Dentistry EDIÇÃO PORTUGUESA 16 10 www.dentistry.pt EDIÇÃO PORTUGUESA Clínica Técnicas avançadas de diagnóstico periodontal As técnicas avançadas de diagnóstico têm por finalidade a detecção precoce dos sítios/pacientes susceptíveis a episódios futuros de destruição periodontal previamente às suas manifestações clínicas. Revisão feita pela Dra. Célia Alves. A placa bacteriana pode ser definida como uma película não calcificada, fortemente aderida às superfícies dentárias, resistindo à presença do fluxo salivar e crevicular. O termo biofilme é usado para designar uma comunidade microbiana encapsulada num polímero que se acumula numa superfície e que também a protege contra colonização de patógenos exógenos. O biofilme é constituído por depósitos bacterianos e constituintes salivares com um crescimento contínuo, sendo considerado a principal causa de patologias como a doença periodontal. O biofilme supragengival é frequentemente caracterizado por uma zona de bactérias Gram negativas e/ou espécies móveis localizadas adjacentemente ao revestimento epitelial da bolsa periodontal, enquanto bastonetes e cocos Gram positivos parecem formar uma camada de organismos firmemente aderidos sobre o esmalte e superfície radicular. As bactérias que colonizam inicialmente a superfície do dente são predominantemente microrganismos facultativos Gram-positivos, tais como Actinomyces viscosus e Streptococcus sanguis. Na colonização secundária, as diferentes espécies de microrganismos (Prevotella intermedia, Prevotella loescheii, espécies de Capnocytophaga, Fusobacterium nucleatum, Porphyromonas gingivalis) aderem às bactérias pré-existentes na placa bacteriana. Os factores de virulência da placa bacteriana dependem da presença ou aumento destes microrganismos específicos, que produzem substâncias que medeiam a destruição dos tecidos do hospedeiro. Essa destruição pode ser condicionada por uma maior expressão genética de mediadores inflamatórios, nomeadamente IL-1, que caracteriza alguns pacientes (pacientes com susceptibilidade genética para a doença periodontal). Dra. Célia Coutinho Alves. Licenciada em Medicina Dentária pela FMDUP – 2000. Pós-graduação em Periodontologia pela FMDUP – 2001. Residência clínica 2004-Pericop. P.C. Dr. Myron Nevins, Boston, EUA. Curso de cirurgia mucogengival em Harvard 2004-Boston-USA. ITI Fellow. Professora Convidada dos mestrados de Periodontologia do ISCSN, Porto, Portugal e Universidade de Santiago de Compostela, Espanha. Aluna de doutoramento da Universidade de Santiago de Compostela. Prática de Periodontologia na Clínica Medicina Dentária Dr. Manuel Neves. Figura 1: Complexos de periodontopatógenos detectados pelos testes microbiológicos utilizando a técnica de PCR (Polimerase Chain Reaction) Figuras 2 e 3: Exemplo de um teste microbiológico utilizado no consultório para pesquisa de periodontopatógenos em pacientes com patologia periodontal – esquema exemplificativo da colheita do biofilme bacteriano através de cones de papel introduzidos na bolsa periodontal Figuras 4 e 5: Colheita de biofilme subgengival através da inserção de cones de papel estéreis nas quatro bolsas periodontais mais profundas durante 30s e posterior reserva em tubos de plástico para posterior análise microbiológica pela técnica de PCR Figura 6: Resultados de teste microbiológico com informação das espécies periodontopatogénicas presentes e da sua carga (quantidade) Testes microbiológicos Figura 7a: Teste de susceptibilidade genética à doença periodontal b) Zaragatoa para colheita de células epiteliais da mucosa jugal c) Sequência exemplificativa da colheita Os procedimentos tradicionais utilizados para o diagnóstico da doença periodontal, tais como profundidade de sondagem, nível de inserção e a avaliação radiográfica fornecem a informação da actividade passada da doença, mas não da presente actividade sítio-específica, nem da possibilidade de futura perda de inserção. Contudo, técnicas avançadas de diagnóstico têm por finalidade a detecção precoce dos sítios/pacientes susceptíveis a episódios futuros de destruição periodontal previamente às suas manifestações clínicas. Os testes microbiológicos (testes relacionados com a flora oral) e os testes de susceptibilidade genética (testes relacionados com a resposta do hospedeiro) podem permitir isso mesmo Figura 8: Resultado positivo do teste de susceptibilidade genética para a doença periodontal (PST+) e devem ser encarados segundo as seguintes perspectivas: • Fazer o screening duma população relacionados com um paciente específico: 1. sítios activos/inactivos 2. prognóstico da doença 3. monotorização da terapia • Responder a questões de investigação Dentre os testes microbiológicos disponíveis, podem ser destacados: a cultura bacteriana, a microscopia de contraste de fase e de campo escuro, métodos enzimáticos, testes imunológicos e técnicas de biologia molecular. Dentistry EDIÇÃO PORTUGUESA 18 Clínica www.dentistry.pt Cultura bacteriana O método de cultura, ou seja, o cultivo, isolamento e a identificação das espécies periodontopatogénicas é considerado como método padrão quando comparado às outras metodologias. Neste método, a placa bacteriana é semeada num meio seletivo ou não-seletivo, e a microbiota cultivável predominante é identificada. Considerado o único método existente capaz de identificar novas espécies, consegue ainda detectar múltiplas espécies bacterianas simultaneamente. A sua grande vantagem é a possibilidade de verificar a sensibilidade microbiana aos antibióticos. Contudo, é de pouca praticidade por se tratar de um processo demorado, além de muito oneroso para ser utilizado rotineiramente. Outra desvantagem é a limitação técnica pela dificuldade de cultivar espécies quando estas estão em número reduzido. Além disso, o teste de cultura nem sempre pode revelar a real população microbiana, já que algumas bactérias na bolsa periodontal não são viáveis in vitro. Algumas bactérias importantes encontradas no biofilme subgengival, como Treponema sp., C. rectus e Tannerella forsythensis, que requerem condições estritas de crescimento, como condições de anaerobiose, são difíceis de serem detectadas por meio de cultura. Técnicas de biologia molecular As técnicas de análise de DNA e RNA baseiam-se na capacidade de hibridização do DNA com sequências complementares de DNA ou RNA. Devido à alta sensibilidade e especificidade, estes testes são importantes na detecção de patógenos de difícil cultivo, de microrganismos que compõem uma microbiota mista ou ainda daqueles presentes em números reduzidos. Algumas técnicas de hibridização são capazes de fornecer um acesso simultâneo a mais de 40 espécies bacterianas. A Reação de Polimerase em Cadeia (PCR) é uma amplificação in vitro de sequências de nucleotídeos (primer) de DNA ou RNA por meio de repetidos ciclos de desnaturação, anelamento e extensão dos mesmos por meio da polimerase do DNA. A sensibilidade e a especificidade extremas desta técnica permitem a detecção de cerca de 10 patógenos entre uma amostra da ordem de 100 bactérias. O PCR é teoricamente capaz de detectar um único microrganismo numa amostra clínica pela sua habilidade de transformar um único segmento de DNA em milhares de cópias idênticas. A tecnologia padrão do PCR apresenta, no entanto, limitação quanto à quantificação do microrganismo. O advento recente do real-time PCR com primers espécie-específicos fornece um método altamente sensível e específico para a detecção precisa do micro-organismoalvo e, ao mesmo tempo, permite a quantificação de espécies bacterianas individualmente. O teste mostra-se capaz de distinguir diferentes espécies de espiroquetas. Há casos em que a sonda é dispensada, reduzindo os preparos e o custo da técnica. O real-time PCR é mais preciso e menos laborioso que os métodos de PCR quantitativos anteriores. Além disso, não necessita de manejamento manual posterior, prevenindo uma potencial contaminação do produto no transporte. A técnica de PCR apresenta vantagem em relação às outras técnicas microbiológicas, pela extrema sensibilidade e especificidade e mostra-se extremamente prática para ser usada no consultório dentário. Nos casos de periodontite agressiva ou periodontite crónica progressiva (se há perda de inserção de ≥ 2mm em ≥ 4 dentes entre reexaminações anuais) poderemos considerar a hipótese de proceder a testes microbiológicos que nos oferecem, hoje em dia, grande valor preditivo negativo e que cada vez mais se tornam efectivos na previsão da progressão da doença periodontal. Os testes microbiológicos executados pela técnica de PCR (Polimerase Chain Reaction) são extremamente práticos e fáceis de realizar, apresentando algumas vantagens importantes: • Grande sensibilidade – detecta pequenas quantidades de DNA bacteriano. • Alta especificidade – primers específicos • Resultados reprodutíveis • Tempo de análise curto • Detecta bactérias de difícil crescimento (espiroquetas) Os testes avançados de diagnóstico periodontal, nomeadamente os microbiológicos, têm como principais indicações: • Bolsas > 4 mm de profundidade com BOP (apesar da excelente higiene oral) • Periodontites resistentes à terapia • Infecções agudas e/ou progressivas • Infecções em implantes osteointegrados Permitindo, assim, uma análise quantitativa do agente patogénico é um marcador altamente sensível e específico de forma a optimizar as decisões terapêuticas e intervalos de follow-up; # permite a escolha de antibióticos adequados melhorando a taxa de sucesso terapêutico; # permite a monitorização do sucesso terapêutico, o diagnóstico precoce de recidiva durante o tratamento e a avaliação do risco de fracasso dos implantes prévia a uma reabilitação protética extensa. Este tipo de testes apresenta como principais desvantagens o facto de não permitir a elaboração de testes de sensibilidade a antibacterianos e de apenas encontrarmos as espécies bacterianas para as quais temos os primers específicos. A colheita é feita através da inserção de cones de papel estéreis nas quatro bolsas periodontais mais profundas durante 30s, fazendo um pool para uma análise das quatro amostras como um todo ou constituindo cada cone uma análise individual, sendo o resultado obtido separadamente para as quatro amostras. A análise de agentes patogénicos fornece dados sobre a qualidade e quantidade de cinco e 11 espécies periodontopatogénicas, bem como a sua afiliação nos chamados “complexos bacterianos”. O resultado obtido permite-nos saber não só quais as espécies bacterianas presentes, bem como a carga (quantidade) em que se encontram numa dada amostra. Face aos resultados dos testes microbiológicos podemos direccionar muito mais eficazmente a terapia antibiótica: se a carga bacteriana mais elevada for de Porphyromonas gingivalis podemos apenas recorrer à amoxicilina / ác. clavulânico 3x/500mg/dia durante sete dias, mas se por outro lado for a Tannerella forsythensis a espécie predominante, uma terapia com metronidazol será por si só eficaz e se se tratar duma infecção maioritariamente por Aggregatibacter actinomycetemcomitans, então a terapia combinada da associação amoxicilina / ác. clavulânico + metronidazol está mais indicada. A antibioticoterapia sistémica e a terapia cirúrgica às quais podemos recorrer se a terapia inicial não-cirúrgica não for totalmente eficaz no sentido de travar a progressão da doença, poderão constituir uma mais-valia numa segunda fase de tratamento, uma vez que assim mais facilmente se promove a remoção do tecido infectado da parede das bolsas e furcas, há uma maior redução da PS e uma diminuição da carga bacteriana com capacidade invasora do tecido conjuntivo (A.a. e espiroquetas). Testes de susceptibilidade genética Factores genéticos e ambientais estão associados à susceptibilidade do paciente à Periodontite Agressiva. Alguns polimorfismos têm sido relacionados com a intensidade da resposta do hospedeiro ao biofilme bacteriano. A interleucina (IL)-1 é uma citocina pró-inflamatória que tem relação com a severidade da doença periodontal, a destruição óssea e de tecido conjuntivo. A expressão de IL-1α e IL-1β é regulada pelos genes IL-1A e IL-1B, respectivamente. Além disso, pacientes com Periodontite Agressiva contêm níveis elevados de leucócitos periféricos e globulina sérica, enquanto a albumina sérica e a razão albumina/globulina estão diminuídas. Há também aumento na concentração de anticorpos reactivos com um número limitado de periodontopatógenos, na concentração serosa de imunoglobulina G (IgG), principalmente de IgG2, e de proteína C-reativa. A agregação familiar é uma ocorrência comum na Periodontite Agressiva. A explicação para essa agregação seria a transmissão de polimorfismos genéticos que alteram a susceptibilidade do hospedeiro à doença, exacerbando a resposta inflamatória. Os testes de susceptibilidade genética (PST) para a doença periodontal permitem optimizar os intervalos de follow-up para cada paciente, motivá-lo para o tratamento e monotorizar o risco perante uma reabilitação protética extensa. É muito simples de fazer no consultório, uma vez que apenas necessita da recolha de algumas células epiteliais da mucosa jugal do paciente fazendo passar uma zaragatoa várias vezes em contacto directo com a mucosa. A zaragatoa é depois reservada num tubo de plástico e enviada para o laboratório de análises genéticas. O resultado virá expresso pela positividade para a IL- 1 β (PST+) determinando que o respectivo paciente é mais susceptível à destruição periodontal ou, pelo contrário, pela sua negatividade (PST-). Os resultados destes testes avançados representam a base ideal para a concepção de terapia individual, o que permite aumentar significativamente a taxa de sucesso da terapia, enquanto a taxa de recidiva pode mais facilmente ser reduzida. Devido às variações individuais na composição da placa sub-gingival e susceptibilidade genética, uma terapia alvo só será possível através da análise da carga bacteriana individual. Conhecer a composição e a concentração da carga bacteriana permite a criação de uma estratégia de terapia individual com uso mínimo de antibióticos. Conhecer a susceptibilidade genética de cada paciente permite motiválo e direcionar melhor as consultas de terapia periodontal de suporte de forma a minimizar as recidivas. n Os artigos da autoria da Dr.ª Célia Alves não têm cariz científico, mas pretendem apelar para a importância dos temas relacionados com a Periodontologia.