PRODUÇÃO ACADÊMICA MUDANÇA AMBIENTAL GLOBAL E A FORMAÇÃO DO REGIME PARA PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE Gisela S. de Alencar Dissertação apresentada em 1995 como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Relações Internacionais, no Departamento de Relações Internacionais do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Orientador: Prof. Eduardo J. Viola. Essa dissertação trata do regime da biodiversidade, sob o paradigma da mudança ambiental global. Seu objetivo é analisar, no contexto dessa mudança, a política internacional da biodiversidade, entendida como a sucessão de medidas tomadas por atores transnacionais para o estabelecimento de um acordo global definindo normas de proteção, estudo e uso sustentável da diversidade biológica existente na Terra. Biodiversidade pode ser considerada a diversidade de formas de vida existentes no planeta. Quando se fala em valor da biodiversidade, é possível estar-se referindo ao seu valor intrínseco, ao seu valor para a sobrevivência humana ou, ainda, ao seu valor para o desenvolvimento sustentável de comunidades locais, dela dependentes diretamente. Estudos têm demonstrado que a manutenção do equilíbrio dos delicados sistemas em que se envolvem as variadas formas de vida na Terra é crucial para a salvaguarda do futuro da humanidade, porque daí depende a melhoria das colheitas de alimentos, num contexto de população crescente, e a descoberta de medicamentos. Discute-se, inicialmente, a relação entre as três imagens preponderantes das relações internacionais: realismo, pluralismo e globalismo. Partindo da imagem pluralista das relações internacionais, enfatiza-se o caráter transnacional do sistema global, e supõe-se que a humanidade seja capaz, em algumas circunstâncias, de transformar relações de interdependência em oportunidades de cooperação, em que todos tenham algo a ganhar. A idéia de que a humanidade aprende enquanto faz história também marca a dissertação. A análise do regime da biodiversidade é feita com os instrumentos metodológicos presentes na literatura sobre regimes ambientais internacionais recente. A evolução dos regimes ambientais internacionais é vista sob uma perspectiva histórica, que se inicia em 1902, quando foi assinado o primeiro tratado ambiental para a proteção dos pássaros úteis para a agricultura e silvicultura, na Europa. Desde então até a Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano; e a partir de Estocolmo até o Protocolo Ambiental do regime antártico, em 1991, são listados os mais importantes momentos da questão ambiental internacional. É analisado o conceito de mudança ambiental global, entendida como a série de alterações na biogeoquímica terrestre causadas por ação humana. O regime do ozônio - Convenção de Viena (1985), Protocolo de Montreal (1987), Emendas de Londres e de Copenhague (1990 e 1992) - é considerado um novo paradigma da política e do Direito Internacional ambiental, exatamente por abordar com sucesso um problema ambiental global: a depleção da camada de ozônio, demonstrando que as relações internacionais podem ser pontuadas por comportamentos racionais e equilibrados, que vão além da fórmula tradicional de atores unitários procurando a todo custo satisfazer suas necessidades, no curto prazo. As dinâmicas e os resultados da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Conferência do Rio - são avaliados em seguida. É analisado o regime do clima, que em sua primeira fase é considerado - em comparação ao regime do ozônio - um exemplo a ser evitado em política ambiental global, pois com a adoção de uma Convenção-Quadro sobre Mudança Climática, trazendo compromissos muito aquém do esperado, teria sido desperdiçada uma oportunidade de fazer avançar a proteção do clima global. Entretanto, são destacados alguns desenvolvimentos recentes que parecem indicar uma transformação positiva na trajetória desse importante regime ambiental global. A história do regime da biodiversidade tem início ainda nos anos 70, quando já se denunciava a necessidade de um tratamento conservacionista global, que articulasse as fragmentadas políticas internacionais de conservação. Entretanto, o processo de preparação das versões preliminares só começa realmente em meados dos anos 80, a partir de uma iniciativa da IUCN - União Internacional para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais. O PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente se envolve no processo de preparação da Convenção a partir de 1987. Já nessa fase preliminar de discussão do texto, ocorre sua primeira importante transformação, ficando superada a concepção inicial sobre o escopo do tratado, que deixa de ser uma simples convenção sistematizadora de atos internacionais sobre conservação preexistentes, para tornar-se um tratado compreensivo e inovador, abarcando toda a agenda da biodiversidade: uma convenção-quadro. Logo que é convocada a Conferência do Rio, fica decidido que a Convenção sobre Diversidade Biológica seria um de seus documentos finais. A partir do momento em que é incluída no processo da Conferência do Rio, a Convenção da Biodiversidade tem suas características alteradas, e o que antes era um tratado conservacionista por excelência torna-se um tratado de desenvolvimento sustentável aplicado à conservação dos recursos biológicos. São, portanto, analisadas as dinâmicas do regime, desde o processo preparatório até a Primeira Conferência das Partes, em novembro/dezembro de 1994. Seguindo-se um modelo de avaliação da eficácia dos regimes, chega-se à conclusão de que o regime tem-se mostrado eficaz, apesar das lacunas que permanecem e dos desafios que se apresentam, agora que se inicia a fase de implementação. Nesse sentido, é possível afirmar que, até aqui, o regime da biodiversidade pode ser considerado um exemplo de que a comunidade de atores transnacionais é capaz de aprender a negociar melhor e em bases mais eficientes e eqüitativas.