Originais / Originals Análise do perfil de mulheres com lesões pré-cancerosas de colo do útero Analysis of the profile of women with precancerous lesions of the cervix Tamara Figueiredo Instituto Nacional de Câncer [email protected] Camila Queiroz Souza Faculdades de Saúde e Desenvolvimento Humano Santo Agostinho Eder Neves Castilho Faculdades de Saúde e Desenvolvimento Humano Santo Agostinho Tamara Mitchell Ribeiro da Silva Instituto Nacional de Câncer Edilaine Pereira da Silva Instituto Nacional de Câncer Leila das Graças Siqueira Universidade Estadual de Montes Claros Luís Paulo Souza e Souza Universidade Federal de Minas Gerais [email protected] Sáude em Revista Resumo Objetivo: traçar o perfil de mulheres com lesões precursoras de câncer de colo do útero atendidas em um centro de referência. Métodos: estudo transversal, quantitativo, que utilizou dados das fichas de registro de atendimento das mulheres diagnosticadas com lesões precursoras do câncer uterino entre 2008 e 2010 neste centro de referência, no norte de Minas Gerais. Resultados: das 93 mulheres pesquisadas, 70,9% tinham idades entre 25 e 44 anos; 70,3% eram casadas; 75,3% iniciaram relação sexual antes dos 19 anos de idade; 38,7% tinham ensino fundamental incompleto; 76,9% eram casadas ou em união estável; 91,4% tinham filhos; 67,7% informaram ter parceiro único; 55,9% apresentaram histórico positivo para Papiloma vírus humano; 65,6% das mulheres não realizavam o exame com periodicidade; 67,8% das mulheres estavam com lesões de alto grau ou já com câncer instalado. Conclusão: os resultados reforçam a necessidade de aumentar a cobertura dos exames citológicos, bem como o número de encaminhamento para os serviços especializados. Faz-se necessária uma política de saúde pública voltada para a educação em saúde, conscientizando, tanto as mulheres sexualmente ativas como os profissionais de saúde, para que haja maior captação destas mulheres. Palavras-chave: Saúde da Mulher; Neoplasias do Colo do Útero; Serviços de Saúde da Mulher; Fatores de Risco. Abstract Objective: to describe the profile of women with precursor lesions of cervix cancer cared for in a Reference Center. Methods: a cross-sectional quantitative study based on data from the attendance records of women diagnosed with uterine cancer precursor lesions between 2008 and 2010 in this reference center, in the North of the state of Minas Gerais. Results: from the 93 women surveyed, 70.9% were aged between 25 and 44 years old; 70.3% were married; 75.3% started their sexual life before the age of 19; 38.7% had not finished elementary school; 76.9% were married or in a stable relationship; 91.4% had children; 67.7% reported having only one sexual partner; 55.9% presented positive history for human papilloma virus; 65.6% women were not periodically examined; 67.8% had serious lesions or installed cancer. Conclusion: the results reinforce the need to increase the coverage of cytological examination, as well as the number of referrals to specialized services. A public health policy focused on health education is needed to inform both sexually active women and health professionals, so that a greater number of women are cared for. Keywords: Women’s health; Uterine Cervical Neoplasms; Women’s Health Services; Risk Factors. Perfil de mulheres com lesões pré-cancerosas do útero 3 Tamara Figueiredo et al. Introdução O câncer do colo do útero é o mais comum câncer ginecológico, sendo um grave problema de saúde pública para as mulheres de países em desenvolvimento, onde ocorrem quase 80% dos casos novos. Mesmo sendo constatado um importante declínio na incidência e na mortalidade verificada nos países desenvolvidos nos últimos vinte anos, esses indicadores permanecem praticamente inalterados nos países em desenvolvimento,1 onde o câncer de colo do útero aparece como a maior causa de morte entre as mulheres. Destaca-se que, no Brasil, houve uma diminuição importante no número de óbitos, porém o número de novos casos ainda é alto.2 Reforça-se que o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a introduzir o exame citopatológico (Papanicolau) com a finalidade de detecção precoce do câncer do colo do útero. Entretanto, somente 30% das mulheres brasileiras já realizaram o exame Papanicolau pelo menos três vezes na vida, levando assim ao diagnóstico já em fase avançada em uma proporção de 70% dos novos casos.3 Estudar o perfil epidemiológico, clínico e os fatores para o surgimento do câncer do colo do útero é relevante, pois esta doença já está presente entre as mulheres jovens e adolescentes e está associada ao comportamento sexual, tendo como fatores de risco: início precoce da atividade sexual, multiplicidade de parceiros e doenças sexualmente transmissíveis.4 Estudos descrevem que o início da atividade sexual entre as adolescentes do sexo feminino ocorre, em média, aos 14,8 anos, e o preservativo é usado por menos de 70% delas, sendo que 17,9% das jovens pesquisadas já haviam contraído al- 4 guma doença sexualmente transmissível anteriormente. Revela, ainda, que, embora os casos de câncer de colo do útero sejam mais prevalentes em mulheres com faixa etária entre 25 e 49 anos, existe um aumento considerável entre mulheres mais jovens. Esse fato pode estar relacionado à não realização do exame de prevenção do câncer do colo do útero por adolescentes, pois cerca de 50% das adolescentes sexualmente ativas não realizam o exame por medo ou vergonha e 31,4% relatam não terem aderido ao exame de prevenção por falta de conhecimento.5 Estudos do Ministério da Saúde descrevem que a confirmação do diagnóstico de câncer do colo do útero depende das lesões precursoras, que se apresentam em diferentes graus evolutivos, do ponto de vista cito-histopatológico, sendo classificadas como neoplasia intraepitelial cervical (NIC) de graus I (lesões de baixo grau), II e III (lesões de alto grau).6 Elas são curáveis em até 100% dos casos quando tratadas precoce e adequadamente, sendo que a detecção precoce pela realização do exame citológico de papanicolau tem sido uma estratégia segura e eficiente para modificar as taxas de incidência e mortalidade deste câncer.7 Assim, este estudo objetivou traçar o perfil epidemiológico e clínico de mulheres com lesões precursoras para o câncer de colo do útero atendidas em um centro especializado no norte do estado de Minas Gerais, a partir de fichas de registro de atendimento do período de 2008 a 2010. Método Realizou-se um estudo transversal, com abordagem quantitativa, utilizando todos os SAÚDE REV., Piracicaba, v. 15, n. 41, p. 3-13, set.-dez. 2015 Tamara Figueiredo et al. registros de mulheres com mais de 20 anos de idade atendidas no Centro Viva Vida, na cidade de Januária, norte do estado de Minas Gerais, Brasil, desde a implantação do serviço, no mês de julho de 2008, até dezembro de 2010. Ressalta-se que a necessidade da implantação do serviço secundário Viva Vida, que funciona na cidade de Januária, surgiu a partir da organização do Sistema Único de Saúde (SUS) em microrregiões; a cidade de Januária foi classificada como uma cidade sede de microrregião, sendo, assim, responsável pela referência em atendimentos especializados e procedimentos de média complexidade para dez cidades pertencentes à sua microrregião. Este estudo deu-se a partir de dados levantados junto do serviço Viva Vida, o que possibilitou constatar que 93 mulheres com lesões precursoras para câncer do colo do útero foram referenciadas e atendidas no período estabelecido, compondo assim o “n” do estudo. Ressalta-se que a busca e coleta de dados foi dividida em três momentos, sendo que, no primeiro, foram levantados dados junto ao caderno de registro dos serviços, no qual constavam todos os nomes das mulheres e seus respectivos números de prontuários. Em um segundo momento, fez-se uma busca destas fichas de atendimento no arquivo central do Centro Viva Vida. Já no terceiro momento, de posse de todos os registros, realizou-se o registro dos dados de interesse do estudo. As variáveis pesquisadas relacionaram-se à situação demográfica, socioeconômica, bem como à identificação do perfil clínico, histórico ginecológico, reprodutivo e sexual e o histórico de alterações em Sáude em Revista Perfil de mulheres com lesões pré-cancerosas do útero exames colposcópicos e citopatológicos/ histopatológicos. Após a coleta, os dados foram tabulados e analisados por meio de análise descritiva no software Statistical Package for the Social Science (SPSS) 18.0. Ressalta-se que esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Unidas do Norte de Minas, pelo parecer número 01603/11, e as informações sobre a identificação pessoal das pacientes foram mantidas em sigilo, seguindo os preceitos éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde 196/96.8 Resultados No período estudado, foram levantados 93 registros de mulheres com lesões precursoras para o câncer do colo do útero. A Tabela 1 mostra a distribuição dos encaminhamentos das mulheres ao Centro Viva Vida por ano. Tabela 1 - Distribuição dos encaminhamentos ao Centro Viva Vida por ano. Microrregião de Januária (MG), 2008-2010. Januária, Minas Gerais, 2011 Ano N % 2008 16 17,2% 2009 21 22,6% 2010 56 60,2% Fonte: Elaborada pelos autores A partir desta tabela, verificou-se um crescimento no número de encaminhamentos ao longo dos anos. A Tabela 2 aponta o perfil demográfico e socioeconômico das mulheres deste estudo. 5 Tamara Figueiredo et al. Tabela 2 - Perfil demográfico e socioeconômico das mulheres atendidas no Centro Viva Vida de Januária nos anos 2008 a 2010 e relação com os diagnósticos encontrados. Januária, Minas Gerais, 2011 DIAGNÓSTICO VARIÁVEIS NIC I NIC II NIC III CA in situ CA Invasor NIC II + HPV Total (N) (%) (N) (%) (N) (%) (N) (%) (N) (%) (N) (%) (N) (%) 20 - 34 10 25,6 10 25,6 6 15,4 9 23,1 3 7,7 1 2,6 39 41,9 35 – 44 13 48,1 1 3,7 1 3,7 8 29,5 4 15 0 - 27 29,0 45 – 54 5 38,6 3 23,1 0 - 3 23,1 1 7,6 1 7,6 13 14,0 55 – 64 2 15,4 1 7,6 2 15,4 4 30,8 4 30,8 0 - 13 14,0 acima de 64 0 - 1 100,0 0 - 0 - 0 - 0 - 1 1,1 Urbano 23 35,4 9 13,8 7 10,8 16 24,6 8 12,3 2 3,1 65 69,9 Rural 7 25,0 7 25,0 2 7,1 8 28,6 4 14,3 0 - 28 30,1 Solteira 2 12,5 5 31,3 1 6,3 5 31,3 3 18,8 0 - 16 17,6 Casada 22 34,4 8 12,5 7 10,9 17 26,6 8 12,5 2 3,1 64 70,3 2 100,0 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - 2 2,2 Viúva 1 33,3 0 - 0 - 1 33,3 1 33,3 0 - 3 3,3 União Estável 3 50,0 2 33,3 0 - 1 16,7 0 - 0 - 6 6,6 Branca 8 44,4 4 22,2 0 - 2 11,1 4 22,2 0 - 18 19,4 Parda 17 27,0 9 14,3 8 12,7 19 30,2 8 12,7 2 3,2 63 67,7 Preta 5 41,7 3 25,0 1 8,3 3 25,0 0 - 0 - 12 12,9 Sem informação 2 10,0 2 10,0 1 5,0 8 40,0 6 30,0 1 5,0 20 21,5 Não sabe ler/ escrever 1 100,0 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - 1 1,1 Fundamental incompleto 10 27,8 6 16,7 5 13,9 8 22,2 6 16,7 1 2,8 36 38,7 Fundamental completo 10 71,4 2 14,3 0 - 2 14,3 0 - 0 - 14 15,1 Ensino médio incompleto 3 33,3 1 11,1 2 22,2 3 33,3 0 - 0 - 9 9,7 Ensino médio completo 4 40,0 4 40,0 1 10,0 1 10,0 0 - 0 - 10 10,8 Faixa Etária Local de Residência Estado Civil Separada/ Divorciada Raça/Cor Escolaridade 6 SAÚDE REV., Piracicaba, v. 15, n. 41, p. 3-13, set.-dez. 2015 Tamara Figueiredo et al. DIAGNÓSTICO VARIÁVEIS NIC I NIC II NIC III CA in situ (N) (%) (N) (%) (N) (%) (N) (%) Superior incompleto 0 - 0 - 0 - 2 Superior completo 0 - 1 100,0 0 - Até um salário mínimo 7 22,6 4 12,9 3 Até dois salários mínimos 20 36,4 11 20,0 Até cinco salários mínimos 3 42,9 1 14,3 CA Invasor NIC II + HPV Total (N) (%) (N) (%) (N) (%) 100,0 0 - 0 - 2 2,2 0 - 0 - 0 - 1 1,1 9,7 13 41,9 4 12,9 0 - 31 33,3 6 10,9 8 14,5 8 14,5 2 3,6 55 59,1 0 - 3 42,9 0 - 0 - 7 7,5 Renda Familiar Fonte: Elaborada pelos autores A Tabela 2 permite analisar que a faixa etária predominante foi dos 25 aos 44 anos (70,9%), e que maioria das mulheres era oriunda da área urbana (69,9%). Ao avaliar a variável raça/cor, a maior parte das mulheres declarou-se parda (67,7%). Quanto à renda familiar, a Tabela 2 evidencia que 59,1% possuíam renda de até dois salários mínimos. Em relação à escolaridade, a maior parte tinha nível fundamental incompleto (38,7%). Observa-se que, em relação ao estado civil, apenas em duas (2,2%) das fichas pesquisadas não foi encontrado o registro; a maior parte das mulheres era casada ou em união estável (76,9%). O perfil clínico, histórico ginecológico, reprodutivo e sexual é apresentado na Tabela 3. Tabela 3 - Perfil clínico, histórico ginecológico, reprodutivo e sexual de mulheres atendidas no Centro Viva Vida de Januária nos anos 2008 a 2010 e relação com os diagnósticos encontrados. Januária, Minas Gerais, 2011 DIAGNÓSTICO VARIÁVEIS NIC I NIC II NIC III CA in situ CA Invasor NIC II + HPV Total N % N % N % N % N % N % N % Menor que 12 anos 3 33,3 2 22,2 1 11,1 2 22,2 1 11,1 0 - 9 9,7 de 12 a 14 anos 26 31,3 14 16,9 8 9,6 22 26,5 11 13,3 2 2,4 83 89,2 de 15 a 19 anos 1 100,0 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - 1 1,1 23,5 3 17,6 3 17,6 4 23,5 3 17,6 0 - 17 18,3 Menarca Início da Atividade Sexual de 12 a 14 anos 4 de 15 a 19 anos 17 32,1 7 13,2 4 7,5 16 30,2 7 13,2 2 3,8 53 57,0 de 20 a 24 anos 9 39,1 6 26,1 2 8,7 4 17,4 2 8,7 0 - 23 24,7 Sáude em Revista Perfil de mulheres com lesões pré-cancerosas do útero 7 Tamara Figueiredo et al. DIAGNÓSTICO VARIÁVEIS NIC I NIC II NIC III CA in situ CA Invasor NIC II + HPV Total N % N % N % N % N % N % N % Não 25 39,7 8 12,7 7 11,1 13 20,6 8 12,7 2 3,2 63 67,7 Sim 5 16,7 8 26,7 2 6,7 11 36,7 4 13,3 0 - 30 32,3 0 2 25,0 4 50,0 0 - 2 25,0 0 - 0 - 8 8,6 1 3 21,4 4 28,6 1 7,1 4 28,6 2 14,3 0 - 14 15,1 Multiplicidade de Parceiros Número de filhos 2-4 24 44,4 6 11,1 5 9,3 12 22,2 6 11,1 1 1,9 54 58,1 5-8 1 7,7 2 15,4 1 7,7 6 46,1 2 15,4 1 7,7 13 13,9 >8 0 - 0 - 0 - 0 - 1 100,0 0 - 1 1,1 0 - 0 - 2 66,7 0 - 1 33,3 0 - 3 3,2 Não 4 21,1 4 21,1 1 5,3 6 31,6 3 15,8 1 5,3 19 20,4 DIU 1 50,0 0 - 1 50,0 0 - 0 - 0 - 2 2,2 Hormonais 14 32,6 7 16,3 6 14,0 9 20,9 6 14,0 1 2,3 43 46,2 11 37,9 5 17,2 1 3,4 9 31,0 3 10,3 0 - 29 31,2 34,4 10 16,4 2 3,3 17 27,9 9 14,8 2 3,3 61 65,6 Sem informação Método Contraceptivo Cirúrgico - LT Frequência da Realização do PCCU Não 21 A cada 1 ano 8 30,8 5 19,2 7 26,9 4 15,4 2 7,7 0 - 26 28,0 A cada 2 anos 1 25,0 1 25,0 0 - 2 50,0 0 - 0 - 4 4,3 Mais de 3 anos 0 - 0 - 0 - 1 50,0 1 50,0 0 - 2 2,2 Histórico para HPV SIM 21 40,4 9 17,3 5 9,6 12 23,1 4 7,7 1 1,9 52 55,9 NÃO 9 22,0 7 17,1 4 9,8 12 29,3 8 19,5 1 2,4 41 44,1 Histórico de Alterações Não 28 35,0 14 17,5 7 8,8 21 26,3 8 10,0 2 2,5 80 86,0 NIC I 2 28,6 2 28,6 1 14,3 2 28,6 0 - 0 - 7 7,5 NIC II 0 - 0 - 1 20,0 1 20,0 3 60,0 0 - 5 5,4 NIC III 0 - 0 - 0 - 0 - 1 100,0 0 - 1 1,1 Fonte: Elaborada pelos autores 8 SAÚDE REV., Piracicaba, v. 15, n. 41, p. 3-13, set.-dez. 2015 Tamara Figueiredo et al. Dentre os registros levantados, 85 mulheres (91,4%) tinham filhos, sendo que 14 (15,1%) eram primíparas. Quanto ao método contraceptivo, a maior parte das mulheres (46,2%) utilizava métodos hormonais. Verificou-se que a maior parte das mulheres apresentou menarca entre 12 e 14 anos de idade (89,2%) e teve sua primeira relação sexual entre os 15 e 19 anos de idade (57%). Quanto à multiplicidade de parceiros sexuais, 67,7% informaram não ter mais de um parceiro. A Tabela 3 ainda mostra que, em relação ao histórico de Papiloma vírus humano (HPV), 52 mulheres (55,9%) tiveram histórico negativo. Quanto à frequência da realização do exame preventivo para câncer de colo do útero (PCCU), 65,6% das mulheres não realizavam o exame com periodicidade e 28% realizavam-no anualmente. Ao analisar o histórico de alterações passadas para câncer do colo do útero, 80 mulheres (86%) não possuíam histórico de alterações. A Tabela 4 traz a distribuição do número de casos por diagnóstico de alterações citopatológicas. Tabela 4 – Relação dos diagnósticos descritos nas fichas das mulheres selecionados neste estudo, nos anos 2008 a 2010. Januária, Minas Gerais, 2011 Diagnóstico N % NIC I 30 32,2 NIC II 16 17,2 NIC III 09 9,7 CA in situ 24 25,8 CA Invasor 12 12,9 NIC II + HPV 02 2,2 Fonte: Elaborada pelos autores Sáude em Revista Perfil de mulheres com lesões pré-cancerosas do útero A Tabela 4 possibilita demonstrar que, quanto aos diagnósticos descritos, 67,8% das mulheres estavam com lesões de alto grau ou já com câncer instalado. Discussão Ressalta-se que os dados aqui apresentados referem-se apenas ao Centro Viva Vida, não atingindo os serviços particulares e nem mesmo todas as mulheres com lesões precursoras para o câncer do colo do útero atendidas pelo Sistema Único de Saúde na microrregião, pois, sendo um serviço referenciado, nem todas as mulheres são conduzidas a ele. O número de mulheres que realizam o exame preventivo para câncer do colo está diretamente relacionado com a diminuição dos casos de câncer de colo, desde que seja realizado com métodos corretos9. Na presente pesquisa, 65,6% das mulheres não têm o hábito de realizar o exame com periodicidade.1 Quanto aos achados de NIC I (32,3%), dados semelhantes foram encontrados em estudos realizados com mulheres residentes no norte do Paraná, no período de 2001 a 2006, onde o maior índice também foi NIC I, com 38,5% dos casos analisados,10 e na pesquisa de Natal, no Rio Grande do Norte, no período de janeiro de 2000 a março de 2004, com frequencia de alterações NIC I de 46,9%.11 Pesquisas6-7,10 confirmam que a evolução do câncer do colo do útero é lenta, podendo a doença demorar vários anos para instalar-se. Assim, o diagnóstico precoce contribui para um tratamento menos agressivo e de total eficácia. A análise dos registros mostrou que, quanto à escolaridade, 71 mulheres (76,4%) 9 Tamara Figueiredo et al. possuíam escolaridade menor ou igual ao ensino fundamental completo. Tais valores vão ao encontro dos achados do estudo realizado em Propriá, Sergipe, Brasil, em que foi identificado que as mulheres com escolaridade menor ou igual a fundamental completo representaram 89% dos novos casos, constituindo um fator de risco para câncer do colo do útero.12 Outro aspecto analisado foi o tipo de câncer (CA) identificado. Neste estudo, 29 mulheres com idades entre 20 a 34 anos foram diagnosticadas com lesões de alto grau ou já com CA instalado. Este dado é preocupante, uma vez que se trata de uma faixa etária muito inferior à esperada para esta doença, já que a incidência máxima ocorre entre os 40 e 60 anos de idade e apenas uma pequena porcentagem ocorre antes dos 30 anos.13 Considerando a faixa etária de mulheres de até 29 anos, obteve-se porcentagem de 25,8% dos casos, dados estes superiores aos encontrados em outro estudo, que apontou 6,4% das mulheres com lesões precursoras do câncer do colo do útero em mulheres com faixa etária de até 29 anos.14 Ressalta-se que, embora os casos de câncer de colo do útero sejam mais prevalentes em mulheres com faixa etária entre 25 e 49 anos, existe um aumento considerável entre as mulheres jovens. Esse fato pode estar relacionado à não realização do exame de prevenção do câncer do colo do útero por adolescentes ou mulheres jovens. Cerca de 50% das adolescentes sexualmente ativas não realizam o exame por medo ou vergonha e 31,4% relatam que não aderiram ao exame de prevenção por falta de conhecimento.5 É necessário um programa de educação sexual nas instituições de ensino para que se possa associar as 10 campanhas de prevenção do câncer de colo do útero por meio de atividades educativas. Estas campanhas devem apresentar linguagem apropriada para o grupo, ampliando o programa nacional para um controle eficaz para prevenção deste agravo.5,15 Quando analisado o estado civil, a presente pesquisa mostra que as mulheres casadas foram as que mais apresentaram alterações. Contrapondo os achados, estudos indicam que não existe associação entre lesões e estado civil, já que a relação está no comportamento sexual.14 Em se tratando dos riscos de desenvolvimento do câncer de colo do útero, pesquisadores afirmam que o início precoce da atividade sexual é considerado um importante fator de risco, pois está relacionado ao aumento das doenças sexualmente transmissíveis. Neste estudo, 57,0% das mulheres iniciaram sua vida sexual antes dos 19 anos de idade. Outro fator de risco importante é a presença do Papiloma vírus, sendo que este estudo possibilitou constatar que 55,9% das mulheres apresentavam histórico positivo de HPV. E, como a maioria das mulheres (52) não apresentava o costume de realizar o exame preventivo com periodicidade, o número de mulheres com diagnóstico positivo para câncer do colo do útero ou lesões precursoras com a presença do HPV pode ser ainda superior. Estudos multicêntricos confirmaram a presença do DNA do Papiloma vírus humano em quase 100% dos epitélios dos carcinomas invasivos.16 Outro fato que chamou atenção neste estudo foi o fato de as mulheres com parceiros únicos representarem frequência superior (67,7%) quando comparadas a mulheres com multiplicidade de parceiros. Estes SAÚDE REV., Piracicaba, v. 15, n. 41, p. 3-13, set.-dez. 2015 Tamara Figueiredo et al. dados contrariam as pesquisas que apontam a multiplicidade de parceiros como fator de risco para o câncer do colo do útero, tendo frequência de 4,9% para mulheres com parceiro único.14 As mulheres multíparas são as que mais apresentaram lesões precursoras para câncer uterino, o que corrobora outros estudos que apontam que mulheres com vários filhos apresentam maior frequência de achados citológicos.1 O uso do método contraceptivo esteve presente em 79,6% das mulheres. Dentre estes, destaca-se o uso do anticoncepcional hormonal, considerado fator de risco para câncer do colo do útero. Já o método contraceptivo cirúrgico (ligadura tubárica – LT) foi encontrado em 31,2% das mulheres do estudo. Estudos mostram que, culturalmente, este procedimento faz com que as mulheres acreditem que sua utilização, além de excluir uma gravidez, também exclui desenvolvimento de doenças sexualmente transmissíveis, fazendo com que haja uma possível maior exposição sexual. Sob esta ótica, deve-se realizar campanhas educacionais orientando as mulheres em idade fértil, desmistificando conceitos errôneos trazidos por outras gerações, que podem colocar em risco a saúde das mulheres.9,17 Os registros possibilitaram, ainda, observar que, quanto à periodicidade em que as mulheres procuram os centros de saúde para a realização do exame preventivo, 65,6% não possuem tal hábito. O Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer recomendam que, em mulheres entre 35 e 64 anos, depois de um exame citopatológico do colo do útero negativo, um exame subsequente pode ser realizado a cada três Sáude em Revista Perfil de mulheres com lesões pré-cancerosas do útero anos, com eficácia semelhante à realização anual.7 Estudo no sul do País apontou que 92% das mulheres que apresentam alterações precursoras para o câncer do colo do útero estavam com o exame preventivo em dia; este dado é importante e justifica o grande número de diagnósticos precoces e tratamentos eficazes.10 Assim, autores destacam que é essencial que o profissional que atua diretamente com a população usuária do serviço compreenda a importância do diagnóstico precoce, o que pode refletir na qualidade de vida das mulheres, promovendo saúde e prevenindo doenças.18 Conclusão Conclui-se que os registros de lesões precursoras do câncer de colo de útero das mulheres que compõem este universo de estudo são, na maioria, de mulheres casadas, multíparas, na faixa etária dos 25 aos 44 anos, usando método anticoncepcional hormonal, com escolaridade de nível fundamental incompleto, com menarca entre 12 e 14 anos de idade e início de vida sexual até os 19 anos de idade, sem multiplicidade de parceiros sexuais e sem o hábito de realizar o exame preventivo para câncer do colo do útero. Ressalta-se que o preenchimento integral e a organização das fichas de atendimentos facilitaram a realização deste estudo. Os resultados reforçam a necessidade de aumentar a cobertura dos exames citológicos, bem como o número de encaminhamentos, mesmo tendo sido observado aumento dos encaminhamentos ao Centro no decorrer dos anos, uma vez que nem todas as mu- 11 Tamara Figueiredo et al. lheres com tais lesões são encaminhadas ao Centro Viva Vida. É importante ressaltar também que, para haver maior captação destas mulheres e seu encaminhamento, faz-se necessária uma política de saúde pública voltada para a educação em saúde, conscientizando tanto as mulheres sexualmente ativas como os profissionais de saúde que atuam diretamente no atendimento, oferecendo aos municípios a possibilidade de detectarem casos em fase inicial e conduzirem da melhor forma as mulheres nestas condições, melhorando, assim, a assistência e cuidado à saúde da mulher. Referências 1. International Agency for Research on Cancer [Internet]. IARC confirms efficacy of cervix cancer screening for women 25-65 in reducing mortality. IARC Press Releases. 2004 [acesso 3/ jun/2011]: 151. Disponível: <http://www.iarc.fr/en/media-centre/pr/2004/pr151.html>. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. HPV: perguntas e respostas mais freqüentes [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2006 [acesso 3/jun/2012]. Disponível: <http://www. inca.gov.br/conteudo_view. asp?id=327>. 3. Soares MC, Mishima SM, Meincke SMK, Simino GPR. Câncer de colo uterino: caracterização das mulheres em um município do sul do Brasil. Esc Anna Nery 2010; 14(1): 90-6. 4. Monteiro DLM, Trajano AJB, Silva KS, Russomano FB. Doença cervical pré-invasiva e câncer cérvico-uterino em adolescentes brasileiras: prevalência e fatores associados. Cad Saúde Pública 2006; 22(12): 2439-548. 5. Cirino FMSBs, Nichiata LYI Borges ALV. Conhecimento, atitude e práticas na prevenção do câncer de colo uterino e hpv em adolescentes. Esc Anna Nery 2010; 14(1): 126-34. 6. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Neoplasia intra-epitelial cervical – NIC: condutas do INCA/MS. Rev Bras Cancerol 2000; 46(4): 355-7. 7. Brasil. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação Geral de Ações Estratégicas. Divisão de Apoio à Rede de Atenção Oncológica. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero / Instituto Nacional de Câncer. Coordenação Geral de Ações Estratégicas. Divisão de Apoio à Rede de Atenção Oncológica. Rio de Janeiro: INCA; 2011. 8. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro 1996. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. 9. Thuler LC. Considerações sobre a prevenção do câncer de mama feminino. Rev Bras Cancerol 2003; 49(4): 22-38. 10. Melo SCCS, Prates L, Carvalho MDB, Marcon SS, Pelloso SM. Alterações citopatológicas e fatores de risco para a ocorrência do câncer de colo uterino. Rev Gaucha Enferm 2009; 30(4): 602-8. 11. Medeiros VCRD, Medeiros RCM, Moraes LM, Filho JBM, Ramos ESN, Saturnino ACRD. Câncer de colo de útero: Análise epidemiológica e citopatológica no estado do Rio Grande do Norte. Rev bras anal clin 2005; 37(4): 227-31. 12. Lima CA, Palmeira JAV, Cipolotti R. Fatores associados ao câncer do colo uterino em Propriá, Sergipe, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22(10): 2151-6. 13. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Recomendações básicas para o controle do câncer do colo do útero no Brasil. Rev Bras Cancerol 2000; 46(1): 23-33. 14. Leal EAS, Leal JOS, Guimarães MH, Vitoriano MN, Nascimento TL, Costa OLN. Lesões precursoras do câncer de colo em mulheres adolescentes e adultas jovens do município de Rio Branco - Acre. Rev Bras Ginecol Obstet 2003; 25(2): 81-6. 12 SAÚDE REV., Piracicaba, v. 15, n. 41, p. 3-13, set.-dez. 2015 Tamara Figueiredo et al. 15. Nascimento MI, Pires ES, Gil DQ, Nunes GG, Balboa V, Stasiaki FV, et al. Características de um grupo de adolescentes com suspeita de neoplasia intra-epitelial cervical. Rev Bras Ginecol 2005; 27(10): 619-26. 16. Nakagata JTT, Schirmer J, Barbieri M. Vírus HPV e câncer de colo de útero. Rev bras enferm 2010; 63(2): 307-11. 17. Bezerra SJS, Gonçalves PC, Franco ES, Pinheiro AKB. Perfil de mulheres portadoras de lesões cervicais por HPV quanto aos fatores de risco para câncer de colo de útero. J Bras Doenças Sex Transm 2005; 17(2): 143-8. 18. Pinho MCV, Jodas DA, Scochi MJ. Profissionais de saúde e o Programa de controle do Câncer do Colo Uterino e Mama. Rev Enferm UFSM [internet]. 2012 [acesso 20/jul/2014]; 2(2): 242-51. Disponível: <http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/reufsm/article/ view/4418/3748>. Sáude em Revista Perfil de mulheres com lesões pré-cancerosas do útero 13