1 A Visão geral lgumas das descobertas recentes mais importantes sobre o comportamento envolvem a genética. Por exemplo, o autismo (Capítulo 12) é um transtorno raro, porém grave, que inicia cedo na infância e no qual a criança se isola socialmente, não se envolve no contato visual nem físico, e apresenta acentuados déficits de comunicação e comportamento estereotipado. Até a década de 1980, achava­‑se que o autismo tinha causas ambientais por conta de pais frios e rejeitadores ou por danos cerebrais. Entretanto, estudos genéticos comparando o risco em gêmeos univitelinos, que são geneticamente idênticos (como clones), e em gêmeos fraternos, que são apenas 50% iguais geneticamente, indicam uma in­fluência genética substancial. Se um membro de um par de gêmeos idênticos for autista, o risco de que o outro gêmeo também seja autista é muito alto, em torno de 60%. Em contraste, entre gêmeos fraternos o risco é muito baixo. Os estudos de genética molecular estão tentando identificar genes individuais que contribuam para a suscetibilidade genética ao autismo. No final da infância, uma preocupação muito comum, especialmente em relação aos meninos, é um conjunto de problemas do déficit de atenção e comportamento disruptivo chamado transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) – Capítulo 12. Estudos com gêmeos­ demonstraram que o TDAH é altamente herdado (geneticamente influenciado). O TDAH é uma das primeiras áreas comportamentais em que foram identificados genes específicos. Embora muitas outras áreas da psicopatologia infantil apresentem influência genética, nenhuma tem tanta relação com a herança quanto o autismo e o TDAH. Alguns problemas de comportamento, como a ansiedade infantil e a depressão, são apenas moderadamente herdados; outros, como a conduta antissocial na adolescência, apresentam pouca influência genética. O mais relevante entre alunos uni­ versitários são traços de personalidade como os comportamentos de risco, frequen­temente chamados de busca de sensações (Capítulo 13), uso e abuso de droga (Capítulo 14) e habilidades de aprendizagem (Capítulos 8 e 9). Todos esses domínios têm consistentemente mostrado substancial influência genética em estudos com gêmeos e têm recentemente fornecido informação sobre genes individuais que contribuem para a sua herdabilidade. Esses domínios também são exemplos de um princípio geral importante: os genes não só contribuem para transtornos como o autismo e o TDAH; eles também desempenham um papel importante na variação normal. Por exemplo, você pode se surpreender ao saber que as diferenças de peso são quase tão passíveis de ser herdadas quanto a estatura (Capítulo 14). Embora possamos controlar o quanto comemos e sejamos livres para levar adiante dietas radicais, as diferenças entre nós quanto ao peso são muito mais uma questão de natureza (genética) do que de criação (ambiente). Além do mais, a variação do peso normal é tão passível de ser herdada quanto o sobrepeso ou a obesidade. O mesmo vale para o com- 12 Plomin, DeFries, McClearn e McGuffin portamento. As diferenças genéticas não fazem apenas com que alguns de nós sejamos anormais; elas também contribuem para as diferenças entre todos na variação normal da personalidade e das habilidades cognitivas. Uma das histórias de maior sucesso da genética envolve o transtorno comportamental mais comum do final da vida, a terrível perda da memória e a confusão da doença de Alzheimer, que atinge um em cada cinco indivíduos na faixa dos 80 anos (Capítulo 7). Embora a doença de Alzheimer raramente ocorra antes dos 60 anos, alguns casos de demência precoce ocorrem em famílias de uma forma que sugere a influência de apenas um gene. Em 1992, descobriu­‑se que um único gene no cromossomo 14 era responsável por muitos desses casos de início precoce. O gene no cromossomo 14 não é o res­ponsável pela forma mais comum da doença de Alzheimer que ocorre após os 60 anos. Como acontece na maior parte­ dos transtornos de comportamento, a ­doença de Alzheimer com início tardio não é causada por um único gene. En­ tretanto, estudos com gêmeos indicam ­influência genética. Se você tem um gêmeo com doença de Alzheimer, o seu risco de desenvolvê­‑la é duas vezes maior se você for gêmeo idêntico em vez de fraterno. Mesmo em transtornos complexos, como o Alzheimer de início tardio, agora é possível identificar os genes que contribuem para o risco da doença. Em 1993, foi identificado um gene que prediz o risco da doença com muito mais precisão do que qualquer outro fator de risco conhecido. Se você herdar uma cópia de uma forma particular (alelo) do gene, o seu risco de ter doença de Alzheimer fica em torno de quatro vezes mais do que se você tiver outro alelo. No caso de herdar duas cópias do alelo (uma de cada um dos seus pais), o seu risco é muito maior. Encontrar esses genes para o início precoce e tardio da doença de Alzheimer aumentou muito o nosso conhecimento sobre os processos cerebrais que levam à demência. Outro exemplo de descobertas genéticas recentes envolve o retardo mental (Capítulo 7). Já é sabido há décadas que a causa mais importante do retardo mental é a herança de um cromossomo 21 extra. (O nosso DNA, a molécula hereditária básica, é composto de 23 pares de cromossomos, conforme é explicado no Capítulo 4.) Em vez de herdar apenas um par de cromossomos 21, um da mãe e outro do pai, é herdado um cromossomo extra, geralmente da mãe. Frequentemente chamada de síndrome de Down, a trissomia do 21 é uma das maiores razões pela qual as mulheres se preocupam com a gravidez em idade mais avançada – a síndrome de Down ocorre com muito mais frequência quando as mães têm mais de 40 anos. O cromossomo extra pode ser detectado nos primeiros meses da gestação por meio de um procedimento chamado amniocentese. Em 1991, pesquisadores identificaram um gene que é a segunda causa mais comum de retardo. Esta forma de retardo mental é chamada de retardo do cromossomo X frágil. O gene que causa o transtorno está no cromossomo X. O retardo mental do cromossomo X ocorre com uma frequência quase duas vezes maior em homens do que em mulheres, porque os homens têm apenas um cromossomo X. Se um menino possui o alelo X frágil no seu cromossomo X, ele vai desenvolver o transtorno. As mulheres têm dois cromossomos X, e é necessário herdar o alelo X frágil nos dois cromossomos X para desenvolver o transtorno. Entretanto, as mulheres com um alelo X frágil também podem ser afetadas até certo ponto. O gene X frágil é especialmente interessante, porque envolve um tipo recém­‑descoberto de defeito genético em que uma sequência pe- Genética do comportamento quena do DNA se repete incorretamente por centenas de vezes. Sabe­‑se agora que esse tipo de defeito genético é responsável por várias outras doenças que eram de difícil interpretação anteriormente (Capítulo 3). A pesquisa genética sobre o comportamento vai além de simplesmente demonstrar a importância da genética para as ciências do comportamento. Ela nos permite fazer questionamentos sobre como os genes influenciam o comportamento. Por exemplo, a influência genética muda ao longo do desenvolvimento? Considere a habilidade cognitiva, por exemplo; você pode achar que, à medida que o tempo passa, acumulamos cada vez mais os efeitos das “ultrajantes coisas desagradáveis do acaso” de Shakespeare. Isto é, as diferenças ambientais podem se tornar cada vez mais importantes durante a vida da pessoa, enquanto as diferenças genéticas podem se tornar menos importantes. Entretanto, a pesquisa genética mostra exatamente o contrário: a influência genética na habilidade cognitiva aumenta durante a vida do indivíduo, alcançando, no final da vida, níveis que são quase tão marcantes quanto a influência genética sobre a estatura (Capítulo 8). Esse achado é um exemplo da análise genética do desenvolvimento. O desempenho escolar e os resultados dos testes a que você se submete para entrar na universidade são influenciados pela genética quase tanto quanto os testes de habilidade cognitiva, como, por exemplo, os testes de inteligência (QI) – Capítulo 9. Ainda mais interessante é que a sobreposição substancial entre tal aquisição e a habilidade para se sair bem nos testes é quase toda de origem genética. Esse achado é um exemplo do que é chamado de análise genética multivariada. A pesquisa genética também está mudando a forma como pensamos sobre o ambiente (Capítulo 16). Por exemplo, cos- 13 tumávamos pensar que crescer na mesma família faz com que irmãos e irmãs sejam parecidos psicologicamente. Contudo, na maioria das dimensões e dos transtornos comportamentais, é a genética que justifica a semelhança entre os irmãos. Embora o ambiente seja importante, as influências ambientais podem fazer com que irmãos que crescem na mesma família sejam diferentes, e não parecidos. Essa pesquisa genética provocou uma explosão da pesquisa ambiental, na busca das razões para que irmãos em uma mesma família sejam tão diferentes. A pesquisa genética recente também apresentou um resultado surpreendente que enfatiza a necessidade de se levar em conta a genética quando se estuda o ambiente: muitas medidas ambientais utilizadas nas ciências do comportamento demonstram uma influência genética. Por exemplo, a pesquisa em psicologia do comportamento frequentemente inclui medidas da parentalidade, que são consideradas como medidas do ambiente familiar. Entretanto, a pesquisa genética durante a última década demonstrou de forma convincente a influência de genética sobre as medidas da parentalidade. Como isso é possível? Um dos aspectos é que as diferenças genéticas influenciam o comportamento dos pais em relação a seus filhos. As diferenças genéticas entre as crianças também podem dar a sua contribuição. Por exemplo, pais que possuem mais livros em casa têm filhos que se saem melhor na escola, mas essa correlação não significa necessariamente que ter mais livros em casa seja uma causa ambiental para que a criança tenha um bom desempenho na escola. Fatores genéticos podem afetar os traços que se relacionam com o número de livros que os pais têm em casa e o desempenho da criança na escola. Também foi encontrado o envolvimento genético em muitas outras medidas manifestas do ambiente, incluindo 14 Plomin, DeFries, McClearn e McGuffin acidentes na infância, acontecimentos na vida e apoio social. Até certo ponto, as pessoas criam suas próprias experiências por razões genéticas. Esses são alguns exemplos do que você vai aprender neste livro. A mensagem mais simples é que a genética desempenha um papel importante no comportamento. Ela integra as ciências do comportamento às ciências naturais. Embora a pesquisa em genética do comportamento já venha sendo realizada ­há muitos anos, o texto que define este campo foi publicado somente em 1960 (Fuller e Thompson, 1960). Desde então, as descobertas na genética do comportamento cresceram em um ritmo tal que outros poucos campos nas ciências do comportamento conseguem alcançar. Por exemplo, uma das principais conquistas das ciências naturais foi o sequenciamento do genoma humano, isto é, a identificação de cada um dos mais de 3 bilhões de degraus na escada em espiral que é o DNA. Esse conhecimento e as novas ferramentas do DNA estão levando à identificação de todas as diferenças genéticas entre nós que são responsáveis pela herança do comportamento normal e anormal. O reconhecimento da importância da genética é uma das mudanças mais marcantes nas ciências do comportamento durante as duas últimas décadas. Quase 80 anos atrás, o behaviorismo de Watson (1930) afastou as ciências do comportamento do seu interesse inicial pela hereditariedade. A preocupação com as determinantes ambientais do comportamento continuou até a década de 1970, quando então começou uma mudança em direção a uma visão contemporânea mais equilibrada, que reconhece tanto as influências genéticas quanto as ambientais. Esta mudança em direção à genética nas ciências do comportamento pode ser constatada no número crescente de publicações em ciências comportamentais que envolvem a genética, conforme ilustrado na Figura 1.1, nos estudos do comportamento em gêmeos. Outras formas de documentar a ascensão da genética do comportamento, especialmente os estudos de genética molecular, também mostraram o mesmo crescimento impressionante. Figura 1.1 Cinquenta anos de estudos de genética do comportamento com gêmeos.