PREVALÊNCIADA RESISTÊNCIA A CIPROFLOXACINA E TRIMETOPRIM/SULFAMETOXAZOL EM ENTEROBACTÉRIAS ISOLADAS DE UROCULTURAS Carla Maria Laguardia Cantarutti 1 Carina Rau2 RESUMO As infecções do trato urinário figuram como a segunda infecção mais comum do ser humano. Na maioria dos casos, os profissionais prescrevem antimicrobianos antes do resultado da cultura, com base nos dados epidemiológicos que citam as enterobactérias como principais agentes etiológicos dessa patologia. O objetivo desse estudo foi avaliar a prevalência da resistência dos dois antibióticos mais prescritos no caso de infecção urinária – ciprofloxacina e sulfametoxazol/trimetoprim, tendo em vista o aumento de micro-organismos multirresistentes causadores de cistites. Este é um estudo retrospectivo realizado por meio da análise de dados produzidos pelo aparelho MicroScan do Laboratório de Microbiologia do Departamento Médico da Câmara dos Deputados, em Brasília, no período de janeiro de 2006 a agosto de 2010. Foram analisadas 636 uroculturas positivas para enterobactérias, sendo que Escherichiacoli, Klebsiellapneumoniaee Proteusmirabilisforam as bactérias mais prevalentes. Tais micro-organismos apresentaram 36,1% de resistência a sulfametoxazol/trimetoprim e 10,8% a ciprofloxacina. Durante o período estudado, observou-se um aumento estatisticamente significativo da resistência a sulfametoxazol/trimetoprim (p<0,05). Concluise que a terapia empírica com sulfametoxazol não é adequada devido a sua crescente taxa de resistência e que estudos constantes da resistência bacteriana são imprescindíveis para a escolha adequada da terapia empírica. PALAVRAS-CHAVE:Infecção do trato urinário; Resistência bacteriana; Enterobactérias; Uroculturas ABSTRACT Urinarytractinfections are thesecondmost common infection in humans. In most cases, professionalsprescribeantimicrobialsbeforeresultsofurine cultureonthebasisofepidemiologicaldata thatmentioningtheenterobacteria as mainetiologicalagentsofthispathology. The aimofthisstudywastoevaluatetheprevalenceofresistanceoftwomostprescribedantibiotics in urinarytractinfection-ciprofloxacinandsulfamethoxazole-trimethoprim, in viewoftheincrease in multidrugresistantorganismsthat cause cystitis. Thisis a retrospectivestudyconductedthroughtheanalysisof data producedbytheapplianceofMicroScanonMicrobiologyLaboratoryofthe Medical Departmentofthe Câmara dos Deputados, in Brasilia - Brazil, fromJanuary 2006 to August 2010. 636 urine weretested positive for Enterobacteriaceae, beingEscherichia coli,KlebsiellapneumoniaeandProteusmirabilisthemostprevalentbacteria. Suchmicroorganismsshowed 36.1% resistancetosulfamethoxazole-trimethoprimand 10.8% tociprofloxacin. Duringthestudiedperiod, therewas a statisticallysignificantincreaseofresistancetosulfamethoxazole-trimethoprim (p<0.05). It isconcludedthatempiricaltherapywithtrimethoprimisnotsuitabledueto its increasingstrengthand rate constantofbacterialresistancestudies are indispensabletotheproperchoiceofempiricaltherapy KEYWORDS:Urinaryinfections;bacteriaresistance; enterobacteria; urine cultures. 1 Biomédica graduada pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Email: [email protected] 2 Orientadora. Farmacêutica Industrial graduada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mestre em Ciências Farmacêuticas pela UFPR. Orientadora e avaliadora de TCC da Pós-Graduação em Vigilância Sanitária da Universidade Católica de Goiás- PUC/GO/IFAR e do Grupo UNINTER. Email: [email protected]. 1INTRODUÇÃO Cultura de urina positiva (>100.000 UFC) associada ao quadro clínico característico é sugestivo de infecção urinária. A infecção do trato urinário (ITU) consiste na colonização microbiana da urina com a invasão tecidual de qualquer estrutura do trato urinário (POLLETO; REIS, 2005), sendo uma das afecções mais comuns da clínica médica, figurando como a segunda infecção mais comum no ser humano (PIRES et al., 2007; ESPINOSA, 2013). Os maiores responsáveis pela ITU são os micro-organismos da família das Enterobactérias, principalmente Escherichia coli, mais frequente, seguida dos demais gram negativos Proteusspp., Klebsiellaspp.eEnterobacterspp. (DUARTE et al., 2002; HEILBERG; SCHOR, 2003; POLLETO; REIS, 2005; KOCH et al., 2008). O segundo agente infeccioso mais importante é oStaphylococcussaprophyticus, que é frequente no sistema urinário das mulheres jovens e sexualmente ativas. Nas ITUs complicadas, a incidência de Pseudomonas é maior, assim como de Enterococcus(GILLESPIE, 2006). Os sintomas clínicos da ITU são disúria, polaciúria, urgência miccional, dor em baixo ventre, arrepios ou calafrios, com presença ou não de dor lombar. Podem fazer parte do quadro clínico mal estar e indisposição. No adulto, existe superposição entre os sintomas clínicos de ITU baixa (cistite) e alta (pielonefrite). No entanto, a febre e a dor lombar são mais comuns na pielonefrite, que se acompanha também de toxemia e queda do estado geral mais importante (PIRES et al., 2007). Na maioria dos casos de ITU, os profissionais prescrevem antimicrobianos antes dos resultados da urocultura, simplesmente com base nos dados epidemiológicos que citam as Enterobactérias como o principal agente etiológico de ITU (POLLETO; REIS, 2005; COLLANTES, 2012; ESPINOSA, 2013). Diante dessa problemática, percebe-se a importância da avaliação constante do perfil de sensibilidade dos agentes etiológicos aos grupos de antimicrobianos mais utilizados em seu tratamento e da conscientização no momento da prescrição empírica do antimicrobiano, uma vez que o aumento da resistência bacteriana acarreta dificuldades no controle de infecções, no tratamento do paciente e contribui para o aumento dos custos do sistema de saúde (HEILBERG; SCHOR, 2003). O objetivo do presente trabalho foi avaliar a prevalência de resistência a ciprofloxacina e ao trimetoprim/sulfametoxazol em enterobactérias isoladas de uroculturas positivas de pacientes ambulatoriais de um serviço médico particular localizado em Brasília, Distrito Federal. 2 REFERENCIAL TEÓRICO O tratamento para a ITU é feito por meio de antibióticos, geralmente escolhidos empiricamente quando a cistite é não complicada. Os antibióticos são compostos naturais ou sintéticos capazes de inibir o crescimento ou causar morte de fungos ou bactérias. Podem ser classificadas como bactericidas, quando causam a morte da bactéria, ou bacteriostáticos, quando promovem a inibição do crescimento microbiano (GUIMARÃES et al., 2010). O sulfametoxazol/trimetoprim (SMZ-TMP) é considerado a droga de primeira linha para o tratamento de cistite aguda por diversos autores (MAGALHÃES et al., 2008; STAMM, 2008). O sulfametoxazol pertence à classe das sulfonamidas, também conhecidas como sulfas, testadas pela primeira vez em 1930 como fármacos antibacterianos e em associação ao trimetoprim, constitui o medicamento para ITU e também para pacientes portadores do vírus HIV que apresentam infecções por Pneumocystiscarinii. Essa associação especial foi formulada com a finalidade específica de combinar agentes que inibissem a atividade em dois estágios sequenciais do metabolismo bacteriano. O SMZ-TMP bloqueia dois estágios da síntese do ácido fólico pelas bactérias (REESE; BETTS; GUMUSTOP, 2002). No que se refere ao espectro de ação, o trimetoprim tem, por si só, um amplo espectro de ação contra bactérias gram positivas e gram negativas. O sulfametoxazol é menos ativo isoladamente, mas incrementa a atividade do trimetoprim quando combinado a ele (TAVARES, 2009). A outra classe de medicamentos mais utilizada nas ITUs é a classe das fluoroquinolonas, principalmente a ciprofloxacina, sendo este o medicamento mais utilizado nos EUA e na Espanha para o tratamento dessa patologia (CAMPOS; OTEO, 2004; DREKONJA; JOHNSON, 2008) e no Brasil, representou 19% de todas as vendas de antibióticos em 2004 (MAGALHÃES et al., 2008). A introdução de fluoroquinolonas, grupo ao qual pertence a ciprofloxacina, na década de 80, significou sem dúvida, um avanço no tratamento de infecções por bactérias multirresistentes, particularmente no trato urinário. As fluoroquinolonas são agentes bactericidas que agem inibindo a topoisomerase IV de bactérias gram positivas e em bactérias gram negativas, seu alvo é a topoisomerase II, também conhecida como DNA girase. As DNA-topoisomerases mudam o número de ligações no DNA superenrolado através das quebras transitórias no DNA, que se torna topologicamente relaxado devido a quebra temporária em uma fita ou em ambas as fitas ao mesmo tempo (tipo II). Topoisomerases são essenciais para a viabilidade celular em células procarióticas e eucarióticas (RANG; DALE, 2003; TAVARES, 2009). As quinolonas são o grupo de antimicrobianos que apresenta maior número de representantes atualmente, porém, têm sido associadas à indução de resistência bacteriana contra múltiplas drogas, inclusive carbapenêmicos, aminoglicosídeos e cefalosporinas; isso ocorre principalmente por meio da indução da expressão de bombas de efluxo capazes de expulsar da célula bacteriana diversos tipos de antibióticos (BARROS et al., 2008; TAVARES, 2009) . A ciprofloxacina é a droga de referência nesse grupo, pois sua atividade contra gram negativos não foi superada até o momento, mesmo quando comparada às novas quinolonas de quarta e quinta gerações. Entretanto, o abuso no emprego dessas drogas, incluindo profilaxias, levou a um aumento progressivo nas taxas de resistência (BARROS et al., 2008). A resistência antimicrobiana tem resultado em complicações no tratamento das ITUs, visto que a prevalência da resistência ao SMZ-TMP e às fluoroquinolonas em uropatógenos vem atingindo níveis críticos em várias partes do mundo (DREKONJA; JOHNSON, 2008). Essa resistência pode ser considerada um fenômeno ecológico que ocorre como resposta da bactéria frente ao amplo uso de antibióticos e sua presença no meio ambiente (GUIMARÃES et al., 2010). A sensibilidade aos antibióticos no momento do tratamento varia dependendo da população estudada. A maioria dos uropatógenos mostra-se menos sensível a associação SMZ-TMO, no entanto, as quinolonas constituem-se em droga de primeira escolha no caso de infecções não complicadas e na profilaxia (TAVARES, 2009; GUIMARÃES et al., 2010). A escolha de um antimicrobiano deve levar em conta, além da sensibilidade das bactérias mais prevalentes, outros fatores, tais como: a facilidade de obtenção pelo paciente, a sua tolerabilidade, a comodidade do esquema posológico, seu custo e sua toxicidade (DUARTE et al., 2002). O uso frequente, e muitas vezes inadequado, de antibióticos, tanto em nível hospitalar quanto domiciliar, tem sido fator determinante da emergência de infecções por cepas multirresistentes. A definição de bactéria multirresistente não obedece a critérios bem estabelecidos, contudo um critério comumente utilizado tem sido a resistência a duas ou mais drogas de classes distintas, para as quais as bactérias são habitualmente sensíveis. Esse fato pode emergir de maneira intrínseca ou extrínseca, por mutação ou aquisição de material genético de resistência (TAVARES, 2009). 3METODOLOGIA Foi realizado um estudo retrospectivo baseado na análise de resultados do aparelho de automação MicroScan – DadeBehring. Foram analisadas 636 amostras de urinas positivas recebidas no período de janeiro de 2006 a agosto de 2010 de pacientes ambulatoriais atendidos na Coordenação do Laboratório de Análises Clínicas do Departamento Médico da Câmara dos Deputados (COLAB/DEMED), em Brasília. Esse serviço médico atende Deputados, servidores, dependentes e pensionistas. O presente estudo foi aprovado inicialmente pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) (Parecer N° CAAE 0139/2010). As uroculturas foram processadas conforme descrito nos Procedimentos Operacionais Padrões (POP) do laboratório, utilizando a cultura quantitativa: as amostras foram semeadas através do método da alça calibrada de 0,01mL, em ágar CLED (cistina-lactose eletrólito deficiente), ágar McConkey e também em ágar Sangue de Carneiro. As culturas foram incubadas durante 24 horas, a 35°C. Após o isolamento primário, as amostras foram submetidas a identificação e determinação da susceptibilidade frente ao painel de urina (automação MicroScan – DadeBehring). As recomendações do fabricante do produto para inoculação e incubação dos painéis foram rigorosamente seguidas. Após 18 a 24 horas de incubação a 35°C, os painéis foram lidos no sistema MicroScan. Os dados gerados pelo aparelho foram analisados para a realização do presente estudo. Foram incluídos somente os resultados com identificação positiva para Enterobactérias e os antibióticos ciprofloxacina e trimetoprim/sulfametoxazol tiveram sua sensibilidade analisada. Os dados então foram organizados, processados e analisados no programa SPSS for Windows 10.0. Foi realizado o teste doχ² para comparação da prevalência entre os grupos estudados, sendo os valores de p<0,05 estatisticamente significativos. 4RESULTADOS Foram identificadas 636 uroculturas positivas para Enterobactérias, cujos micro-organismos isolados estão descritos na Tabela 1. Escherichia coli, Proteusmirabilis e Klebsiellapneumoniaeforam as três bactérias mais frequentemente identificadas nas amostras de urina, com prevalências de 81,4%, 6,1% e 6,0% respectivamente, conforme se observa no Gráfico 1. Todas as outras bactérias identificadas somaram juntas 6,4% das infecções. Foram incluídas na análise final somente 595 uroculturas com presença de uma das três bactérias mais prevalentes, como realizado nos estudos de Koch e colaboradores (2008). P. mirabilis 6,4% K. pneumoniae 6,6% E. coli 0,0% 87,1% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0% GRÁFICO 1 - Distribuição etiológica de infecção do trato urinário Fonte: Dados do autor TABELA 1 - Frequência de micro-organismos causadores de ITU no período de 2006 a 2010 Micro-organismo Frequência n % E. coli 518 81,4% K. pneumoniae 39 6,1% P. mirabilis 38 6,0% Outros 41 6,4% E. aerogenes 12 1,9% C. koseri 7 1,1% M. morganii 6 0,9% E. cloacae 5 0,8% K. oxytoca 3 0,5% S. marcescens 2 0,3% Salmonella spp. 2 0,3% E. agglomerans 1 0,2% K. ornithinolytica 1 0,2% K. ozaenae 1 0,2% P. vulgaris 1 0,2% 636 100,0% Total Fonte: Dados do autor A Tabela 2 mostra as prevalências da resistência antimicrobiana das três bactérias uropatogênicas. A E. coli apresentou a maior prevalência de resistência bacteriana aos antibióticos testados, com uma média de 24,8%, seguido de P. mirabilis(14,5%) e K. pneumoniae(14,1%). As bactérias apresentaram maior prevalência da resistência ao SMZ-TMP com média de 36,1%, ao passo que a prevalência da resistência a ciprofloxacina foi de 10,8%. TABELA 2 - Resistência bacteriana aos antibióticos testados Resistência Prevalência Ciprofloxacina SMZ-TMP N % n % n % E. coli 518 87,1% 61 11,8% 196 37,8% K. pneumoniae 39 6,6% 2 5,1% 9 23,1% P. mirabilis 38 6,4% 1 2,6% 10 26,3% 100,0% 64 10,8% 215 36,1% Total 595 Fonte: Dados do autor Legenda: N: número total, n: número de micro-organismos resistentes A Tabela 3 mostra a evolução temporal da resistência bacteriana aos antibióticos testados durante o período estudado (2006-2010). Baseando-se no teste do χ², percebe-se que ao longo de 4 anos e meio de análise, as bactérias estudadas diminuíram sua resistência ao antibiótico sulfametoxazol/trimetoprim de maneira estatisticamente significante (p=0,018884). Com relação a ciprofloxacina, foi encontrado um p valor > 0,05 (p= 0,92464), o que define um aumento da resistência que não é significativo ao longo dos anos. TABELA 3 - Evolução temporal da resistência bacteriana aos antibióticos em infecções do trato urinário 2006 2007 2008 Antibiótico n N % n N % n N % Ciprofloxacina 15 134 11,2 14 126 11,1 9 90 10,0 SMZ-TMP 45 134 33,6 58 126 46,0 33 90 36,7 Fonte: Dados do autor Legenda: N: número total, n: número de micro-organismos resistentes 2009 2010 n N % 17 140 12,1 53 140 37,9 n N % 9 105 8,6 26 105 24,8 5DISCUSSÃO No presente estudo, observou-se a E. coli como principal agente isolado nas uroculturas positivas. Esse achado está em concordância com a literatura existente sobre o tema, inclusive no que se refere à frequência encontrada (81,4%), já que muitos outros estudos, nacionais e de outros países, apontam a frequência de E. coli igual a 70%, 80% e até 95% (HEILBERG; SCHOR, 2003; POLLETO; REIS, 2005; MCQUILKIN, 2008; TAGAJADID, 2010; COLLANTES, 2012; ESPINOSA, 2013). A frequência dos patógenos K. pneumoniae e P. mirabilis também se assemelha aos demais estudos, nos quais os números não ultrapassam a marca de 10% (HEILBERG; SCHOR, 2003;VIEIRA et al.,2007; HORNERet al.,2008; MCQUILKIN, 2008). Com relação à resistência aos antibióticos, a E. coli apresentou resistência ao SMZ-TMP semelhante aos dados encontrados na literatura, girando em torno de 40% (POLLETO; REIS, 2005; HORNER et al.,2008). Os resultados do presente estudo sugerem que o sulfametoxazol/trimetoprim não seja mais considerado como droga de primeira escolha para o tratamento de infecção do trato urinário no local onde se realizou a pesquisa (Brasília-DF), uma vez que a literatura não recomenda o uso desse antimicrobiano como droga de primeira escolha em áreas cuja resistência da E. coli frente a essa associação seja maior que 20% (MAGALHÃES et al., 2008; GUIMARÃES et al., 2010). Em contrapartida, os micro-organismos K. pneumoniaee P. mirabilis tiveram suas resistências ao SMZ-TMP muito abaixo do encontrado na literatura revisada (respectivamente 23,1% e 26,3%), na qual os resultados observados giram em torno de 40 a 50%. Segundo Guimarães e colaboradores (2010), mesmo estando abaixo do esperado, é recomendável que o SMZ-TMP não seja a droga de primeira escolha, visto que a resistência a esse medicamento encontra-se acima de 20%. As fluoroquinolonas representam outra classe de antimicrobianos considerada eficiente para o tratamento de infecções urinárias (HEILBERG; SCHOR, 2003; CAMPOS; OTEO, 2004; DREJONKA; JOHNSON, 2008). Os resultados do presente estudo se assemelham aos resultados obtidos por Vieira e colaboradores em 2007, cuja resistência apresentada pela E. coli a ciprofloxacina foi de 11,2%. Em várias referências da literatura, observou-se um resultado semelhante, porém Neto e colaboradores, em 2003,descreveram uma resistência de 30% frente a ciprofloxacina pelas cepas de E. colie Amadeue colaboradores em 2009, encontraram absolutamente todas as cepas de E. coli sensíveis a este medicamento. Os resultados encontrados para K.pneumoniaee P. mirabilis com relação a resistência a floroquinolona testada foram compatíveis com a maioria dos artigos revisados, com resistência em torno de 4-6% para ambos os micro-organismos. Apenas um artigo relatou uma resistência da K. pneumoniaede 30% em relação a ciprofloxacina, descrito por Horner e colaboradores, num estudo realizado no Hospital Universitário de Santa Maria, Rio Grande do Sul, no ano de 2008, sendo um dado muito preocupante para o cenário de bactérias resistentes. O aumento da prescrição de ciprofloxacina para infecções do trato urinário se associou de maneira significativa ao aumento da resistência dos uropatógenos a norfloxacina, independente de outros fatores como a idade e o sexo (CAMPOS; OTEO, 2004). Essas altas taxas de prescrição geram o consequente aumento da resistência às fluoroquinolonas e fracassos terapêuticos com relação a estes antibióticos. O papel do uso prévio de quinolônicos e de certas peculiaridades da bactéria infectante no aumento da resistência a ciprofloxacina deve ser visto como uma importante questão a ser observada e estudada em pesquisas futuras (CAMPOS; OTEO, 2004; TAVARES, 2009). Ao avaliar a evolução temporal da resistência bacteriana a ciprofloxacina, não se observa um aumento estatisticamente significativo em relação a este antibiótico. Porém, sabe-se que este aumento vem ocorrendo em outras regiões, algo que não se percebia há alguns anos, como no trabalho realizado por Lapchik e colaboradores em 1995, no qual não se encontrou nenhuma resistência a ciprofloxacina. Lopes e colaboradores em 1998 analisaram a evolução temporal da resistência a ciprofloxacina do ano de 1983 ao ano de 1994, observando-se um aumento quase triplicado da resistência ao comparar o primeiro triênio com o último triênio. Este aumento foi maior para as bactérias Klebsiella spp. e Staphylococcus spp.; Já as bactérias E.coli e Proteussppnão tiveram aumento significante para resistência a este antibiótico. Koch e colaboradores em 2008 relataram um aumento de 3,3% na resistência a ciprofloxacina no período de 2000 a 2004. Analisando o perfil de resistência ao sulfametoxazol/ trimetoprim, é possível perceber uma diminuição estatisticamente significativa da resistência a este antibiótico no período estudado (p=0,01). Por outro lado, encontrou-se outro resultado no estudo de Koch e colaboradores em 2008, no qual houve um crescimento significativo estatisticamente (p=0,04) num período de 4 anos estudados. Em estudo publicado no The Journalofthe American Medical Association (JAMA) de fevereiro de 1999, pesquisadores da Universityof Washington Schoolof Medicine (EUA) demonstraram que as bactérias comumente associadas à cistite estão cada vez mais resistentes ao trimetoprim e a associação de sulfametoxazol e trimetoprim (MCQUILKIN, 2008). Tavares, no ano de 2009, relatou que o uso indiscriminado, ao longo dos anos, do SMZ-TMP para o tratamento de cistite seria um dos principais fatores responsáveis pelo aumento crescente da resistência dos patógenos causadores de ITU devido a pressão seletiva da flora microbiana endógena. Por vezes, o tratamento empírico, sem o conhecimento do perfil local de resistência gera a maior utilização de antibióticos de amplo espectro, estimulando, dessa forma, o desenvolvimento de cepas locais resistentes (CAMPOS; OTEO, 2004). Algumas limitações metodológicas deste estudo devem ser observadas. Os dados foram obtidos em pacientes atendidos em um laboratório que atende servidores, dependentes e pensionistas da Câmara dos Deputados. Portanto, a amostra deste estudo representa parte dos pacientes da comunidade e não ela como um todo. Apesar dos pacientes receberem todas as informações de forma clara e objetiva sobre como proceder na assepsia e coleta do material, outro aspecto importante é o fato do presente trabalho ser um estudo de natureza retrospectiva, o que limitou o controle dos pesquisadores sobre essas variáveis. As informações clínicas dos pacientes também não constaram nos dados eletrônicos, e isso impede a investigação de fatores associados com resistência bacteriana dos uropatógenos, tais como uso prévio de antibióticos, nível socioeconômico, condições de higiene, recorrência de ITU. 6 CONCLUSÃO Os resultados encontrados são compatíveis com a literatura nacional e internacional e o monitoramento da resistência e estudo do perfil de sensibilidade das bactérias patogênicas em uma determinada região devem ser realizados constantemente, visto que esta conduta pode auxiliar os clínicos na escolha da terapia empírica, no acompanhamento terapêutico e na orientação dos pacientes. Foi possível observar, com os resultados encontrados nesse estudo, que não é recomendável o uso de sulfametoxazol/trimetoprim no tratamento empírico das infecções urinárias, tendo em vista a sua porcentagem de resistência acima de 20%. Mediante os demais resultados, pode-se indicar seguramente a terapia empírica com ciprofloxacina nos pacientes atendidos nesse serviço médico analisado. Diante do exposto, é necessária a conscientização urgente da comunidade e da classe médica quanto aos perigos do uso irracional de antimicrobianos. A prescrição e utilização dos medicamentos sem o conhecimento do perfil de sensibilidade antimicrobiana da bactéria causadora da infecção pode significar um aumento de cepas resistentes a drogas com menor espectro de ação, menores custos e posologia relativamente confortável para o paciente. Quando essas opções se esgotam, faz-se necessária a administração de antimicrobianos de maior espectro, injetáveis e que pressionam o surgimento e a disseminação de mecanismos de resistência já descritos, assim como de novos mecanismos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMADEU, A.R; SUCUPIRA, J.S; JESUS, R.M; ROCHA, M.L. Infecções do trato urinário: Análise da frequência e do perfil de sensibilidade da Escherichia coli como agente causador dessas infecções. Revista Brasileira de Análises Clínicas, v.41, n. 4,p. 275-277, 2009. BARROS, E.; MACHADO, A.; BITTENCOURT, H.; CARAMORI, M.L; SPRINZ, E.. Antimicrobianos – Consulta rápida. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. CAMPOS, J.; OTEO J. Uso de quinolonas y resistência. Enfermedades Infecciosas y Microbiologia Clinica,v.22, n.4, p.201-203, 2004. COLLANTES, C. de; ALVARGONZALES, J.; ÂNGULO CHACON, A.M.; GARCIA ASCASO, M.; PIÑERP PEREZ, R.; ORTEGA, M.J.; SÁNCHEZ ROMERO, I. Infecciones del tractourinario: sensibilidadantimicrobiana y seguimientoclinico. Anales de Pediatria. v. 76, n.4, p. 224-228, 2012. DREJONKA, D.M; JOHNSON, J.R. Urinary Tract Infections.Primary Care: Clinics in Office Practice, v. 35, n.3, p. 345-367, 2008. DUARTE, G; MARCOLIN, A.C; GONÇALVES, C.V.; QUINTANO, S.M; BEREZOWSKI, A.T; NOGUEIRA, A.A; CUNHA, S.P. Infecção Urinária na Gravidez: Análise dos Métodos para Diagnóstico e do Tratamento. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v.24, n. 7, 2002. ESPINOSA RIVERA, F.; HART CASARES, M.; PONCE NUEZ, M.; SUAREZ TRUEBA, B. Importancia epidemiológica, asistencial y económica del cultivo de orina, en pacientes hospitalizados y de lacomunidad . Rev cubana med [online].v. 52,2013. GILLESPIE, S. DiagnósticoMicrobiológico. São Paulo: Premier, 2006. GUIMARÃES, D.O; MOMESSO, L.S; PUPO, M.T. Antibióticos: Importância terapêutica e perspectivas para a descoberta e desenvolvimento de novos agentes. RevistaQuímica Nova, v. 33, n. 3, p. 667-679, 2010. HEILBERG, I.P; SCHOR, N. Abordagem Diagnóstica e Terapêutica na Infecção do Trato Urinário – ITU. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 49, n.1, p. 10916, 2003. HORNER, R.; VISSOTO, R.; MASTELLA, A.; SALLA, A.; MENEGHETTI, B.; RIGHI, R. A; OLIVEIRA, L. O. Prevalência de microorganismos em infecções do trato urinário em pacientes atendidos no Hospital Universitário de Santa Maria. Revista Brasileira de Análises Clínicas,v. 38, n.3, p. 147-150, 2008. KOCH, C.R; RIBEIRO, J.C, SCHNOR, O.H. Resistência antimicrobiana dos uropatógenos em pacientes ambulatoriais, 2000-2004. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v.41, n.3, p. 277-281, 2008. LAPCHIK, M.S; NISHIURA, J.L; PANCOTTI, S.L; AJZEN H.; SCHOR, N. Tratamento da Infecção Urinária não complicada (ITU): estudo comparativo entre a ciprofloxacina e sulfametazol+trimetropim com dois esquemas de duração terapêutica. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v.17, p.31-4, 1995. LOPES, A.A; K. SALGADO; R. MARTINELLI; ROCHA, H. Aumento da frequência de resistência à norfloxacina e ciprofloxacina em bactérias isoladas em uroculturas. Revista da Associação Médica Brasileira,v.44, n.3,p.196-200, 1998. MAGALHÃES, V.; FARIAS, R.B; AGRA, G.; LIMA, A.L.M. Etiologia e perfil de resistência das bactérias isoladas a partir de uroculturas oriundas de mulheres acima dos 18 anos. RevistaBrasileira de Medicina (online), 2008. MCQUILKIN, M. Antimicrobial resistence of uncomplicated urinary tract infections in nothern Utah.Clinical and Laboratorial Science.v.21, n.2, p. 99-101, 2008. NETO, J.A; SILVA, L.D; MARTINS, A.C; TIRABOSCHI, R.B; DOMINGOS, A.L; SUAID, H.J; COLOGNA, A.J.Prevalence and bacterial susceptibility of hospital acquired urinary tract infection. Acta Cirurgica Brasileira; v.18, supl. 5, 2003. PIRES, M.C.S; FROTA, K.S; CORREIA, A.F. Prevalência e susceptibilidades bacterianas das infecções comunitárias do trato urinário, em Hospital Universitário de Brasília, no período de 2001 a 2005. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.v. 40, n.6,p. 643-647, 2007. POLLETO, K.Q; REIS, C.. Susceptibilidade antimicrobiana de uropatógenos em pacientes ambulatoriais na Cidade de Goiânia. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.v. 38, n.5,p. 416-420,2005. RANG, M.; DALE, J. Farmacologia. 5.ed. São Paulo: Elsevier, 2003. REESE, R.E; BETTS, R.F; GUMUSTOP, B. Manual de antibióticos.3.ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2002. STAMM, W.E. Urinary tract infections and pyelonephritis.Principles of Internal Medicine, 16 edition, McGraw Hill, USA, 2008. TAGAJDID M.R. Resistance to fluoroquinolones and third generation cephalosporin of Escherichia coliisolated from urines. Medical MalpracticeInfection.v.40, n.2, p. 70-73, 2010. TAVARES, W. Antibióticos e quimioterápicos para o clínico, 2.ed. São Paulo: Ateneu, 2009 VIEIRA, J.M; SARAIVA, R.M; MENDONÇA, L.C; FERNANDES, V.O; PINTO, M.R; VIEIRA, A.B.Susceptibilidade antimicrobiana de bactérias isoladas de infecções do trato urinário de pacientes atendidos no Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, Belém – PA. Revista Brasileira de Análises Clínicas, v.39, n.2,p. 119-121, 2007.