Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 Revista Brasileira de Geografia Física ISSN:1984-2295 Homepage: www.ufpe.br/rbgfe O Paradoxo das Mudanças Climáticas no Brasil: Aquecimento ou Resfriamento? Virginia Mirtes de Alcântara Silva1, Maria da Conceição Marcelino Patrício 2, Raimundo Mainar de Medeiros3, Alexandra Lima Tavares4 1 Graduada em Biologia da Universidade Vale do Acaraú. E-mail: [email protected] Mestranda em Recursos Naturais (CTRN/UFCG). E-mail: [email protected] 3 Doutorandos em Meteorologia, Centro de Tecnologias e Recursos Naturais (CTRN)/Programa de Pós-Graduação em Meteorologia, UFCG - Campus I - Avenida Aprígio Veloso, 882, Campina Grande-PB, Brasil, CEP. 58109-970. Email: [email protected] 4 Doutorandos em Meteorologia, Centro de Tecnologias e Recursos Naturais (CTRN)/Programa de Pós-Graduação em Meteorologia, UFCG - Campus I - Avenida Aprígio Veloso, 882, Campina Grande-PB, Brasil, CEP. 58109-970. Email: [email protected] 2 Artigo recebido em 18/08/2010 e aceite em 21/09/2010 RESUMO Este trabalho inicia-se em um breve relato sobre as mais diversas opiniões acerca das mudanças climáticas, enfocando os conceitos de diversos pesquisadores acerca da temática, tão controversa nos meios científicos quanto a nível internacional. Várias opiniões divergem sobre o que realmente originam as mudanças climáticas, a primeira seria que as mudanças climáticas decorrem de ações antropogênicas, provindos do uso de combustíveis fósseis e o crescimento da agricultura alterando na atmosfera um aumento de CO2, que conseqüentemente induziriam a elevação da temperatura, ou seja, ao aquecimento global, entretanto, existem argumentos que se contrapõem ao aquecimento global de longo prazo e defendem um resfriamento global gradativo, baseando-se que o clima sofre influência de forças como o sol e os seus ciclos e os oceanos que cobrem 71% da superfície e que são os grandes reservatórios de calor, e que as mudanças climáticas são de ordem natural, pois a interferência humana é insignificante e apenas traz mudanças a nível local. Essas divergências científicas necessitam de comprovações, pois precisamos entender as conseqüências reais desse processo. Se realmente estamos caminhando para um aquecimento ou resfriamento e se as mudanças climáticas são de ordem natural ou antropogênicas. Palavras- chave: Mudanças climáticas, Aquecimento global, Resfriamento global, Divergências científicas. The paradox of Climate Change in Brazil: Heating or Cooling? ABSTRACT This work begins in a brief report on the diverse views on climate change, focusing on the concepts of various researchers on the theme, so controversial in scientific circles as internationally. Various opinions differ on what really causes climate change, the first climate change that would result from anthropogenic activities, stemming from the use of fossil fuels growth in agriculture and the changing atmosphere in a CO2 increase, which consequently leads to a rise in temperature, or global warming, however, there are arguments to oppose the long-term global warming and advocate a gradual global cooling, based on the climate is influenced by forces like the sun and its cycles and the oceans that cover 71 % of the surface and are the great reservoirs of heat, and that climate change is a natural one, because human interference is negligible and only brings changes at the local. These differences need scientific proof, because we need to understand the real consequences of this process. If we are really heading for a heating or cooling and climate change are of a natural or anthropogenic. Key words: Climate change, Global warming, Global cooling, Scientific differences. 1. Introdução A Evolução é um processo natural do * E-mail para correspondência: [email protected] (Oliveira, G. C. S.). Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. ambiente, o homem sempre esteve sujeito aos impactos da variabilidade climática e o clima sempre influenciou no crescimento ou 307 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 declínio de civilizações, como a Egípcia e conseqüências inevitáveis, desde 1980 os Assíria, que evoluíram em um clima favorável debates no Ótimo Climático do Holoceno, e outras, internacional. como Maia e Nacza, que desapareceram em conseqüências da mudança no clima é a períodos de clima adverso. Também outras elevação civilizações desapareceram por causa do diretamente a ações antropogênicas, pois as clima, a exemplo do Saara que já fora em atividades humanas, com o aumento da vários períodos de sua pré-história povoado e emissão de gases de efeito estufa, com o próspero, mas no tempo, desmatamento indiscriminado, as queimadas e mudanças no seu grandes formação de ilhas urbanas de calor influem decorrer clima do com diferenças de temperaturas diurnas e noturnas tornaram-no cada vez mais seco e quente ganham da destaque Uma das a nível principais temperatura, relacionado diretamente no equilíbrio do planeta. As colunas fundamentais para o provocando a rarefação das precipitações e o aquecimento esgotamento das fontes e dos rios. Hoje o temperatura média global do ar monitorada Saara é um imenso deserto que cobre metade nos últimos 150 anos, o aumento observado da que na concentração de gás carbônico e os antigamente o clima era mais quente que hoje, resultados obtidos com modelos numéricos de no período entre 800 e 1200 d.c e que a simulação de clima. África. Evidências mostram Groelândia (Terra Verde) atualmente coberta O global são: a Intergovernamental série Panel de on de gelo, era habitada pelos nórdicos - Vikings. Climate Change, - Painel Internacional sobre Vários cientistas apontam que o mudanças Climáticas (IPCC), criado em aquecimento global decorre de ações 1988, é um painel científico estabelecido pela humanas, do uso de combustíveis fósseis, gás Organização Meteorológica Mundial (OMM) natural e carvão. Essa opinião não é universal e o Programa das Nações Unidas para o Meio entre o meio científico, outras correntes Ambiente apontam que, ao invés do aquecimento do delegações de 130 governos para ministrar planeta, o que teremos para as próximas duas avaliações regulares sobre as mudanças décadas é um resfriamento, pois o clima climáticas, sob a função de acompanhar independe das ações humanas. cientificamente esse processo, e verificar se as (PNUMA), é composto por ações antropogênicas, através da emissão de 1.1 As Mudanças Climáticas são de origem gases como: dióxido de carbono, vapor de antropogênicas água, nitrogênio, oxigênio, monóxido de Atualmente evidências científicas carbono, metano, óxido nitroso, óxido nítrico demonstram mudanças no clima a nível e ozônio entre outros, exercem uma forte mundial, diretamente afetando a biosfera com influência sobre o clima do planeta elevando a Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. 308 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 temperatura, e que é necessário acompanhar e afirmam que a época mais quente foi a década avaliar esse processo. Ainda no IPCC (2001), de 1990, no final do século XIX, desde que em seu Terceiro Relatório Científico o (TAR), foram feitas as primeiras medições, e a fortes conseqüência imediata desse aquecimento foi evidências que a maior parte do aquecimento o derretimento de geleiras nos pólos e o observado durante os últimos 50 anos é aumento de 10 centímetros no nível do mar atribuída às atividades humanas”. O seu em um século. Naturalmente a terra passa por objetivo principal é “avaliar a informação ciclos naturais de aquecimento e resfriamento, científica, técnica e socioeconômica relevante também para entender os riscos induzidos pela geológica, esses que lançaram na superfície mudança climática na população humana”. uma enorme quantidade de gases que (Marengo & Soares 2003). formaram uma camada gasosa sobre o comprova que “Existe novas e períodos de intensa atividade Relatam que o Quarto Relatório planeta, uma espécie de bolha criando o efeito Científico do IPCC AR4, concluiu que os estufa natural. As ações antropogênicas é um extremos climáticos atingirão todo o planeta e fator determinante ao aquecimento, através da que o aquecimento global dos últimos 50 anos atividade industrial, que diretamente afeta o é originado pelas atividades humanas e que as clima terrestre na sua variação natural. Em regiões mais atingidas serão a dos países 1750, no auge da Revolução Industrial houve menos desenvolvidos na região tropical. um aumento de 31% na concentração Segundo o Relatório Stern, uma atmosférica de carbono 1. Que influenciaram elevação de temperatura no centro dessa faixa no balanço energético do sistema climático, - por volta de 3ºC - poderá acarretar seca na desde 1760 até 1960, houve um aumento de Europa, falta de água para até quatro bilhões CO2 atmosférico de 40ppm, e que durante as de pessoas e milhões de novos casos de atuais quatro décadas aumentou de 277 partes desnutrição. (Stern 2006) por milhão (ppm) para 317 ppm, O IPCC apresentou cerca de 80 mil representando um aumento de 54 ppm, séries de dados que mostram modificações associado principalmente ao aumento no uso significativas em: sistemas físicos: recuos de de combustíveis fósseis. geleiras, irregularidades em rios, lagos e Cracknell et al, (2009), afirmam que oceanos; sistemas biológicos: como alterações existe uma interligação de fatores, pois a no aves, emissão de gases de efeito estufa não é mais animais; sério que a poluição atmosférica, que a mudanças nas regiões de ocorrência e no ciclo depleção da camada de ozônio, a poluição da anual de espécies vegetais. água, a degradação do solo, a perda de comportamento mamíferos, e de outras peixes, espécies Ainda em Marengo & Soares 2003, 1 biodiversidade, o desaparecimento das o gás que impede que o calor do Sol se dissipe nas camadas mais altas da atmosfera e se perca no espaço. Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. 309 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 riquezas minerais e o crescimento ambiente, pois existe uma forte interligação populacional, e que todos esses problemas entre estão conectados entre si. ecossistemas se popularizou através dos Segundo Luedemann & Hardgrave eles. A análise de fluxos nos trabalhos de Howard T. Odum e Eugene P. (2010) concordam que, é extremamente Odum, necessário analisar as ligações do subsistema demonstravam os ecossistemas como sistemas econômico sistema físicos abertos, onde se poderiam medir ambiental global e o fluxo de matéria e fluxos de energia e matéria entrando e saindo energia decorrente das decisões de produção e do sistema. (Figura 1). interligado com o em 1970, onde suas análises consumo e sua interação com o meio Figura 1. Modelo de ecossistema. Fonte: Boletim da sociedade brasileira de economia ecológica 2010, adaptado de Odum, 1988. Concluem que, a todas as mudanças de poluição de mananciais, emissão de gases de ordem global, inclusive as climáticas, são efeito estufa nitrogenados e o aumento da decorrentes de ações antropogênicas que acidez do solo. O aumento excessivo de deslocam matéria e energia gerando diversos nitrogênio no campo é absorvido pelas plantas problemas ambientais. Na Figura 2, relaciona- que o armazenam na forma de substâncias se um dos maiores problemas de impacto potencialmente ambiental está ligado ao uso excessivo de consumidores da cadeia alimentar. Embora o adubos nitrogenados na agricultura e à uso excessivo de nitrogênio e os problemas emissão de gases nitrogenados originados ambientais relacionados sejam aparentemente pelo consumo de combustíveis fósseis são: locais, como seu consumo faz parte do Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. tóxicas e repassam aos 310 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 modelo de produção agropecuária atual, ele 2), podemos refletir sobre essas interligações acontece em todos os lugares e pode ser dos sistemas. “O fato é que a inobservância considerado um problema global. Além disso, dos processos biogeoquímicos é claramente uma vez transformado em fertilizantes, leite, um risco para políticas que visam o carne e outros produtos, o Nr pode ser desenvolvimento de uma nação”. (Luedemann transportado entre os centros produtores e os & Hardgrave, 2010). consumidores por longas distâncias (Figura (a) (b) Figura 2. a) 1000 toneladas de N ao ano comercializados na forma de fertilizantes. Total comercializado ao ano de 30,7 milhões de toneladas (2004). b) 1000 toneladas de N ao ano comercializado na forma de grãos. Total comercializado ao ano de 11,5 milhões de toneladas (2004). Fonte: adaptado de Boletim da sociedade brasileira de economia ecológica 2010. Ainda com base em Luedemann & Climáticas (IPCC), conclui que as alterações Hardgrave, relatam que o resultado do 4º do clima deve-se a ações antrópicas com o Relatório de Avaliação (AR4) do Painel uso de combustíveis de origem fóssil e à Intergovernamental conseqüente emissão de gases de efeito sobre Mudanças Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. 311 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 estufa, em especial o CO2. Com o aumento do (N2O), óxidos de nitrogênio (NOx) e material uso de combustíveis fósseis, há uma tendência particulado contendo metais pesados são igualmente crescente do acúmulo desses emitidos na sua combustão. O processo de elementos e dos compostos transferidos para a Haber, descrito no Gráfico 1. (também biosfera, já que o petróleo, o carvão e o gás conhecido como Processo Haber-Bosch) é natural, uma reação entre nitrogênio e hidrogênio para complexa têm uma composição formada hidrocarbonetos não puros, química apenas contendo por produzir amoníaco. apenas Esta reação é catalisada com o ferro, carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O), e sob as condições de 250 atmosferas também ao fato de a combustão nunca ser de pressão e uma temperatura de 450 °C.: perfeita, muitas substâncias como compostos orgânicos voláteis (VOCs), óxido nitroso N2(g) + 3H2(g) ←→ 2NH3(g) + energia Gráfico 1. Fixação do Nitrogênio atmosférico por diversos processos antrópicos e a faixa onde se deve encontrar a fixação natural de nitrogênio. Fonte: (UNEP/WHRC, 2007). A interferência humana contribuindo regulação do ciclo hidrológico, polinização, com a entrada de elementos dentro do controle de pragas e vetores, armazenamento sistema, movimentando ou deslocando-os, de informação genética” (Luedemann & aumentando, diminuindo sua concentração, Hardgrave, 2010). ocorrem numa velocidade incompatível com as adaptações sofridas pelas O Brasil é vulnerável às mudanças espécies. climáticas atuais e mais ainda às que se “Dentre as conseqüências disto está à perda projetam para o futuro, especialmente quanto de biodiversidade e, conseqüentemente, dos aos extremos climáticos. As áreas mais serviços ecossistêmicos que ela oferece vulneráveis compreendem a Amazônia e o Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. 312 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 Nordeste do Brasil, como mostrado em sistemas florestais para transformação em estudos recentes (Marengo, 2007; Ambrizzi et sistemas agrícolas e/ou pastagem, o que al., 2007; Marengo et al., 2007). implica em transferência de carbono (na Desse modo, Marengo & Valverde forma de dióxido de carbono) da biosfera para (2003) explicam que, de acordo com os a atmosfera, contribuindo para o aquecimento resultados ações global, o qual por sua vez acaba atuando antropogênicas alteram o balanço de radiação sobre a região amazônica. Apontam modelos terrestre e que existem evidências de que de estudos observacionais e em estudos de impactos extremos como secas, enchentes, modelagem a exemplo de: Nobre et al., ondas de calor e de frio, furacões e (1991); Betts et al., (1997, 2000); Chase et al., tempestades têm afetado diferentes partes do (2000); Zhao et al., (2001) concluem que as planeta. alterações na cobertura superficial podem ter do IPCC 2001, as Ainda que no caso do Brasil, as um impacto expressivo no clima regional e evidências desses resultados foram: o furacão global. Catarina em março de 2004, fora as recente paleoclimáticos e de modelagem indicam que seca da Amazônia em 2005 e as secas já essas mudanças na vegetação, em alguns observadas no sul do Brasil em 2004, 2005 e casos, 2006. Conseqüentemente sérios devidas ao aumento do CO2 na atmosfera impactos econômicos, sociais e ambientais, a (Pitman and Zhao, 2000). Adicionalmente, exemplo da influencia das alterações na Schneider et al. (2006) encontraram que o biodiversidade e aumento no nível do mar. desflorestamento da Amazônia levaria a um gerando Com relação as grandes cidades o aquecimento também deve acentuar o Evidências podem ser de trabalhos equivalentes àquelas aumento da variabilidade do Enso e um aquecimento médio leste. anual Esse no Pacífico problema das ilhas de calor, uma vez que equatorial aumento da prédios e asfalto retêm muito mais radiação variabilidade do Enso estaria relacionado com térmica do que as áreas não-urbanas um aumento da temperatura da superfície na Nesse sentido, a Amazônia sofrerá região desflorestada que levaria a mudanças conseqüências irreversíveis sob o ponto de no padrão de vento próximo à superfície, que vista das mudanças climáticas, pois a região se estenderiam até o Pacífico e Atlântico e desempenha um papel importante no ciclo de afetariam o vento superficial sobre o oceano, carbono do planeta, e pode ser considerada com anomalias de oeste no Pacífico leste. como uma região de grande risco do ponto de vista das influências das mudanças climáticas, 1.2 As mudanças climáticas são de ordem pois as ações antrópicas na própria floresta natural estão ligadas diretamente ao desmatamento de Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. Outros pesquisadores defendem que as 313 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 mudanças climáticas ocorrem por fatores de Quaternárias propõem que a variação de ordem natural, e que o clima é controlado parâmetros astronômicos como a inclinação pelo sol e o mar, e que a influência da ação do eixo da Terra e a excentricidade da orbita humana é insignificante, comparada com a terrestre definiriam o clima do planeta, assim força desses dois controladores que ocorrem haveria uma cadeia cíclica na qual o clima em ciclos. oscilaria entre quente e frio intercalados com Segundo o World Meteorological desertos e frio intenso (era glacial). Mesmo Organization (WMO) o clima é definido com sem a médias das condições meteorológicas, isto processamento dos cálculos Milankovitch é, como a descrição estatística (valores concluiu que a inclinação do eixo da Terra médios temperatura, oscila aproximadamente a cada 41 mil anos, precipitação e velocidade dos ventos, em um sendo maior nas regiões polares, tornando-se período de tempo de 30 anos. O sistema mais fraca em direção ao equador. Entretanto, climático é composto de cinco componentes a influência da variação da orbita terrestre maiores: ar, água, gelo, terra, vegetação e das (ciclo de precessão), cujo período é de cerca interações entre eles. de 20 mil anos, provocando a variação da e variabilidade) equipamentos sofisticados para o Salgado & Laboriau (1996), explica distância entre a Terra e o Sol, sendo menor que em 1930, um astrofísico sérvio Milantin nos pólos e maior no equador. Desta forma a Milankovitch, descobriu que a oscilação quantidade de radiação recebida em uma dada climática decorria de pequenas alterações na latitude e estação é determinada pelo ângulo órbita da terra em torno do sol e que essas de inclinação e pela distância entre a Terra e o alterações produzem mudanças na incidência Sol, assim a conjuntura destes parâmetros dos raios de sol em latitudes diversas e em definiriam a temperatura em cada local do várias e seguidas estações do ano. O trabalho planeta variando ciclicamente segundo o de Milutin Milankovitch publicado no Manual autor, [...] Milankovitch calculou as relações de climatologia em Berlin em 1930, cujo entre estes três parâmetros e as conseqüências título original é “Mathematische Klimalehre que acarretaram, e fez a hipótese de que und der quando a redução de energia chegasse ao Klimaschwankungen”2, no qual o autor mínimo a Terra entraria em uma Idade do desenvolveu um modelo matemático baseado Gelo. Em oposição, um interglacial teria lugar na orbita planetária e nas forças gravitacionais quando a soma das três variáveis resultasse de atração entres os corpos celestes para em um máximo de energia recebida [...] explicar a era das glaciações. O Ciclo de (Salgado, Labouriau, 1996, p.266). Astronomische Milankovitch 2 ou Ciclo Theorie das Glaciações Matemática e teoria astronômicas do clima mudanças climáticas. Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. 314 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 Figura 3. Representação dos ciclos de Milankovitch Fonte: Szilagyi (2004). A teoria das glaciações de Milankovith Milankovith. Grootes et. al, (1993), estimou a não foi bem aceita pela comunidade cientifica temperatura do planeta em um período de da época principalmente por causa dos ciclos 2400 anos concluindo que houve uma queda de precessão, porém Hays et. al. 1979, de aproximadamente 1°C na temperatura. descobriu um artefato com cerca de 450 mil Outros especialistas analisaram a variação da anos e analisando parâmetros sensíveis a temperatura com a latitude para um conjunto variação de temperatura refez os cálculos do de dados coletados em período de 1979-1996 modelo glacial usando técnicas avançadas de e concluiu que na zona temperada sul e zona análise a temperada norte apresentam estriamento e modelagem de Milankovich estava coerente, aquecimento respectivamente, enquanto na apresentando apenas algumas divergências zona tropical há uma estabilidade. O modelo entres a periodicidade dos ciclos, e ainda de Milankovith atualmente é o mais aceito segundo o autor a precessão provocaria um pela comunidade cientifica, e como este é tempo de crescimento das geleiras maior que baseado apenas nos parâmetros astronômicos o de recuo, ou seja, haveria um aumento na os cientistas camada de gelo do planeta. matemático acoplado a outros fatores que numérica, mostrando que estão usado este modelo Após 1979 a teoria orbital passou a ser afetam o clima. Apesar de ainda existirem objeto de estudo por outros cientistas que argumentos a favor de uma casualidade entre buscavam estudar variações climáticas do os nosso planeta, e muitos trabalhos foram climáticas, após décadas de discussões, a publicados indução orbital no clima é hoje em dia aceita com base na teoria de Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. períodos orbitais e suas respostas 315 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 pela maior parte dos geocientistas. tendem a elevar o albedo planetário, que hoje Verificamos a importância dos estudos é da ordem de 31%, fazendo com que menos sobre os Ciclos de Milankovitch, pois se vê energia solar chegue a superfície do Planeta, e como as glaciações afetaram, não só o clima gere uma redução na temperatura global, da Terra, mas também a distribuição da biota levando à uma nova “Idade do Gelo”. pelos continentes, tendo estas que procurar Com base nesta afirmativa, o autor abrigo nas chamadas “zonas de refúgio”3. profere que “se a história natural do planeta se Tendo por base o ciclo, percebe-se que repetir e está, portanto, prestes a entrar numa durante a estadia de uma Idade do Gelo, a nova Era Glacial, dentro de, provavelmente, exemplo temos os Desertos, que além de se alguns milhares de anos[...]” (Alves, 2001, p. deslocarem, eles ampliam consideravelmente 12). sua área de abrangência da faixa intertropical, Em 1915, o Climatologista Alfred entre 20° e 45° de latitudes N e S, em direção Wegener revolucionou o estudo da história as zonas de baixas latitudes, tendendo a geológica da Terra, propondo que durante o recuar e retomar suas posições naturais, nos Permocarbonífero, períodos encontravam-se Interglaciares, como o atual. todos reunidos os em continentes um só Podemos inferir então, que os Ciclos supercontinente. “Com base desta hipótese ele Desérticos estão diretamente associados aos reuniu todos os argumentos e evidências Ciclos de geológicas, geográficas e biogeográficas de Milankovitch, e que estes Ciclos Desérticos semelhança entre continentes que eram podem ser entendidos como fases propícias a conhecidas instalação da Desertificação Natural. (Conti Labouriau, 1996; Eicher, 1996, p. 105-108). Glaciares, ou ao Ciclo 1998). naquela época” (Salgado- Como uma das bases de sustentação Alves (2001), estudando as oscilações para sua teoria, Wegener cita a ocorrência de quantidades Tilítos4 climáticas causadas pelo Efeito Estufa e grandes de outros fenômenos climáticos planetários, permocarboníferos afirma que o aumento na concentração de (1856), no sul da Austrália (1856), na África gases como o CO2, o Metano, Óxido Nitroso, do Sul (1870) e no sul do Brasil (1888), o que CFCs etc, na atmosfera do Planeta, associado sugere a existência àquela época de uma a água (nos três estados) e as nuvens, ao invés extensa glaciação em uma região onde hoje o de apenas aumentar o efeito estufa da Terra, clima é quente5. [...] Como todos estes tilítos encontrados na Índia 3 áreas em que a presença de um microclima, ou de um clima regional favorável, permitisse a presença e sobrevivência das espécies biologicamente mais fortes. 4 Tilíto “é uma rocha sedimentar de origem glacial consolidado e não estratificado, composta por argilas com material finíssimo, juntamente com seixos rolados e estriados” (Guerra; Guerra, 1997. p. 612). 5 Deveau et. al (1997) e Rebelo (2000) descrevem em seus trabalhos, os vestígios deixados pelos Glaciares nos arredores da Serra da Estrela, vale do Zêzere, Portugal, onde atuaram de forma marcante no modelado do relevo daquela região da Europa. Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. 316 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 são da mesma época, houve uma glaciação atuam sobre o sistema terra-atmosfera-oceano simultânea no Permocarbonífero de todas é que determinam as condições de tempo e de estas regiões. clima no Planeta, e sua complexa interação, Só há duas explicações possíveis para este fato: 1. ou os pólos responsável pela variabilidade climática. mudaram de lugar [...]; 2. ou os continentes Ainda com base em Molion, o clima se moveram. Wegener escolheu a segunda sofre influência de forças como o sol (e os alternativa [...] (Salgado-Labouriau, 1996, p. seus ciclos) e os oceanos que cobrem 71% da 64). superfície e são os grandes reservatórios de O Clima é o resultado de um processo calor que controla o nosso clima, que se a complexo, variável no espaço e no tempo, que temperatura dos oceanos aumenta influi envolve as diretamente no clima, e que as mudanças superfícies sólidas, a neve e o gelo: “a climáticas são de ordem natural, pois a evolução atmosférico interferência humana é insignificante e apenas nunca é igual de um ano para o outro e traz mudanças a nível local. Dentre os mesmo de uma década para outra, podendo se principais controladores externos, estão a verificar flutuações a curto, médio e longo variação da produção de energia do Sol, as prazo”. (Conti, 1995). mudanças dos parâmetros orbitais da Terra e a a do Neste atmosfera, os oceanos, comportamento (2006), tectônica de placas. O Sol é a principal fonte apresenta uma visão além de científica, de energia para os processos físicos que crítica, pois explica que todos os processos ocorrem físicos atmosfera sugerindo que o Pacífico já esteja em uma particularmente a cobertura de nuvem e o nova fase fria (Figura 4). É possível, portanto, ciclo hidrológico precisam ser mais estudados que o clima global venha a se resfriar nos e que não há dúvida que houve um próximos 15 a 20 anos. aquecimento global nos últimos 150 anos, Existem que contexto, ocorrem Molion na na atmosfera. Enfatiza outras ainda comprovações mas vale ressaltar que no período entre 1350 e indiretas, como os anéis de crescimento de 1850, o clima resfriou, e esse período ficou árvores, cujas análises sugeriram que o clima, conhecido como “Pequena Era Glacial”, a ao oposto, já estaria se resfriando. temperatura chegou a 2o C inferiores às de Ferraz et al (1993), em seus estudos, hoje, atingindo principalmente a Europa analisaram Ocidental, após 1850 o clima começou a colhido na Amazônia Central (Balbina) e aquecer e as temperaturas aumentaram. Ainda constataram que a densidade da madeira em explica que estamos caminhando para um seus anéis de crescimento aumentou nos resfriamento global nos próximos, pois os últimos 400 anos (Figura 5). Observando “forçantes climáticos”, ou agentes físicos que essencialmente que a variação das chuvas seja Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. um Guibourtia hymenfolia, 317 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 o fator ambiental importante no esteve submetido a um clima regional que, desenvolvimento de uma árvore no meio da paulatinamente, veio se tornando mais seco. E Floresta isso só poderia estar acontecendo se o clima Amazônica, mais inferiu-se que o Guibourtia hymenfolia, durante esse período, global estivesse se resfriando. Figura 4. Anomalias da temperatura da superfície do Pacífico no período 1999-2006 (em °C), com relação à média do período 1948-1998. (Fonte dos dados: ESRL/PSD/NOAA) Figura 5. Variação radial da densidade da madeira dos anéis de crescimento de um jatobá-mirim, colhido em Balbina, a 170 km a noroeste de Manaus. (Fonte: Ferraz et al., 1993). 2. Conclusão É preciso antes de tudo, adotar políticas sérias de conservação ambiental, Silva, V. M. A.; Patrício, M. C. M.; Medeiros, R. M.; Tavares, A. L. estabelecendo critérios científicos corretos. Os contextos aqui apresentados precisam ser mais analisados para diminuir as 318 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2011) 307-321 dúvidas ainda vigentes e que apesar do Boletim da sociedade brasileira de economia homem não interferir na ordem natural do ecológica, ECO- Mudanças Climáticas, As clima, ele com suas ações predatórias mudanças interfere ecossistema. mudanças globais. Jorge Hardgrave e Gustavo Precisamos repensar nossas ações para Luedemann. (janeiro a agosto,2010). Ed. em todo o seu que as gerações futuras possam dispor dos climáticas no contexto das Especial n 23/24. p.4-10 recursos naturais que se dispõem atualmente e Chase, .N.; Pielke, R.A.; Kittel, T.G.F.; terem uma vida mais justa. Nemani, R.R. and Running, S.W. (2000). 3. Referencias "Simulated impacts of historical land cover Alves, Adil Ranier. (2001). Efeito estufa e changes on global climate in northern mudanças climáticas. winter". Clim. Dyn., 16, 93-106. 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