Congresso do Panamá de 1826, união latino-americana

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Congresso do Panamá de 1826,
união latino-americana sob tutela
Dulce Portilho Maciel
Introdução
Os países latino-americanos conheceram, ao longo dos últimos cinqüenta anos,
diversas iniciativas de cooperação regional. Entre estas iniciativas, algumas resultaram
em instituições duradouras, tais como: a Associação Latino-Americana de Livre Comércio
(ALALC), criada em 1960 e transformada na Associação Latino-Americana de Integração
(ALADI) em 1980; o Mercado Comum Centro-Americano (MCCA), também fundado em
1960; o Pacto Andino, estabelecido em 1969, atualmente chamado Comunidade Andina
(CAN); a Comunidade e Mercado Comum do Caribe (Caricom), formada nos anos de
1970; o Mercado Comum do Sul (Mercosul), estabelecido em 1991. No mesmo sentido,
desenvolvem-se os esforços atuais para a constituição da Associação de Livre Comércio
da América do Sul, a ALCSA.
Em reforço às idéias que fundamentaram a criação de tais instituições, foram
freqüentes as referências ao empreendimento pioneiro em direção à solidariedade e
cooperação dos Estados latino-americanos, o Congresso do Panamá de 1826, realizado
graças à gestão da Grande Colômbia – assim chamada porque na época compreendia os
territórios das atuais repúblicas da Venezuela, Panamá, Colômbia e Equador -, cujo
principal dirigente era Simón Bolívar. Por esta razão, as idéias e iniciativas que resultaram
na realização daquele evento são freqüentemente referidas como projeto “bolivariano”
para a integração, ou unidade, latino-americana.
Nas análises feitas a respeito dos resultados da atuação daquelas instituições,
geralmente considerados insatisfatórios, costuma-se atribuir à interferência dos Estados
Unidos nos assuntos da América Latina, em décadas passadas, a responsabilidade pelo
malogro, ao menos parcial, dos esforços empreendidos no sentido da aceleração do
desenvolvimento sócio-econômico desta região. O principal mecanismo utilizado para
esta interferência, segundo algumas análises, teria sido a Aliança para o Progresso,
instituição dirigida segundo os desígnios, ora de natureza política, ora político-econômica,
daquela nação, hegemônica no Continente.
Na atualidade, à preocupação com os reflexos negativos do fenômeno da
globalização econômica sobre o conjunto da América Latina, somam-se outras,
decorrentes da consciência de achar-se a região na contingência de ter de optar entre
aderir ao plano dos Estados Unidos de instalação da ALCA – Área de Livre Comércio das
Américas -, da qual os países latino-americanos participariam, presumidamente, em
condições desvantajosas ou, então, “perder o trem da História”, em sua marcha
inexorável no sentido da completa globalização da economia mundial, movimento também
conduzido pelos interesses, econômicos e políticos, da grande potência norte-americana.
Em face desta circunstância, duas questões relacionadas entre si apresentam-se aos
povos latino-americanos: a) É possível à região vir a obter êxito nos esforços em prol de
seu desenvolvimento sócio-econômico, achando-se sob a tutela dos Estados Unidos? b)
Poderá esta região, por outro lado, alcançar seus objetivos de desenvolvimento, adotando
uma atitude de isolamento em relação à referida potência?
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Análises focadas nestas questões têm levado a conjecturas acerca de outras
possibilidades para a região, distintas das alternativas apontadas: a aceitação da tutela
ou, inversamente, a posição de isolamento em relação àquela potência. Tais reflexões
têm levado, por vezes, a que se evoque novamente o exemplo oferecido pelo projeto
pioneiro de cooperação regional, consubstanciado na realização do Congresso do
Panamá, em 1826, ou seja, no início da existência independente dos Estados iberoamericanos.
A recorrência da evocação suscita-nos a necessidade de trazer à baila, para
consideração atenta, esta questão: o Congresso do Panamá poderia servir de modelo
para o encaminhamento das diligências em prol da criação de mecanismos de integração
da América Latina, tendo-se em vista o desenvolvimento conjunto da região, ressalvada
sua autonomia em relação a potências estrangeiras?
O objetivo deste trabalho é oferecer elementos de base empírica que possibilitem o
conhecimento das reais condições sob as quais se realizou aquele evento, buscando-se
demonstrar, sobretudo, o entrelaçamento existente entre as ações levadas a efeito pelas
autoridades das novas Repúblicas e as marchas e contra-marchas da conjuntura política
da época, sobretudo no referente às principais monarquias européias e às nações
americanas então aspirantes ao exercício de funções de liderança no Continente.
1- Os novos Estados diante da conjuntura política européia
Ao iniciar-se o Século XIX, a América espanhola compunha-se,
administrativamente, de quatro vice-reinos, quatro Capitanias Gerais e quatorze
audiências. Entre os vice-reinos, os mais importantes eram o da Nova Espanha e o do
Peru, onde se localizavam as minas de metais preciosos, base principal das relações
mercantis entre metrópole e colônias, ao longo de três séculos. O primeiro abrangia o
México (que se estendia até a Califórnia) e tinha jurisdição sobre as Capitanias Gerais de
Cuba (que incluía São Domingos e Porto Rico) e da Guatemala, que compreendia a
América Central, exceto o Panamá. O Vice-Reino do Peru exercia jurisdição sobre a
Capitania Geral do Chile.
O Vice-Reino de Nova Granada (Panamá, Colômbia e Equador) exercia jurisdição
sobre a Capitania Geral da Venezuela. O Vice-Reino do Rio da Prata, por seu lado,
abrangia o Alto Peru (Bolívia), Paraguai, Argentina e Uruguai. As Audiências achavam-se
sediadas em Guadalajara, Cidade do México, São Domingos, Guatemala, Panamá,
Caracas, Bogotá, Popayán, Quito, Lima, Cuzco, Charcas, Santiago e Buenos Aires. Com
exceção de quatro destas audiências, as demais converteram-se em capitais de
Repúblicas a seguir constituídas no território então sob o domínio colonial da Espanha.
Na época da realização do Congresso do Panamá, em 1826, eram 8 os Estados
independentes na América espanhola: México, América Central, Grande Colômbia
(compreendendo, grosso modo, os atuais Panamá, Venezuela, Colômbia e Equador),
Peru, Chile, Bolívia, Paraguai e Argentina. Até então, a América Central não se
fragmentara e as ilhas de Cuba e Porto Rico permaneciam sob o domínio da Espanha.
Para a diplomacia dos Estados americanos recém-fundados, as questões mais
importantes, naquele momento, eram a paz com a Espanha e o reconhecimento da
independência pelos países europeus. Os esforços despendidos pelos delegados dos
insurgentes junto aos governos europeus não deram resultados imediatos. Ao contrário,
foram lentos, acompanhando o desenrolar dos acontecimentos militares na América, bem
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como as injunções da política na Europa. Recordemos, rapidamente, o mundo europeu no
princípio do século XIX.
A Inglaterra, em acelerado processo de industrialização da economia, procurava
expandir seus mercados e, assim, os círculos de influência política, havendo desde logo
dirigido suas atenções para o Novo Mundo ibérico. A França, impregnada pelas idéias
liberais da Revolução de 1789, com Napoleão à frente do governo, tinha o propósito de
conseguir a hegemonia do mundo. Para esse intento, esbarrava nos interesses da
Inglaterra, e uma luta titânica de imperialismos tinha lugar na Europa. Desde 1808, o
epicentro dessa luta residia na Península Ibérica, ocupada pela França naquele ano.
Destacavam-se também, na Europa, a Rússia, a Áustria e a Prússia. Estas, em
aliança com a Inglaterra, pretendiam não só destruir o império francês, mas também
impedir a expansão das idéias liberais da Revolução de 1789. Entre 1792 e 1815, a
Europa esteve em guerra, quase sem interrupção. Era uma luta desigual, pois afora a
França, apenas um Estado de importância no mundo ocidental, os Estados Unidos da
América, pelas suas origens revolucionárias, inclinavam-se ideologicamente pela causa
liberal. Este país, todavia, permaneceu neutro quase todo o tempo e seus atritos com a
Inglaterra não se deram por motivos ideológicos, mas por interesses econômicos.
O Congresso de Viena, de 1815, reunindo uma multidão de reis e príncipes, mas
cabendo as decisões apenas a Alexandre I da Rússia, Frederico Guilherme III da Prússia,
Castlereagh e Wellington, representantes da Inglaterra, e Talleyrand, representante da
monarquia francesa restaurada, inauguraria a era da reação às revoluções. O princípio de
legitimidade defendido no Congresso de Viena incluía a restauração da monarquia
bourbonica no trono espanhol e, em termos práticos, do absolutismo. Não se manifestou
ali, entretanto, o intuito de intervenção direta no sentido de se resolver a questão da
Espanha com o seu império colonial, ficando apenas implícito que a dinastia espanhola
tinha o direito de sufocar a revolta das colônias.
De um modo ou de outro, todavia, o concerto de nações surgido na Europa
significava uma ameaça potencial para a América Latina. A Espanha desenvolvia, na
época, uma campanha radical junto às chancelarias européias, no intuito de conseguir
apoio aos seus projetos de reconquista do império colonial. Para os governos dos novos
Estados, as perspectivas pareciam incertas. Se, por um lado, era sabido que algumas
nações tinham fortes motivos para intervir, por outro, havia razões para se esperar que as
rivalidades entre elas e seus interesses conflitantes pudessem impedir que tomassem
alguma medida em conjunto, ou mesmo em separado.
Em 1814, a Espanha e a Inglaterra haviam assinado um tratado de paz, amizade e
aliança, pelo qual este país adquira uma situação privilegiada de acesso ao comércio com
a América: “No caso de se permitir às nações estrangeiras o comércio com as Américas
espanholas, sua Majestade católica promete que a Grã-Bretanha será admitida para
comerciar com aquelas possessões como a nação mais favorecida...”1 Por seu lado, a
Inglaterra, em um novo tratado firmado com a Espanha naquele mesmo ano, assumia
uma posição contrária aos rebeldes americanos: “Desejoso que está sua Majestade
britânica de que cessem todos os males e discórdias que desgraçadamente reinam nos
domínios de sua Majestade católica... obriga-se... a tomar as providências mais eficazes
1
HEREDIA, Edmundo. Planos españoles para reconquisar hispanoamérica (`810-1818). Buenos Aires,
Editorial Universitária de Buenos Aires, 1974, p. 123.
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para que seus súditos não proporcionem armas, munições nem qualquer outro artigo de
guerra aos dissidentes da América.”2
Apesar da atitude equívoca da coroa britânica, da aparente neutralidade imposta
pelas relações diplomáticas com a Espanha, o Parlamento e a imprensa não ocultavam o
interesse com que acompanhavam os progressos dos revolucionários. Essas simpatias
traduziam-se num apoio moral da maior importância, sem falar na apreciável contribuição
material:
“Soldados ingleses e marinheiros de sua Majestade participavam ativamente das jornadas
militares ao lado dos insurgentes... Em 1825, agentes consulares britânicos eram
expedidos a Buenos Aires, Montevideo, Santiago, Lima, Bogotá e México. Em 1825,
negociaria tratados de comércio com a Argentina, Colômbia e México. Canning sustentava
o princípio de que na América Latina estava agora o equilíbrio para o mundo. A França, no
entanto, depois das mudanças que sofrera em sua política externa, abandonara a posição
3
de simpatia pela causa dos insurgentes hispano-americanos.”
A política externa francesa tornara-se incerta, de fato, após a restauração
monárquica bourbonica, em razão de sua divisão interna: políticos liberais e comerciantes
simpatizavam com os patriotas hispano-americanos; o governo solidarizava-se com a
Espanha. Não obstante fosse duvidosa a possibilidade de o antigo acordo familial entre os
Bourbon da França e da Espanha haver efetivamente ressurgido, após a restauração
monárquica em ambos os países, ao menos por algum tempo, a governo francês não
manifestou qualquer simpatia pelos revolucionários americanos.
Às vésperas do Congresso do Panamá, os planos espanhóis de reconquista
provocavam inquietação na América. Na ocasião, Bogotá chegou mesmo a apresentar à
Inglaterra uma proposta para que servisse de mediadora numa negociação de trégua com
a Espanha, pelo prazo de até vinte anos. Até que ponto os temores da Grande Colômbia
eram sinceros, ou serviam politicamente a Simón Bolivar para promover uma grande
confederação defensiva contra a Espanha – objetivo da convocação do Congresso do
Panamá -, sob a liderança da nação que governava, são questões que ainda hoje se
colocam.
Da parte de outros governos, havia manifesta incredulidade quanto às
possibilidades bélicas da Espanha. Os delegados peruanos em Londres rejeitaram a
proposta colombiana:
“Será possível que no momento em que a Espanha chegou ao último grau de miséria e
abatimento, quando está despedaçada pela fúria dos partidos e pela cobiça e fanatismo do
clero, desacreditada pela imbecilidade e crueldade do seu rei, degradada pela inépcia de
Ministros... obscuros, destituída de todos os elementos de vida, sem comércio, sem
exército, sem marinha... – será possível que se escolha esse momento para lhe propor
uma trégua, quando ela está em situação de nos pedir a paz?”4
As objeções do agente mexicano em Londres não foram menos
contundentes. Ao informar o governo do seu país acerca dos acontecimentos, dizia: “Este
mesmo projeto sugerido por todos os inimigos da liberdade pública foi estampado faz um
2
HEREDIA, Edmundo. Op. Cit., Loc. Cit.
3
REIS, Athur César F. As relações internacionais da América Latina nos séculos XIX e XX. Revista
Brasileira de Cultura. Rio de Janeiro, 3 (10), out./dez. 1771, pp. 9-37.
4
PERU. ARCHIVO DIPLOMÁTICO PERUANO. El Congreso de Panamá, 1930, p. 264.
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ano no diário da França intitulado Estrela, e não se concebe como pode adotá-lo o VicePresidente da Colômbia... Fico pasmo ao considerar a inoportunidade dessa medida.”5
De fato, a trégua só seria favorável à Espanha que, impotente naquele momento,
teria tempo para se refazer. A América espanhola, com exceção de Cuba e Porto Rico,
estava livre. A Inglaterra e os Estados Unidos haviam reconhecido os novos Estados, a
França preparava-se para fazer o mesmo e, ademais, esforçava-se em atrair a adesão da
Áustria e da Rússia ao seu propósito. O delegado mexicano em Londres, em carta escrita
ao seu governo na época em que se realizava o Congresso do Panamá, examinava os
fatos do seguinte modo:
“A França já está decidida a seguir os passos da Inglaterra e a pronunciar-se a favor de
nossa independência. [...] Depois de haver iniciado novas relações com os Estados
independentes da América... tem se esforçado em atrair ao sistema conciliatório a Áustria,
a Rússia e por conseguinte as nações subalternas da Alemanha que acabam de sacrificar
ao comércio suas preocupações aristocráticas.”6
2 – Posição dos Estados Unidos da América
Os Estados Unidos da América foram a primeira nação a reconhecer oficialmente a
emancipação das ex-colônias ibéricas. Costuma-se atribuir a esse fato uma importância
capital porque, somado à proclamação de Monroe, teria contribuído decisivamente para a
consolidação da independência e afirmação dos novos Estados perante o Mundo.
Versões da chamada história tradicional confirmam, seguidamente, tais pontos. Sem
contestar, propriamente, essas versões, vamos expor a seguir, resumidamente, alguns
acontecimentos relativos ao contexto histórico no qual se produziram os fatos
mencionados.
No início do século XIX, a população norte-americana em geral, e até mesmo as
autoridades, desconheciam por completo a América Latina. Em 1804, Thomas Jefferson
escreveu ao Barão Alexander von Humboldt, que passava pelos Estados Unidos a
caminho de Paris, vindo da América Espanhola (onde estivera entre 1799 e 1804): “Os
países que V. Sa. visitou são daqueles menos conhecidos e mais interessantes e se
sentirá, em geral, um intenso desejo de receber as informações que nos dará. Ninguém o
sentirá mais fortemente do que eu próprio.”7
Até o final do século XVIII, os contatos entre os Estados Unidos e as colônias
ibéricas eram raros, restringindo-se, praticamente, ao comércio de contrabando com
regiões limitadas. Navegantes e mercadores norte-americanos costumavam freqüentar os
portos de Havana, Nova Orleans e Valparaíso, este, na costa ocidental do continente sulamericano, usado como posto intermediário no comércio com o Extremo Oriente. Esse
comércio recebera grande impulso desde a ordem régia espanhola de 1797, admitindo
embarcações de nações neutras nos portos das colônias americanas, e continuaria a
crescer rapidamente, no período seguinte, não obstante as subseqüentes restrições
impostas pela política colonial espanhola.
5
MEXICO. ARCHIVO HISTORICO DIPLOMATICO. El Congreso de Panamá y algunos otros proyetos de
unión hispano-americana, 1926, p. 23.
6
Id., Ibid., p.25.
7
JEFFERSON, Thomas, apud Whitaker, Arthur Preston. Os Estados Unidos e a Independência da América
Latina. Belo Horizonte, Itatiaia, 1966, p. 3.
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5
Os mercadores norte-americanos vendiam à América espanhola produtos
manufaturados, da Europa e do seu próprio país, e gêneros alimentícios. Contudo, os
produtos internos dos Estados Unidos constituíam uma proporção mais que duas vezes
superior, nas exportações para a América Espanhola , do que para todas as outras
regiões com as quais aqueles mercadores comerciavam. Isto significava que a área
hispano-americana proporcionava aos produtores americanos um lucro muito maior que
outras.8 A invasão da Península Ibérica por Napoleão, em 1808, proporcionou aos
Estados Unidos vantagens comerciais ainda maiores na América espanhola.
Do ponto de vista político, entretanto, o governo americano não tirou proveito das
circunstâncias. Pelo contrário, na ocasião em que a paz foi restaurada na Europa, em
1815, os Estados Unidos haviam perdido terreno nesse campo, em relação ao período
anterior. Desde 1810, os estados Unidos vinham usando três tipos de agentes na América
Latina: agentes especiais, com missões específicas e de curta duração; agentes para
comércio e navegação, em portos que não aceitavam cônsules regulares, os quais, no
começo da Independência, vieram a adquirir papel quase diplomático; e os cônsules
regulares. Após 1815, restaurada a monarquia bourbonica na Espanha, o governo dos
Estados Unidos adotou uma posição neutra, em relação à guerra entre esta e suas
colônias americanas. Com isto, pretendia evitar qualquer reclamação formal da parte da
Espanha, colocando em risco questões pendentes entre aquele país e os Estados Unidos,
quanto a suas pretensões expansionistas, como a apropriação do Texas e a aquisição,
mediante compra, da Florida Oriental, além de outras.
Em declaração de neutralidade emitida em 1o. de setembro de 1815, o governo
norte-americano reconheceu o estado de beligerância dos insurretos, declarando que a
neutralidade requeria igual tratamento a ambos os contendores, e que mantivesse uma
atitude absolutamente imparcial em relação a eles. Contudo, a neutralidade, como foi
interpretada a seguir, permitia que os navios com as bandeiras dos países sublevados
usassem livremente os portos dos Estados Unidos, nas mesmas condições que outros
navios estrangeiros. Essa medida facilitava aos insurretos a aquisição de material bélico
neste país, o que passou a ser feito não apenas de particulares, mas também do próprio
governo dos Estados Unidos.
Durante algum tempo, entretanto, a diplomacia espanhola, aproveitando-se das
circunstâncias relativas às intenções expansionistas dos Estados Unidos, conseguiu que
o apoio do governo deste país à América espanhola fosse bastante restrito. Em 1817,
todavia, o Presidente Monroe, na sua primeira mensagem anual ao Congresso, reiterou a
neutralidade dos estados Unidos, mas declarou que “estes viam a contenda não como
uma ordinária insurreição ou rebelião, mas como uma guerra civil entre partes iguais e
que tinham direitos iguais na relação com os neutros.”9
Não obstante o governo ter expressado, nessa e em outras ocasiões, sua simpatia
pelos insurretos, não havia disposição para atitudes mais efetivas em relação aos fatos. A
discussão acerca do assunto no Congresso norte-americano duraria anos. Finalmente,
em 8 de março de 1822, o Presidente Monroe enviou uma mensagem ao Congresso
declarando que cinco dos estados hispano-americanos - Buenos Aires, Chile, Peru,
Colômbia e México - estavam em condições de serem reconhecidos, e solicitando ao
Congresso que aprovasse uma verba para aquele fim; ou seja, para fazer face às
despesas implicadas no envio e recepção de corpos diplomáticos, formalmente
8
Id Ibid., p. 19.
URRUTIA, Francisco José. Política internacional de la Gran Colombia. Bogotá, Editorial “El Gráfico”, 1941,
p. 26.
9
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nomeados. Entre aquele ano e 1826, os Estados Unidos reconheceram formalmente a
Independência dos cinco países mencionados, bem como da América Central (1824), que
se separara do México.
O perigo de uma interferência européia na América Latina, entretanto, não havia
desaparecido. Em novembro de 1823, o Embaixador russo nos Estados Unidos, em nota
oficial ao governo deste país, reiterou a orientação política adotada pela Santa Aliança,
afirmando que a intervenção européia seria realidade. Este pacto, também chamado
Concerto Europeu, firmara-se entre as principais monarquias européias em 1815, em
defesa do princípio de legitimidade dos reis.
O governo dos Estados Unidos via com temor a política expansionista da Rússia
que, àquela altura, além de tomar a direção da Europa Central e do Império Otomano,
parecia pretender incluir a América e, mais particularmente, regiões da América do Norte.
No decorrer das duas primeiras décadas do século XIX, bases e feitorias russas haviam
sido estabelecidas ao longo da costa continental americana, desde o Alasca até a
Califórnia.
Em tais circunstâncias, o governo norte-americano optou pela adoção de uma
política mais decidida de rejeição às pretensões européias. Em 25 de dezembro de 1825,
o Presidente Monroe dirigiu ao legislativo uma mensagem, na qual ficavam definidas as
grandes linhas de uma nova política, em relação ao conjunto do continente americano.
Era a proclamação da, assim chamada, Doutrina Monroe, ainda hoje, muito discutida.
A Doutrina consta de duas partes distintas, apresentadas separadamente na
mensagem. Na primeira, expressava-se o princípio da não-colonização: “os continentes
americanos, pela condição livre e independente que assumiram e mantêm, não devem,
doravante, ser considerados como sujeitos a futura colonização por quaisquer potências
européias.” A segunda parte contém a doutrina das duas esferas e a advertência à
Europa de que se mantivesse dentro de sua esfera:
“Nas guerras das nações européias, em matérias relacionadas a elas próprias, jamais
tomamos parte... Aos movimentos neste hemisfério estamos imediatamente mais ligados...
O sistema das nações aliadas [referência à Santa Aliança] é essencialmente diferente,
neste aspecto, do da América. Essa diferença procede da diferença que existe em seus
respectivos governos. [...] Devemos, portanto, em consideração às relações amistosas
existentes, entre os Estados Unidos e aquelas potências, declarar que consideramos
qualquer tentativa, da parte delas, de estender os seus sistemas a qualquer porção deste
hemisfério, como perigosa para a paz e a segurança das mesmas. Com as colônias
existentes ou possessões de qualquer nação européia não interferimos, nem
interferiremos. Com relação aos governos, todavia, que declararam a sua independência e
a mantiveram, e cuja independência, com grande consideração e princípios justos
reconhecemos, não poderíamos ver qualquer interposição com o propósito de oprimi-los,
ou de controlar seus destinos por qualquer outra forma, sob outra luz que não como
manifestação de uma disposição inamistosa, em relação aos Estados Unidos.”
Na América Latina, as discussões posteriores tenderam a atribuir à origem,
interpretação e aplicação da chamada Doutrina Monroe alcances intervencionistas. A este
respeito, deve-se dizer, de começo, que o próprio Bolívar, na época da convocação do
Congresso do Panamá, manifestou, em várias ocasiões, sua opinião contrária à idéia de
uma união americana que incluísse os Estados Unidos. Por exemplo, em maio de 1825,
escreveu ao Vice-Presidente da Colômbia, General Santander: “Os americanos do Norte
e os do Haiti, só por serem estrangeiros, têm o caráter de heterogêneos para nós. Por
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isso jamais serei de opinião que os convidemos para os nossos arranjos americanos.”10
Em outra ocasião, dizia a Santander: “Creio que nossa liga pode manter-se perfeitamente
sem tocar os extremos do Sul e do Norte.”11
Bolívar planejou o Congresso do Panamá como essencialmente hispanoamericano, e seu objetivo era promover a unificação da América espanhola. De acordo
com o plano original, os Estados Unidos não seriam convidados a participar do
Congresso. Entretanto, ao final de 1825, o convite foi-lhes estendido, por iniciativa de
Santander. Por outro lado, as instruções dadas pelo governo peruano aos seus
representantes no Panamá, por orientação do próprio Bolivar, denotam mais uma
disposição de solidariedade do que de zelo, em relação àquele país:
“Vocês procurarão fazer ao mundo uma enérgica e efetiva declaração, igual à do
Presidente dos Estados Unidos da América em sua mensagem ao congresso do ano
passado, sobre impedir qualquer desígnio posterior de colonização neste continente
pelas potências européias.”12
3- Relações com o Império brasileiro
Não período em que se desenvolveram os acontecimentos relativos ao processo
de Independência da América Latina, a grande extensão territorial do Brasil e, sobretudo,
seu regime monárquico de governo, contribuíram para que este país fosse visto por
alguns estadistas americanos como perigoso para os interesses das novas Repúblicas.
Somando-se a isso, certos fatos ocorridos no período serviram para aumentar as
diferenças já existentes: a ocupação do Uruguai e o episódio de Chiquitos – invasão da
província boliviana deste nome, por tropas brasileiras sediadas em Mato Grosso – este,
sem maiores conseqüências, mas que serviu para reforçar a tese de que o governo
brasileiro agia a serviço das monarquias européias, representando, portanto, um perigo
permanente para os interesses do Novo Mundo.
Do movimento de emancipação desenvolvido no Brasil na mesma época, pouco ou
nada se sabia. O que podia ser percebido, principalmente, era a repressão às iniciativas
separatistas, levada a efeito pela Corte portuguesa sediada em nosso país, na fase de
Reino Unido (entre 1908 e 1922), e depois da independência, pelo governo imperial
brasileiro. Do ponto de vista liberal de certas lideranças hispano-americanas, a reação
contrária à possibilidade de libertação de novas nações, dentro do quadro brasileiro,
parecia colaborar para a confirmação da tese de que os fins da Monarquia brasileira
coincidiam com os das cortes européias.
Em certas ocasiões, entretanto, o ideal de solidariedade continental pareceu
suplantar as diferenças existentes. Em 1806, o precursor venezuelano da independência
latino-americana, Francisco de Miranda, pensava em começar pelo Brasil o movimento de
independência no Continente, chegando mesmo a apresentar ao governo inglês um plano
10
11
12
BOLIVAR, Simón. Obras Completas. Havana, Editorial Lex, 1947, Tomo I, p. 1008.
Id. Ibid., Tomo I, p. 1097.
FINOT, Enrique. Bolívar Pacifista. New York, L. & S. Printing co., 1936, p. 180-181.
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neste sentido. Mais tarde, rebeldes do grupo de Bolívar tentaram seduzir tropas
brasileiras localizadas na fronteira com a Venezuela.13
A atitude de Bolívar, entretanto, era de clara desconfiança em relação ao Brasil,
como demonstra uma sua carta ao General Sucre, oficial colombiano responsável pela
libertação da Bolívia, de janeiro de 1925:
“... pelas notícias que vêm da Europa e do Brasil sabemos que a Santa Aliança trata de
favorecer o imperador do Brasil com tropas para subjugar a América espanhola... Também
é sabido que os espanhóis do Peru haviam entrado em relações com o imperador do Brasil
a fim de entrar no grande projeto de subjugação geral, aderindo entre si aos princípios
monárquicos.”14
A militância anti-brasileira era intensa nas zonas fronteiriças do sul do continente,
na região do Rio da Prata. Até 1825, a questão com Buenos Aires acerca da Banda
Oriental (hoje, Uruguai) tinha sido a principal responsável pela rivalidade entre lusobrasileiros e hispano-americanos. Naquele ano, a tensão alcançou o seu mais alto nível,
com o episódio de Chiquitos. Foi grande a repercussão desse incidente nos meios
diplomáticos da América espanhola, como exemplifica uma correspondência do governo
de Lima aos seus representantes no Panamá, de julho de 1825:
“... se inteirarão Vossas Senhorias do atentado cometido pelo Comandante das tropas
brasileiras de Mato Grosso, introduzindo-se com violência, e com infração escandalosa
das Leis que regem as Nações no território de Chiquitos. Esta agressão cometida... dá
margem a abundantes e muito graves suspeitas que convém esclarecer em tempo para
evitar que se repitam outras semelhantes...”15
O incidente foi explorado por Buenos Aires que enviou uma delegação até a
presença de Bolívar, a fim de propor que este participasse de uma ação conjunta contra o
Brasil. Bolívar nutria sérias restrições em relação à Monarquia brasileira, havendo tratado
de disseminar suas desconfianças entre os demais governos hispano-americanos,
naquela fase, de modo quase sistemático. Quanto ao envolvimento direto da Grande
Colômbia nas guerras do Prata, todavia, antes de tomar posição, buscou saber a opinião
oficial da Inglaterra a respeito da questão. Em novembro de 1825, George Canning,
Secretário de Estado para Assuntos Estrangeiros da Inglaterra, dirigiu-lhe
correspondência nos seguintes termos:
“O equilíbrio manifestado por Vossa Excelência no negócio de Chiquitos deu destacada
prova da sinceridade de Vossa Excelência. O Governo britânico emprega toda espécie de
esforços para levar o Brasil e Buenos Aires à reconciliação, e para dar conhecimento ao
Gabinete do Rio de Janeiro sobre o risco que expõe com a guerra a felicidade de seus
vizinhos e a segurança do próprio império brasileiro.”16
Ocorria, entretanto, que a posição do Brasil era favorável aos insurretos hispanoamericanos. Por contraditório que possa parecer, mesmo na fase anterior à
Independência, sendo o Brasil governado por um monarca europeu, manifestavam-se
claramente, no seu meio diplomático, opiniões nesse sentido. Veja-se, a título de
13
Sobre esses pontos, ver REIS, Arthur César F. A independência do Brasil no processo de descolonização
das Américas. Carta Mensal. Rio de Janeiro, 17 (213), dez. 1972, pp. 3-15.
14
BOLIVAR, Simón, apud Nestor dos Santos Lima. A imagem del Brasil em las cartas de Bolivar. Revista de
la Sociedad Bolivariana de Venezuela. Caracas, vol. XXXIV, No. 114, julho de 1977, p. 61-62.
15
16
PERU. ARCHIVO DIPLOMÁTICO PERUANO. Op. Cit., p. 11.
URRUTIA, Francisco José. Op. Cit., p. 64-65.
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Grupo 4 – Globalização e expansão metropolitana
9
exemplo, trechos de documentos datados, respectivamente, de 1818 e 1819, observandose, no último, a proposição de um plano para a criação da, aí denominada, Liga
Americana:
- “Os negócios de Montevideu tem tomado cá na Europa hum tom, não sei se muito mais
sério que ahi se pensa. A Rússia quer por força a titulo de ajuda de custo apossar-se
d’alguma Colônia Hespanhola e por isso vae com pretexto de adjuctorio com os
hespanhois... Eu não sei o que o Sr. Conde de Palmella fará... De modo algum provocar os
Revolucionários de Buenos Ayres contra nós. Pois o maior paradoxo político que hoje se
possa imaginar he haver quem queira suppor que o vasto Continente da América do Sul se
tornará ainda colônia da Europa.”17
- “... em caso de se incluir esta Liga Americana, composta dos Estados Unidos, do Reino
ou Estado independente do México, do Brasil, do Reino Americano Meridional, e de outros
Estados Soberanos, porém menores, conforme convier à vista da carta geographica...
como poderá qualquer Nação da Europa conservar Colonias na América sem que a Liga
Americana lhe permitta?”18
Três anos depois, em maio de 1822, José Bonifácio, então ministro dos Negócios
Estrangeiros do Príncipe regente, tentaria colocar em prática o programa mencionado
acima. Nas instruções dadas ao cônsul do Brasil em Buenos Aires, recomendava:
“Depois que V. Mcê tiver habitualmente persuadido que os interesses deste Reino são os
mesmos que os de outros Estados deste Hemispherio... lhes prometterá da parte de V. A.
R. o reconhecimento solemne da Independência política... e lhes exporá as utilidades
incalculaveis que podem resultar de fazerem uma Confederação ou Tratado offensivo e
deffensivo com o Brasil, para se opporem com outros Governos da América aos cerebrinos
manejos da política Européia.”19
4- A Grande Conferência
2.1- Unidade americana, idéia recorrente
Francisco Miranda, precursor do movimento de independência da América Latina,
foi o primeiro líder revolucionário a anunciar a identidade “espiritual” da América. Em
1790, apresentou ao Gabinete inglês um plano para libertar a América, no qual reunia
todas as divisões administrativas criadas pela Espanha, desde o Mississipi até o Cabo
Horns, formando uma única nação. Esse vasto Estado seria governado por um novo Inca,
simbolizando a raça e o passado e, ao mesmo tempo, um novo império fraternal. A partir
de 1797, Miranda fundou diversas lojas e sociedades secretas, congregando indivíduos
de diferentes regiões da América, a fim de que, em conjunto, agissem em prol da
libertação geral.
As juntas governativas “fidelistas” – assim chamadas porque, inicialmente,
declaravam-se fiéis à autoridade do rei deposto, Fernando VII (portanto, livres da
dominação do governo francês estabelecido na Espanha) –, instituídas em várias partes
da América espanhola, a partir de 1810, estavam impregnadas da idéia federativa. A junta
17
LYRA, Heitor. Ensaios Diplomáticos. São Paulo, Monteiro Lobato & c. – Editores, 1922, p. 175-176.
18
Id. Ibid., p. 182.
19
Id., Ibid., p. 184.
RII – VIII Seminário Internacional
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de Caracas, por exemplo, logo depois de sua constituição, em abril de 1810, dirigiu uma
circular às autoridades das demais regiões da América, incitando-as a se libertarem e, ao
mesmo tempo, convidando-as a contribuir para a obra da confederação americana. A
junta de Buenos Aires e o Cabildo de Santiago tiveram, desde o primeiro momento, laços
bastante estreitos, disto resultando a empresa de libertação do Chile, levada a efeito sob
o comando do general argentino José de San Martin.
Na fase inicial do movimento de emancipação, escritores e ideólogos de diversas
nacionalidades foram os principais sustentadores da idéia de uma confederação
americana. Entre eles, alguns nomes são ainda hoje conhecidos; por exemplo: Cecílio Del
Valle e Pedro Molina, da América Central; Juan Martinez de Rozas e Juan Egaña, do
Chile; José Manuel Pando, do Peru. Martinez de Rozas publicou em Santiago, em 1810,
um Catecismo político americano, no qual recomendava que, a exemplo das ex-colônias
inglesas, as colônias espanholas constituíssem uma confederação de Estados, capaz de
rechaçar a dominação estrangeira. Juan Egaña, por seu lado, redigiu uma Declaração de
direitos do povo do Chile, em que propugnava a reunião de um Congresso geral, com
participação de representantes de todos os governos da América, para definir a forma de
união entre eles.20 No Brasil, o plano de se criar uma Liga Americana datou-se de 1819.
Seu autor foi Rodrigo Pinto Guedes, figura influente, na época, nos meios político e
diplomático brasileiros.21
De modo geral, os planos de união americana podem ser reunidos em dois grupos:
de um lado, os que propugnavam a formação de um único Estado hispano-americano; de
outro, os que pretendiam a união de Estados livres, sob a forma de uma Confederação de
nações, as quais conservariam completa soberania quanto aos seus assuntos internos,
perdendo-a apenas em relação à política internacional. No primeiro grupo, destaca-se o
plano de criação de um Império sul-americano, desde o rio Orenoco até Potosi, cujo maior
defensor foi José Manuel Pando. Os do segundo grupo assemelham-se, em suas linhas
gerais, ao projeto de Simón Bolivar, do qual resultou o Congresso do Panamá, reunido em
1826.
Muito embora diversos políticos e estadistas latino-americanos tivessem
compreendido a necessidade de coesão e solidariedade entre os povos latinoamericanos, Bolívar foi quem deu forma e procurou converter em realidade esse
propósito, devendo-se a ele a iniciativa e o empenho no sentido da realização da primeira
conferência de nações americanas, o Congresso do Panamá: “Os que têm recorrido ao
pensamento de Bolívar têm observado a insistência, levada até a obsessão, nesse
propósito de união continental, presente em todas as suas meditações políticas, públicas
e privadas, desde 1815...”22
Já em 1810, tendo sido enviado em missão à Inglaterra pela junta de Caracas, a
fim de obter apoio à causa da independência, Bolívar declarou ao Morning Chronicle:
“Tampouco descuidarão [os venezuelanos] de convidar a todos os povos da América para
que se unam em confederação.”23 Em 1815, na sua célebre Carta da Jamaica, Bolivar
explicava, pela primeira vez, o seu projeto:
20
BARRENECHEA, Raul Porras. El Congreso de Panamá (1826). Lima, Imprenta “La Opinión Nacional”,
1930, p. 1.
21
LYRA, Heitor. Op. Cit. p. 182
22
BARRENECHEA, Raul Porras. Op. Cit. p. 7.
23
FINOT, Enrique. Op. Cit. p. 79.
RII – VIII Seminário Internacional
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“É uma idéia grandiosa pretender formar de todo o Novo Mundo uma só nação, com um só
vínculo que ligue suas partes entre si e com o todo. Já que têm a mesma língua, costumes
e religião, deveriam... ter um mesmo governo que confederasse os diferentes Estados que
haverão de se formar; mas não é possível, porque climas remotos, situações diversas,
interesses opostos, caracteres dessemelhantes dividem a América. Que belo seria se o
Istmo do Panamá fosse para nós o que foi o de Corinto para os gregos! Oxalá que algum
dia tenhamos a fortuna de instalar ali um augusto Congresso de representantes das
repúblicas, reinos e impérios, a tratar e discutir sobre os altos interesses da paz e da
guerra com as nações de outras partes do mundo!”24
4.2- Gestões de Simón Bolívar e reação dos Estados
Em 1818, Bolívar apresentou sua idéia, pela primeira vez oficialmente, a um
governante latino-americano. Dirigiu-se em carta a Juan Pueyrredon, Diretor Supremo das
Províncias Unidas do Rio da Prata, propondo-lhe a união de ambos os países e a
constituição de uma grande federação americana:
“Logo que o triunfo das armas da Venezuela complete a obra de sua independência, ou
que circunstâncias mais favoráveis nos permitam comunicações mais freqüentes e
relações mais estreitas, nós nos apressuraremos com o mais vivo interesse a entabular
por nossa parte o Pacto Americano, que formando de todas as nossas repúblicas um
corpo político, apresente a América ao Mundo com um aspecto de majestade e grandeza
sem exemplo nas nações antigas.”25
Em 1821, escreveu ele a Iturbide, governante do México: “[que] o México e a
Colômbia apresentem-se unidas pela mão e ainda mais pelo coração. [...] No mal a sorte
nos uniu; o valor nos tem unido na desgraça; e a natureza desde a eternidade nos deu um
mesmo ser para que fossemos irmãos...”26
O primeiro passo efetivo para a realização do Congresso do Panamá foi dado pela
Colômbia em 1822, enviando plenipotenciários ao México, Peru, Chile e Províncias
Unidas do Rio da Prata. Veja-se um trecho das instruções que receberam: “Nada
interessa tanto neste momento como a formação de uma liga verdadeiramente
americana. Esta confederação não deve ser formada simplesmente sobre os princípios de
uma aliança ordinária para ataque e defesa: deve ser muito mais estreita do que a que
está sendo formada ultimamente na Europa contra a liberdade dos povos.”27
No Peru, o enviado colombiano obteve pleno êxito. Em julho de 1822, firmaram-se
dois tratados entre esse país e a Colômbia: um primeiro, de união, liga e confederação
perpétua; e um outro, especial, relativo à reunião da Assembléia do Panamá. Em outubro
daquele mesmo ano, o Governo do Chile firmou com o agente colombiano tratados
semelhantes aos do Peru.
Em Buenos Aires, o Governo recusou-se a subscrever o pacto relativo à
assembléia e confederação, limitando-se a firmar um sintético tratado de amizade, em
maio de 1823. O México firmou com a Colômbia, em outubro daquele mesmo ano,
tratados semelhantes aos celebrados por esta com o Peru e o Chile. Em 1825, a América
24
LEUCHSENRING, Emilio Roig de. Bolivar, el Congreso Interamericano de Panamá, em 1826, y la
Independencia de Cuba y Puerto Rico. Havana, Oficina del Historiador de la Ciudad, 1956, p. 97.
25
O’LEARY, Daniel Florencio. El Congreso Internacional de Panamá en 1826. Madrid, Editorial América,
1920, p. 84-85.
26
MÉXICO, Op. Cit., p. 6
27
FINOT, Enrique, Op. Cit., p. 79
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Central, recém separada do México, firmava com a Colômbia um tratado de aliança e
amizade.
Mesmo depois de ter obtido a adesão de vários Governos americanos, Bolívar
perseverou no seu empenho e em sua propaganda, utilizando, para isso, folhetos
doutrinários, artigos em periódicos e notas de chancelaria. Por fim, em 7 de dezembro de
1824, achando-se em Lima, Bolívar lançou uma circular, mais tarde tornada famosa,
convidando os países da América para o Congresso do Panamá. Vejam-se alguns
trechos daquela nota:
“Depois de quinze anos de sacrifícios consagrados à liberdade da América..., já é tempo
de os interesses e as relações que unem entre si as repúblicas americanas..., terem uma
base fundamental que eternize, se for possível, a duração desses governos.
“Entabular aquele sistema e consolidar o poder desse grande Corpo Político pertencerão
ao exercício de uma autoridade sublime, que dirija a política de nossos Governos... Tão
respeitável autoridade não pode existir senão em uma Assembléia de plenipotenciários...
“Se o mundo houver de eleger sua capital, o Istmo do Panamá parece o ponto indicado
para este augusto destino, colocado como está no centro do Globo, vendo por um lado a
Ásia e por outro a África e a Europa... O Istmo está a igual distância das extremidades, e
por esta razão poderá ser o lugar provisório da primeira Assembléia dos confederados.”28
A convocação foi dirigida por Bolívar aos Governos do México e da Colômbia. Na
ocasião, achando-se ele no comando do exército que, no Peru, ainda lutava contra forças
espanholas, era ele também o chefe de Governo daquele país. Mais tarde, a convocação
foi dirigida ao Conselho de Governo do Peru, que exercia o poder na sua ausência. Em
seguida, o Peru estendeu o convite às repúblicas do Chile, Rio da Prata e América
Central.
Os governos da Colômbia – representado pelo Vice-Presidente Santander – e do
México, por seu lado, convidaram os Estados Unidos. A Colômbia convidou, ainda, a
Inglaterra, país com o qual Bolívar aspirava firmar uma aliança defensiva. Para desfazer
os receios do Gabinete britânico de que as Repúblicas hispano-americanas viessem a
adotar uma política de hostilidade à Monarquia instaurada no Brasil, estendeu o convite a
este país.
O governo colombiano, mediante a pessoa de seu Vice-Presidente, colaborou
intensamente para tornar possível a realização do Congresso do Panamá, desenvolvendo
uma sistemática ação diplomática. Apesar do resultado desfavorável das primeiras
negociações com o Rio da Prata, Santander deu novas instruções ao encarregado de
negócios colombiano em Buenos Aires, no sentido de procurar persuadir aquele Governo
da utilidade de enviar plenipotenciários ao Panamá. Fez iguais proposições ao Imperador
do Brasil, por intermédio dos representantes da corte imperial em Washington e Londres.
Deu também ordens ao ministro da Colômbia nos Estados Unidos para que sondasse as
intenções daquele governo acerca da Assembléia e, caso esse estivesse disposto a
apóia-la, estendesse-lhe o convite para:
“... enviar plenipotenciários ao Panamá que, em união com os da Colômbia e seus aliados,
concertem medidas eficazes para resistir a toda colonização estrangeira no continente
americano e a ampliação dos princípios de legitimidade aos Estados americanos em
geral.”29
28
BOLIVAR, Simón. Op. Cit. Tomo I, p. 1012. Este documento tem sido reproduzido por vários autores e faz
parte de diversas coleções de documentos.
29
O’LEARY, Daniel. Op. Cit.,p. 99
RII – VIII Seminário Internacional
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Durante os preparativos para a reunião do Congresso do Panamá, o ministro inglês
George Canning procurava sondar do delegado colombiano em Londres quais eram as
verdadeiras intenções de seu governo. Na Europa, temia-se que o Congresso fosse tornar
proscrita a monarquia na América, e fosse propagar exagerados princípios de liberdade.30
Os temores de Canning só se desvaneceram depois que o delegado colombiano
assegurou-lhe que: “... esta Assembléia não se propunha a outro fim que manter em
comum a independência...” Continuando sua argumentação, disse a Canning que: “... não
se podia dar melhor prova de respeito pelas instituições de outros povos, que admitir
indiferentemente monarquias e repúblicas em seu seio.” A minuta dessa conferência entre
o Representante colombiano e o Ministro inglês registra:
“Mr. Canning aplaudiu este plano, e havendo-lhe eu [o delegado colombiano] comunicado
a resolução do Brasil, de enviar seus Plenipotenciários ao Panamá, disse-me que a Grã
Bretanha havia feito uso de toda sua influência com o Imperador para que ele decidisse
esse passo.”31
Bolívar não se manifestou a respeito da inclusão do Brasil entre os convidados
para o Congresso do Panamá, mesmo porque isto havia sido uma imposição do Gabinete
britânico, ao qual não se desejava contrariar. Sabe-se, no entanto, que da mesma forma
que os americanos do norte e os do Haiti, os habitantes do Brasil eram por ele
considerados estrangeiros. A opinião de Bolívar acerca de uma união com os Estados
Unidos sofreu várias flutuações, dependendo das marchas e contra-marchas da política
internacional. Por exemplo, em abril de 1825, escreveu a Santander: “A federação com os
Estados Unidos vai nos comprometer com a Inglaterra, porque os americanos são os
únicos rivais dos ingleses, com relação a América.”32 Não obstante seus temores, Bolívar
não desaprovou a iniciativa de Santander de convocar os Estados Unidos. Em 1826,
escreveu a Ravenga, Ministro das relações exteriores da Colômbia, a respeito do assunto:
“Alegro-me que os Estados Unidos mandem enviados ao Istmo, seja como for.”33
Poder-se-ia esperar que os governos americanos não hesitariam em acolher
favoravelmente a idéia de uma solidariedade defensiva para a guerra contra as potências
colonizadoras e de um pacto moral pela paz e liberdade, que eram as duas principais
bandeiras do Congresso do Panamá. Entretanto, nem todos os países acolheram a
convocação para a grande Assembléia com igual entusiasmo, havendo mesmo quem
visse com desconfiança aquela iniciativa.
O governo da Colômbia foi o que maior esforço despendeu no sentido da
realização do Congresso do Panamá. Como já foi dito, aquele país já havia firmado
tratados com vários outros países, que poderiam ser considerados como preliminares da
Confederação, e tão logo recebeu a circular de Bolívar, tomou todas as iniciativas
necessárias para tornar realidade o Congresso do Panamá: deu instruções a seus
Agentes em Buenos Aires, Londres e Washington, para que fizessem proposições
àqueles governos para que enviassem Plenipotenciários ao Panamá; fez igual proposição
ao Brasil; convidou a América Central, logo que sua independência foi reconhecida; além
de outras.
Os Plenipotenciários nomeados pelo Governo colombiano para o Congresso do
Panamá foram os venezuelanos Pedro Gual e Pedro Briceño Mendez, ambos fiéis
adeptos de Bolívar. As instruções que lhes foram dadas por Ravenga, Ministro das
30
Id. Ibid., p. 110.
VELARD, Fabian e ESCOBAR, Felipe. Op. Cit., p. 51.
32
FINOT, Enrique. Op. Cit, p.109.
33
Id. Ibid., p. 111.
31
RII – VIII Seminário Internacional
Grupo 4 – Globalização e expansão metropolitana
14
Relações Exteriores, traduzem também as idéias de Bolívar. Depois de uma longa
exposição sobre os objetivos que o Governo da Colômbia procurava alcançar com a
convocação do Congresso e sobre os meios mais eficazes para atingir esses objetivos,
sobre as vantagens de uma política de união e solidariedade entre as Nações americanas
e sobre os perigos e desvantagens de uma política contrária, as instruções terminavam da
maneira seguinte:
“De tudo que lhes foi dito, anteriormente, deduz-se que a missão de vocês no Panamá
concentra-se nos seguintes pontos: 1o. Renovar o Pacto de União, Liga e Confederação;
2o. Fixar o contingente de forças terrestres e marítimas da confederação; 3o. Fazer uma
declaração ou manifesto dos motivos e objetivos da Assembléia do Istmo; 4o. Acertar os
nossos negócios mercantis; 5o. Detalhar os direitos e funções dos Cônsules respectivos;
6o. A abolição do tráfico de escravos da África e declarar os praticantes de tão horrível
comércio incursos em crime de pirataria internacional.”34
O Conselho de Governo do Peru, por indicação de Bolívar, designou como
Plenipotenciários na grande Assembléia, Manuel Lorenzo de Vidaurre e José Maria de
Pando. Depois, em maio de 1826, Pando foi chamado para ocupar o Ministério de
Relações Exteriores, sendo designado para o seu lugar Manuel Pérez Tudela. As
instruções recebidas pelos Delegados peruanos, em maio de 1825, coincidiam, quase
textualmente, com as recebidas pelos Plenipotenciários colombianos. Essas instruções
tinham sido elaboradas sem que se levassem em conta os interesses do Peru. Assim,
depois que José Pando assumiu a pasta das relações exteriores, novas instruções foram
transmitidas aos Plenipotenciários peruanos na Assembléia Geral.
Embora fosse fiel adepto de Bolívar, Pando era peruano. Ao Peru, interessava
contrair uma aliança simplesmente defensiva com os demais Estados americanos. O
esgotamento do país o impedia fornecer contingentes em operações de ataque. Segundo
as novas instruções, caso a Colômbia necessitasse de auxílio para empresas ao norte de
seu território - alusão, por certo, aos casos de Cuba e Porto Rico -, o Peru ofereceria
contribuição em dinheiro. Por outro lado, não interessava ao Peru que a questão de
limites fosse tratada no evento do Panamá, quando, se suspeitava, o arbítrio seria
colombiano. Com efeito, já nessa época a questão de fronteiras entre os dois países
começava a se apresentar como motivo de conflitos entre aqueles dois povos. Gual e
Briceño Mendes manifestaram ao Governo colombiano, em abril de 1826, seu
descontentamento com as mudanças ocorridas:
“... semelhantes alterações na conduta de um Governo que deve sua existência... ao da
Colômbia, nos surpreendeu ao extremo. Elas [as novas instruções] destruíram
completamente a base de nossas operações que consistia na perfeita unidade de
princípios... entre os plenipotenciários daquela república e da nossa.”35
Na época da convocação do Congresso do Panamá, o Chile atravessava uma
situação muito difícil. Desde a queda do Governo de O’Higgins, as dissensões civis
ameaçavam levar o país ao caos. Ainda assim, o General Freire, que nominalmente
exercia a autoridade suprema da nação, aceitou o convite, acreditando que em pouco
tempo obteria condições para o envio de delegados ao Istmo, o que não veio a ocorrer.
São suas as declarações a seguir:
“[O Congresso do Panamá] prometia assegurar... a liberdade da América, consolidar suas
instituições e dar imenso peso de opinião... àquelas nações que, isoladas, eram
insignificantes... Estas considerações e a obrigação de cumprir seus compromissos
34
35
O’LEARY, Daniel. Op. Cit., p. 101-103.
BARRENECHEA, Raul Porras. Op. Cit ., p. 45.
RII – VIII Seminário Internacional
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obrigavam o Chile a mandar seus representantes...; porém a falta de autoridade legislativa
que sancionasse esta medida causaria alguma demora...”36
As Províncias Unidas do Rio da Prata foram convidadas para o Congresso do
Panamá pela junta de governo do Peru. Em agosto de 1825, em resposta ao convite
peruano, o então presidente Las Heras comunicava que havia submetido o assunto à
consideração do Congresso. Todavia, aquele Governo, do mesmo modo como havia
ocorrido antes, não apresentava qualquer disposição para confederar com os países
libertados por Bolívar, e, bem assim, de se fazer representar no Panamá.
Ao apresentar ao Legislativo o projeto de lei autorizando o envio de
Plenipotenciários ao Istmo, Las Heras declarava que: “... as razões que tinham induzido a
administração anterior a negar seu assentimento à proposição não haviam perdido nada
de sua força...”37 O Congresso, ao que parece, discordava, pelo menos em parte, das
idéias do Presidente, tanto que aprovou, sem reservas, o envio de plenipotenciários ao
Istmo. Ainda assim, a designação de representantes para o Congresso do Panamá não
se efetivou.
Diferentemente disto, o México e a América Central aceitaram o convite feito pela
Colômbia e nomearam, sem maiores delongas, os seus plenipotenciários. Pedro Molina e
Antonio Larrazábal foram nomeados para representar a América Central. Cabe aqui
lembrar que Molina foi um dos precursores da independência da América espanhola,
havendo contribuído para isto, sobretudo, com seus escritos.
Os delegados mexicanos foram José Dominguez Manso e José Mariano de
Michelena. As instruções que receberam baseavam-se nos seguintes pontos:
“1o. Sustentar a Independência comum em relação a toda potência estrangeira; 2o.
Sustentar também a [autonomia] interior de cada Estado e sua respectiva integridade; 3o.
Sustentar as formas republicanas; 4o. Não admitir colonização por Nação estrangeira em
parte alguma dos territórios das partes contratantes; 5o. Fixar os princípios gerais em que
há de descansar o direito público americano, tanto a respeito dos novos Estados, como em
relação a Potências estrangeiras; 6o. Formar o projeto do plano geral para a defesa
comum e particular de cada Estado que seja ameaçado por Potência estrangeira: formar
também os pressupostos gerais, determinar contingentes, e designar os demais meios...
para se atingir esses objetivos.”38
O governo do Brasil aceitou o convite feito pela Colômbia, através do seu Ministro
na Inglaterra. Este, dirigiu ao Plenipotenciário colombiano em Londres uma nota nos
seguintes termos:
“Cumpro hoje o grato dever de anunciar-vos que o Imperador meu Augusto Soberano, ao
ter conhecimento da nota que me dirigisteis em 7 de junho último, quis aceitar o convite
formal que o Governo Colombiano fez para que o Brasil associasse aos demais Estados
Americanos... A política do Imperador, tão diferente e generosa como é, estará sempre
pronta a contribuir para o repouso e glória da América, e tão logo que a negociação
relativa ao reconhecimento do Império seja concluído honrosamente... enviará um
Plenipotenciário ao Congresso para tomar parte nas deliberações de interesse geral, que
sejam compatíveis com a estrita neutralidade que guarda entre os Estados beligerantes da
América e Espanha.”39
36
O’LEARY, Daniel. Op. Cit., p. 106.
Id. Ibid., p.107
38
MEXICO. ARCHIVO HISTORICO DIPLOMATICO. Op. Cit., p. 9.
39
VELARD, Fabian e ESCOBAR, Felipe. Op. Cit. P. 51-52.
37
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A Colômbia reconheceu, em seguida, a Independência do Brasil, nomeando, então,
um Ministro para o Rio de Janeiro. Em janeiro de 1826, o Imperador nomeou o
Comendador Theodoro Biancardi para Plenipotenciário brasileiro no Congresso do
Panamá. Conquanto não sejam conhecidas as instruções dadas a Biancardi, o Decreto
que o nomeou parece definir a posição do Governo Imperial em relação à Assembléia do
Istmo:
“Desejando satisfazer ao convite que me fizera o Governo da Colombia... para que eu
houvesse de tomar parte no congresso que se deve reunir em Panamá... concordando nos
verdadeiros princípios de suas relações políticas entre si, tendo a devida attenção aos
legítimos e bem entendidos interesses das Potencias Européias, e geralmente das outras
partes do mundo civilisado, segundo a forma dos seus governos...”40
O Brasil não concorreu, todavia, ao Congresso do Panamá. Acredita-se que
Biancardi tenha deixado de seguir viagem em decorrência de uma “indiscrição antimonárquica do Plenipotenciário colombiano em Washington.”41
O Governo dos Estados Unidos nomeou como representantes ao Panamá o
Embaixador norte-americano na Colômbia, Richard C. Anderson, e John Sergeant, este,
ex-membro do Congresso pela Pensilvânia. Ao submeter o assunto à confirmação do
Senado, o Presidente Adams afirmava que o propósito da missão ao Panamá “não era
contratar alianças, nem se comprometer com qualquer tentativa ou projeto que
importasse em hostilidade com qualquer outra nação”.42
No Senado, foram muitas as objeções levantadas à missão no Panamá. Em
primeiro lugar, a Independência de Cuba e Porto Rico era um ponto de total discordância
entre os Estados Unidos e os que, na América Latina, tinham pretensões nesse sentido.
Por outro lado, havia concordância geral em que aquele país deveria conservar a sua já
tradicional neutralidade entre partes em litígio e abstenção de alianças comprometedoras.
Outras objeções procediam de fontes diferentes, como, por exemplo, da determinação de
certos líderes escravistas, de impedir que os Estados Unidos participassem de uma
conferência onde seriam adotadas medidas anti-escravistas. Embora a missão tenha
sido, afinal, aprovada, isto veio a ocorrer tão tardiamente que teve o efeito de uma recusa.
Os Delegados norte-americanos não conseguiram chegar a tempo à grande Conferência
do Panamá.
O Gabinete da Grã-Bretanha, em acolhimento ao convite feito pela Colômbia,
dirigiu ao Governo daquele país uma nota na qual ficava bem definida a posição britânica
em relação às discussões a serem levadas a efeito no Congresso do Panamá:
“O comissionado de Sua Majestade no Panamá não tomará parte de maneira alguma nas
deliberações dos países americanos recentemente nascidos à vida independente, mas
velará pelos interesses da Grã-Bretanha em suas relações com aqueles Estados, e
coadjuvará, quando se solicite sua ajuda, nas deliberações..., desde que essa ajuda seja
compatível com a posição neutra... a respeito das relações entre aqueles países
americanos e a Espanha.”43
O Governo britânico designou Edward Dawkins para estar presente nas sessões do
Congresso do Panamá, a quem George Canning forneceu longas e detalhadas
40
RIO DE JANEIRO. ARQUIVO HISTÓRICO DO ITAMARATY. Colleção das Leis do Império do Brasil de
1826, p. 6-7.
41
GUIMARÃES, Argeu. Diccionario Bio-Bibliographico Brasileiro de Diplomacia, Política Externa e Direito
Internacional. Rio de Janeiro, Edição do Autor, 1938, p. 71.
42
WHITAKER, Arthur P. Op. Cit., p. 390.
43
VELARD, Fabian e ESCOBAR, Felipe, Op. Cit., p.57.
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17
instruções, a respeito da conduta que deveria observar no decorrer do evento. Em
primeiro lugar, considerada a possibilidade de que viesse a ser ali discutido o futuro de
Cuba e Porto Rico, o documento expressava, categoricamente, a oposição britânica a
qualquer empresa militar dos países hispano-americanos contra os governos espanhóis
daquelas ilhas. Canning entendia que uma ação dessa natureza provocaria a intervenção
armada dos Estados Unidos para impedi-la, o que, por sua vez, produziria a ruptura do
equilíbrio antilhano, já que a França, assim como a própria Inglaterra, acudiriam em
defesa de seus patrimônios coloniais.
Os delegados peruanos foram os primeiros a chegar ao Istmo, em junho de 1825.
Em dezembro chegaram os colombianos. A delegação da América Central chegou em
março de 1826. Por último, os representantes do México chegaram em junho. Um dos
delegados norte-americanos, Richard Anderson, que se achava a caminho do Istmo,
morrera em Cartagena.
O atraso da delegação mexicana constituiu para as representações presentes no
Istmo motivo de estranheza. Circulavam rumores de que o México demorava a enviar
seus representantes porque planejava antes invadir Cuba e acertar separadamente a paz
com a Espanha. Outros pontos contribuíram para o estabelecimento de um clima de
desconfiança entre as delegações, no decorrer dos meses que antecederam a instalação
oficial do Congresso, entre eles, a anunciada participação do enviado inglês, a cujo
Governo a Colômbia havia proposto uma aliança em bases consideradas por alguns
como não satisfatórias.
4.3 – A proteção britânica
Logo depois de convidar a Inglaterra para o Congresso do Panamá, Santander
ordenou ao Ministro de Relações Internacionais da Colômbia que propusesse a Canning
uma aliança ofensiva e defensiva entre a Grã-Bretanha e a Confederação. Conquanto
Santander e Bolívar houvessem entrado em acordo a respeito da conveniência de se
conseguir a proteção britânica para a Confederação, este temia pelos resultados de
envolver demasiado um país poderoso como a Inglaterra nos assuntos da América. Em
fevereiro de 1826, escreveu a José Rafael Ravenga, titular da pasta de relações
exteriores da Colômbia e seu amigo pessoal:
“Por agora me parece que nos dará uma grande importância e muita respeitabilidade a
aliança da Grã-Bretanha, porque debaixo de sua sombra poderemos... nos fortalecer para
apresentarmo-nos entre as nações com o grau... de poder necessário a um grande povo.
Porém essas vantagens não dissipam os temores de que esta poderosa nação seja no
futuro soberana dos Conselhos e decisões da Assembléia.” 44
O projeto de se colocar a união continental sob a proteção da Inglaterra foi
sintetizada por Carlos Villanueva em dez pontos:
“1 – O Novo Mundo constituir-se-ia de nações independentes, ligadas entre si por uma Lei
comum, que fixaria suas relações externas e ofereceria o poder moderador de um
Congresso geral e permanente.
“2 – A existência destes novos Estados possibilitaria a obtenção de novas garantias.
44
SANTOVENIA, Emetério. Armonias y conflitos en torno de Cuba. México, Fondo de Cultura Económica,
1956, p. 84.
RII – VIII Seminário Internacional
Grupo 4 – Globalização e expansão metropolitana
18
“3 – A Espanha prestaria seu reconhecimento a essas nações nascentes por respeito à
Inglaterra e dentro de pouco tempo seria admitida nas costas da América do Sul, como
amiga. Os demais poderes europeus seguiriam seus passos e seriam livres para celebrar,
com os novos Estados, os tratados comerciais que se julgassem mais condizentes com
seus mútuos interesses.
“4 – A ordem interna seria conservada intacta entre os diferentes Estados, e dentro de
cada um deles.
“5 – Nenhum seria débil em relação ao outro: nenhum seria mais forte.
“6 – Um equilíbrio perfeito seria estabelecido por este pacto social.
“7 – A força de todos concorreria em auxílio do que sofresse atentados por parte do
inimigo externo ou de facções anárquicas.
“8 – A diferença de origem e de cor perderia sua influência e poder.
“9 – A América não temeria mais esse tremendo monstro que tinha devorado a Ilha de São
Domingos [referência à independência do Haiti, levada a efeito pela população negra antes
escravizada], nem tão pouco temeria a predominância dos primitivos habitantes. [Grifo
nosso]
“10 – A reforma social, enfim, haveria sido alcançada sob os santos auspícios da liberdade
e da paz; porém, a Inglaterra deveria tomar necessariamente em suas mãos o fiel da
balança.” [Grifo nosso] 45
Para as discussões a respeito da aliança com a Inglaterra, os delegados peruanos
não dispunham de instruções e os da América Central estavam autorizados apenas a
solicitá-la de forma lata. Aliás, sobre os poderes dos Plenipotenciários no Congresso para
tratarem do assunto, Bolívar expressara-se na correspondência acima mencionada, do
seguinte modo: “Parece-me que deverá limitar esta faculdade a preliminares que seriam
ratificados com prévia aprovação dos Governos respectivos.” Assim, mesmo os
delegados colombianos ignoravam as verdadeiras proporções da pretendida aliança.
A opinião dos delegados peruanos era, todavia, contrária à aliança, embora
reconhecessem as vantagens imediatas que a proteção inglesa traria. Consideravam-na
extemporânea, pois ela teria sido oportuna no início da revolução, em 1810. Além do
mais, na opinião deles, a presença do delegado inglês no Congresso deveria ter sido
precedida do reconhecimento de todas as nações ali representadas. A independência do
Peru não havia sido reconhecida pelo Governo inglês, que alegava não ter o país um
governo constituído e procedente do Congresso Nacional. Edward Dawkins, ao dar essa
explicação, parecia estar se referindo ao papel então exercido por Bolívar no comando
dos negócios peruanos, em regime ditatorial de governo.
Os delegados mexicanos, por seu lado, segundo as instruções recebidas de seu
Governo, deveriam estar atentos para que não fosse consentida a interferência inglesa,
ou de qualquer outra nação européia, que viesse a prejudicar os interesses americanos:
“Os Plenipotenciários do México cuidarão para que a Assembléia esteja particularmente
atenta para a missão que se anuncia de um dos agentes do Gabinete britânico... e que é
natural que sigam este exemplo a França, a Holanda e demais nações... [precavendo-se]
da conduta de algum Gabinete artificioso que pense em enviar Ministros para fazer
proposições, com o objetivo de desunir os aliados...” 46
45
VILLANUEVA, Carlos A. La monarquia en América. El Império de los Andes. Paris, Libreria Ollendorff, s/d.
p. 144-145.
46
MEXICO, Op. Cit., p. 15.
RII – VIII Seminário Internacional
Grupo 4 – Globalização e expansão metropolitana
19
George Canning enviou Edward Dawkins ao Panamá com a recomendação
expressa de que não interferisse nas discussões da Assembléia. Sua missão seria ouvir
as informações que lhe dessem, ajudando com seus conselhos quando estes fossem
solicitados.47 São bastante conhecidos, no entanto, hoje em dia, os interesses da
Inglaterra em relação ao Congresso do Panamá. Para aquele país, uma questão
importante era o destino de Cuba e Porto Rico, que seu governo temia passassem ao
domínio dos Estados Unidos ou da França. Naquele momento, a manutenção do status
quo era a solução mais prática; ou seja, que continuassem como colônias da Espanha.
Para isto, era necessário terminar imediatamente a guerra, liquidando assim com as
pretensões da Colômbia e do México de libertarem aquelas ilhas. Nas instruções
fornecidas a Dawkins, Canning explicava:
“Observem-se, portanto, as complicadas conseqüências a que poderá conduzir uma
expedição contra Cuba pelo México ou pela Colômbia e deixe-se que os estados reunidos
no Panamá considerem se vale a pena continuar uma guerra em que a única operação
que falta realizar... está moralmente vedada a eles pelas conseqüências a que
conduziria.”48
Outra preocupação do enviado britânico, manifesta em conferências privadas com
diferentes delegados, era a de que não se adotassem posições contrárias a regimes
políticos europeus. Este ponto era importante, a fim de que algumas monarquias
européias pudessem colaborar no sentido de se obter da Espanha o reconhecimento da
independência das ex-colônias americanas.
Mas, o principal interesse demonstrado pelo enviado britânico foi o de que o
reconhecimento por parte da Espanha fosse obtido mediante indenizações pecuniárias,
ponto rechaçado pela maioria dos Plenipotenciários. Entre os documentos que
registraram a presença do Delegado inglês no Istmo, o relatório de Briceño Mendez ao
seu Governo é o que oferece informações mais objetivas:
“No protocolo consta o único passo oficial que deu o Senhor Dawkins no Panamá [a
apresentação da carta-credencial]. Privadamente limitou-se a aconselhar-nos a manifestar
respeito pelas instituições dos demais países..., que procurássemos fazer acreditar que a
política da América republicana não era a que a França professara sob o mesmo regime...;
que sobretudo nos importava dar provas de amor à paz, e disposição para abraçá-la,
mesmo que fosse à custa de algum sacrifício pecuniário. [...] Ele nos assegurou que a GrãBretanha se encarregaria da Mediação e se poderia esperar com confiança o sucesso
dela, sempre que se desse como base de negociação, a indenização pecuniária. [...]
Segundo parece, ele esperava que a assembléia não se retiraria do Panamá sem dar
algum passo notável para a paz, e não pode ocultar sua surpresa e decepção quando
soube o contrário.” 49
Conquanto não tenham sido imediatos os resultados da participação do enviado
britânico no Congresso do Panamá, em 1826, foi palpável o sucesso que Canning obteve
em seu esforço de usar o evento como meio para aumentar a influência da Inglaterra na
América espanhola. O prestígio da Grã-Bretanha cresceu ao ponto das lideranças
pensarem em colocar as ex-colônias sob o protetorado inglês. Segundo a argumentação
de Bolívar, devia-se buscar relações de proveito mútuo. Para a Inglaterra, o benefício
seria a equiparação dos súditos ingleses aos naturais da América, “opulento domínio de
comércio”, que lhe serviria de centro em suas relações com a Ásia e a Europa. Para a
América, seriam garantidos a autonomia e o respeito internacional, além de “o caráter
47
VELARD, Fabian e ESCOBAR, Felipe, Op. Cit., p. 56-57
SANTOVENIA, Emetério. Op. Cit., p. 84.
49
VELARD, Fabian e ESCOBAR, Felipe. Op. Cit., p. 138-139.
48
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britânico e seus costumes... [os quais os povos hispano-americanos] tomariam por
objetos normais de sua existência.”50
4.4 – Instalação e funcionamento: os tratados firmados e a transferência para
Tacubaya (México)
A Assembléia foi instalada solenemente no dia 22 de junho de 1826, às 11 horas
da manhã, na Sala Capitular do antigo Convento de São Francisco, estando presentes os
Ministros plenipotenciários da Colômbia, Peru, América Central e México. Nessa primeira
sessão, foram tratados assuntos relativos à organização das reuniões. Procedeu-se, na
ocasião, a um sorteio mediante o qual ficou estabelecida a ordem em que cada Estado
ocuparia a presidência dos trabalhos e seria mencionado nos protocolos. Nessa mesma
oportunidade, os delegados procederam à troca e exame dos documentos que lhes
conferiam Plenos Poderes. 51
A Gaceta del Istmo, em edição especial daquele dia, publicou uma matéria redigida
por um dos representantes do Peru, Manuel Lorenzo Vidaurre, enaltecendo o papel
histórico do Congresso. A matéria continha, entretanto, uma nota que aparentava referirse à presença do representante da Inglaterra nos trabalhos, cujos termos causaram
grande impacto sobre as demais representações, sobretudo na da Colômbia, país que
havia feito o convite à Inglaterra. Veja-se: “Guardemos decoro: não admitamos
estrangeiros que não venham autorizados através de formas diplomáticas, não
consintamos que em nossos portos ancorem barcos, senão daqueles Reinos e
Repúblicas onde os nossos sejam admitidos.” 52
A segunda conferência ocorreu no dia 23 de junho, oportunidade em que Pedro
Gual, na condição de Presidente, apresentou aos demais delegados uma carta-credencial
do governo inglês, nomeando Edward James Dawkins como seu delegado junto à
Assembléia. A ata daquela sessão contém o seguinte registro: “... o Senhor Dawkins
havia merecido a confiança de Sua Majestade que o comissionava a residir no lugar onde
houvesse formado o Congresso de Plenipotenciários das Repúblicas da América, e para
se colocar em comunicação franca e sem reservas com eles. A Assembléia... determinou
que se escreva a S. E. o senhor Secretário Canning uma carta de atenção...”
Sobre as votações, decidiu-se que para todos os tratados e resoluções, cada
delegação teria um voto único e que este consistiria apenas em aceitar, recusar ou deixar
pendentes os artigos, devendo, neste último caso, serem redigidos em separado, sendo
considerados adicionais, caso viessem a ser aceitos pela maioria. Os delegados
peruanos, como representantes da nação que havia convocado o Congresso,
apresentaram um projeto de bases. Depois de lido pelos Plenipotenciários peruanos, a
assembléia decidiu que os artigos seriam discutidos em reuniões informais e, caso fosse
necessário, apresentar-se-ia um contra-projeto.
A terceira conferência só viria a ocorrer no dia 10 de julho. A ata dessa sessão
informa que “Os Plenipotenciários da Colômbia, América Central e Estados Unidos
Mexicanos apresentaram um contra-projeto de tratado depois de examinar em
conferências informais os artigos propostos pelos plenipotenciários do Peru. Segundo
50
BOLIVAR, Simón. Op. Cit., Tomo II, p. 1215.
A autora dispõe de cópia fac-simile das atas das sessões formais do Congresso do Panamá, em 1826.
52
MEXICO, Op. Cit., p. 35-41.
51
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relatório de Briceño Mendez ao Governo colombiano, o projeto peruano “não foi
admitido... porque não estava redigido de forma adequada e porque continha objetos
alheios a um tratado de união, liga e confederação.” Briceño relatou também que “Era
necessário apresentar um contra-projeto, e apesar de nós colombianos o termos
preparado, não achávamos conveniente apresenta-lo como tal.... propusemos que o
contra-projeto fosse feito pelas delegações da Colômbia, América Central e México,
reunidas em conferências reservadas.” 53
As reuniões confidenciais foram realizadas na residência de um dos delegados da
América Central. Iniciados os trabalhos, os delegados colombianos apresentaram os seus
apontamentos, como diz Briceño, “sem lhes dar o nome de projeto, apesar de estarem
redigidos o preâmbulo, os artigos e a conclusão”. O documento colombiano foi, logo de
começo, considerado completo, sendo aceito quase na totalidade. Dos artigos
apresentados, alguns foram fundidos, outros corrigidos e alguns recusados; quais sejam:
os que estabeleciam a liberdade de tráfico e comércio entre os confederados, um que
atribuía à Assembléia o poder de decidir em juízo de conciliação as diferenças entre os
confederados e um que fixava a sede do Congresso no Istmo do Panamá.
No primeiro caso, a recusa partiu dos mexicanos, sob a alegação de não estarem
autorizados a tratar de assuntos relativos ao comércio. No segundo, a cláusula que
atribuía à Assembléia poder de arbitragem foi alterada, dando-se a ela o papel de
mediador entre partes, por ventura em litígio, na América espanhola. A cláusula referente
à determinação do local para servir de sede ao Congresso foi recusada, segundo relatório
dos delegados mexicanos, “tanto pela insalubridade e absoluta falta de recursos no lugar
designado [o Istmo], como pela dificuldade de comunicações com os respectivos
Governos e escassez de notícias dos acontecimentos na Europa, tão importantes a uma
Assembléia...”54
Na terceira sessão, o contra-projeto, colocado como base de discussão, teve
aprovados, por unanimidade, o preâmbulo e os dez primeiros artigos, ficando pendente o
11o., que tratava do local para onde seria transferida a sede do Congresso. Na quarta
conferência, ocorrida em 11 de julho, prosseguiu-se na discussão do artigo 11o.,
aprovando-se, além deste, o Convênio a que se refere. O Convênio transferia a sede do
Congresso para Tacubaya, vila distante uma légua da cidade do México, e tratava da
duração e freqüência das reuniões, dos poderes dos delegados e de uma série de
detalhes de natureza prática relativos às reuniões futuras. Naquela mesma sessão foram
também aprovados os artigos seguintes, até o de número trinta e, ainda, o artigo
adicional, que finaliza o Tratado.
Ficara concluída a redação do Tratado de União, Liga e Confederação, em 11 de
julho de 1826. Tratava-se de uma Liga para a guerra e para a paz, ofensiva e defensiva,
em prol da independência e soberania dos Estados contratantes. A paz com a Espanha
não poderia ser feita por qualquer um deles em separado. A Assembléia não seria
permanente, como tinha sido concebida originalmente, mas periódica, reunindo-se a cada
dois anos em épocas de paz e anualmente em períodos de guerra. À Assembléia caberia
negociar e realizar tratados entre as partes, servindo de mediadora entre elas e as
potências estrangeiras. A Assembléia não poderia interferir na soberania das nações
contratantes, no que se referisse a seus assuntos internos. A falta com os compromissos
assumidos produziria a expulsão do país faltoso.
53
54
VELARD, Fabian e ESCOBAR, Felipe.Op. cit., p. 124-125.
MÉXICO, Op. Cit., p. 97
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Naquela mesma conferência, depois da aprovação do Tratado, procedeu-se à
discussão do projeto de convenção sobre contingentes, elaborado pelos Plenipotenciários
nas reuniões informais. Na ocasião, ficaram aprovados o preâmbulo e o artigo 1o., o qual
tomava a população de cada país como base de cálculo para contingentes de tropas e
montante em dinheiro com que cada um deles deveria concorrer para a formação das
forças confederadas.
Na conferência seguinte (12 de julho), o projeto de Acordo referente ao artigo 1o. foi
discutido e aprovado. Na oportunidade, foi também submetido a discussão um projeto de
Convenção sobre Contingentes. No decorrer dos debates, notou-se a necessidade de se
incluir nesse documento, em artigos separados, tudo o que fosse necessário entrar em
acordo, com relação à marinha confederada. O Acordo em separado, sobre a marinha, foi
aprovado na sétima sessão, ocorrida em 13 de julho.
As duas sessões seguintes – ou seja, a oitava e a nona –, ambas realizadas no dia
14 de julho, foram dedicadas ao exame e debate da questão de como se poderia realizar
a intermediação da Inglaterra nas negociações de paz com a Espanha, a fim de se obter
deste país o reconhecimento formal dos novos Estados. Não obstante a atenção que se
deu ao assunto, nada foi acertado, visto que aos plenipotenciários faltava autorização de
seus governos para a tomada de decisões a esse respeito.
As atividades da Assembléia foram concluídas na décima conferência, verificada
em 15 de julho de 1826. Na ocasião, foram assinados: o Tratado Geral de União, Liga e
Confederação; a Convenção sobre Contingentes; o Convênio sobre o lugar e freqüência
em que deveriam ocorrer as Assembléias futuras; e o Acordo sobre o Exército e a
Marinha confederados, este, parte complementar da Convenção sobre Contingentes.
Foram aprovadas, ainda, as seguintes resoluções: que o Acordo sobre o Exército e
a Marinha seria considerado sigiloso; que os Ministros Briceño Mendez, Molina e Vidaurre
ficariam encarregados de conduzir os Tratados aos seus respectivos Governos, para
ratificação; que o Presidente daquela sessão notificaria a transferência da Assembléia
para Tacubaya ao representante inglês, ao Governo da Colômbia e às autoridades do
Panamá, às quais agradeceria pela hospitalidade oferecida e consideração dispensada
aos membros da Assembléia.
Conclusão
Em Tacubaya, não foi possível dar continuidade aos trabalhos iniciados no
Panamá. Os esforços de Pedro Gual neste sentido foram em vão. O próprio México, que
durante as atividades da Assembléia havia reivindicado a transferência dos
Plenipotenciários para seu território, agora havia perdido o interesse pela aliança, uma
vez que a possibilidade de reconquista por parte da Espanha era cada vez mais remota.
Assim, em 9 de outubro de 1928, numa reunião em Tacubaya, estando presentes Gual,
Larrázabal e os mexicanos Michelena e Dominguez, deram-se por malogrados os
esforços pela ressurreição da Assembléia. Na ocasião, Gual manifestou-se com palavras
amargas, registradas em ata:
“Em tão desgraçado caso crê haver cessado sua missão, e convida, em cumprimento a
ordens terminantes do seu Governo, os Plenipotenciários... a elaborarem uma nota
expressiva do pesar conseqüente da inutilidade do que foi feito para a conservação da
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Assembléia e da Confederação americana... e dos motivos que urgem para que se
renovem depois, em circunstâncias mais felizes.”55
O exame dos fatos relacionados ao Congresso do Panamá revela que fatores
ligados à política internacional, além de outros, internos, impediram que os tratados e
convênios celebrados na ocasião do evento tivessem qualquer efetividade prática. As
desconfianças do Brasil e dos Estados Unidos, a anarquia em que se debatiam os povos
americanos, as suas rivalidades mútuas, foram outras tantas razões para o malogro do
Congresso do Panamá.
Na época da realização da Grande Assembléia, já haviam começado no Novo
Mundo as lutas e rivalidades pela hegemonia: o México desconfiava dos Estados Unidos
e da Colômbia e esta do México e da Argentina; os países do Prata desconfiavam do
Brasil; ao Peru e à Bolívia desagradava a tutela colombiana (interferência nos seus
negócios internos, praticada de modo autoritário por Simón Bolívar e/ou seus
colaboradores) e, mesmo dentro da Grande Colômbia, surgiam os primeiros germes da
dissolução.
A ingerência da Inglaterra, favorecendo condições que possibilitaram a
Independência da América Latina, permitiu que aquela nação adquirisse uma posição de
destacada proeminência na política e nos negócios dos Estados recém fundados. Para
aquele país, era de todo inconveniente que os novos Estados americanos se
organizassem num corpo compacto, o que os tornaria muito menos permeáveis à
penetração de influências estrangeiras e os capacitaria para impor, nas suas relações
comerciais e políticas, condições de igualdade.
A esses fatores, vinha unir-se a atitude do próprio iniciador do plano do Congresso
do Panamá. Já na época da realização das sessões, Bolívar dava mostras de duvidar de
sua eficácia. Sua própria idéia original de reunir povos da mesma língua, religião e
costumes havia sido desvirtuada, com os convites feitos à Inglaterra, aos Estados Unidos
e ao Brasil. Convencido da excessiva grandeza do seu projeto, Bolívar começava a
reduzir suas aspirações, chegando mesmo a formular um plano de colocar a América
espanhola sob o protetorado britânico. Tal hipótese, ao que parece, não chegou a ser
considerada de maneira formal pela Inglaterra, ou por qualquer das Repúblicas hispanoamericanas.
A disposição do governo britânico em tutelar a autonomia política dos novos
Estados americanos manifestava-se, todavia, de variadas maneiras, aí incluída a
assistência e proteção oferecidas à realização do Congresso do Panamá, quando não
mais, pela simples presença de um seu agente diplomático nas sessões do evento. Esta
atitude da Inglaterra tinha objetivos políticos, sobretudo em relação a outras nações
poderosas da Europa, mas tinha também em mira interesses econômicos de grande
monta. O aval que oferecia à independência política das ex-colônias ibéricas, além lhe
render a abertura de novos mercados consumidores para sua economia crescentemente
industrial, abria possibilidades, aparentemente inesgotáveis, à aplicação de excedentes
de capital produzidos naquele país, mediante a multiplicação de suas unidades produtivoindustriais, desta vez, via instalação em territórios do Continente americano. No início, os
capitais ingleses dirigiram-se sobretudo para atividades de exploração de metais
preciosos, numa escala extraordinariamente elevada.56 Em seguida, seus interesses na
América Latina iriam expandir-se em todos os setores e ramos da economia.
55
MÉXICO, Op. Cit., p. 144.
Segundo R. A. Humpheys, com base em Henry English, A complete view of the joint stock companies,
formed during the years 1824 and 1825 (London, 1827), “Ao todo, vinte e seis companhias de mineração
56
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Fonte manuscrita
Atas do Congresso do Panamá de 1826. Originais conservados no Arquivo Histórico do Itamaraty, desde
época ignorada até o ano de 2000, quando foram entregues à guarda do governo do Panamá.
(Desconhecemos o modo como tais documentos chegaram a esse arquivo, pertencente ao Ministério das
Relações Exteriores do Brasil.)
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1930.
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No. 2, lul/dez 1998, pp. 57-89.
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Venezuela. Caracas, vol. XXXIV, No. 114, julho de 1977, pp. 60-86.
hispano-americanas ou brasileiras, com um capital autorizado de mais de L$ 24.000,000, lançou ações no
mercado britânico entre 1824 e 1825”. (Humphreys, 1952, p. 142) O autor cita, entre outras, as seguintes:
Imperial Brazilian Company, Rio de la Plata Mining Association, Peruvian Company (Chile), General South
American Mining Association (Chile), La Paz and Peruvian Mining Association (Bolívia), Guatemala Mining
Company, Anglo-Mexican Mining Company, Colombian Mining Association. Conforme Humphreys, em
apenas dois anos (1824-1825), mais de seiscentos e vinte companhias foram fundadas ou projetadas para
atuação na América Latina – além de companhias mineradoras, também companhias de gás, de estradas
de ferro, de docas e canais, etc. Poucas delas sobreviveriam; já em 1826, o pânico seguiu-se ao boom. (Op.
Cit. p. 139)
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