedade de sua busca e natureza e as formas do poder e suas o mudanças. Não é história, mas reflexão definição das “verdades” de cada época. O sobre trabalho o sentido dos acontecimentos enquanto inseridos no tempo e compreensão fosse da dinamismo realidade, do capaz de realidade. do Ao próprio filósofo qualquer é apreender contrário, processo refletir que a de sobre seja a ela, do que seja o próprio tempo. Página 4 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 redescobrindo seus significados mais profundos. A A filosofia quer encontrar o significado mais profundo dos fenômenos. Não basta filosofia, enquanto conhecimento saber como funcionam, mas o que significam produzido pelo homem, está condicionada a na ordem geral do mundo humano. A filosofia determinados que emite juízos de valor ao julgar cada fato, determinam a sua própria identidade. A rigor cada ação em relação ao todo. Assim, não se pode defini-la dogmaticamente, em vã filosofar é uma prática que parte da teoria e tentativa de cristalizar a sua compreensão resulta em outras teorias. contextos históricos numa determinada escola, filósofo ou teoria. A filosofia parte do que existe, critica, A filosofia é um modo de pensar, é uma coloca em dúvida, faz perguntas inoportunas, postura diante do mundo. A filosofia não é abre a porta das possibilidades, faz-nos um conjunto de conhecimentos prontos, um entrever outros “mundos” e outros modos de sistema acabado, fechado em si mesmo. Ela compreender a vida. É uma forma de pensar é, antes de tudo, uma prática de vida que que nos possibilita compreender melhor procura pensar os acontecimentos além de quem somos, em que mundo vivemos: em sua aparência. Assim, ela pode se voltar para suma, nos ajuda a compreender melhor o qualquer objeto. Pode pensar a ciência, seus próprio sentido de nossa existência. valores, seus métodos, seus mitos; pode Nisto precisamente consiste a filosofia, pensar a religião; pode pensar a arte; pode um conhecimento sistematizado sobre o pensar o próprio homem em sua vida mundo da natureza, sobre a condição cotidiana. Até mesmo uma história em humana pessoal e social, sobre a sociedade, quadrinhos ou uma canção popular pode ser sobre a cultura. Em termos gerais é uma objeto da reflexão filosófica. ciência humana, de longa tradição histórica, A filosofia tem, portanto os limites da que tem privilegiado a pesquisa de questões própria história do homem. Não se pode fundamentais sobre a existência humana, a pensá-la como um conjunto de “verdades” natureza e a cultura,... perenes ou um método etéreo de pesquisar as últimas causas de tudo que existe. A maior parte dos filósofos está de acordo em que a filosofia raramente nos dá Saber o que é a filosofia também passa respostas seguras e definidas às grandes sempre por saber alguma coisa acerca dos questões que lhe colocamos: o sentido da homens que, ao longo da história, a foram vida e do universo, por exemplo; apesar criando: os filósofos. A sua época, a sua disso, todavia, ela pode pelo menos ajudar- vida, o seu pensamento, e de que modo nos a descobrir o que há de errado nas estes soluções propostas de todos os lados, pode três mutuamente. elementos se influenciam contribuir para colocar abaixo vendas e Página 5 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 ilusões que nos impedem de ver a realidade estas questões, equivale a adiar uma das face a face. mais ricas experiências do ser humano, a A filosofia incomoda porque questiona o experiência do sentido das coisas. modo de ser das pessoas, das culturas, do mundo. Questiona as práticas política, científica, técnica, ética, econômica, cultural Por isso o mais importante não é aprender uma série de definições, mas aprender a filosofar. e artística. Não há área onde ela não se meta, não indague. E, nesse sentido, a Por que estudar Filosofia? filosofia é “perigosa”, “subversiva”, pois vira a ordem estabelecida de cabeça para baixo. Uma razão importante para estudar Talvez a divulgação da imagem do filósofo filosofia é o fato de esta lidar com questões como sendo uma pessoa “desligada” do fundamentais acerca do sentido da nossa mundo seja sociedade exatamente contra o a “perigo defesa da existência. A maior parte das pessoas, num que ela ou noutro momento da sua vida, já se representa”. interrogou a respeito de questões filosóficas. Mas, então, enfim, o que é definir a Mas a todo o momento nos vemos filosofia? Definir a filosofia é, no melhor caso, olhando para trás e perguntando o que não defina-la, mas conseguir ver as várias significa tudo isso. Então, é bem provável acepções, ora mais fracas ora mais fortes, que que do fundamentais com as quais normalmente não trabalho daqueles que se entendem como nos importamos. Isso pode acontecer acerca fazendo filosofia nos dias de hoje. A filosofia de não existe sem que se dê um choque no questionamento pode tornar-se um desafio banal; nem existe se não faz algum tipo de incômodo, mas constitui-se o início de um crítica, não no sentido fundacionista, mas modo de pensar filosoficamente. permanecem como elementos comecemos qualquer a aspecto fazer da perguntas vida. Esse simplesmente no sentido de não aceitar a O que importa ter claro, por ora, é o primeira resposta que aparece para toda e fato de que a filosofia nos envolve, não qualquer coisa. temos como fugir dela. Ela é como o ar que Neste sentido a sua grandeza está respiramos, está permanentemente presente. mesmo no processo, de proposição sempre Se nós não escolhermos qual é a nossa crítica dessas questões fundamentais. Pois filosofia, qual é o sentido que vamos dar à necessariamente a vida, a cultura, a história, nossa existência, a sociedade na qual a significação da existência são questões vivemos nos dará, nos imporá a sua filosofia. fundamentais, bem como a questão do Quem não pensa é pensado por outros! saber, do conhecimento, da sociedade. Podemos afirmar seguramente que ela Desprezar a filosofia significa desprezar esteve sempre presente na vida do homem: Página 6 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 antes das mudanças radicais; durante as para a filosofia, já nos atesta um fato revoluções, após as transformações sociais, indiscutível: ela existe. Do contrário. Não políticas, econômicas; compreendida pela teríamos em cima do que buscar coisa população, concretizada em forma de ação. alguma. Não há possibilidade de se rever a história do filosofando. . Ela existe. A filosofia se faz homem sem se perceber a presença da O que é Filosofia? Filosofia é a filosofia. Mas perceber sua presença e saber faculdade de manter viva a curiosidade da a sua importância também não garante o infância e a rebeldia da adolescência. conhecimento do que ela é. O que é a Filósofos são como crianças que não cessam filosofia? É a arma dos combatentes? É a de se admirar (Platão) e de se espantar garantia da (Aristóteles) diante de um mundo que parece transformação? O dia-a-dia do povo? É a renascer novo a cada aurora. Filósofos são busca da verdade? É o discurso contundente como adolescentes que não aceitam os e cheio de argumentação? De certo, também limites impostos pelo “já pensado”, pelo “já não será pelas tantas e tantas formas que ela dito” e pelo “já feito”. Filosofia é a capacidade poderá assumir que definiremos o que ela é. de manter sempre em vista uma utopia que – Embora revestida pelos homens dos mais como um horizonte – jamais será alcançada; variados sentidos e utilizada para as mais mas que nos faz caminhar, ao invés de parar variadas e ficar pastando feitos cordeirinhos mansos à do domínio? finalidades, É a não prática será na multiplicidade de papéis que ela ocupou e espera do abate. ocupa que conseguiremos defini-la. Percebemos através destas colocações o quanto se torna penoso, quase impossível, definir filosofia. Entretanto, ela existe. Sua Objeto da Filosofia. O objeto da Filosofia é a Totalidade a Universalidade. presença e importância podem ser notadas em todos os momentos da história até mesmo quando sua ausência, por motivos outros, se fez presente. Essência da Filosofia. A essência da Filosofia é a procura do saber e não a sua posse. O que podemos concluir neste primeiro momento é que, conseguindo ou não defini- As exigências da reflexão filosófica. la, estamos sempre esbarrando no fato Em primeiro lugar, vamos estabelecer incontestável de sua presença. O próprio o que é a reflexão. Refletir é pensar, exercício de buscar definições objetivas e considerar cuidadosamente o já foi pensado. claras para este "saber tão especial" ou para Como um espelho que reflete a nossa esta "busca da verdade", ou para esta imagem, a reflexão do filósofo deixa ver, "tentativa de explicação da realidade", enfim Página 7 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 revela, mostra, traduz os valores envolvidos relacionando-se o aspecto em questão com nos acontecimentos e nas ações humanas. os demais aspectos do contexto em que está O trabalho do filósofo é refletir sobre a inserido. É neste ponto que a filosofia se realidade, qualquer que seja ela, descobrindo distingue da ciência de um modo mais seus significados mais profundos. Como isso marcante. Com efeito, ao contrário da é feito? ciência, Para chegar a essa revelação, a reflexão filosófica, segundo Dermeval Saviani, deve ser: a filosofia determinado, aspecto da ela não tem dirige-se realidade, a desde objeto qualquer que seja problemático; seu campo de ação é o Radical: em primeiro lugar, exige-se problema, esteja onde estiver. Melhor que o problema seja colocado em termos dizendo, seu campo de ação é o problema radicais, entendida a palavra no seu sentido enquanto não se sabe ainda onde ele está; mais próprio e imediato. Quer dizer, é preciso por isso se diz que a filosofia é busca. E é que vá até às raízes da questão, até seus nesse sentido também que se pode dizer que fundamentos. Em outras palavras, exige-se a filosofia abre caminho para a ciência; que se opere uma reflexão em profundidade. através da reflexão, ela localiza o problema Ou dos tornando possível a sua delimitação na área seus de tal ou qual ciência que pode então só analisá-lo e, quiçá, solucioná-lo. Além disso, cronológica, mas no sentido de chegar aos enquanto a ciência isola o seu aspecto do valores originais que possibilitaram o fato. A contexto e o analisa separadamente, a reflexão filosófica, portanto, é uma reflexão filosofia, em profundidade. apenas a uma parcela da realidade, insere-a seja, chegar acontecimentos, fundamentos; até isto à sua a é, raiz aos origem, não embora dirigindo-se às vezes Rigorosa: em segundo lugar e como no contexto e a examina em função do que para garantir a primeira exigência, deve- conjunto desde que seja problemático; seu se seja, campo é o problema, esteja onde estiver. Lá métodos onde as outras ciências param, onde, sem determinados, colocando-se em questão as mais indagar, aceitam os pressupostos, aí conclusões da sabedoria popular e as entra o filósofo e começa a investigar. As generalizações apressadas que a ciência ciências conhecem - mas o filósofo pergunta: pode ensejar. Isto é, seguir um método o que é o conhecimento; a outras ciências adequado ao objeto em estudo, com todo o estabelecem leis - ele põe a questão do que rigor. seja uma lei: o homem comum e o político proceder sistematicamente, com rigor, segundo ou De conjunto: em terceiro lugar, o falam do fim e da utilidade - o filósofo problema não pode ser examinado de modo pergunta o que se deve entender por fim e parcial, mas numa perspectiva de conjunto, utilidade? Página 8 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 Já se vê que a filosofia é uma ciência monte de informações acumuladas que radical no sentido em que ela vai às raízes valem um punhado de notas, não, ela é vida, das questões muito mais profundamente que posto que sonhar, pensar, imaginar é viver. qualquer outra ciência; lá onde as outras se Não há como manipular tão facilmente dão por satisfeitas, ela continua a indagar e a alguém que quebrou as amarras da rotina, do perscrutar. costume e começou a pensar por si próprio. Assim, embora os sistemas filosóficos possam chegar a conclusões Estes encontraram o caminho do saber e diversas, passarão conscientes por suas experiências. dependendo das premissas de partida e da Não haverá mais apenas reação ao meio, situação histórica dos próprios pensadores, o mas ação sobre a própria reação. processo do filosofar será sempre marcado Muitos dizem que é perda de tempo, por essas características, resultando em uma que não traz dinheiro para o bolso, que reflexão rigorosa, radical e de conjunto. filosofia não traz nenhum benefício senão dor de cabeça e loucura para os estudiosos da O Papel da Filosofia. mesma. Dizem que isso é chato e difícil. A tarefa da Filosofia é desenvolver no Se esses que dizem que a Filosofia é ser humano o senso crítico, que implica a pura chatice, loucura e todas essas bravatas superação e lessem um pouco que seja de história, superficiais sobre os homens, a sociedade e agradeceriam a certos "loucos e chatos" por a natureza; concepções essas forjadas pela terem enlouquecido em nome da medicina, “ideologia” social dominante. da matemática, da física, sociologia e do O das concepções resultado a pensamento moderno, etc. Pois os mesmos ampliação da consciência reflexiva do ser construíram este mundo e libertaram as humano, pessoas da caverna da ignorância, do medo, voltada desse ingênuas processo para dois é setores fundamentais: da escuridão. Quebraram padrões da época • e trouxeram algo de útil, de novo e que hoje A consciência de si mesmo: crítica de si próprio enquanto pessoa e de seu papel individual e social (autocrítica). • A consciência do gera a sobrevivência de milhões de pessoas. De fato, a FILOSOFIA não se preocupa mundo: com dinheiro ou bens materiais, posto que o compreensão do mundo natural e social e de dinheiro acaba e nosso "amor" pelos objetos suas possibilidades de mudança. também. Ela não se preocupa com futilidades A filosofia faz com que não sejamos que nada crescem o humano como SER. Ela mais um no rebanho, levado de canto a canto é gratuita e qualquer um pode ter acesso, é por qualquer coisa que nos digam. Ela é a simples, basta querer. mãe de todas as ciências e traz um significado para nossa vida. É mais que um Página 9 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 Isso é filosofia, ser livre para viver e Um fato notável, porém, ocorreu nos pensar, mesmo sabendo das limitações de Estados Unidos com Helen Keller (1880- nosso sentir e SER. 1968), nascida cega e surda. Permaneceu como um animal “até a idade de sete anos, Cultura. quando seus pais contrataram a professora Anne Sullivan, que, a partir de sentido do Com frequência se tato, conseguiu conduzi-la ao mundo humano envolvem em discussões a respeito das das significações”. Helen aprendeu então a diferenças entre o ser humano e o animal. Às falar, a ler e a escrever, tendo se tornado vezes, uma conhecida escritora e conferencista. por se as pessoas surpreenderem com o comportamento animal que se assemelha ao Esses relatos nos propõem uma humano, outras vezes por aproximarem atos pergunta inicial: quais são as diferenças humanos ao comportamento de animais. As entre o ser humano e o animal? histórias infantis também antropomorfizam os bichos, que agem como gente, ou criam Natureza e Cultura. situações em que seres humanos, por castigo, se degradam em animais. Tornou-se “Os animais vivem em harmonia com um clássico da literatura juvenil o livro sua própria natureza”. Isso significa que todo Tarzan, norte- animal age de acordo com as características americano Edgar Rice Burroughs, que serviu da sua espécie quando, por exemplo, se de inspiração para inúmeros filmes e revistas acasala, protege a cria, caça e se defende. de quadrinhos. Como todos sabem, Tarzan é Os instintos animais são regidos por leis um bebê humano que sobrevive na selva e é biológicas, de modo que podemos prever as "criado" entre os bichos. reações típicas de cada espécie. A ação o filho Outros das selvas, relatos do semelhantes são instintiva é contados como fatos reais, embora sem idênticas na comprovação indivíduo para indivíduo. científica da antropologia regida por espécie e leis biológicas, invariáveis de contemporânea. Assim, é o caso das duas É evidente que existem diferenças meninas encontradas na Índia em 1920 que entre os animais conforme seu lugar na teriam crescido entre os lobos, vivendo, escala zoológica: enquanto um inseto, como portanto, como animais. Essas crianças não a abelha, constrói a colmeia e prepara o mel possuíam quaisquer características segundo padrões rígidos, típicos das ações humanas: não não e, instintivas. Um mamífero, que é um animal sobretudo, não falavam. O seu processo de superior, age também por instinto, mas, humanização desenvolve outros comportamentos mais das choravam, só se teria riam iniciado participarem do convívio humano. ao flexíveis e, portanto, menos previsíveis. Página 10 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 Não há quem não tenha ainda observado com atenção e pasmo “o trabalho” paciente da aranha tecendo a teia. Mas seres culturais que modificam o estado de natureza. A partir dai concluímos que as esses atos não têm história, não se renovam diferenças entre o homem e o animal não e são os mesmos em todos os tempos, salvo são apenas de grau, visto que, enquanto o as modificações determinadas pela evolução animal permanece inserido na natureza, o das espécies e as decorrentes da mutação homem é capaz de transformá-la, tornando genética. assim possível à cultura. A transformação À medida que, na escala zoológica, que o homem faz na natureza se realiza subimos até os mamíferos, percebemos, através do trabalho. O trabalho é a ação porém que as ações animais deixam de ser transformadora resultado exclusivo de reflexos e instintos e conscientes, para o homem, o contato com a apresentam uma flexibilidade maior, típica natureza só é possível quando mediado pelo dos atos inteligentes. “Ao contrário da rigidez trabalho. dirigida por finalidades dos instintos, a resposta inteligente a um O trabalho humano é a ação dirigida problema é criativa, improvisada e pessoal“. por finalidades conscientes. A resposta dos No entanto, a inteligência animal é concreta, desafios porque, de certa maneira, acha-se presa à sobrevivência. A ação humana é fonte de experiência vivida a ideias e ao mesmo tempo uma experiência resolução, mediata situação propriamente dita. O trabalho, ao mesmo e tem de em uma vista da natureza na luta pela problemática. Em outras palavras, o animal tempo em que transforma não inventa. Portanto, não tem sequência e adaptando-a não adquire o significado de uma experiência altera o próprio homem, desenvolvendo suas propriamente dita. O animal não domina o faculdades. Isso significa que, pelo trabalho, tempo, o homem se auto produz. porque seu ato se esgota no momento em que o executa. as a natureza, necessidades humanas, Por ser uma atividade relacional, o Na verdade os instintos são “cegos“, ou trabalho, além de desenvolver habilidades, seja, são uma atividade que ignora a permite que a convivência, não só facilite a finalidade da própria ação. Por isso essas aprendizagem e o aperfeiçoamento dos habilidades não levam os animais superiores instrumentos, mas também, enriqueça a a ultrapassar o mundo natural, caminho esse afetividade exclusivo da aventura humana. “Só o homem humano: é transformador da natureza". expectativa, desejo, prazer, medo, inveja, o Assim, ao contrário dos outros animais, os homens não são apenas seres biológicos resultante do Experimentando relacionamento emoções de homem aprende a conhecer a natureza, as pessoas e a si mesmo. produzidos pela natureza. Os homens são Página 11 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 A cultura é, portanto, o que resulta do portanto, do trabalho humano, enquanto trabalho humano: A transformação realizada forma sempre renovada de intervenção da pelos instrumentos, as ideias que tornam natureza". Ao reproduzir as técnicas já possível essa transformação e os produtos utilizadas pelos ancestrais e ao inventar dela resultantes. outras novas – lembrando o passado e Ainda mais: A ação humana projetando o futuro, o homem trabalha. transformadora não é solitária, mas social, ou Se a linguagem, por meio da seja, solidária, já que os homens, ao se representação simbólica e abstrata, permite relacionarem que nos distanciemos do mundo, também é o para produzir sua própria existência, desenvolvem condutas sociais, a que fim de atender às necessidades do grupo. Eis transformá-lo. Portanto, se não tivermos aí a grande diferença fundamental entre o oportunidade de desenvolver e enriquecer a homem e os animais. linguagem enfraquecerá a capacidade de Mas, para produzir e reproduzir cultura o homem precisa da linguagem simbólica. De possibilita o retorno a ele para compreender e agir sobre e o mundo que nos cerca. todos os elementos que caracterizam a Seria pouco concluir dai que a cultura, talvez o mais importante seja a diferença entre homem e animal estaria no linguagem. Mas, afinal no que consiste a fato de o homem ser um animal que pensa e linguagem? É a capacidade que permite aos fala. De fato, a linguagem humana permite a homens comunicarem-se, uns com os outros, melhor ação transformadora do homem por meio de códigos, de símbolos. sobre o mundo, e com isso completamos a “Os símbolos são invenções humanas por meio das quais o homem pode lhe dar distinção: O homem é um ser que trabalha e produz o mundo e a si mesmo. abstratamente com o mundo que o cerca. Os símbolos permitem o distanciamento do mundo concreto e a elaboração de ideias abstratas“. simbólica, Além disso, com a linguagem o homem não está apenas Cultura: A resposta do homem ao desafio da existência. presente no mundo, mas é capaz de representá-lo: presente Isto àquilo é, que o está homem torna ausente. A Falamos até agora sobre essa distinção entre natureza e cultura. Mas o que linguagem introduz o homem no tempo, queremos dizer exatamente quando usamos porque permite que ele relembre o passado e a palavra cultura? antecipe o futuro pelo pensamento. “Ao fazer A palavra cultura é utilizada com uso da linguagem simbólica, o homem torna diferentes significados. Os biólogos, por possível o desenvolvimento da técnica e, exemplo, se referem à criação de certos Página 12 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 animais falando em cultura de germes, cultura de carpas etc. Em todas essas acepções de cultura podemos perceber uma ideia básica de Na linguagem cotidiana dizemos que desenvolvimento, formação e realização. uma pessoa tem cultura quando frequentou Usada por antropólogos, historiadores e boas escolas, leu bons livros, adquiriu sociólogos, a palavra cultura designa o conhecimentos científicos etc. conjunto dos modos de vida criados e Na Grécia Antiga o termo cultura transmitidos de uma geração para outra, adquiriu uma significação toda especial, entre ligada à formação individual do homem. sociedade. Correspondia à chamada Paidéia, processo conhecimentos, pelo qual o homem realizava sua verdadeira costumes natureza adquiridos socialmente pelos homens. desenvolvendo a filosofia (conhecimento de si e do mundo) e a consciência da vida em comunidade. os A membros Nesse e cultura de sentido, crenças, muitos pode determinada abrange artes, outros ser normas, elementos considerada, portanto, um amplo conjunto de conceitos, Em Antropologia, cultura significa tudo símbolos, valores e atitudes que modelam que o homem produz ao construir sua uma sociedade. Abrange o que pensamos, existência. Já para Paulo Freire, é tudo o que fazemos e temos como membros de um o homem cria e recria. Nesse sentido, grupo social. abrangem conhecimentos, crenças, artes, Nesse sentido, todas as sociedades moral, leis, costumes e quaisquer outras humanas, da pré-história aos dias atuais, capacidades adquiridas socialmente pelos possuem uma cultura. E cada cultura tem homens. seus próprios valores e sua própria verdade. A cultura pode ser considerada, Podemos acrescentar, por fim, e numa portanto, como amplo conjunto de conceitos, abordagem mais filosófica, que cultura é a de símbolos, de valores e atitudes que resposta oferecida pelos grupos humanos ao modelam uma sociedade. Se o contato com desafio da existência. o mundo é intermediado pelo símbolo, a Uma resposta que se manifesta em cultura é o conjunto de símbolos elaborados termos de conhecimento (logos), paixão por um povo. Dada à infinita possibilidade (pathos) e comportamento (ethos). Isto é em humana de simbolizar, as culturas são termos de razão, sentimento e ação. são inúmeras as “A cultura é duradoura embora os maneiras de pensar, de agir, de expressar indivíduos que compõem um determinado anseios, temores e sentimentos em geral. Ou grupo desapareçam”. No entanto, a cultura seja, a cultura engloba o que pensamos, também se modifica conforme mudam as fazemos e temos como membros de um normas e entendimentos. múltiplas e variadas: grupo social. Página 13 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 Quase se pode dizer que a cultura vive nas Vários estudiosos concordam com os mentes das pessoas que a possuem. Mas as elementos apontados por Braidwood, pessoas não nascem com ela; adquirem-na à caracterizando a cultura como: medida que crescem. Suponha que um bebê • húngaro recém-nascido seja adotado por herdada pelos instintos; uma família residente nos Estados Unidos, e • que nunca digam a essa criança que ela é através húngara. Ela crescerá tão alheia à cultura sociedades; húngara quanto qualquer outro americano. • Assim, quando falo da antiga cultura egípcia, incluindo a produção material e não-material; refiro-me a todo conjunto de entendimentos, • crenças e conhecimentos pertencentes aos espaço, de sociedade para sociedade. Adquirida pela aprendizagem, e não Transmitida de geração a geração, da linguagem nas diferentes Criação exclusiva dos seres humanos, Múltipla e variável, no tempo e no antigos egípcios. Significa, por exemplo, tanto suas crenças sobre o que faz o trigo Cultura e Humanização. crescer, quanto sua habilidade para fazer os implementos necessários à colheita. Ou seja, suas crenças a respeito da vida e da morte. Quando falo de cultura, estou pensando Quando falamos de natureza e cultura, pode surgir uma dupla questão: onde acaba a natureza e começa a cultura? em algo que perdurou através do tempo. Se O tema é polêmico. Alguns estudiosos “qualquer egípcio morresse mesmo que afirmam que não há um limite rígido entre fosse o faraó, isso não afetaria a cultura natureza e cultura. Outros dizem que um egípcia provável indicador desse limite, seria a daquele BRAIDWOOD, momento Robert. determinado”. Homens pré- históricos, p-41-2 construção de instrumentos de trabalho. Outros ainda, como o antropólogo francês O mundo cultural é um sistema de Claude Lévi-Strauss (1908-), acreditam que a significados já estabelecidos por outros, de linha de separação entre natureza e cultura modo que, ao nascer, a criança encontra o não mundo de valores já dados, aonde ela vai se instrumentos, mas a presença da linguagem situar. A língua que aprende, a maneira de se simbólica: seria a criação de utensílios ou alimentar, o jeito de sentar, andar, correr, Já para Karl Marx, filósofo alemão do brincar, o tom da voz nas conversas, as século XIX, é o trabalho que possibilita a relações familiares; tudo enfim, se acha distinção entre ser humano e animais; codificado. Até na emoção, que nos parece portanto, entre cultura e natureza. É a partir uma manifestação tão espontânea, ficamos à do trabalho, e da forma como se dá o mercê de regras que educam desde a processo de produção da vida material dos infância a nossa expressão. homens, que todas as outras formas de Página 14 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 manifestações humanas se desenvolvem. tem asas para voar e dar-lhe a vantagem de Ele a espionar e localizar sua caça. Faltam-lhe o consciência, a religião e tudo o que se quiser bico, as garras e a acuidade do gavião No como distinção entre os homens e os entanto, conclui: O ser humano pode ajustar- animais; porém esta distinção só começa a se a um número maior de ambientes do que existir quando os homens iniciam a produção qualquer dos seus meios da vida”. infinitamente mais depressa do que qualquer afirma: “Pode-se considerar outra criatura multiplicar-se Para Marx, portanto, é o modo como os mamífero superior, e derrotar o urso polar, a homens constroem sua vida material que dá lebre, o gavião e o tigre, em seus recursos origem à organização da vida espiritual e das especiais. Pelo controle do fogo e pela relações sociais, formando um conjunto que habilidade de fazer roupas e casas, o homem constitui a cultura. Assim, não podemos falar pode viver, e vive e viceja, desde os pólos da de cultura no singular, mas sim de culturas, Terra até o equador. Nos trens e automóveis pois elas são múltiplas e variáveis, de acordo que constrói, pode superar a mais rápida com a diversidade dos modos de ser e viver lebre ou avestruz. Nos aviões e foguetes das coletividades humanas. pode subir mais alto do que a águia, e, com Mas, se o trabalho é o momento os telescópios, ver mais longe do que o inaugural da vida propriamente humana, a gavião. Com armas de fogo pode derrubar linguagem não deixa de ser uma das animais que nenhum tigre ousaria atacar. dimensões mais importantes da cultura, pois é ela que permite o intercâmbio das aquisições culturais. Mas fogo, roupas, casas, trens, automóveis, aviões, telescópios e armas de fogo não são parte do corpo do homem. Eles Se compararmos o corpo humano ao não são herdados no sentido biológico. O de muitos animais, veremos que ele não é conhecimento necessário para sua produção tão capacitado quanto o deles para enfrentar e uso é parte do nosso legado social. Resulta uma série de dificuldades. Como ilustra o de uma tradição acumulada por muitas arqueólogo australiano Gordon Childe (1892- gerações e transmitida, não pelo sangue, 1957), o homem não tem, por exemplo, um mas através da linguagem (fala e escrita). couro peludo como o do urso para manter o A compensação que o homem tem calor do corpo num ambiente frio. O corpo pelos seus dotes corporais relativamente humano também não é excepcionalmente pobres é o cérebro grande e complexo, bem adaptado à fuga, à defesa própria ou à centro de um extenso e delicado sistema caça. Não tem a capacidade de correr como nervoso, que lhe permite desenvolver sua uma lebre ou um avestruz. Não tem a própria cultura. CHILDE, Gordon. A evolução coloração protetora do tigre ou a armadura cultural do homem, p. 40-1. defensiva da tartaruga ou da lagosta. Não Página 15 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 Nesse sentido, o comportamento do permitindo a assimilação dos modelos de homem é fundamentalmente diferente ao dos comportamento valorizado. É a educação animais. É certo que o ser humano faz parte que mantém viva a memória de um povo e da natureza, pois tem um corpo sujeito às dá condições para a sua sobrevivência leis físicas e biológicas, mas graças ao material e espiritual. desenvolvimento de seu psiquismo pode Na realidade, o ser social não nasce observar a natureza, criar uma linguagem e, com assim, analisar, julgar o mundo em que vive. constituição humana primitiva, como também Com seu alto grau de consciência, o homem superou tornando-se os limites não se apresenta na não resulta de nenhum desenvolvimento primitivos espontâneo. No homem as múltiplas aptidões um que a vida social supõe, não podem biológico e cultural. Nele ocorre uma síntese organizar-se em nossos tecidos, aí se que integra características hereditárias e materializando adquiridas, aspectos individuais e sociais e predisposições orgânicas. Segue-se que elas elementos do estado de natureza e de não podem transmitir-se de uma geração a cultura. outra, por meio da hereditariedade – é pela Por simultaneamente o homem, isso, o homem é um ser ser sob a forma de educação que essa transmissão se dá. contraditório, ambíguo, instável e dinâmico. Na verdade, o homem não é humano se Um produto da natureza e da cultura e, ao não porque vive em sociedade, por isso se mesmo vê a que se reduziria o homem, tempo, um transformador da se natureza e um produtor cultural. Enfim, retirássemos dele tudo quanto à sociedade criatura e criador do mundo em que vive. lhe empresta: retornaria à condição de As diferenças entre o homem e o animal. A educação condiciona todas as animal não são apenas de grau, pois, facetas daquilo que chamamos de existência enquanto o animal permanece mergulhado propriamente humana. O homem se torna na humano graças à educação. natureza, o homem é capaz de transformá-la, tornando possível à cultura. O O homem não nasce humano, pois mundo resultante da ação humana é um precisa da educação para se humanizar. A mundo que não podemos chamar de natural, educação é, portanto, fundamental para a pois se encontra transformado pelo homem é socialização do homem e sua humanização. o mundo social. Trata-se de um processo que dura à vida Nada disso, porém, será completo toda e não se restringe à mera continuidade senão enfatizarmos que a ação humana é da tradição, pois supõe a possibilidade de uma ação coletiva, no entanto, só é possível rupturas, pelas quais a cultura se renova e o pela homem faz a história. transmissão dos conhecimentos adquiridos de uma geração para outra, Página 16 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 Mito e Filosofia. A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo A mente humana naturalmente (contar, narrar, falar alguma coisa para os inquiridora: quer conhecer as razões das outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, coisas. Basta ver uma criança fazendo anunciar, nomear, designar). perguntas aos pais. perguntas podem respostas: respostas é Mas ser às mesmas Turchi, grande estudioso da história das dadas diversas religiões, dá a seguinte definição de mito: teológicas, “Em sua acepção geral e em sua fonte míticas, científicas e filosóficas. psicológica, o mito é a animação dos fenômenos da natureza e da vida, animação Mito. devida a alguma forma primordial e intuitiva do conhecimento humano, em virtude da qual Desde o início o homem procurou o homem projeta a si mesmo nas coisas, isto indagar sobre a origem do universo, sobre a é, anima-as e personifica-as, dando-lhes natureza das coisas e das forcas às quais se figura e comportamentos sugeridos pela sua sentia sujeito. A esta indagação ele deu sob imaginação”. “Dessa o impulso da fantasia criadora – tão ativa retenhamos a entre os povos primitivos -, cor e forma, representação fantasiosa, espontaneamente criando um mundo de seres vivos (em forma delineada humana ou animal) dotados de história. homem, a fim de dar uma explicação aos A humanidade primitiva (pode-se explicações míticas mecanismo parte: uma mental do O mito é uma narrativa sobre a origem qualquer de alguma coisa (origem de astros, da Terra, problema. Assim, à pergunta “por que dos homens, das plantas, dos animais, do troveja?”, respondia: “porque Júpiter está fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, encolerizado”; a pergunta “por que o vento da saúde e da doença, da morte, dos sopra?”, instrumentos de trabalho, das raças, das respondia: para última definição fenômenos da natureza e da vida”. verificar em todos os povos) contentava-se com pelo longa “porque Éolo está enfurecido”. A nós guerras, do poder, etc.). modernos, respostas Das análises feitas pelos estudiosos de parecem simplistas e errôneas, por isso, nosso tempo segue-se que o mito exerceu, julgamos entre oportuno dizer estas aqui algumas palavras sobre o mito, sobre sua definição, os povos antigos, três funções principais: religiosa, social e filosófica. sobre suas interpretações principais e sobre Primeiramente, “o mito é o primeiro a passagem da mitologia grega para a degrau no processo de compreensão dos filosofia. sentimentos religiosos mais profundos do homem; é o protótipo da Teologia”. Mas, ao Página 17 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 mesmo tempo, ele é também aquilo que cosmogonia é a narrativa sobre o nascimento assinala e garante o pertencer a um grupo e a organização do mundo, a partir de forcas social e não a outro; de fato, o pertencer a geradoras (pai e mãe) divinas. Teogonia é este ou aquele grupo depende dos mitos uma palavra composta de gonia e theos, que, particulares que alguém segue e cultiva. em grego, significa: as coisas divinas, os Finalmente, o mito exerce uma função seres divinos, os deuses. A teogonia é, semelhante portanto, a narrativa da origem dos deuses, a à da filosofia, enquanto representa o modo de autocompreender-se dos povos primitivos, com o objetivo de partir de seus pais e antepassados. Qual é a pergunta dos estudiosos? A fornecer e responder aos questionamentos filosofia existenciais, cósmicos e culturais, ou seja, transformação gradual sobre os mitos gregos fornecer os ou nasceu por uma ruptura radical com os acontecimentos da natureza e da existência mitos? Existem duas teorias que explicam o humana: para a guerra e a paz, para a porquê da filosofia ter nascido na Grécia. A bonança e a tempestade, para a abundância primeira delas afirma que o aparecimento da e a carestia, para a saúde e a doença, para o filosofia se deu através de influências da nascimento e a morte. sabedoria oriental, com a qual os gregos uma explicação para Todos os povos antigos - assírios, babilônios, persas, egípcios, hindus, nasceu realizando uma tiveram contato em suas viagens. A outra teoria diz que o povo grego foi tão chineses, romanos, gauleses, gregos – têm excepcional, que foram capazes de criar a seus mitos. Mas entre todas as mitologias, a filosofia de forma espontânea e única. grega é a que mais se destaca pela riqueza, Consideram-se as duas respostas ordem e humanidade. Não é de se admirar, exageradas e afirma-se que a Filosofia, que percebendo as contradições e limitações dos a filosofia se tenha desenvolvido justamente da mitologia grega. mitos, foi reformulando e racionalizando as Como os mitos sobre a origem do narrativas míticas, transformando-as numa mundo são genealogias, diz-se que são outra coisa, numa explicação inteiramente cosmogonias e teogonias. nova e diferente. A palavra gonia vem de duas palavras Nos final do século XIX veio uma gregas: do verbo gennao (engendrar, gerar, resposta à pergunta inicial, a partir de um fazer, nascer e crescer) e do substantivo grande otimismo na capacidade científica genos (nascimento, gênese, descendência, humana. Filosofia é ruptura, sendo a primeira gênero, espécie). Gonia, portanto, quer dizer; explicação científica da realidade realizada geração, nascimento a partir da concepção no ocidente. A segunda possível resposta é sexual e do parto. Cosmos, quer dizer mundo ulterior: os mitos estão intrincados no modo ordenado de ser, pensar e construir cultura, de forma e organizado. Assim, a Página 18 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 que o mito nasceu a partir dos mitos, como fenômenos. Ainda mais: a filosofia busca a uma racionalização deles. coerência interna, a definição rigorosa dos conceitos, o debate e a discussão e surge, Na verdade, a filosofia possui grande portanto, como pensamento abstrato. influência da sabedoria oriental (egípcios, É bem verdade que o desenvolvimento assírios, persas, etc.), no entanto, os gregos do pensamento reflexivo não decreta a morte imprimiram mudanças de qualidade tão da consciência mítica, pois o mito, mesmo profundas foram entre os ditos civilizados, ocupa um lugar de apontados para alguns, como os criadores destaque como forma fundamental de todo únicos da ciência. viver humano. Em outras palavras, tudo o nessas culturas, que Na história do pensamento ocidental, a que pensamos e queremos se situa filosofia nasce por meio de longo processo inicialmente no horizonte da imaginação, nos histórico, surge promovendo a passagem do pressupostos míticos, cujo sentido existencial saber mítico ao pensamento racional, sem, serve de base para todo trabalho posterior. entretanto, romper bruscamente com todos os conhecimentos do passado. Durante muito tempo, os primeiros filósofos gregos Diferenças entre mito e filosofia: compartilharam de diversas crenças míticas, enquanto desenvolviam o conhecimento 1. O mito está relacionado ao passado e a racional que caracterizaria a filosofia. Essa filosofia se pretende atemporalidade. passagem “significa 2. A filosofia explica a produção das coisas precisamente que já havia, de um lado, uma por causas naturais, e não pelos três itens lógica do mito e que, de outro lado, na acima. realidade filosófica ainda está incluído o 3. O mito pode ser contraditório. A Filosofia poder do lendário”. não admite contradições. do mito à razão Embora existam esses aspectos de O mito é muito confundido com o continuidade, a filosofia surge como algo conceito de lenda, porém esta não tem muito diferente, pois resulta de uma ruptura compromisso nenhum com a realidade, são quanto à atitude diante do saber recebido. meras histórias sobrenaturais, como é o caso Enquanto o mito é uma narrativa cujo da mula sem cabeça e do saci Pererê. O mito conteúdo não se questiona, a filosofia não é exclusividade de povos primitivos, nem problematizada de civilizações nascentes, mas existe em e, portanto, convida à discussão. Enquanto no mito a inteligibilidade todos é dada, na filosofia ela é procurada. A componente filosofia rejeita o sobrenatural, a interferência humana de compreender a realidade. de agentes divinos na explicação os tempos e indissociável culturas da como maneira dos Página 19 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 Mas, e quanto aos nossos dias, os mitos são diferentes? O homem moderno, Condições históricas para o surgimento da tanto quanto o antigo, não são só razão, mas Filosofia também afetividade e emoção. Hoje em dia, os meios de comunicação de massa Resolvido o problema da relação entre Filosofia e mito, temos ainda um último a trabalham em cima dos desejos e anseios solucionar: que existem na nossa natureza inconsciente surgimento da Filosofia na Grécia no final do e primitiva. O mito recuperado do cotidiano século VII e no início do século VI a.C.? do homem contemporâneo, não se apresenta Quais com a abrangência que se fazia sentir no econômicas, sociais, políticas e históricas homem primitivo. Os mitos modernos não que permitiram o surgimento da Filosofia? abrangem mais a totalidade do real como as O que tornou condições Podemos materiais, apontar é, principais condições indígenas. Podemos escolher um mito da filosofia na Grécia: sensualidade, outro da maternidade, sem • As viagens marítimas – (descoberta e que tenham de ser coerentes entre si. Os humanização de lugares míticos) As viagens super-heróis dos desenhos animados e dos produziram quadrinhos, bem como os personagens de desmistificação do mundo, que passou, filmes, passam a encarnar o Bem e a Justiça, assim, a exigir uma explicação sobre sua assumindo a nossa proteção imaginária. A origem, explicação que o mito já não podia própria ciência pode virar um mito, quando oferecer; somos levados a acreditar que ela é feita à • A invenção do calendário – (cálculo do margem da sociedade e de seus interesses, tempo, o tempo deixa de ser divino e que mantém total objetividade e que é incompreensível) revelando, com isso, uma neutra. A nossa forma de compreensão do capacidade de abstração nova, ou uma mundo dessacraliza o pensamento e a ação percepção do tempo como algo natural e não (isto é, retira dele o caráter de sobre como um poder divino incompreensível; naturalidade), fazendo surgir à filosofia, a • A invenção da moeda – (capacidade de ciência e a religião. Como mito e razão abstração e raciocínio) que permitiu uma habitam o mesmo mundo, o pensamento forma de troca que não se realiza através reflexivo das rejeitar alguns mitos, coisas o do como isto o ocorria nos mitos gregos, romanos ou pode históricas possível surgimento desencantamento concretas ou dos ou da a objetos principalmente os que vinculam valores concretos trocados por semelhança, mas destrutivos ou que levam a desumanização uma troca abstrata, uma troca feita pelo da sociedade. Cabe a cada um de nós calculo do valor semelhante das coisas escolhermos quais serão nossos modelos de diferentes, revelando, portanto, uma nova vida. capacidade de abstração e de generalização; Página 20 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 • O surgimento da vida urbana – (tecnicismo) O termo "sofista" tem sua origem no idioma com grego, predomínio artesanato, técnicas do dando de comercio desenvolvimento do a partir da palavra "sophistēs", a derivada de "sophia" e "sophos", significando e "sabedoria" e "sábio" respectivamente. O prestigio das famílias da termo Sophistēs foi originalmente utilizado fabricação diminuindo o e e de troca, aristocracia proprietária de terras, por quem e por para quem os mitos foram criados; habilidoso em uma determinada atividade. • A invenção da escrita alfabética – Homero, para descrever alguém Com o tempo a palavra passou a designar a (capacidade de abstração e generalização) sabedoria nos que, como a do calendário e a da moeda, humanos, em oposição aos assuntos da revela o crescimento da capacidade de natureza, até chegar a designar um tipo abstração e de generalização, uma vez que a especifico de profissional, o sofista. escrita alfabética ou fonética, diferentemente Embora os sofistas não sejam considerados de outras escritas – como, por exemplo, os filósofos pela tradição, sua importância se dá hieróglifos dos egípcios ou os ideogramas na medida em que estão entre os primeiros a dos chineses –, supõe que não se represente desafiar a ideia de que a sabedoria seria uma imagem da coisa que está sendo dita, recebida mas a idéia dela, o que dela se pensa e se hipótese de que, assim como nas atividades transcreve; físicas, a prática da virtude, por meio da • A invenção da política – (expressão da retórica e da oratória, poderia melhorar os vontade da coletividade, direitos, valorização estudantes, do humano, público). virtuosos. dos assuntos deuses, tornando-os tipicamente baseando-se mais sábios na e O foco de seus ensinamentos era prático, Sofistas. direcionado a estratégias de argumentação e oratória, para que os estudantes atingissem o Conforme nos reporta Platão, a profissão de á pice da excelência em suas atividades, sofista foi criada por Protágoras, discípulo de independente Demócrito. Sofistas foram um tipo especifico atividades. de professor na Grécia antiga e no império Como os sofistas são conhecidos por meio romano, que deveriam ensinar a arete, termo das criticas de seus oponentes, alguns grego que traduz o conceito de "excelência" elementos de suas posições são difíceis de ou "virtude", aplicado a áreas como música, confirmar. Uma das principais critica aos política, matemática e atleticismo. Entre os sofistas era a de que sua posição baseava- principais estão se apenas em verossimilhança, quando um Hípias, argumento parece verdadeiro, mesmo que Protágoras, sofistas Górgias, conhecidos Pródico, Trasímaco, Antifonte e Crátilo. de quais fossem estas não o seja. O objetivo dos sofistas seria, pela Página 21 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 visão de filósofos como Aristóteles, apenas o esforços na demonstração de que seriam de vencer o debate, sem preocupar-se com a capazes de tornar os estudantes melhores busca pela verdade. Por esta razão, a nas expressão auxiliá-los a prosperar na sociedade grega. "sofisma" existe hoje para atividades humanas que poderiam identificar uma argumentação rebuscada, Era comum que sofistas viajassem em porém sem fundamentação sólida. grupos pelas cidades gregas e romanas, Como foi o primeiro sofista, a posição para assim poderem realizar elaborados relativista discursos e acalorados debates públicos, atribuída a Protágoras é normalmente identificada como a posição demonstrando suas habilidades na geral que iniciou o movimento, que se expectativa de atrair estudantes para suas tornaria a profissão de sofista. escolas. Em particular, nobres, homens de Protágoras é lembrado pela controvérsia estado e jovens que pudessem pagar pelos acerca de sua afirmação "o homem é a estudos. Os sofistas foram muito criticados medida de todas as coisas", aparentemente por Platão e Aristóteles por só ensinarem aos manifestando uma forma de relativismo, o que podiam pagar pela educação. que era repudiado por filósofos como Platão e Aristóteles, seus maiores críticos. Como Platão. aconteceram com a maioria dos filósofos présocráticos, as citações Protágoras Platão, filósofo grego, nasceu em Atenas e sobreviveram sem o contexto no qual foram se destacou entre os pensadores mais apresentadas, o que mantém abertas as influentes da civilização ocidental. Platão foi possibilidades de interpretações diferentes. um brilhante escritor e filósofo. Seus diálogos Uma destas interpretações possíveis para a abordaram praticamente todos os tópicos afirmação de Protágoras é a de que o uso da que vieram a ser discutidos por filósofos que palavra se seguiram a ele. Suas obras fazem parte "chremata", de significando "coisas usadas", ao invés da palavra mais geral da mais reconhecida literatura mundial. "onta", que significaria "entidades", para se Platão nasceu em uma família aristocrata de referir ao que é traduzido como "coisas", Atenas. Desde jovem, Platão tinha ambições indica da políticas, mas logo se decepcionou com a realidade objetiva do mundo como um todo, liderança política de Atenas. Platão se tornou mas daquelas coisas especificas dos seres discípulo de Sócrates, seguindo sua filosofia humanos. e aderindo ao método por ele utilizado: a Desta forma entende-se que os sofistas não busca da verdade através de perguntas, davam atenção a busca pela compreensão respostas e mais perguntas. da natureza, do universo e da origem dos Seu professor, Sócrates, não escreveu seus objetos do mundo, pois concentravam seus ensinamentos. Platão, como discípulo de que Protágoras não falava Página 22 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 Sócrates, escreveu muito dos ensinamentos Os ensinamentos de Platão foram escritos que lemos dele. Porém, nos diálogos, Platão em forma de dialogo, de uma conversa ou faz do personagem Sócrates porta-voz de um debate entre várias pessoas. seus próprios pensamentos, de modo que é Seus diálogos são divididos em três fases. A difícil estabelecer quais são os ideais de primeira fase é representada com Platão Platão e quais são os de Sócrates. tentando comunicar a filosofia de Sócrates. Em 399 a.C. Platão testemunhou o Muito dos diálogos tem a mesma forma. julgamento e a condenação de Sócrates, Sócrates encontra alguém que diz que sabe tendo sido acusado de corromper a mente muito. Sócrates se diz ignorante a procura de dos jovens e não acreditar nos deuses. Após conhecimento a execução de Sócrates, revoltado com a mostrando que aquele que se dizia mestre no democracia Ateniense e talvez preocupado assunto realmente não sabe nada. com sua própria segurança, Platão deixou Os diálogos da segunda e terceira fase Atenas e foi para a Sicília e para o Egito, relatam as próprias ideias de Platão, por onde passou aproximadamente dez anos mais que ele continue a utilizar Sócrates viajando. como personagem em seus diálogos. e faz várias perguntas, Em 387, com seu regresso a Atenas, Platão fundou uma Academia, uma instituição tida Teoria das Formas. como a primeira universidade da Europa. A Academia oferecia um currículo de matérias A parte central da filosofia de Platão é a tais como astronomia, biologia, ciências teoria das formas, ou o mundo das ideias. políticas e filosofia. Aristóteles foi o aluno Ideias ou formas são arquétipos imutáveis. mais famoso da Academia. A Academia de De Platão se manteve em funcionamento por ideias/formas são constantes e reais. Platão mais de novecentos anos. divide o mundo em duas partes - o mundo Em 367 Platão retornou a Sicília tentando das ideias, onde tudo é constante e real, e o influenciar a política local com seus ideais, mundo físico em que vivemos, onde o fluxo é mas logo voltou a Academia em Atenas onde constante e a realidade é relativa. As formas passou o resto de sua vida, com exceção de então mantêm a ordem e a estrutura das algumas viagens, onde ensinava e escrevia. ideias do mundo. Platão faleceu em 347 a .C., com oitenta Platão distinguiu entre dois níveis de saber: anos de idade. opinião acordo e com Platão conhecimento. só essas Afirmações relacionadas com o mundo físico, Platão as Suas Obras considerava estivessem Fases dos diálogos: uma opinião, baseadas na mesmo lógica ou que na ciência. Segundo Platão, o conhecimento é Página 23 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 derivado da razão e não da experiência. Ele questão de justiça: Como é um Estado justo? pregava que somente através da razão Quem é um individuo justo? atingimos o conhecimento das formas. Segundo Platão, a melhor forma de governo Platão diz que as formas têm uma realidade é a aristocracia por mérito. Platão divide o que vai além do mundo físico por causa de estado ideal em três classes: a classe dos sua perfeição e estabilidade. O mundo físico comerciantes, a classe dos militares e a se parece com as formas, mas devido a classe dos filósofos-reis. Os filósofos-reis são constantes mudanças nunca chega a sua encarregados de governar o país. As classes perfeição. não são hereditárias, elas são determinadas Um exemplo para entender a diferença entre pelo tipo de educação obtida pela pessoa. o mundo das formas e o mundo físico é dado Com maior nível de educação a pessoa se por Platão em termos matemáticos. Devido pertence à classe dos filósofos-reis. ao mundo das formas temos a concepção de A República aborda diversos temas sobre um círculo perfeito - totalmente redondo, justiça, governo e apresenta um governo composto de uma série de pontos que utópico. Essa obra vem sendo amplamente apresentam exatamente a mesma distancia lida através dos séculos, por mais que suas do ponto central. No mundo físico, porem, propostas nunca foram adotas como uma essa figura não é vista. Círculos nunca são forma de governo concreta. desenhados perfeitamente. A ideia do círculo Platão escreveu sobre diversos assuntos, existe e é imutável, porem ela só pode ser tais como ética, arte, teoria do conhecimento, conhecida pela razão e não pela experiência entre tantas. Suas obras influenciaram e do círculo perfeito no mundo físico. moldaram a filosofia ocidental. O intuito Platão aplica sua teoria a conceitos como desse artigo foi apenas o de introduzir esse beleza, justiça, bondade, entre outros. A grande pensador. De nenhuma forma é pessoa é bela ou justa por que nela há algo possível resumir sua imensa contribuição à que se parece com a forma do belo ou do nossa cultura. justo, presente no mundo das ideias. O amor no mundo das ideias também é perfeito, daí Aristóteles: Ética e Política. vem a expressão amor platônico, utilizada nos dias de hoje. O tema principal da ética de Aristóteles é delimitar o que é o “bem” e o significado que Teoria Política. ele tem para o homem. Somente quem conhece o bem é capaz de encontrar a A República é a maior e mais reconhecida felicidade, que na filosofia aristotélica não é obra política de Platão. A obra se foca na um sentimento passageiro, e sim “obra de uma vida inteira”. Página 24 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 instala-se e vai embora; ao contrário, é “obra A ideia do “bem”: de uma vida inteira”. “O bem ético pertence ao gênero da vida Aristóteles começa a Ética nicomaqueia excelente e a felicidade é a vida plenamente provavelmente realizada em sua excelência máxima. Por dedicada a seu filho Nicômaco e o mais importante de seus textos isso não é alcançável imediata nem sobre o bem e o comportamento dos homens definitivamente, mas é um exercício cotidiano – com estas palavras: que a alma realiza durante toda a vida (…) “Toda arte e todo saber, assim como tudo de acordo com a sua excelência mais que fazemos e escolhemos, parece visar completa, a racionalidade.” algum bem. Por isso, foi dito, com razão, que o bem é aquilo a que todas as coisas As virtudes: o justo meio. tendem, Mas há uma diferença entre os fins: alguns são atividades, ao passo que outros A virtude (areté) é a expressão maior da são produtos à parte das atividades que os excelência produzem.” integridade, de sua identidade. A paixão, por Essa afirmação contém duas teses de uma pessoa, de sua outro lado, torna-a confusa, dividida entre fundamentais da ética aristotélica. A primeira: desejos todas as coisas tendem ao bem, o que Alguém sob o domínio da paixão pode significa, na doutrina do filósofo, que o bem é inclinar-se ao vício, que é o excesso ou a a finalidade de todas as coisas. A segunda: falta da paixão. A virtude é encontrar, pelo chega-se ao bem por dois caminhos: a) pelas uso da razão, o meio-termo entre esses atividades práticas, isto é, aquelas que extremos, que Aristóteles chamou de justo contêm seus próprios fins (ética e política); b) meio. pelas Suponha-se alguém dominado pelo prazer atividades produtivas (artes ou contrários, conflitantes, opostos. técnicas). (que, para Aristóteles, é uma paixão). Esse Em relação à ética, o bem leva cada alguém pode ser libertino (um dos extremos indivíduo a ser capaz de viver com os outros, do prazer em excesso) ou insensível (o na polis. Em outras palavras, a ética, no extremo oposto: falta de prazer), O justo campo individual, prepara terreno para a meio, aqui, é a temperança, à qual se chega política, no campo coletivo. Para Aristóteles, pelo uso da razão. a finalidade da política é a busca do bem de A virtude, assim, está ligada à razão. E, todos os homens. como todo homem é dotado de razão, todo E qual é o bem de todos os homens? A homem pode alcançar a virtude. Basta felicidade, responde Aristóteles. A felicidade, identificar a paixão que o domina, reconhecer porém, não é um sentimento que aparece, Página 25 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 seus extremos e procurar, racionalmente, ter uma base empírica para a reflexão sobre seu justo meio. teoria política. A maior de todas as virtudes, diz Aristóteles, “Uma constituição é a ordem ou distribuição é a justiça. Sua força sobre as demais dos poderes de um Estado, isto é, a maneira consiste em sua perfeição, porque quem é como são divididos, a sede da soberania e o justo projeta-se mais para o outro do que fim a que se propõe a sociedade.” para si mesmo. Em outras palavras, tudo que protege o conjunto dos indivíduos (a A ética de Santo Agostinho. sociedade) é mais importante do que aquilo que protege somente um dos membros A felicidade é o tema central de sua filosofia, dessa sociedade, Por isso, dos males, a e não se dá sem o conhecimento, sem o injustiça é o maior, pois destrói o tecido encontro social. conhecimento é aquele que conduz o homem de Deus. O verdadeiro à verdade suprema e, só se atinge tal Política e Estado. verdade pelo amor. Para o alcance da felicidade, amor e sabedoria andam juntos. Como Platão, Aristóteles também faz um A ética agostiniana envolve o conceito de estudo dos regimes políticos, divididos em liberdade e o livre arbítrio da vontade. monarquia, ou Agostinho rompe com a concepção de Aristóteles liberdade grega, que estava fundamentada aristocracia república. Tal qual considera que cada degenerar a e politeia Platão, um monarquia, deles enfatizando que Deus criou o mundo e aristocracia, em oligarquia; a democracia, em partindo disso, não existe o mal. Deus é anarquia. perfeito e não poderia ser a causa do mal. O O melhor dos regimes possíveis consistirá mal é o contrário da ideia de Deus, é apenas em uma combinação do que há de melhor ausência de bem. em cada um deles. O melhor da república é a O liberdade e a igualdade; da monarquia, a possibilidade de escolha entre o bem e o capacidade da mal. O que pode afastar o homem de Deus é aristocracia, sua excelência, capacidade e o fator vontade, que muitas vezes leva o qualidades intelectuais, homem a escolhas erradas. Afastar-se de Entre os escritos políticos de Aristóteles, a Deus significa ir para o não ser, ir em direção Constituição no ao mal. É nesse contexto que surge o século XIX no Egito, ocupa um lugar pecado, como vontade do homem e não de especial. Essa obra era parte das 158 Deus. No homem que vai em direção ao constituições que Aristóteles reunira a fim de pecado, sua alma decai e não consegue de criar tirania; em um télos político e com o maniqueísmo, a de em pode riquezas; Atenas, e descoberta homem possuía o livre arbítrio, a Página 26 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 salvar-se sozinha, até que venha então a entre os povos bárbaros, preservando muitos graça, para dirigir o homem para o caminho elementos da cultura pagã greco-romana. do bem. Sem o auxílio da graça reveladora Apoiada em sua crescente influência divina, exercendo somente o livre arbítrio, o religiosa, homem ficaria condenado em seu livre importante arbítrio e acabaria escolhendo o caminho do medieval. Desempenhou, por exemplo, a mal. Porém, nem todos recebem a graça, função de órgão supranacional, conciliador somente os predestinados. O homem não é das só intelecto, mas também vontade e esta problemas da fragmentação política e das vontade pode ser influenciado ou vulnerável rivalidades desejando coisas ruins. O homem que busca Conquistou, também, vasta riqueza material: a beatitude para alcançar a felicidade, só a tornou-se dona de aproximadamente um encontra com fé e intuição, não por meio de terço atividade razão ocidental, numa época em que a terra era a complementam-se na busca da felicidade e principal base de riqueza. Assim, pôde da beatitude. estender seu manto de poder "universalista" intelectual. A fé e a a Igreja papel elites político dominantes, internas das passou áreas a na exercer sociedade contornando da nobreza cultiváveis da os feudal. Europa sobre diferentes regiões européias. Filosofia Medieval. Foi um período de dominação da Igreja Romana. Durante esse período surge a A filosofia medieval e o cristianismo A Idade a Desta forma, o teocentrismo acabou por desorganização da vida política, econômica e definir as formas de sentir, ver e também social do Ocidente, agora transformado num pensar durante o período medieval. Sob a mosaico de reinos bárbaros. Depois vieram influência da Igreja, as especulações se as guerras, a fome e as grandes epidemias. concentram O teológicas, tentando conciliar a fé e a razão. cristianismo Média inicia-se propaga-se por com Filosofia cristã, que é, na verdade a teologia. diversos povos. A diminuição da atividade cultural transforma o homem comum num ser dominado por crenças e superstições. em questões filosófico- O período medieval não foi, porém, a "Idade das Trevas", como se acreditava. A filosofia clássica sobrevive, confinada nos Em meio ao esfacelamento do Império mosteiros religiosos. O aristotelismo Romano, decorrente, em grande parte, das dissemina-se pelo Oriente bizantino, fazendo invasões florescer germânicas, a Igreja católica os estudos filosóficos e as conseguiu manter-se como instituição social realizações científicas. No Ocidente, fundam- mais se as primeiras universidades, ocorre a fusão organizada. Ela consolidou sua estrutura religiosa e difundiu o cristianismo de elementos culturais greco-romanos, Página 27 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 cristãos e germânicos, e as obras de Aristóteles são traduzidas para o latim. De acordo com a doutrina católica, a fé representava a fonte mais elevada das No período medieval a filosofia foi verdades reveladas especialmente aquelas estudada num contexto, sobretudo religioso. verdades essenciais ao homem e que dizem Muitos respeito à sua salvação. filósofos deste período foram perspicazes, tendo Assim, toda investigação filosófica ou desenvolvido algumas ideias e argumentos científica não poderia, de modo algum, hoje considerados centrais em filosofia, não contrariar as verdades estabelecidas pela fé só na filosofia da religião e na metafísica, católica. mas também na ética, filosofia da linguagem filósofos não precisavam se dedicar à busca e mais da verdade pois ela já havia sido revelada importantes da época incluem o problema por Deus aos homens. Restava-lhes, apenas dos universais, as provas da existência de demonstrar racionalmente as verdades da fé. Deus e a compatibilidade entre a presciência Não foram poucos, porém, aqueles que divina e o livre-arbítrio humano (a presciência dispensaram até mesmo essa comprovação é a capacidade para saber de antemão o que racional da fé. Eram os religiosos que vai acontecer). Alguns dos mais destacados desprezavam a filosofia grega, sobretudo filósofos ocidentais do período medieval porque foram Santo Agostinho, Santo Anselmo pensamento (1033-1109), Abelardo (1079-1142), Tomás pecado, a dúvida, o descaminho e a heresia de Aquino, Duns Escoto (c. 1265-1308) e (doutrina contrária ao estabelecido pela Guilherme de Ockham. Igreja, em termos de fé). extraordinariamente lógica. Alguns dos debates Os conflitos e a conciliação entre fé e razão. Segundo viam essa nessa uma orientação, forma porta pagã aberta para os de o Por outro lado, surgiram pensadores cristãos que defendiam o conhecimento da filosofia grega, sentindo a possibilidade de No plano cultural, a Igreja exerceu ampla influência, traçando um utilizá-la como instrumento a serviço do quadro cristianismo. Conciliado com a fé cristã, o intelectual em que a fé cristã era o pres- estudo da filosofia grega permitiria à Igreja suposto da vida espiritual. enfrentar os hereges com Em que consistia essa fé? Consistia na descrentes as armas derrotar os racionais da objetivo era crença irrestrita ou na adesão incondicional argumentação lógica. às verdades revê ladas por Deus aos convencer descrentes, homens. Verdades expressas nas Sagradas possível, pela razão, para depois fazê-los Escrituras (Bíblia) e interpretadas segundo a aceitar a imensidão dos mistérios divinos, so- autoridade da Igreja. mente acessíveis à fé. os O e tanto quanto Página 28 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 Nesse contexto, a filosofia medieval Procurava harmonizar razão e fé; a relação pode ser dividida em quatro momentos entre Deus e o destino da pessoa humana. principais: Influência Árabe na formação da tradição O dos padres apostólicos, do início do ocidental. Introdução ao pensamento de cristianismo (séculos I e ll), entre os quais se Aristóteles. incluem os apóstolos, que disseminavam a Avicena. Querela dos Universais: Guilherme palavra de Cristo, sobretudo em relação aos de temas morais. Entre estes se destaca a Averróis.Tradução de Aristóteles para o figura de São Paulo pelo volume e valor Latim.) literário de suas epístolas (cartas escritas por O da escolástica (do século IX a XVI), - A um dos apóstolos); Razão a Procura da Fé. O termo escolástica O dos padres apologistas (séculos III e designa a filosofia ministrada nas escolas IV), que faziam a apologia do cristianismo cristãs contra a filosofia pagã. Entre os apologistas posteriormente destacam-se Orígenes, Justino e Tertuliano, escolástica retoma a filosofia aristotélica, o mais intransigente na defesa da fé contra a nela encontrando seus fundamentos e os filosofia grega; elementos O da patrística (de meados do século IV desenvolvimento. Santo Tomás de Aquino ao século VIII), A fé a procura da razão – A elabora a síntese magistral do cristianismo Filosofia é um instrumento a serviço da com o aristotelismo, fornecendo as bases Teologia. O tema central é a tentativa de filosóficas para a teologia cristã: surge a conciliar razão e fé. A Patrística visava filosofia aristotélico-tomista. Compatibilizar a combater as heresias firmando a doutrina fé e a razão continua a ser o problema Cristã contra o paganismo. E sua principal central da filosofia escolástica. característica reside no seu caráter Scotus Champeaux, A (de Erígena, Roscelino. catedrais nas e Kindi, Abelardo conventos) universidades. necessários característica Al para fundamental e e A seu dessa apologético: é preciso defender os ideais filosofia medieval é a ênfase nas questões cristãos perante os pagãos e convertê-los. teológicas, destacando-se temas como: o Presencia-se platônica, a retomada especialmente da filosofia dogma da Trindade, a encarnação de Deus por Santo filho, a liberdade e a salvação, a relação Agostinho, bem como do neoplatonismo. entre fé e razão. Santo Agostinho, Boécio, Alcuíno. Filosofia do renascimento. Filosofia Árabe: Difusão da cultura Grega no Ocidente. A filosofia renascentista teve início por volta dos séculos XV e XVI, na Europa. A filosofia renascentista é entendida como um período Página 29 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 de transição entre a Idade Média e a Idade interesses pela cultura e pela ciência, pois os Moderna. filósofos do Renascimento tentavam criar uma ordem baseada no ser humano como O contexto intelectual do Renascimento. eixo central (o antropocentrismo) em oposição ao teocentrismo medieval. São vários os acontecimentos que permitem A figura de Deus já não era vista como base contextualizar a filosofia renascentista. Em de toda a realidade, uma vez que surgiram primeiro lugar, a corrente humanista promove novas abordagens. Neste sentido, Giordano a recuperação da cultura clássica grega, o Bruno defendia um panteísmo baseado na termo renascimento se refere precisamente infinidade do universo e Nicolau de Cusa se ao novo esplendor intelectual inspirado nas atreveu em questionar a possibilidade de obras clássicas da cultura e da ciência do conhecer a natureza de Deus. período clássico grego. Os filósofos renascentistas têm uma atitude Por outro lado, a Reforma Protestante crítica em relação às doutrinas intelectuais estabelece uma fragmentação do poder medievais, religioso. aristotelismo que tomava todo o saber Ao mesmo tempo, deve-se mais particularmente com o destacar que o descobrimento do Novo científico. Mundo deu outra imagem da realidade e a A visão heliocêntrica do universo defendida necessidade de enfrentar novos desafios, por por Copérnico e o novo método científico exemplo, O proposto nova questões na aparecimento área da da navegação. burguesia como por Francis essenciais Bacon no são duas paradigma classe social estabeleceu uma renovação renascentista. dos isso Os ideais renascentistas abriram o caminho acompanhado de uma nova ferramenta da filosofia da época moderna, na qual a tecnológica, a imprensa razão humana se torna independente da fé e projetos culturais. E tudo estrutura a ciência entendida atualmente. As principais características da filosofia renascentista. Nicolau Maquiavel. A volta aos clássicos no Renascimento Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, mais apresenta dois aspectos: a tradução de conhecido no Brasil como Nicolau Maquiavel, textos que foram esquecidos durante séculos foi um filósofo que viveu e produziu entre os e grega, séculos XV e XVI, na região de Florença. de Dedicou-se a explicação e compreensão do Arquimedes, Pitágoras e Euclides. Este estado, politica e homens de estado como renascer do mundo clássico foi além dos estes são na realidade, em oposição àqueles a recuperação especialmente as da ciência contribuições Página 30 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 autores que formularam teorias acerca de teóricos da moral, o que contribui para a como deveria ser o estado ou o governante associação ideal. Para além de descrever o estado de característica inescrupulosa, com a criação sua época, Maquiavel também apresentou do adjetivo "maquiavélico". estratégias Por e métodos sobre como os de outro seu lado, nome autores a como uma Baruch homens de estado deveriam comportar-se Spinoza, Jean-Jacques Rousseau e Denis para Diderot defenderam que Maquiavel era na tirar maior proveito da realidade, mantendo e expandindo o poder. verdade um republicano e que suas ideias Maquiavel é visto como um proponente do foram que viria a ser o cientista empirista moderno, compreensão defendendo Iluminismo que expandir a partir da extremamente do úteis estado, e para inspirando consequentemente o o experiência e fatos históricos são o melhor desenvolvimento método de se desenvolver uma filosofia democrática consistente, especialmente em política, e que Benedetto a teorização a partir da imaginação é inútil. afirmando que sua posição era a aceitação Com esta aproximação, Maquiavel foi capaz de que, na realidade, as regras morais de afastar a politica da teologia e da filosofia afetam muito pouco a ação e decisões dos moral, desenvolvendo-a como uma disciplina políticos. A interpretação aceita atualmente é em si mesma. Assim, contribuiu para a a de que Maquiavel se coloca como um compreensão de como os governantes de cientista politico, procurando distinguir os fato agem e mesmo para a antecipação de fatos seu comportamento. Defendeu o estudo da julgamento moral. fundação de uma nação e a compreensão de Encontramos em Maquiavel uma critica ao seus elementos originais como essencial aristotelianismo teológico, aceito pela igreja, para a antecipação do futuro. e a relação da igreja com o estado, que Grande dificuldade encontrada moderna. Croce vida filosofia politica O italiano autor defendeu politica dos Maquiavel valores do por levaria muitas decisões práticas a serem autores posteriores ao tentar estabelecer a tomadas com base em ideais imaginários. O moral de Maquiavel. Devido a sua posição aristotelianismo realista acerca da natureza e forma de sofisticada manutenção do estado e suas instituições, cristianismo e, na visão de Maquiavel, teve especialmente sua descrição de como a como efeito justificar a preguiça e inação das desonestidade e a morte de inocentes pode pessoas frente aos desafios da vida e da ser útil aos políticos, em sua obra mais sociedade, famosa, O Príncipe. Maquiavel foi criticado e divina para solucionar tais desafios. Este repudiado diversos posicionamento, de recusa da sorte e destino especialmente, baseados em algo externo a vida humana, estudiosos foi da da a veementemente políticos e, por teológico forma de foi a justificação mais do ao esperar pela providência Página 31 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 classificou Maquiavel como um humanista. método de trabalho (a análise) alimentaram a Enquanto encontramos em filósofos como atividade filosófica do século XVII. Platão a descrição da politica, tornando-o mais próximo de Maquiavel do que Empirismo. Aristóteles, tais filósofos sempre tiveram uma inclinação para posicionar a filosofia acima O empirismo é a posição filosófica que aceita da politica, enquanto Maquiavel recusava a experiência como base para a análise da qualquer natureza, procurando rejeitar as doutrinas ideia teleológica, aquelas que postulam causas finais ideais. dogmáticas. Usado pela primeira vez pela Embora seguidores de Maquiavel tenham Escola Empírica, uma escola de praticantes preferido métodos mais pacíficos e baseados da medicina na antiga Grécia, o termo na empirismo economia para promover o deriva da palavra desenvolvimento, é aceito que a posição de grega empeiría (ἐμπειρία), que designa aceitação de riscos, ousadia, ambição e conhecimento ou habilidade obtida por meio inovação que Maquiavel sugere aos lideres da prática, sendo também a origem da políticos ajudou a fundar novos modos de se palavra "experiência", por intermédio do fazer politica e negócios. termo latino "experientia". Empiristas defendem que o conhecimento é Razão e experiência: a investigação científica. primariamente obtido pela experiência sensorial, alguns empiristas radicais vão além afirmando que o conhecimento só é No século XVII, no plano científico e obtido pela experiência sensorial e por filosófico, desabrocharam-se novas maneiras nenhuma outra forma. de pensar que podem ser vistas como A herdeiras do período renascentista. contrastada Essa maneira “moderna” de pensar não estabelece consiste apenas em negar os dogmas e conhecimento, independente dos sentidos. O modelos medievais, mas fundamenta-se na conceito e a busca de evidências como fonte ideia positiva de que a norma da descoberta primária de conhecimento existiu durante e interpretação da ciência é a experiência e toda a história da filosofia e ciência, desde a não a autoridade. Por meio dessa premissa, Grécia antiga, mas foi com o surgimento do a atividade científica deixa de ser uma mera chamado Empirismo Britânico, no século observação e classificação dos fenômenos e XVII, que se consolidou como uma posição passa a se preocupar com a determinação filosófica especifica, sendo o filósofo John das leis que regem os fenômenos. Essa Locke considerado o fundador do empirismo atividade da ciência experimental e seu como tal. posição empirista com a razão é frequentemente o racionalismo, como origem que do Página 32 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 Os principais filósofos do Empirismo Britânico existiriam as entidades que percebem, tendo foram John Locke, George Berkeley e David sua existência garantida mesmo sem que Hume. outro as perceba. Exagerando a alegoria da Locke é famoso por sua comparação da tabula rasa, Berkeley defendeu que a ordem mente humana com uma folha em branco, que vemos na natureza é a escrita de Deus. tabula Por isto, sua posição é hoje conhecida como rasa, na qual as experiências derivadas das impressões dos sentidos são idealismo subjetivo. impressas. Desta forma, haveriam duas Na sequência desta discussão, o filósofo formas pela Hume moveu a posição empirista na direção ideias do ceticismo. Para Hume, a recusa de de sensação surgimento e pela de reflexão, ideias, com podendo ser simples ou complexas. Berkeley se daria pelo fato de que o As ideias simples não são passíveis de empirismo possui implicações que não são análise, sendo referentes as qualidades aceitas pela maioria dos filósofos, devido a primárias e secundárias dos objetos. Sendo convicções pessoais. as primárias aquelas que definem o que o No objeto é essencialmente, por exemplo, uma distinção de argumentos, proposta por Locke, mesa tem como qualidade primária o arranjo entre especifico de sua estrutura atômica, qualquer expande, outro arranjo faria outro objeto e não uma demonstrações, provas e probabilidades. mesa. As qualidades secundárias tratam das Sendo as provas, aqueles argumentos da informações sensoriais acerca do objeto, experiência aos quais não se pode oferecer definindo oposição. Hume afirma ainda que a razão por seus atributos (cor, sabor, campo conceitual, demonstrativos dividindo e os Hume utiliza prováveis e argumentos a a em espessura, etc). si mesma não poderia fazer surgir qualquer Ideias complexas combinam ideias simples e ideia original, ao mesmo tempo em que constituem substancias, modos e relações. desafia a causalidade, ao afirmar que a razão Desta forma, segundo Locke, e discordando não seria capaz de concluir que a existência dos racionalistas, o conhecimento humano de uma causa seja um requisito absoluto. acerca dos objetos do mundo é a percepção Derivações posteriores incluem ainda o de ideias que estão em concordância ou Empirismo Lógico, tendo como expoentes os discordância umas com as outras. Esta filósofos Nelson Goodman, W. V. Quine e hipótese Hilary tornou-se a base da posição Putnam e Karl Popper, e o empirista. Pragmatismo, desenvolvido especialmente a Preocupado que a posição de Locke levaria partir das discussões entre Charles Sanders ao ateísmo, Berkeley formulou a hipótese de e William James. que as coisas só existiriam na medida em que são percebidas. Para além destas, Racionalismo. Página 33 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 "Penso, logo existo". É considerado o criador O Racionalismo é um movimento filosófico do pensamento cartesiano, sistema filosófico que se destacou durante o Iluminismo. É a que deu origem à Filosofia Moderna. Sua teoria de que o conhecimento é adquirido por preocupação era com a ordem e a clareza. meio da razão, sem que haja a participação Propôs dos sentidos. O conhecimento matemático é acreditasse o melhor exemplo disso: por meio do fundamentada única e exclusivamente na pensamento construir verdade. Uma nova visão da natureza provas a partir das quais é possível deduzir anulava o significado moral e religioso dos outros conceitos matemáticos complexos. As fenômenos naturais. Determinava que a raízes do Racionalismo se encontram nos ciência escritos Platonistas e Neoplatonistas. No especulativa. século XVII, o Racionalismo introduziu uma A obra de Descartes, "O Discurso Sobre o mudança de pensamento singular: a ideia de Método", que os conceitos mentais mais importantes filosófico, publicado na França em 1637 e são inatos e que é por meio deles que se traduzida para o latim em 1656. Em toda deduzem as outras verdades. obra prevalece a autoridade da razão. Renum dos mais importantes filósofos do René Descartes (1596-1650) nasceu no dia período Descartes foi 31 de março em La Haye, antiga província de século 17, Touraine, hoje Descartes, na França. Filho na de Joachim Descartes, advogado e juiz, autoridade da razão em filosofia e ciências proprietário de terras, com o título de naturais, bem como pelo desenvolvimento de escudeiro, primeiro grau de nobreza. Era métodos de verificação. Para Descartes a também filosofia seria como uma árvore, na qual a Rennes na vizinha cidade de Bretanha. metafísica forma a raiz, a física o tronco e as René Descartes estudou no Colégio Jesuíta diversas ciências os galhos, sendo que o Royal mais alto grau de sabedoria estaria na moral, estabelecido no castelo De La Flèche, doado que pressupõem conhecimento das diversas aos jesuítas pelo rei Henrique IV. Na época o ciências, sendo as principais a ética, a colégio mais prestigiado da França, com o mecânica e a medicina. objetivo de treinar as melhores mentes. racional, pode-se moderno, René um racionalista francês do geralmente pela lembrado ênfase fazer uma no deveria é um filosofia falso, ser Henry - Le no nunca que prática tratado conselheiro que fosse e não matemático Parlamento Grand, que e de era Descartes, estudou entre 1607 e 1615. René Descartes. Formou-se em Direito pela Universidade de Poitiers. Dois anos depois, ingressou no René Descartes (1596-1650) foi um filósofo, exército do príncipe Maurício de Nassau, na físico e matemático francês. Autor da frase Holanda, onde estabelece contato com as Página 34 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 descobertas recentes da Matemática. Aos 22 A expansão capitalista dos séculos XVII anos, começa a formular sua "geometria e XVIII foi acompanhada pela crescente analítica" e seu "método de raciocinar ascensão social da burguesia e sua tomada corretamente". de Rompe com a filosofia consciência como classe social. aristotélica adotada nas academias e, em Paralelamente, o racionalismo imperava na 1619, e Europa, transmitindo a confiança de que a universal, lançando as bases do método razão era o principal instrumento do homem científico moderno. para Sua principal obra foi "O Discurso Sobre o equacionar os problemas que o rodeavam. O Método" (1637), na qual apresenta o seu desenvolvimento da Revolução Industrial e o método de raciocínio, "Penso, logo existo", sucesso da ciência em campos como a base de toda a sua filosofia e do futuro química, a física e a matemática inspiravam racionalismo científico. Nessa obra expõe as filósofos de todas as partes. Foi assim que quatro surgiu talvez um novo mito: a ideia de pro- propõe uma regras ciência para se unitária chegar ao conhecimento: nada é verdadeiro até ser reconhecido desafios da vida e gresso. problemas Desse modo, disseminou-se a crença e resolvidos de que a razão, a ciência e a tecnologia ti- sistematicamente; as considerações devem nham condições de impulsionar o trem da partir do mais simples para o mais complexo; história numa marcha contínua em direção, à e o processo deve ser revisto do começo ao verdade e ao progresso humano. ser tal; os os precisam como enfrentar analisados fim para que nada importante seja omitido. Paralelamente, desenvolveu-se um Em 1649, vai trabalhar como instrutor da pensamento que culminaria no movimento rainha Cristina na Suécia. Com uma saúde cultural do século XVIII denominado Ilumi- frágil, René Descartes morre de pneumonia nismo, Ilustração ou Filosofia das Luzes. no dia 11 de fevereiro de 1650. O Iluminismo não foi um movimento coeso e uniforme. Por isso, não podemos Obras de René Descartes. rotular todos os pensadores iluministas como "ideólogos da Regras Para Orientação do Espírito, 1628. exemplo, entre O Discurso Sobre o Método, 1637. pensadores que defendiam a aristocracia. No Geometria, 1637. entanto, nessa pluralidade de pensadores, Meditações Sobre a Filosofia Primeira, 1641. um Princípios da Filosofia, 1644. convencimento racional das pessoas. traço burguesia". os comum Havia, iluministas é a busca por muitos pelo A própria postura de muitos filósofos se Iluminismo. modificou no século XVIII. Abandonando os círculos fechados de seus antecessores, os Página 35 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 iluministas circulavam pelas ruas e salões, conhecimentos adquiridos no passado pode exibindo e exercitando a razão. Para esses ser colocado a serviço do bem-estar social; filósofos propagandistas, como escreveu o - Progresso: o entusiasmo pelas novas des- pensador alemão Ernst Cassirer (1874- cobertas tem como consequência a crença 1945), "a razão não era o cofre da alma onde em um novo ideal, a ideia de progresso. se guardavam verdades eternas, mas era a Resumindo: O iluminismo é um período força espiritual, a energia, capaz de nos que crê nos poderes da razão que são conduzir ao caminho da verdade". chamadas de "As Luzes". No iluminismo O Iluminismo enfatizou a capacidade afirma-se que: humana de, através do uso da razão, - pela razão o homem pode conquistar a conhecer a realidade e intervir nela, no liberdade e a felicidade social e política. sentido de organizá-la racionalmente, de - que a razão é capaz de evolução e modo a assegurar uma vida melhor para as progresso e o homem é um ser perfectível (é pessoas. a capacidade de libertar-se de preconceitos, Através do processo de ilustração, isto é, do desenvolvimento da medos etc.) capacidade - pela razão o homem se aperfeiçoa, faz o intelectual, havia a proposta de libertar o progresso das civilizações que vão das mais homem dos medos irracionais, superstições atrasadas às mais adiantadas e perfeitas. e crendices, levando-o a questionar as - há diferença entre Natureza e civilização. tradições vulgares e a construir uma nova Esse foi um período de grandes interesses ordem racional para a sociedade. na ciência que se relacionam com as ideias Podemos dizer, enfim, que talvez o de evolução, foi uma época de preocupação grande mérito dos iluministas foi o esforço com a arte, grandes interesses de bases por generalizar e aplicar as doutrinas críticas econômicas da vida social e política. e analíticas aos diversos campos da Alguns pensadores representativos do atividade humana, bem como os ideais de Iluminismo: conhecimento grande Voltaire (1694-1778), Diderot (1713-1784) e racionalismo (o racionalismo do século XVII). D' Alembert (1717-1783), Rousseau (1712- Vejamos alguns indicadores dessa nova 1778), Adam Smith (1723-1790) e Immanuel mentalidade: Kant (considerado o maior filósofo do Ilu- - Estudos: a atenção dos intelectuais se volta minismo alemão.) forjados no Montesquieu (1689-1755), para o mundo terreno, concreto, e, dentro dele, para o estudo do próprio ser humano; Immanuel Kant. - História: os estudos históricos ganham expressão. Percebe-se que o conjunto dos Immanuel Kant (1724-1804) foi um dos mais importantes e influentes filósofos da Página 36 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 modernidade. Seus estudos e ensinamentos As obras de Kant são bastante diversificadas. nos campos da Metafísica, Epistemologia, Abaixo, abordamos brevemente alguns de Ética e Estética tiveram grande impacto seus principais ensinamentos: os conceitos sobre a maioria dos movimentos filosóficos da Teoria do Conhecimento e da teoria da posteriores. Moral e Ética. Kant nasceu em 22 de abril de 1724 na cidade de Konigsberg, que fazia parte do Teoria do Conhecimento. império da Prússia. Lá ele passou toda sua vida, onde estudou, obteve seu doutorado Em sua Teoria do Conhecimento, Kant (1755), escreveu e ensinou. Em 1770, classificou o tangível e o abstrato em dois tornou-se professor de Lógica e Metafísica e grupos: 1 - aquilo que podemos conhecer; 2 - lecionou durante os 27 anos seguintes, aquilo que são por si desconhecidas. As conquistando o afeto e admiração de seus coisas que podemos conhecer são aquelas alunos. Kant deixou a universidade em 1797, que as pessoas podem presenciar tocar, ver aos 73 anos de idade. Seus ensinamentos, e experimentar, como uma mesa ou um que abrangem quase todos os campos de cachorro. Por outro lado, existem coisas que Filosofia, obtiveram grande reconhecimento são desconhecidas por si próprias, como internacional. Deus e o conceito de liberdade, cujas Kant abordava o estudo da religião de forma existências, segundo Kant, se baseiam em bastante diferente daquela ensinada e aceita pressuposições necessárias. na eram Kant afirmava que a área do conhecimento é na limitada ao mundo das experiências e que é revelação, ou seja, ele baseava suas crenças inevitável que uma pessoa fracasse ao tentar religiosas principalmente na lógica, e não na conhecer coisas que são desconhecidas. simples fé. Em 1792, Frederico Guilherme II, Kant apresenta essa linha de pensamento Rei da Prússia, proibiu Kant de escrever ou em ensinar assuntos religiosos - ordem que Kant estabelecendo que os três obedeceu até a morte do rei, que ocorreu problemas Metafísica são cinco anos depois. Em 1798, Kant publicou liberdade e a imortalidade, pois não são suas visões religiosas. solucionáveis por meio Kant faleceu em 12 de fevereiro de 1804. especulativo. De acordo época. baseados Seus no ensinamentos racionalismo e não seu livro Crítica da da Razão do Pura, grandes Deus, a pensamento com Kant, a existência de Deus e os conceitos de liberdade e imortalidade não podem ser Sua Obra. afirmados ou negados no campo teórico, nem podem ser cientificamente demonstrados. Porém, Kant expressou a Página 37 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 necessidade da crença em Deus e nos Além conceitos de liberdade e imortalidade em sua apresentou filosofia moral. De acordo com Kant, a sintética. A proposição sintética não pode ser existência alcançada por meio de simples análise: ela da moralidade depende da proposição analítica, o de conceito exige liberdade e imortalidade. conceito evidencia-se na frase "a garota é Classificação do Pensamento. Para realmente Um proposição exclusivamente da existência de Deus, da loira". experiência. Kant sabermos loira, é exemplo se a desse garota necessário é uma experiência, pois não podemos ter certeza Kant dividiu o conhecimento humano em dessa afirmação sem antes vê-la. duas categorias: proposições analíticas e Através dessas afirmações, Kant tentou sintéticas. explicar a estrutura do conhecimento. A partir Uma proposição analítica é aquela em que o de Kant, originaram-se diversas discussões predicado está contido no sujeito, como no sobre a existência de um conhecimento a enunciado "nenhum dos solteiros é casado". priori. As definições de conhecimento de A verdade deste enunciado é evidente, está Kant tiveram uma importância fundamental presente no estudo da Filosofia. no simplesmente concedidos experiências conceito ao sem e é analisar a descoberta os termos necessidade avançadas. Por de Moral e Ética exemplo: "nenhum dos solteiros é casado" é uma A filosofia moral de Kant afirma que a base verdade seja qual for nossa experiência, para toda razão moral é a capacidade do porque o significado de "não ser casado" já homem de agir racionalmente. O fundamento está presente no termo "solteiro". para esta lei de Kant é a crença de que uma Kant acreditava um pessoa deve comportar-se de forma igual a é que ela esperaria que outra pessoa se da comportasse na mesma situação, tornando experiência. Um exemplo de uma proposição assim seu próprio comportamento uma lei a priori é "dois mais dois é igual a quatro". universal. Entendemos esse conceito sem termos que Um exemplo disso: fisicamente colocar dois e dois juntos. Kant Motoristas podem estacionar seus veículos destacou a importância do conhecimento a em priori, afirmando ser ele uma parte essencial emergência (por exemplo, com o propósito do conhecimento que não pode ser adquirido de resgatar uma pessoa). De acordo com a diretamente pela experiência. filosofia moral de Kant, essa lei deve-se conhecimento conquistado principalmente prévio, sem a a priori, em que necessidade fila dupla apenas em casos de aplicar a toda e qualquer pessoa que se Página 38 de 39 Prof. Sami Hiasmin – Filosofia – UniENEM/PIAP - 2017 encontre nessa mesma situação. Isso significa que ninguém pode estacionar em fila mesmo que a lei de um país permita ou até encoraje isso. dupla por motivo de preguiça ou porque não encontrou uma vaga livre. Pois se todas as Conclusão. pessoas estacionassem em fila dupla, e isso se tornasse uma lei universal, o trânsito Immanuel Kant ficaria confuso e a cidade viraria um caos. influente filósofo da modernidade. Suas Portanto, só é permitido estacionar em fila ideias inspiraram outros grandes filósofos dupla em casos de emergência. As exceções como Hegel e Marx. Seus ensinamentos a essa regra - os casos de emergência - influenciaram ocorreriam em situações nas quais todas as Pedagogia e a Sociologia; o impacto de suas pessoas estacionariam em fila dupla e/ou obras é incalculável. Ele foi, sem dúvida, um considerariam justificável o fato de outros dos mais influentes filósofos na história do terem feito isso. mundo. o é considerado Direito o mais Internacional, a A situação descrita acima exemplifica a lei moral de Kant que afirma que uma pessoa deve agir numa situação da mesma forma Referências: que espera que todas as outras pessoas www.10emtudo.com.br ajam. www.suapesquisa.com A lei moral de Kant é baseada na ideia de www.ebiografia.com que os seres humanos são racionais e www.filomundo.blogpost.com.br independentes. Em sua obra, Metafísicas da www.infoescola.com Ética (1797), Kant propõe que a razão www.pensador.uol.com.br humana é a base da moralidade. Segundo www.ime.unicamp.com.br Kant, toda ação deve ser tomada com um www.nicolaumaquiavel.com.br senso de responsabilidade ditado pela razão. Kant também afirmou que nenhuma ação baseada apenas na obediência da lei deve ser considerada como moral. A história comprovou esse conceito. Por exemplo: durante a Segunda Guerra Mundial, as pessoas que obedeciam à lei nazista e seguiram as leis nazifascistas não agiram humana e eticamente. Matar e torturar seres humanos inocentes nunca são atos morais, Página 39 de 39