Análise dos percursos assistenciais de pacientes com

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Artigo Original
Análise dos percursos assistenciais de
pacientes com tuberculose por equipes
de saúde em três capitais brasileiras.
Que lições os profissionais podem tirar?
Analysis of assistance for patients with tuberculosis by health teams in
three Brazilian capitals. What can professionals take away from this?
Carlos Eduardo Aguilera Campos1, Ana Carla Freitas Fonseca2, Mara Lucia Pessini3
Resumo
Este estudo objetivou colher, sistematizar e utilizar informações do percurso assistencial de pacientes com tuberculose em três capitas do Brasil para a discussão dos problemas encontrados com as equipes de saúde envolvidas. A assistência de 27 pacientes
da rede do Sistema Único de Saúde (SUS), em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador, foi avaliada, desde o início dos sintomas até
o início do tratamento, através de fluxogramas organizadores. A seguir foram identificados os nós críticos de cada um dos casos.
Foram selecionados cinco casos para serem avaliados por equipes de saúde municipais envolvidas na assistência à tuberculose,
através de grupos focais. Os principais nós críticos foram: busca por serviços de urgência, alto número de diagnósticos equivocados, sem suspeita de tuberculose, demora na realização de pesquisa de bacilos álcool-ácidos Resistentes (BAAR) e da confirmação diagnóstica, falta de garantia de continuidade da assistência nos demais níveis de assistência, centralização excessiva das
ações de controle. Estes padrões diferiram em maior ou menor graus de uma capital para a outra. Quanto à discussão dos casos
entre as equipes, esta se mostrou uma ferramenta útil para a reflexão e avaliação crítica com vistas a possíveis mudanças em seus
processos de trabalho. Essa metodologia parece contribuir para o desenvolvimento de dinâmicas participativas de autoavaliação
dos processos de trabalho visando a integralidade e a melhoria da qualidade da assistência.
Palavras-chave: tuberculose; assistência ambulatorial; diagnóstico.
Abstract
This study aimed to collect, organize and use information from the path of care of tuberculosis patients in three Capitals in Brazil to discuss
the problems encountered with the health teams involved. The care of 27 patients from local health care systems in Porto Alegre, Rio de
Janeiro and Salvador was evaluated from the symptoms until the start of treatment through flowchart organizers. Then, we have identified
the critical issues in each of the cases. Five cases were selected to be evaluated by health teams involved in municipal assistance with
tuberculosis, through focus groups. The main critical matters were: seeking emergency services, high number of misdiagnoses, without
suspicion of tuberculosis, failure to perform isolation of an acid-alcohol resistant bacillus (BAAR) spur and diagnostic confirmation, lack
of guarantee of continuity of care in other levels of the health system, excessive centralization of control actions. These patterns differ
to a greater or lesser extent from a Capital to another. As for the discussion of cases between teams, this proved to be a useful tool
for reflection and critical assessment with a view to possible changes in work processes. This methodology seems to contribute to the
development of dynamic participatory self-assessment of work processes to improve the completeness and quality of care.
Keywords: tuberculosis; ambulatory care; diagnosis.
Trabalho realizado no Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
1
Médico, Professor Adjunto do IESC/UFRJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
2
Farmacêutica do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) – Salvador (BA), Brasil.
3
Enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre – Porto Alegre (RS), Brasil.
Endereço para correspondência: Carlos Eduardo Aguilera Campos – Rua Otaviano Hudson, 24, apto. 201 – Copacabana – CEP: 22030-030 –
Rio de Janeiro (RJ), Brasil – E-mail: [email protected]
Fonte de financiamento: Fundo Global Tuberculose Brasil (FGTB), Edital Fundo Global Tuberculose Brasil/Fundação para o Desenvolvimento Científico e
Tecnológico em Saúde (Fiotec)/Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp)/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)/Ministério da Saúde (MS) nº 1/2009.
Conflito de interesse: nada a declarar.
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Percursos assistenciais de pacientes com tuberculose
INTRODUÇÃO
A despeito dos avanços alcançados na última década por
meio das ações de controle da tuberculose, esta endemia
permanece um problema no Brasil, especialmente nas regiões
metropolitanas1,2. Em 2006, foram notificados 83.977 casos
novos no país3.
O Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT)
prevê a descentralização e a horizontalidade das ações de vigilância, prevenção e controle, buscando utilizar, especialmente,
a Estratégia Saúde da Família (ESF), com o fortalecimento da
educação permanente4.
No Brasil, existe uma baixa cobertura do programa na
rede básica do Sistema Único de Saúde (SUS), denotando
uma descentralização inconclusa, agravada por problemas de
natureza mais estrutural, como desorganização da rede, com
contornos dramáticos nas áreas metropolitanas5.
Dentre as dificuldades encontradas para o controle da tuberculose em nosso contexto atual, destacam-se dois grupos de
problemas, um relativo à falta de recursos financeiros e humanos e outro, ligado à gestão do programa4. A debilidade qualitativa e quantitativa dos recursos humanos e a visão centralizada
e fragmentada das ações são destacadas6. Tem sido evidenciado
que a disponibilidade de recursos e a organização da atenção
podem influenciar na acessibilidade ao tratamento7.
Ainda assim êxitos foram alcançados, como a redução da
incidência da tuberculose e aumento da cobertura da estratégia Tratamento Supervisionado (TS-DOTS)8.
O Ministério da Saúde (MS) tem como metas diagnosticar
90% dos casos esperados e curar 85% destes2. O Fundo Global
Tuberculose Brasil é uma iniciativa que abrange 57 municípios das regiões metropolitanas, onde se concentram 45%
dos casos de tuberculose no país, e visa acelerar o alcance das
metas definidas para o PNCT9.
No nível da atenção à saúde, o melhor recurso de prevenção, de modo a interromper a cadeia de transmissão, continua
sendo a detecção precoce e o tratamento2.
Para alcançar esse objetivo, é necessário, ainda, superar os
seguintes problemas: insuficiência na formação de profissionais, falta de incentivo a pesquisas operacionais para a solução
de problemas encontrados nos serviços de saúde4.
De fato, considerando os padrões de qualidade da prática
assistencial e do trabalho em equipes de saúde, o controle da
tuberculose pode ser considerado um marcador para a qualidade da atenção à saúde. Para isso são necessários estudos
mais aprofundados que possam encontrar as melhores evidências sobre as boas práticas organizacionais e assistenciais
para superar as dificuldades atuais. A alegação de que mais
recursos aplicados para implantar novos modelos irão solucionar antigos problemas parece não ter efeito prático, como
demonstra um estudo recente em cinco municípios brasileiros. Esse não encontrou diferenças significantes quanto ao
desempenho do PCT para algumas características da atenção,
tais como o modelo adotado na Atenção Primária à Saúde
(APS) ou acesso aos serviços10.
Mesmo quando há evidências de que mudanças nos
serviços de APS permitiram um maior acesso à população,
persistem, porém, problemas relacionados à baixa efetividade, tais como horários inapropriados, insuficiência de exames
diagnósticos e falta de apoio aos pacientes (vale transporte,
acompanhamento domiciliar)11.
Ainda que a consolidação da ESF tenha levado a avanços
e melhorias, parte-se aqui do pressuposto que medidas na
gestão, por si só, não são suficientes para alcançar as mudanças almejadas. Melhores padrões de qualidade dependem de
mudanças em processos de trabalho e em fluxos assistenciais,
aspectos relacionados à formação profissional e à cultura
organizacional.
No campo da qualidade em saúde, trabalha-se com a premissa de que bons processos de trabalho podem levar a bons
resultados. Esses processos incluem a análise da relevância,
suficiência ou, por outro lado, da redundância de procedimentos e rotinas relacionados à anamnese, ao exame físico,
a investigação laboratorial, ao diagnóstico e tratamento, bem
como das demais ações realizados na unidade, tais como o
acolhimento, as atividades de grupo, vacinações, curativos,
exames, visitas domiciliares, ações fundamentais para a detecção precoce, o início do tratamento e o aconselhamento12.
A habilidade dos profissionais em identificar problemas
de saúde e realizar a ação mais apropriada deve ser considerada não apenas dirigida aqueles que utilizam o serviço, mas
também aos que não o demandam. Rastreamentos, a busca de
casos e de grupos sob-risco são importantes13. Constata-se que
portadores de tuberculose têm inúmeras passagens pela rede
e são atendidos para outros males, permanecendo ocultos.
Perde-se tempo precioso para o diagnóstico e tratamento, prolongando o período de infecção. Esses aspectos não são monitorados, pois se prioriza apenas o cumprimento de condutas
clínicas e aqueles ligados à aderência e acompanhamento14.
Para melhorar processos de trabalho, recorrem-se a
capacitações segundo um ‘modelo escolar’, na expectativa
que informações adquiridas serão incorporados às práticas.
Infelizmente tem sido demonstrado que a aplicação prática
desses conhecimentos não alcança os resultados esperados11.
Não se leva em conta a resistência às mudanças, as dificuldades do trabalho em equipe, contextualizado à realidade
em que se trabalha, no cotidiano dos serviços. A educação
permanente pode ser entendida como o processo que busca a
mudança nas práticas e na organização da equipe de saúde de
Cad. Saúde Colet., 2012, Rio de Janeiro, 20 (2): 188-194 189
Carlos Eduardo Aguilera Campos, Ana Carla Freitas Fonseca, Mara Lucia Pessini
modo a alcançar soluções para dificuldades reais vividas; é a
forma de aproximar a educação da vida cotidiana de forma
a se ter a percepção que no trabalho também se aprende15.
JUSTIFICATIVA
São muitos os problemas enfrentados pelos pacientes no
processo de diagnóstico e tratamento. Entre as medidas de
controle, enfatiza-se a detecção precoce pela baciloscopia de
escarro. Esta deve ser realizada em sintomáticos respiratórios
a partir de três semanas de duração. Essa detecção é fundamental para se iniciar a quimioterapia específica, alcançandose assim dois outros objetivos: a diminuição das sequelas da
doença e a manutenção da vida ativa do indivíduo16.
A demora no diagnóstico acarreta a permanência da cadeia de transmissão, facilitando sua disseminação e o aparecimento de formas graves da doença. Portanto, a ênfase dada ao
diagnóstico precoce e às ações de vigilância aumenta a detecção de casos e a cura e diminui o abandono ao tratamento17.
O primeiro desafio consiste em superar a dicotomia das
ações dos setores envolvidos na assistência à saúde. Além de
mudanças teóricas e metodológicas, que permitem a ampliação de tecnologias para fazer frente aos problemas de saúde,
a Vigilância da Saúde propõe que os agentes sociais sejam os
responsáveis pelo processo de definição de problemas e pelo
encaminhamento das soluções18,19.
A premissa de que a APS deve atuar no território com o
olhar sobre determinantes e riscos devem resultar em melhores processos diagnósticos, incluindo menor tempo e custo.
Neste aspecto, melhores padrões de qualidade são ainda uma
meta a ser atingida19.
A identificação e a análise de nós críticos podem ser promovidas utilizando-se de ferramentas usualmente utilizadas
na área da qualidade20. O fluxograma analisador foi utilizado
neste estudo21,22. A existência de problemas no atendimento é
conhecida por todos; apesar disso, as relações e as hipóteses
que as fundamentam nem sempre estão claras. A análise pelas
equipes constitui o objetivo dos fluxogramas, por permitir
a visibilidade do processo de trabalho. Busca-se, em suma,
discriminar cada uma das etapas e ações, tornando público,
para os diversos agentes, os jogos instituintes e instituídos
que a dinâmica organizacional contém20. Busca-se assim uma
oportunidade de reflexão.
OBJETIVOS
Analisar percursos assistenciais de pacientes, desde os sintomas iniciais, até o diagnóstico e início do tratamento. Estes
tiveram como delimitadores a percepção de necessidade, a
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demanda e a utilização de serviços. Buscou-se problematizar
os processos de trabalho nos estabelecimentos aos quais os
pacientes tiveram acesso. Dessa forma foram avaliados o grau
de integração entre os níveis assistenciais, as portas de entrada
usualmente utilizadas e a integralidade do cuidado.
Como desdobramento levantou-se a percepção de equipes
que participaram do cuidado, a respeito dos processos analisados. Buscou-se com isso uma reflexão crítica com vistas a
possíveis mudanças nos processos de trabalho.
MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo envolveu três capitais: Rio de Janeiro, Salvador,
Porto Alegre, cidades prioritárias para o controle da tuberculose3, e que foram escolhidas por representarem as diversas
regiões do país e suas peculiaridades.
Foram considerados elegíveis pacientes que nos últimos
seis meses do início da pesquisa tinham sido diagnosticados
como casos de tuberculose pulmonar primária (caso novo pulmonar positivo), com idade superior a 18 anos, de ambos os
sexos e moradores dos municípios do Rio de Janeiro, Salvador
e Porto Alegre e que tivessem iniciado o seu tratamento.
Foram critérios de exclusão: idade inferior a 18 anos,
presença de coinfecção de Tuberculose e HIV (TB-HIV),
retratamento da doença.
Os sujeitos foram selecionados junto a serviços municipais, conforme os seguintes critérios: unidades com grande
número de casos notificados, informação disponível para a
análise dos critérios de elegibilidade, possibilidade da marcação de entrevistas com o paciente e os seus acompanhantes.
A partir da eleição dos casos, cumpriu-se os seguintes
passos: obtenção das informações por meio das entrevistas,
coleta de informações de prontuários e outros registros
disponíveis, consulta aos membros das equipes envolvidas
no cuidado do paciente. A sequência de eventos foi ordenada cronologicamente. As informações foram sistematizadas e confeccionaram-se fluxogramas com a seguinte
convenção, Elipse: início, fechamento, conclusões parciais
ou final, saída de uma unidade produtiva; Retângulo: atividades ou ações, tais como realização de consultas, exames,
procedimentos, tratamentos; Paralelogramo: informações
relevantes, como diagnósticos com base em exames;
Losango: inflexão para decisões segundo informações novas, sintomas, queixas, resultados que acarretem mudanças
de condutas ou diagnósticos. Documento: resultados de
exames, pareceres/solicitações.
Confeccionado o fluxograma, identificaram-se os nós
críticos no processo do cuidado. Foram analisados aspectos
como: integração entre os profissionais e serviços responsáveis
Percursos assistenciais de pacientes com tuberculose
pelo diagnóstico, atendimento, hipóteses diagnósticas, condutas e procedimentos, orientações, encaminhamentos.
Embora os pacientes tenham transitado por diversos
níveis, grupos focais foram realizados em equipes no nível
primário ou no nível da coordenação. Buscou-se um posicionamento dos sujeitos a respeito dos nós críticos identificados.
Seguiram-se os seguintes passos: apresentação, síntese dos
objetivos e metodologia da pesquisa; apresentação de um
fluxograma analisador; discussão dos resultados. As questões
norteadoras foram: análise do processo de trabalho identificando as não conformidades e reconhecimento dos aspectos
que pudessem ser melhorados. Evidenciação dos nós críticos
identificados no conjunto dos casos e como esses se refletiram
no trabalho23,24.
As entrevistas foram gravadas após consentimento livre
e esclarecido, preservando-se o sigilo e a confidencialidade.
Os grupos focais foram previamente agendados com os integrantes das equipes e seu objetivo foi descrito a todos os
membros do grupo. Esclareceu-se que não havia um caráter
de avaliação individual. A pesquisa foi aprovada no Comitê
de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o
número CAAE-0020.0.239.000-09.
RESULTADOS
Vinte e sete casos cumpriam os critérios para inclusão com a seguinte distribuição: Porto Alegre, 9, Rio de
Janeiro, 10, Salvador, 8. Quanto à análise das trajetórias e
dos nós críticos, destacaram-se aspectos que podem ser
agrupados em três dimensões: organização do sistema;
profissionais e seu processo de trabalho; ações de controle propriamente ditas.
No primeiro grupo, notou-se que a porta de entrada
usual do paciente sintomático respiratório é constituída,
na sua maioria, pelos serviços de urgência. Ainda que esse
padrão de utilização seja compreensível, uma vez que esses serviços são uma das portas de entrada do sistema de
saúde, notou-se que essa primeira abordagem não permitiu
uma investigação correta para a suspeita de tuberculose,
nem a continuidade e a coordenação da atenção que pudesse facilitar o seu acesso aos demais níveis. Assim, o que
se percebeu foi um atendimento pontual, sintomático, com
tendência a medicalização, não orientado ao diagnóstico e
tratamento. No Rio de Janeiro, a porta de entrada mostrou-se fragmentada com o paciente recorrendo a vários tipos
de serviços, públicos e privados, todos com tendência
a uma abordagem sintomática. Ainda com relação ao
sistema de saúde, ressalta-se a tendência à centralização
do atendimento ao paciente com tuberculose, particularmente em Porto Alegre. Parece haver uma orientação de
encaminhamento para o serviço especializado de todo o
paciente sintomático respiratório, como uma questão a ser
resolvida por serviços de referência.
No segundo grupo de problemas, relacionado ao processo de trabalho e ao profissional, nota-se um recorrente
esquecimento da hipótese diagnóstica tuberculose entre sintomáticos respiratórios atendidos. Foram muito frequentes
os diagnósticos de gripe, resfriado, pneumonia, alergia. Em
casos atípicos havia uma conduta orientada para a solicitação de exames de imagem, ao invés da rotina preconizada
para a tuberculose. Raramente foi solicitada a pesquisa de
Bacilos álcool-ácidos resistentes (BAAR). Quanto a aspectos
relacionados ao terceiro grupo, isto é, ao programa propriamente dito, constataram-se, especialmente em Salvador,
falhas relacionadas à provisão e ao acesso a alguns exames
e procedimentos. Também foram constatados equívocos por
parte dos profissionais quanto ao cumprimento das normas
preconizadas pelo programa. Houve uma recorrência de
casos em que o paciente, a despeito de vários contatos com
os serviços de saúde, não foi orientado quanto aos sintomas
da doença e como poderia buscar o atendimento adequado.
Também houve pouquíssimos casos em que se utilizou a
abordagem domiciliar ou comunitária.
Todos esses nós críticos tiveram como consequência um
tempo de diagnóstico bastante tardio, considerando o início
dos sintomas. Essa realidade é bastante crítica quando se
considera o risco de transmissão. Porto Alegre apresentou
um melhor desempenho, enquanto, o Rio de Janeiro, o pior.
A existência de muitos casos com tempo superior a um mês
entre o sintoma e o diagnóstico demonstra uma grande desarticulação das ações e uma rede fragmentada, com profissionais pouco atentos às características epidemiológicas da
população a que servem.
Que lições os profissionais tiraram da análise dos casos
Foram realizados grupos focais em Porto Alegre e
Salvador, com a participação de profissionais da assistência
e da coordenação do Programa. No Rio de Janeiro, foram
realizados três grupos focais com equipes de saúde da família.
Os participantes reconheceram grande parte das falhas;
em concordância com a análise prévia produzida pela pesquisa. O que mais chamou a atenção dos participantes foram
aquelas relacionadas à atenção aos usuários.
A paciente ficou esperando o resultado da TC que achava
que era o exame mais importante. Não só pra ela, mas para
o médico também. (A1-Porto Alegre).
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Carlos Eduardo Aguilera Campos, Ana Carla Freitas Fonseca, Mara Lucia Pessini
Que absurdo, ainda não se pensou em exame de escarro.
(A1-Porto Alegre).
O médico em questão, se preocupa com o diagnóstico da
doença da moda (H1N1) e se esquece de uma doença básica e comum no nosso meio, como a tuberculose. (B4-Rio
de Janeiro).
A história é sempre a mesma, vai no posto ou UPA...
emergência particular ou pública aí não pedem nada, dá
um diagnóstico assim...uma alergia, manda pra casa e fica
nesse vai e volta até que chega no ponto que descobre que
é tuberculose. (C3-Rio de Janeiro).
Falhas relacionadas à organização dos serviços foram
identificadas, destacando-se o acolhimento dos casos suspeitos, a priorização do atendimento médico em detrimento de
uma atuação multiprofissional, a não utilização dos protocolos, referência dos suspeitos para a realização de procedimentos complementares.
Para mim o grande problema disso tudo é a triagem, pois
tem um volume absurdo de pessoas, ficando uma pressão
das pessoas do lado de fora para serem atendidas. (A5-Rio
de Janeiro).
[...] e não há classificação de risco em todas as unidades.
Em muitas só há a triagem. (A1-Salvador).
Chamou-me a atenção no caso exposto, que este paciente
só passou pela consulta médica, em nenhum momento
foi acolhido por outro profissional, reflete que a equipe não está preparada recaindo tudo sobre o médico.
(A2- Porto Alegre).
[...] não existe um protocolo do centro de saúde. Ninguém
olha o protocolo do Ministério. O termo procurar no manual
não existe. As pessoas seguem a “norma de fulano”, “norma
de beltrano”, “norma de ciclano”. (A3-Rio de Janeiro).
No centro de saúde só se inicia tratamento com BAAR
positivo, mesmo com o paciente claramente sintomático.
Isso gera uma angústia para nós e para o paciente muito
grande. (A4-Rio de Janeiro).
Uma coisa que me incomoda muito é uma pessoa ter que
esperar quatro dias para fazer um RX. (A3-Rio de Janeiro).
Evidenciaram-se falhas relacionadas à gestão do sistema,
em especial àquelas relacionadas aos tipos de procedimentos
oferecidos nas unidades de pronto atendimento para o diagnóstico da tuberculose, a baixa cobertura da ESF que limita a
busca ativa dos casos e a acessibilidade aos serviços.
Duas semanas de evolução? Aí você vai dar como sugestão
[...] tinham que pedir um escarro. Até hoje não tem [...] todos os exames dele são só de imagem. (C1-Rio de Janeiro).
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Pacientes e familiares dificilmente vão a outros lugares
para consulta. Eles vão a sua unidade em busca de consulta e se lá não faz diagnóstico dificilmente irão a outro
local. (A2- Porto Alegre).
Apesar do reconhecimento das falhas relacionadas aos
profissionais e à gestão, em alguns momentos, alguns participantes tenderam a responsabilizar os usuários, aspecto
contestado dentro do próprio grupo.
A paciente procurou vários médicos, chegando muitas
vezes a procurar dois médicos num mesmo dia, por
isso não sei se é um paciente fácil de lidar. (B4-Rio de
Janeiro).
A paciente não tem culpa de nada, ela não tem como
adivinhar o que está acontecendo com ela, o problema
é que o serviço que a atendeu comeu mosca. (B3-Rio
de Janeiro).
O que acontece com muitos pacientes é o seguinte,
eles não querem nunca esperar. Ele não quer esperar
para ser atendido, nem para fazer exame. Olha aí, ela
conhecia alguém, e através deste alguém conseguiu.
(A1-Salvador).
Dentre as intervenções apontadas para enfrentamento dos
problemas, destacou- a ampliação da ESF de forma a permitir
a descentralização das ações e uma atenção que vá além da
identificação do caso.
Acho que o ESF se preocupa não só com o paciente e sim
com a investigação dos familiares. (A2-Porto Alegre).
Acho que o caminho é descentralizar o diagnóstico e o
tratamento. (A3-Porto Alegre).
Destacou-se a necessidade de capacitação, em particular dos profissionais das equipes da rede básica e do pronto
atendimento.
A equipe da ESF deve estar mais preparada para investigação dos sintomáticos respiratórios. (A2-Porto Alegre).
Deve haver uma melhor capacitação dos agentes de saúde, pois eles de certa forma são nossos membros dentro
da comunidade. Deveria ter uma melhor legitimidade
dessa categoria profissional, porque muitas vezes eles
apenas servem de mensageiros para os médicos. (B3-Rio
de Janeiro).
[...] a gente tem previsto para este ano um encontro,
e a gente já vai fazer com este tópico. Daí, seria até
interessante neste evento, apresentar isso. Pois é
Percursos assistenciais de pacientes com tuberculose
interessante que diretores médicos e de enfermagem
vejam o que está se passando nestes pronto atendimentos [...]. (A2-Salvador).
Houve uma abertura para a reflexão sobre as falhas encontradas. No grupo com profissionais, explicitou-se a importância do momento como espaço de aprendizado.
Acho que esta discussão foi muito produtiva, retomou
o tema tuberculose, parabéns pelo ótimo trabalho.
(A4-Porto Alegre).
Esse processo de trabalho devia ser mantido, pois foi muito produtivo. Adorei este grupo, é melhor que as sessões
clínicas que fazemos na rotina do serviço. (A3-Rio de
Janeiro).
CONCLUSÃO
A avaliação deve ter como foco a utilização dos seus
resultados, com metodologias direcionadas a esse propósito, devendo essas serem desenhadas e desenvolvidas
considerando-se como as pessoas vivenciarão tal processo
e a sua aplicação. Trata-se de conceber a avaliação como
dispositivo de mudança, a partir da incorporação dos
principais grupos de interesse e a valorização das possibilidades de utilização dos resultados pelos envolvidos na
reformulação de suas práticas25.
Este estudo incorporou alguns desses pressupostos.
Evidenciou-se na técnica dos grupos focais, os quais envolveram diversos sujeitos do processo de construção das
intervenções relacionadas ao enfrentamento da tuberculose,
que a oportunidade de refletir sobre suas práticas geram
bons resultados. Isto pode ser constatado com concordância
das análises externas (pesquisadores avaliando cada caso) e
das reflexões realizadas pelos profissionais. No que tange a
situação do controle da tuberculose, o estudo evidenciou que
ainda há muito a se fazer, e que essas mudanças só virão a
partir do envolvimento das equipes e de sua ação efetiva para
o aprimoramento das ações.
O recém-lançado Programa de Melhoria do Acesso e
Qualidade da Atenção Básica26 prevê uma série de incentivos às
equipes que desenvolverem ações de avaliação e propostas de
melhoria do seu desempenho, em moldes muito semelhantes
as ações desenvolvidas neste estudo. É possível assim antever
melhores perspectivas para a correção de rumos visando as
ações integrais à saúde voltadas para o controle da tuberculose.
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Recebido em: 12/06/2011
Aprovado em: 17/04/2012
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