Novas Plantas Industriais e a Qualidade Total

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Tirando Proveito do Novo: Novas Plantas Industriais e a
Qualidade Total
Alessandra Rachid
Oswaldo M. S. Truzzi
Paulo E. G. Bento
Departamento de Engenharia de Produção
Universidade Federal de São Carlos
Rod. Washington Luís, km.235. São Carlos, SP, Brasil. 13565-905
[email protected]; [email protected]; [email protected]
Abstract:
This paper discusses the main strategies for employee hiring and training implemented in
Volkswagen’s newest automobile engine factory located in São Carlos, a medium-sized city in the
interior of the state of São Paulo, Brazil. This factory takes advantage of the fact that they can select
all their employees with the desired profile right from the outset, without having to go through the
traumatic process of dismissing a large number of workers, that jeopardizes the employee
involvement so avidly sought by total quality programs
Keywords:
automobile industry, new manufacturing units, human resource management, total quality
management
Resumo:
O artigo discute as principais estratégias de contratação e treinamento da nova fábrica de motores
de automóveis da Volkswagen localizada na cidade de São Carlos - SP. Esta fábrica tira proveito do
fato de poder contratar todos seus empregados com um perfil desejado desde o início de
funcionamento da planta, sem ter que passar por processos traumáticos de demissão de um número
grande de trabalhadores, o que pode comprometer o envolvimento buscado pelos programas de
qualidade total.
1 Introdução
As grandes montadoras do setor automobilístico têm realizado no Brasil importantes investimentos,
especialmente através da instalação de novas unidades industriais fora da região metropolitana da
cidade de São Paulo. Entre esses investimentos está a nova fábrica de motores de automóveis da
Volkswagen, localizada em São Carlos, SP.
A empresa afirma que sua escolha se baseou em vantagens e incentivos oferecidos pelo estado e
município e também enfatiza que um dos critérios utilizados foi a ausência de uma "cultura
metalúrgica” na região, característica fortemente presente nas suas outras duas plantas, no ABC e na
cidade de Taubaté.
Isso indica que a companhia escolheu implantar suas operações industriais em uma área onde os
sindicatos seriam mais cooperativos e menos ativos e agressivos. Sem dúvida, este novo contexto
facilitou a implementação de novos procedimentos e rotinas, entre os quais aqueles relacionados à
Qualidade Total.
Os dados apresentados nesse artigo fazem parte de um projeto de pesquisa que está estudando a
fabricação de motores no Brasil e a relação entre montadora e fornecedores. O grupo de pesquisa é
composto pelos autores desse texto e por outros docentes do Departamento de Engenharia Produção
da Universidade Federal de São Carlos.
2. Anos 90 – uma nova fase de investimentos da indústria automobilística no
Brasil
A montagem de automóveis a partir de subconjuntos importados existia no Brasil desde a década de
20, mas a produção local só se iniciou em 1957. A maioria das empresas produtoras de automóveis,
entre elas a Volkswagen, se instalou na região do ABC paulista, que se tornou o polo tradicional da
indústria automobilística, concentrando, além das produtoras de automóveis, diversos fornecedores
de autopeças e outras empresas metal-mecânicas. Esta concentração contribuiu para tornar o
Sindicato dos Metalúrgicos da região um dos mais fortes do país.
Depois desta primeira fase de investimentos
(1)
, em 1976 a Fiat se instalou no país, fora deste polo
tradicional, na região metropolitana de Belo Horizonte - MG. Em 1979, a Volkswagen instalou uma
outra planta, na cidade de Taubaté – SP, a 134km da capital.
No final da década de 90 surge uma nova fase de investimentos, tanto de empresas já instaladas no
país, como de ingressantes. A Tabela 1 apresenta tais investimentos, confirmando a tendência de
saída do polo tradicional do ABC, que só recebeu uma das novas plantas industriais.
Tabela 1 - Novas Fábricas da Indústria automobilística no Brasil
Montadora
Volkswagen
Ano de início
Honda
Renault
Fiat/Stola
Toyota
Chrysler
Mitsubishi
Land Rover
Volkswagen (Audi)
Mercedes-Benz
Fiat
General Motors
BMW/ Chrysler
Asia
Iveco
Hyundai
Peugeot/ Citröen
Ford
Kia
BMW
Daihatsu
1997
1996
1998
1999
1999
(Previsão)
2000
(Previsão)
Localização da Planta
Resende - RJ
São Carlos - SP
Sumaré – SP
São José dos Pinhais – PR
Belo Horizonte - MG
Indaiatuba – SP
Campo Largo – PR
Catalão – GO
São Bernardo - SP
S.J. dos Pinhais - PR
Juiz de Fora - MG
Betim – MG
Gravataí – RS
Campo Largo – PR
Camaçari – BA
Sete Lagoas - MG
Simões Filho – BA
Porto Real - RJ
Camaçari – BA
Itu – SP
Curutiba - PR
-------
Fonte: Elaborado a partir de ANFAVEA (1998-99), O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Jornal da Tarde,
Gazeta Mercantil (vários números) e Sindipeças (1998).
3. Os Novos Investimentos da Volkswagen no Brasil
No período do pós-guerra, as grandes montadoras estabelecidas em diversos países, decidiram
centralizar as diferentes fases da produção em grandes fábricas buscando tirar vantagens da
produção em grande escala. Porém, a partir dos anos 70, outras formas de organização têm
questionado esse tipo de centralização e levado a repensar as vantagens competitivas oferecidas
pela produção em grande escala em enormes fábricas verticalizadas.
A planta da Volkswagen no ABC pode ser considerada um bom exemplo de fábrica verticalizada.
Chegou a ter 30 mil funcionários em meados da década de 80. Mas nesta mesma década a empresa
começou a investir em plantas de menor porte. Já em 1979 foi inaugurada a planta de Taubaté. Na
década de 90 esta tendência se amplifica e são construídas três novas plantas: a de São Carlos e de
Resende em 1996, e outra em São José dos Pinhais , estado do Paraná, em 1999.
A unidade pesquisada para este texto é a planta da Volkswagen na cidade de São Carlos, localizada
também no Estado de São Paulo, a 240km da capital. Esta planta possui cerca de 500 empregados e
produz motores para o Gol 1000. Recentemente foi ampliada para a produção dos motores do Audi
A3 e do Golf, produzidos na nova fábrica do grupo instalada no Paraná.
4. Qualidade Total e Reestruturação Produtiva
A Qualidade Total ( TQM - Total Quality Management) compreende um conjunto variado de
técnicas utilizadas pelas empresas, acompanhado de um forte conteúdo retórico modernizante
(Zbaracki, 1998). Tal conteúdo envolve a idéia de uma organização voltada para o cliente através
do envolvimento de todos os seus membros, em todos o níveis. Na prática, o conjunto de técnicas
associadas à Qualidade Total pode mudar de uma empresa para outra, podendo envolver os CCQs
(círculos de controle da qualidade) ou outras formas de reuniões e sugestões
(2)
, o CEP (controle
estatístico do processo), técnicas estatísticas e o conceito de cliente externo e interno. Segundo
McCabe e Wilkinson (1998), a Qualidade Total é utilizada por alguns gerentes para legitimar uma
variedade de mudanças necessárias às empresas.
Em todos os casos, há necessidade de programas de treinamento, importante tanto para divulgar os
princípios, quanto para ensinar as técnicas escolhidas. Contudo, depois da fase de treinamentos, a
Qualidade Total muitas vezes se apresenta como difícil de ser colocada em prática no dia a dia das
organizações, pois não raro implica em mudanças de posturas, atitudes, valores e cultura.
A difusão da qualidade total no Brasil tornou-se visível a partir do final da década de 80 (Gitahy et
al., 1993). Segundo esses autores, sua implantação levou a mudanças em diversos aspectos que
tradicionalmente não eram vinculados à qualidade, como na gestão de recursos humanos para
propiciar um ambiente mais favorável à participação. Algumas das mudanças foram a
reorganização da estrutura de cargos e salários levando em consideração a ampliação das funções,
intensificação do treinamento e novas formas de recrutamento, com maiores exigências
relacionadas ao nível de escolaridade.
Na década de 90 intensificaram-se os processos de downsizing, principalmente através da redução
de níveis hierárquicos e pela divisão de estruturas organizacionais em unidades de negócios. Estas
mudanças constituem processos de "reengenharia", embora, em muitos casos, não estejam
associados a esse termo. A perspectiva da reengenharia tem causado muita apreensão entre os
empregados, uma vez que é associada a processos traumáticos, com grande número de demissões
que não envolvem somente os trabalhadores diretos, mas também pessoal técnico e administrativo.
Assim, surge uma incompatibilidade entre os programas de demissão postos em prática pelas
“empresas enxutas” e a necessidade de comprometimento que envolve a implantação da qualidade
total. No Brasil, em muitas companhias pesquisadas, o envolvimento buscado por programas de
qualidade total ficou comprometido pelas demissões que aconteceram como resultado dos
programas de reengenharia. Segundo McCabe e Wilkinson (1998), objetivos da Qualidade Total
tornaram-se incompatíveis com os da reestruturação organizacional.
5.Tirando Proveito do Novo: A Estratégia de Recurso Humanos na
Volkswagen de São Carlos
A planta da Volkswagen no ABC dispunha de espaço suficiente e a nova fábrica de motores poderia
ter sido ali instalada, mas a empresa decidiu construí-la em outra região. Além do apoio da
prefeitura de São Carlos e do governo do Estado de São Paulo (3), outros fatores influenciaram esta
decisão. Entre estes, chama a atenção a possibilidade de pagar salários baseados na média da região,
cerca de 46% inferior à da região do ABC. Outro fator, nas palavras de um dirigente da empresa, foi
a inexistência de uma “cultura metalúrgica”(4) na região, o que favorece a implantação de novos
arranjos organizacionais e novas formas de relações industriais.
Algumas das técnicas associadas à Qualidade Total podem ser observadas na fábrica, cujos
processos principais são a usinagem e a montagem. Apesar da disposição em linha, os trabalhadores
fazem parte de grupos. Cada grupo é formado por cerca de 12 trabalhadores e um monitor. Embora
cada operador seja o titular do seu posto, a empresa deseja que todos os trabalhadores do grupo
sejam capazes de desempenhar todas as funções do grupo. Segundo um dos gerentes entrevistados,
os grupos “são responsáveis por tudo. Se tiverem problema possuem uma mesa e um painel do lado
da célula para [se reunirem e] resolverem.” Os grupos também se reúnem semanalmente para
discussão de questões menos urgentes.
A fábrica ainda possui menos níveis hierárquicos e a descrição de cargos é mais ampla do que a
existente no ABC, o que facilitou a incorporação de várias tarefas na função de cada trabalhador,
incluindo as técnicas e procedimentos relacionados à Qualidade Total.
O envolvimento dos trabalhadores foi ainda facilitado pelo fato da planta já ser enxuta desde o
início, o que a poupou de enfrentar o desgaste de demissões resultantes dos processos de
reestruturação, levados a cabo em plantas mais antigas. Dos 446 funcionários, apenas 246 são
contratados pela própria Volkswagen. O restante trabalha para firmas terceirizadas(5). Os
funcionários das empresas contratadas não são considerados para o cálculo do índice de
produtividade. Desta forma, segundo a gerência, essa fábrica alcança níveis de produtividade
semelhantes às fábricas mais produtivas da Volks no mundo.
Outro fator significativo diz respeito à estratégia de recrutamento de mão de obra: optou-se por um
perfil jovem, com pouca ou nenhuma experiência no setor automobilístico, mas com escolaridade
formal alta, no mínimo o segundo grau completo
(6)
. A média de idade dos funcionários é de 28
anos. Ao mesmo tempo é dada grande importância ao treinamento, sugerindo que a empresa deseja
que seus funcionários nela permaneçam desenvolvendo carreiras razoavelmente longas e
comprometidas com a organização.
A empresa poderia, se quisesse, ter contratado operários com experiência em indústria
automobilística, pois a taxa de desemprego entre os metalúrgicos da região do ABC é alta. Porém
adotou a estratégia de evitar (ou adiar) a possibilidade do surgimento de um movimento sindical
mais atuante. Segundo um dos dirigentes, tal situação aconteceu na fábrica de Taubaté, inaugurada
em 1979, para a qual foram contratados muitos trabalhadores da região do ABC. Em São Carlos,
somente 13 dos quase 500 empregados contratados já haviam trabalhado em outra fábrica da
Volkswagen, e os 13 ocupam posições de supervisão ou gerência.
Por ser um planta nova com ‘gente nova’, a empresa tem a possibilidade de influenciar atitudes,
posturas e valores dentro de um novo molde, o que é muito mais fácil do que mudar uma cultura já
existente.
6. Considerações Finais
Empresas recentemente instaladas, como a nova fábrica de motores da Volkswagen São Carlos,
buscam tirar proveito da possibilidade de contratar todos os seus novos empregados com as
características desejadas, sem ter que atravessar processos traumáticos de despedir um grande
número de trabalhadores para implementar os seus programas de reestruturação.
No caso apresentado nesse artigo, a empresa instalou sua nova planta em uma região fora do
tradicional polo industrial automobilístico, e contratou trabalhadores bastante jovens, “sem hábitos
adquiridos em outras companhias”, mas com um alto nível de educação formal, permitindo
treinamento e aprendizado intensivo, o que favorece a adoção de ferramentas tradicionalmente
associadas à Qualidade Total. Aparentemente, a estratégia obteve sucesso, resultando em
desempenhos bastante satisfatórios, uma vez que a fábrica disputa os primeiros lugares no ranking
mundial das empresas mais produtivas do grupo.
7. Bibliografia
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Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira.
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emergencial do setor automotivo”, Carta da ANFAVEA, março.
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GITAHY, Leda; LEITE, Márcia; RABELO, Flávio M. (1993) Relações de Trabalho, Política de
Recursos Humanos e Competitividade: Reestruturação Produtiva e a Empresa. Projeto
"Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira", Campinas, IE/UNICAMP-IEI/UFRJFDC-FUNCEX.
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Jornal Folha de São Paulo, vários números
Jornal da Tarde, vários números
Jornal O Estado de São Paulo, vários números
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industrial e novas formas de organização do trabalho. Anais do XVIII Congresso Nacional de
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Universidade Federal Fluminense / ABEPRO, setembro. CD-ROM. 6p.
SALM, Cláudio e FOGAÇA, Azuete (1992) Modernização industrial e a questão dos Recursos
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SCARPELLI, Moacir e BENTO, Paulo E. G. (1997) Lean production: diagnóstico de implantação
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de Produção e III Congresso Internacional de Engenharia Industrial. Gramado, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul / ABEPRO, out./1997. CD-ROM. 6p.
Sindicato das Indústrias de Autopeças (Sindipeças) (1998) Boletim Sindipeças Notícias,
janeiro/fevereiro.
SZNELWAR, Laerte I. e MASCIA, Fausto L. (1997) A inteligência (não reconhecida) do
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8. Notas
1. Não foram considerados os investimentos em fábricas de caminhões e ônibus.
2. A difusão da Qualidade Total sucedeu a dos CCQs, incorporando alguns dos seus princípios de
funcionamento.
3. A empresa recebeu o terreno e foi beneficiada por obras de infra-estrutura e isenção de impostos.
4. O termo foi usado como referência à tradição sindical presente no ABC.
5. Até o treinamento é terceirizado. Para este fim foi contratado o SENAI, principal instituição
formadora de mão de obra industrial no país, que mantém dois funcionários em tempo integral na
empresa.
6. No Brasil, segundo Salm e Fogaça (1992) o ensino de segundo grau atende apenas 35% da
população entre 15 e 19 anos.
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