Canto belting em inglês e português: Ajustes do trato vocal, características acústicas, perceptivo-auditivas, descrição fonológica e fonética das vogais Palavras-chave: Acústica - Fonética - Música INTRODUÇÃO: O belting pode ser definido como uma produção vocal com pitch agudo, ressonância metálica, alta projeção, energia e com predomínio de registro de peito1. Pode-se observar as suas características em diferentes estilos étnicos ao redor do mundo, spirituals, blues, rock, gospel, jazz, teatro musical e mesmo no samba, porém é no teatro musical onde o estilo foi realmente consagrado e ganhou algumas características próprias, tornando-se popular em diferentes partes do mundo2. Em relação à fisiologia no canto belting a laringe fica elevada, há um aumento da atividade do músculo tireoaritenóideo, a fase de fechamento das pregas vocais é longa e neste momento as pregas vocais ficam completamente estiradas provocando o aumento da freqüência vocal, há uma constrição nas paredes da faringe e o dorso de língua permanece elevado produzindo uma qualidade vocal metálica e estridente3,4,5,6,7,8,9. Com a vinda dos musicais da Broadway para o Brasil, muitas peças norte-americanas escritas originalmente em inglês, foram traduzidas para o idioma português. O belting do musical da Broadway é um gênero que foi criado para ser cantado no idioma inglês. O idioma inglês possui ressonância com foco nasal e o idioma português tem uma ressonância com foco oral na qual, com o seu uso, se gasta mais ar10. Outra diferença fundamental é encontrada no número de fonemas e vogais - no português sete vogais (não incluindo as variações nasais) e no inglês norte-americano identifica-se facilmente a existência de 11 fonemas vogais11. Muitos cantores brasileiros de Teatro Musical referem que cantar belting em português é mais difícil que cantar em inglês. Por esta razão resolvemos investigar se encontraríamos diferenças na qualidade vocal, no uso das estruturas do trato vocal e/ou na fonética e fonologia entre o belting cantado em inglês e em português, que pudessem justificar tais queixas. OBJETIVO: Analisar os ajustes do trato vocal, as características das vozes por meio da análise acústica e perceptivoauditiva, descrição fonológica e fonética das vogais no canto belting produzido em inglês e em português. MÉTODO: Este estudo é de caráter qualitativo e descritivo e foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição. A amostra foi composta de seis sujeitos cantores belters profissionais (três do sexo masculino e três do sexo feminino) com idades entre 18 e 45 anos. Para participarem da pesquisa, os sujeitos deveriam ser cantores profissionais de teatro musical com no mínimo um ano de experiência; ter participação de pelo menos um musical; ter feito aulas de técnica vocal belting; se considerarem cantores de belting; saber cantar uma canção de musical e não ter queixa vocal. O sujeito que participasse da pesquisa deveria se encontrar bem no seu estado de saúde geral, caso contrário à coleta de dados seria remarcada para outro dia. Foi solicitado que cantassem um mesmo trecho de um musical (escolhemos musicais já montados no Brasil, pois dessa forma existe versão em português), foi escolhido para as mulheres “Miss Saigon” e para os homens a “A Bela e a Fera”. A voz foi analisada por meio da análise perceptiva auditiva e acústica e para isso foi solicitado que cantassem um mesmo trecho de um musical nas versões em inglês e em português. Essas emissões cantadas foram gravadas durante a realização do exame de nasofibrolaringoscopia e analisadas posteriormente por três otorrinolaringologistas por meio de um protocolo de análise do trato vocal utilizado em nosso serviço. O mesmo trecho foi gravado em um ambiente acusticamente tratado para a análise das vozes e análise da fonologia e da fonética acústica das vogais do inglês e português. RESULTADOS: No trato vocal das mulheres observamos que no inglês houve mais constrição do trato vocal, principalmente de parede posterior de faringe e supraglote, além da elevação da laringe; na análise perceptivo-auditiva no português o ataque vocal foi considerado brusco e no inglês suave; no inglês a nasalidade aumentou e o pitch ficou mais agudizado ao compararmos com o português. Na análise acústica, a freqüência fundamental foi semelhante entre os dois idiomas e todos os formantes em inglês mostraram valores um pouco mais elevados. Na análise fonética foi observado que as mulheres produziram as vogais do inglês em região mais posterior do que o esperado fonologicamente; já no português produziram as vogais de acordo com o que era esperado. No caso dos homens, na análise do trato vocal não foram encontradas diferenças entre os ajustes vocais feitos no inglês e no português. Na análise perceptivo-auditiva também não foram observadas diferenças entre o inglês e o português. Na análise acústica, a freqüência fundamental esteve mais elevada no inglês em dois sujeitos e seus formantes - também em inglês - estavam mais elevados. Na análise fonológica foi observado que os homens produziram mais vogais fechadas no português do que no inglês. DISCUSSÃO: A vivência de cada sujeito com cada idioma influenciou de forma significativa o desempenho de cada sujeito cantando o trecho em inglês e português o que concorda com a afirmação de que para um cantor executar uma música em uma língua que não seja a materna deve ter um conhecimento mínimo da fonética de cada idioma12. Em relação aos resultados encontrados nos sujeitos do sexo feminino, na análise da configuração laríngea foram observadas: maior grau de constrição de faringe e supraglote, o que resultou em uma ressonância mais alta e mais metálica, dados observados na análise perceptivo-auditiva, e elevação dos formantes, observada na análise acústica. Essas são qualidades que caracterizam o canto belting, o que pode justificar a facilidade para cantar este gênero em inglês. Estes dados concordam com algumas pesquisas que caracterizam o gênero cantado no inglês norte-americano1,3,4,5,6,7. Quanto aos dados encontrados na análise fonológica e fonética das duas últimas frases dos refrões em inglês e em português, foi observado que houve maior produção de vogais posteriores no inglês e por esta razão os sujeitos do sexo feminino teriam feito mais constrição de parede de faringe e posteriorização de língua, dados semelhantes aos encontrados em pesquisas que caracterizam o belting e suas estratégias de ressonância1,3,8. Já nas análises dos sujeitos do sexo masculino as diferenças mais significativas foram encontradas na análise acústica na qual foi observado aumento da freqüência fundamental e dos formantes maior no inglês, dados semelhantes aos encontrados em pesquisas que estudaram as características do belting 4,5,6,8,13 . Quanto a analise fonológica e fonética os sujeitos produziram vogais mais posteriores no português, um dado que pode ser explicado pelas experiências desses indivíduos com cada idioma e com a maneira que os homens executam a técnica2. CONCLUSÃO: No grupo estudado as mulheres apresentaram mais diferenças do que os homens entre o canto belting em português e inglês. A diferença no trato vocal ocorreu em relação à laringe que se encontrou mais elevada e a faringe com maior grau de constrição no inglês. Na análise perceptiva auditiva observou-se que no inglês há aumento do grau de nasalidade. Na analise acústica o valor dos formantes foram mais elevados em inglês. E por fim no inglês foi verificado um número maior de vogais posteriores. Quadro 1: Descrição dos resultados das análises do trato vocal, acústica e perceptivo-auditiva do sujeito 1. Quadro 2: Descrições fonológica e fonética dos trechos de musicais em inglês e em português cantados pelo sujeito 1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Spivey N. Music Theater Singing... Let’s Talk. Part 2: Examining the debate on belting. The NATS Journal 2008; 607-614. 2. Costa LHC, Duprat AC. Belting:uma visão otorrinolaringológica. 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In: Voz cantada, voz falada: avaliação e terapia. Revinter: Rio de Janeiro 2004; 49-87. 13. Miles B, Hollien H. Whiter belting? J. Voice 1990; 64-70.