o desenho cinético da família (KFD) como instrumento de

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o
desenho cinético da
família (KFD) como
instrumento de diagnóstico
da dinâmica do
relacionamento familiar
MARGARET SOUZA DE JOODE
*
1. Introdução; 2. Objetivo da pesquisa;
3. Método; 4. Conclusões.
1.
Introdução
Um dos métodos mais utilizados para a compreensão dos problemas infantis é,
sem dúvida, a técnica do desenho. A criança consegue "projetar" através do
desenho todo o seu mundo interior de maneira rica e espontânea, muitas vezes
melhor do que poderia expressar em palavras. Desde que o termo projeção foi
utilizado pela primeira vez por Freud, em 1894, em seu trabalho Neurose. de
angústia. este conceito apareceu mesmo nos próprios trabalhos deste autor com
diversas conotações. Segundo Laplanche, embora Freud utilize o termo em domínios diversos, ele lhe dá sentido restrito. "A projeção aparece sempre como uma
defesa, como uma atribuição a outra pessoa de coisas ou qualidades, de sentimentos, de desejos que o indivíduo desconhece ou recusa em si" (lO, p. 481).
Quando se pede a um indivíduo que diga arbitrariamente um nome próprio,
ou desenhe, ele expressará nestes atos algo determinado por preocupação pessoal,
*
Psicóloga.
Arq. bras. Psic. apt.,
Rio de Janeiro,
28 (2): 149-162,
abr./jun. 1976
conftrmando a existência de um determinismo psíquico inconsciente, influenciando seus pensamentos e ações. Embora existam vários trabalhos que procuram
defmir o termo projeção, talvez seja esse o conceito mais sujeito a diferentes
interpretações. Esse é amplamente utilizado em psicologia clínica, especialmente
em relação às técnica projetivas. Entre estas, encontramos o Teste de Rorschach, o
Teste de apercepção temática, o Teste de frustração de Rosenzweig e muitos
outros. Todos esses testes fornecem estímulos ambíguos, tornando assim possível
que o examinado "projete" suas próprias necessidades e conflitos. A técnica do
desenho foi também amplamente utilizada como teste projetivo.
G. H. Luquet publicou, em 1913, uma monografta baseada na coletânea de
desenhos de sua ftlha. Pela primeira vez o desenho infantil foi observado sob novo
enfoque, no qual se procurava sistematizar e extrair suas características essenciais.
Em 1927 surge sua obra clássica O desenho infantil, onde já se manifesta a preocupação em interpretar os conteúdos. "Se, em geral, a interpretação de um
desenho pode ser produzida pela analogia morfológica do traçado com o objeto
denominativo, esta explicação é insuftciente para certos casos em que a analogia
morfológica justificaria muito bem, senão melhor, uma imensidade de outras interpretações que aquela que foi efetivamente dada. A interpretação, segundo uma
fórmula geral, une ao desenho, o nome correspondente a uma idéia que se encontra no espírito da criança no momento em que executa o seu traçado. Normalmente esta idéia, quer seja ou não diferente da que determinou a intenção, é
sugerida pelo próprio traçado em virtude da analogia morfológica. Mas pode ser
igualmente provocada por outros fatores que são exatamente os mesmos da
intenção e mais geralmente os de evocação de uma idéia qualquer, a saber, as
circunstâncias anteriores e a associação de idéias" (11, p. 47).
Entretanto, Luquet não chegou a interpretar os simbolismos envolvidos no
desenho, tendo os psicanalistas da década de 20 utilizado os desenhos para substituir as associações livres. Os desenhos das crianças logo mostraram possuir conteúdo simbólico de tal forma que muitos psicanalistas (von Hellmuth, Ana Freud,
Melanie Klein) criaram métodos especiais de tratamento. Notou-se, portanto, que
junto à "forma" destes desenhos existe um conteúdo, e nele se expressando a
personalidade total, seu modo de percepção e sua vida afetiva.
Florence Goodenough, ao criar o teste da ftgura humana, preocupou-se
apenas em criar uma maneira de veriftcar o nível intelectual da criança, baseado na
perfeição e especialmente no número de detalhes apresentados.
Posteriormente, Karen Machover fez uma utilização do desenho da ftgura
humana de forma projetiva, devendo a criança desenhar sucessivamente duas
pessoas de sexos diferentes.
Em 1948, Buck criou uma técnica de desenho da casa, árvore e pessoa que
iria permitir "obter informação a respeito da sensibilidade, maturidade, flexibilidade, eftciência e grau de integração da personalidade do sujeito, e a interação da
personalidade com o seu meio-ambiente". "Sua primeira fase é não-verbal criativa,
quase completamente desestruturada; o meio de expressão é relativamente primi150
AoB.P.A_ 2/76
tivo, o desenho. A segunda fase é verbal aperceptiva e mais formalmente estruturada: nela é fornecida ao sujeito oportunidade de definir, descrever e interpretar
os objetos desenhados e o seu meio-ambiente respectivo, e associar a respeito
deles" (3, p. 319). O teste de Buck (HTP) tem sua importância dentro das técnicas
projetivas gráficas, pois foi o primeiro a tentar o controle da interpretação simbólica.
As teorias de personalidade mais recentes dão ênfase à cultura como fator
primordial para o desenvolvimento da criança. Sullivan, por exemplo, afirma que
dado um substrato biológico, o indivíduo humano é o produto da interação com
outros seres humanos e que a personalidade emerge a partir das forças pessoais e
sociais que atuam sobre o indivíduo desde o dia do seu nascimento.
Sob esse ponto de vista, observamos que a criança não pode ser compreendida "isolada" de seu meio-ambiente. Para se avaliar psicologicamente. uma
criança, é necessário ver como esta percebe a si mesma, o lugar que ocupa no seio
da família, em síntese, sua constelação familiar. Primordialmente, é dentro da
família que a criança vê satisfeitas suas necessidades básicas, tanto as biológicas
(fome, sede, etc.), como as suas necessidades culturais de segurança. Na entrevista,
muitas vezes não podemos colher dados explícitos válidos sobre estas relações,
pois, conscientemente, a criança não admite manter sentimentos ambivalentes ou
negativos a respeito de seus pais. Os testes projetivos nestes casos são de grande
utilidade para um psicodiagnóstico, pois obtemos material significativo em um
espaço de tempo restrito. Um dos métodos utilizados para avaliar o relacionamento das crianças com seus pais é o desenho da família.
Os desenhos da família são de grande importância para a compreensão da
personalidade. Minkowska, Porot, N. Appel, Hammer (8) e outros utilizaram esta
técnica. As instruções que utilizaram eram simples, consistindo somente de
"desenhe a sua família". Porot considerou' como um aspecto significativo "o
esquecimento de certos personagens da família". De modo geral, segundo Corman,
Koppitz, Hammer e outros autores a valorização do personagem principal poderá
ser observada através'dos seguintes aspectos:
1.
O personagem valorizado é desenhado em primeiro lugar à esquerda da
página (se a dominância for direita).
2.
Destaca-se pelo seu tamanho maior.
3.
O desenho deste personagem é.executado com o maior esmero, não faltando
nenhum detalhe como, por exemplo, adornos, guarda-chuva, bengala, chapéu,
bolsa, etc.
4.
Pode destacar-se ainda pela forma com que a criança se coloca junto a um
dos pais, neste caso, o preferido ou o temido.
5.
O personagem principal ocupa posição de destaque no desenho, notando-se
que todas as outras figuras estão viradas ou olhando em sua direção.
Relacionamento familiar
151
6.
As respostas dadas pela criança, ao explicar o desenho, e seu comentário em
relação às ações executadas indicam qual o personagem mais valorizado.
7.
Nota-se ainda pelo desejo explícito, ou comentários, que nos permitem
reconhecer qual a figura com que o indivíduo se identifica.
A desvalorização poderá ser observada quando o personagem é omitido,
desenhado em tamanho menor que o das outras figuras, colocado mais afastado,
faltando-lhe detalhes importantes, etc.
Louis Corman (6) considerou que ao se pedir que o indivíduo desenhe sua
"própria família" limita-se os resultados. Por este motivo resolveu utilizar a
seguinte indicação: "Desenhe uma família", ou "imagine uma família e a
desenhe". Após o desenho faz uma pequena "entrevista", perguntando: onde está
o nome das pessoas, o que fazem, qual o melhor, o pior, o mais feliz, o mais infeliz
e o personagem preferido. Após cada resposta, pergunta por que estão felizes,
infelizes, etc. Muitas vezes a criança desenha sua própria família, quando isto não
acontece, Corman pergunta quem ela gostaria de ser, a fim de observar com quem
se identifica.
Elizabeth Koppitz (9) preferiu utilizar a seguinte instrução: "Gostaria que
você desenhasse um quadro com sua família inteira, você pode desenhá-la da
maneira que quiser." Observou também que a omissão de membros da família era
significativa, podendo a criança demonstrar seus sentimentos negativos através de
substituições, mudanças no tamanho, posição das figuras e dificuldades em
terminar a figura de uma pessoa determinada. A omissão de si própria ocorre
quando esta não se considera "um membro" da família e sente-se insignificante ou
rejeitada. Notou também que as crianças felizes, sem problemas, desenhavam-se
em primeiro lugar, no centro do grupo familiar ou desenhavam todos seus
membros com tamanhos corretos e em ordem cronológica de idade. Nas crianças
que omitiam todas as pessoas da família, incluindo a si mesmo, ou não conseguiam
completar nenhuma das figuras, Koppitz confirmou a existência de sérios distúrbios nas relações com a família. Algumas vezes estas até chegavam a se desenhar
em uma folha à parte.
Burns e Kaufman (4), observando que os testes do desenho da famllia
produziam figuras relativamente estáticas e rígidas, resolveram modificar as instruções tradicionais, pedindo à criança para produzir desenhos onde as figuras se
movimentassem ou faziam algumas coisa.
Os resultados dos desenhos foram obtidos através de aplicações individuais
com uma amostra de crianças que apresentavam problemas diversos. As instruções utilizadas foram as seguintes: "Desenhe uma figura de todos de sua famI1ia,
incluindo você, fazendo alguma coisa." "Tente desenhar uma pessoa inteira e
não desenhos esquemáticos ou personagens de desenho animado." O examinador podIa deixar a sala e observar periodicamente: não havia limite de tempo. Se a
criança dissesse "não posso", deveria ser encorajada e deixada a sós até que o
desenho estivesse pronto.
152
A.B.P.A. 2/76
A análise do KFD (Kinetic family drawings) se baseia principalmente na
ação, movimento, símbolos, e na disposição dinâmica das figuras no papel. A
maior parte das interpretações simbólicas dos desenhos apresentados pelos autores
(5, p. 144) baseia-se em estudos de casos. Sua experiência com desenhos infantis
mostrou o aparecimento constante de determinados símbolos que podiam ser
associados a distúrbios similares e que os levaram a grupar estas manifestações em
"síndromes" bem definidas. Trata-se, portanto, de um material ainda sujeito a
comprovação e posterior comparação entre diversas culturas.
Quanto às ações e à dinâmica entre as figuras, os autores afirmam que
"muitos de nossos desenhos refletirão num campo de força" dentro do desenho
ou entre as figuras. Kurt Lewin poderia ter discutido os desenhos em termos de
valências positivas ou negativas e de vários tipos de barreiras. Outra maneira de
descrever as forças observadas no KFD seria através do conceito da libido de
Freud, "uma forma de energia por vezes investida em uma determinada pessoa ou
parte do meio-ambiente" (5, p. 46).
Essa forma de energia poderia ser condensada ou simbolizada através de
objetos (por exemplo, bola), fixada, internalizada sob a forma de ansiedade ou
evitada através da construção de barreiras.
Observa-se pela linguagem empregada entremeada de conceitos psicanalíticos, como também as contribuições de Buck, Di Leo, Koppitz e Machover para a
interpretação de detalhes dos desenhos.
Entre os diversos aspectos estudados nos desenhos, notam-se os seguintes
estilos:
1.
Normal, as figuras são desenhadas sem barreiras entre elas e sem as características que se seguem
2.
As figuras desenhadas se apresentam separadas por compartimentos fechados ou tracejados; observa-se em crianças que tentam se isolar dos outros membros
da família.
3.
A folha do desenho apresenta-se sublinhada com riscos na parte inferior. Foi
observado em crianças cujos lares são caracterizados por marcada instabilidade.
4.
Um ou vários membros da família apresentam-se "encapsulados" de
maneiras diversas; é o meio utilizado pela criança para separar o indivíduo que a
perturba; a corda de pular é empregada muitas vezes para contornar a figura que se
deseja isolar.
5.
A dificuldade de relacionamento com determinado membro da famma é
demonstrada pelo encapsulamento, rasuras, riscos, ou pelo ato de sublinhar esta
figura.
6.
Quando a criança sente que o seu mundo é ameaçador e cheio de preocupações, o desenho apresenta-se com densas nuvens escuras, ou riscado no alto da
página.
Relacionamento familiar
153
7.
Crianças inteligentes, sofisticadas e defensivas que não desejam envolver-se
em discussões da família colocam-se em um dos cantos superiores da página,
enquanto o resto da família é desenhado na parte de baixo em posição contrária.
As ações que se apresentam com maior freqüência são aquelas em que a mãe
aparece:
1.
Cozinhando; esta é a ação mais freqüente e reflete a figura da mãe que
satisfaz às necessidades básicas de criação (nurturant).
2.
Limpando; é encontrado em mães compulsivas que estão mais preocupadas
com a casa do que com as pessoas que vivem nela; limpeza torna-se equivalente a
comportamento bom e aceitável.
3.
Passando roupa, usualmente é encontrado em mães muito absorventes que
tentam dar "demasiado" calor humano à criança.
o pai aparece em geral em:
1.
Atividades do lar, como, por exemplo, lendo jornal, pagando contas, brincando com as crianças. Estas são atividades encontradas em pais normais.
2.
Trabalhando ou indo para o trabalho; encontrado em pais que não são
considerados como parte da família (sentimento de abandono).
3.
Cortando; atividades tais como cortar a grama, cortar madeira, etc., são
encontradas em casos em que os pais são severos ou castradores (ocasionalmente,
as mães).
o problema da rivalidade é usualmente retratado como uma força ou ação
entre membros de uma família. Nestes casos, são desenhados jogando bola, ou
fazendo uma faca ou avião, etc. Encontrados em casos de crianças que são competitivas e ciumentas, estas são ações mais freqüentes.
Em relação ao material simbólico, foi encontrada "a síndrome da luz e do
calor", que seria observada pela preocupação com lâmpadas, fogo, sol, ou ferro de
passar roupa. Essa preocupação refletiria a necessidade da criança de amor e calor
humano. O tema da "água" foi também associado freqüentemente às tendências
depressivas.
Os problemas de identificação sexual, tanto de meninas como de meninos,
podem também ser observados. Nos meninos, notam sombreamento abaixo da
cintura e a forma fálica com que são desenhados alguns objetos. O medo de
castração é demonstrado pelo aparecimento de objetos cortantes. Na cultura
americana é comum ser desenhado o "cortador de grama". Muitas vezes aparecem
mãe e filho separados dos outros membros da fam11ia.
A utilização de símbolos diversos (chuva, água, fogo, flores, palhaços,
vassouras, calor, geladeira, estrelas, árvores, etc.) é também apresentada, entretanto, há necessidade de se considerar a "totalidade do indivíduo" para a interpretação correta dos símbolos apresentados. A interpretação destes deve,
154
A.B.P.A. 2/76
portanto, ser utilizada de maneira cuidadosa pelo psicólogo que levará em consideração cada caso em particular.
2.
Objetivo da pesquisa
A pesquisa a que nos propusemos representa uma tentativa de observar a maneira
pela qual o KFD se apresenta na população brasileira.
Em primeiro lugar, procuramos observar se as crianças apresentam problemas com as figuras parentais e irmãos, no KFD e também nas Fábulas de Duss,
e se estes problemas podem ser nota~os através de um questionário'; se a ação de
cozinhar está relacionada com a "mãe boa" nas Fábulas de Duss e se a ação de
limpar está relacionada com uma "mãe má"; se as ações relacionadas com "atividades do lar" estão associadas a um pai normal e as ações de trabalhar ou ir para o
trabalho estão associadas a um pai que não satisfaz às necessidades de afeto da
criança; verificar qual o personagem é mais valorizado pela criança na estrutura
familiar brasileira. Kaufman e E. Koppitz notaram que a "criança norte-americana
domina a estrutura familiar aparecendo maior e na parte superior do papel".
Cabe-nos verificar se este fato ocorre aqui no nosso meio.
3.
Método
3.1
Sujeitos
A amostra constitui-se de alunos das 11 turmas da S.a série do Instituto de
Educação, da cidade do Rio de Janeiro, situados na faixa etária de 11-12 anos.
Obtivemos assim um total de 240 alunos, dos quais escolhemos aleatoriamente 60
alunos, 42 meninas e 18 meninos. Foram sorteados 18 meninos, estes representando a proporção de 30% da amostra total. O Instituto de Educação foi escolhido
porque apresenta predominância de nível socioeconômico médio, procurando-se
assim diminuir a influência desta variável nos resultados, pois a maioria das
crianças são provenientes de lares relativamente bem constituídos. O mesmo nível
de escolaridade e de idade nos possibilita o controle destes dois fatores.
3.2
Instrumentos de controle
Foram utilizadas as Fábulas de Duss, pois satisfaziam às diversas exigências da
pesquisa. Primeiramente baseavam-se nos mesmos pressupostos psicanalíticos do
KFD e permitiam o aparecimento de sentimentos negativos ou ambivalentes em
relação aos pais. como também uma das fábulas prestava-se à observação de
Relacionamento familiar
155
complexo entre irmãos e irmãs. Além disso prestava-se à aplicação coletiva, como
também era adequada à faixa etária que foi aplicada à prova.
Além do Teste cinético da família (KFD), foi usado um questionário cuja
finalidade básica era ter dados objetivos a respeito do aluno, tais como idade,
número de irmãos, suas idades, pessoas com quem vive e como se sente em relação
aos seus familiares.
3.3
Procedimentos
A aplicação das três provas (KFD, Fábulas de Duss e questionário) realizou-se
obedecendo a esta seqüência, para fazer com que as crianças se expressassem mais
livremente através do desenho, e fossem mais espontâneas nas respostas às Fábulas
de Duss.
Foram distribuídas em seguida, cópias mimeografadas das fábulas, sendo
entretanto lidas em voz alta pela aplicadora, que esclareceu as dúvidas. Todas as
instruções das três provas foram padronizadas.
O questionário foi aplicado em último lugar, pois continha perguntas objetivas a respeito do relacionamento da criança com seus pais e irmãos, evitando-se
assim que pudessem influenciar as respostas dos testes iniciais.
Os três testes foram aplicados no mesmo dia, pela mesma aplicadora, que
formou seis grupos de crianças de cada vez. Essa precaução baseou-se principalmente na possibilidade de necessitarem eventualmente de supervisão ou de alguma
explicação individual, mantendo-se também um ambiente mais tranqüilo.
Explicou-se ainda, antes do início dos testes, que se tratava de uma pesquisa,
na qual pedíamos a colaboração, reafirmando que todo o material obtido ficaria
na posse da psicóloga e que as pessoas presentes tinham sido escolhidas através de
um sorteio.
Após estas explicações, distribuíram-se lápis n. o 2, borrachas e papel branco
de 18x21 cm.
3.4
Análise estatistica
Na análise dos resultados usamos a técnica do X2 para testar as seguintes hipóteses:
1.
Não há diferença significativa na maneira como se apresenta a figura materna no KFD e nas Fábulas de Duss. Rejeitou-se tal hipótese, pois o X2 obtido
mostrou haver alto grau de associação entre estes dois testes (X 2 = 18,97;
P < 0,001). Tabela 1, quadro 1.
2.
Não há diferença significativa na maneira como se apresenta a figura paterna
no KFD e nas Fábulas de Duss. Rejeitou-se a hipótese, pois o X2 obtido mostrou
. 156
A.B.P.A. 2/76
haver alto grau de associação entre estes dois testes (X 2
Tabela 1, quadro 2.
= 21,88;
P < 0,001).
3.
Não há diferença significativa na maneira como se apresentam os irmãos no
KFD e nas Fábulas de Duss. A hipótese não foi rejeitada, pois o X2 obtido não foi
significativo (X 2 = 0,05). Tabela 1, quadro 3.
Tabela 1
Tabela das freqüências observadas: KFD x DUSS
Quadro
Quadro 2
- Pai
-Mãe
KFD
KFD
+
+
til
til
+
21
6
27
6
27
33
27
33
60
+
til
til
24
7
31
4
25
29
28
32
60
::;:J
::;:J
Cl
X2
=
P <
Cl
= 21,88
p< 0,001
X2
18,97
0,001
Quadro 3
- Irmãos
KFD
+
+
til
til
B
X2
Relacionamento familiar
15
19
34
7
12
19
22
31
53
0,05 não significativo
157
4.
Não há diferença significativa na maneira como se apresenta a figura materna no KFD e no questionário. A hipótese não foi rejeitada; pois o X2 obtido
não foi significativo (X 2 = 0,34). Tabela 2, quadro 1.
5.
Não há diferença significativa na maneira como se apresenta a figura paterna
no KFD e no questionário. Rejeitou-se a hipótese, pois o X2 obtido mostrou haver
associação entre os testes (X 2 = 7,23; P < 0,01). Tabela 2, quadro 2.
6.
Não há diferença significativa na maneira como se apresentam os irmãos no
KFD e no questionário. Rejeitou-se a hipótese, pois o X2 obtido mostrou haver
associação entre os testes (X 2 = 4,38; P < 0,05). Tabela 2, quadro 3.
Tabela 2
Tabela das freqüências observadas: KFD x Questionário
Quadro 2
Quadro 1
- Mãe
- Pai
KFD
KFD
+
+
+ .9
23
,~
~
.g
":l
25
o
+ ,'"
'c
48
19
45
2
13
15
28
32
60
.~
C/o
-
26
~
O
X2
4
8
12
27
33
60
-&"
= 0,34 não significativo
X2
P
<
7,23
0,01
Quadro 3
- Irmãos
KFD
+
+
~I tffiE°
-
2
~
19
12
39
14
31
53
O
X2
P
158
=
<
22
4,38
0,05
A.B.P.A. 2/76
7.
Não há diferença significativa no fato de a ação de cozinhar (KFD) estar
relacionada com a "mãe boa" nas Fábulas de Duss, e a ação de limpar (KFD) estar
relacionada com a "mãe má" nas Fábulas de Duss (23 desenhos). A hipótese não
foi rejeitada, pois o X2 obtido não foi significativo (X 2 = 0,0003). Tabela 3.
Tabela 3
Tabela de freqüências observadas: KFD x DUSS
KFD
+
Mãe cozinhando
+
Mãe limpando
4
5
9
5
9
14
9
14
23
~I
X2
0,0003 não significativo
8.
Não há diferença significativa no fato de as ações, co.nsideradas atividades do
lar, estarem relacionadas a "pais normais" e as ações de trabalhar ou ir para o
trabalho estarem relacionadas àqueles que não satisfazem as necessidades de afeto
da criança (41 desenhos). A hipótese não foi rejeitada, pois o X2 obtido não foi
significativo (X 2 = 0,0005). Tabela 4.
Tabela 4
Tabela de freqüências observadas: KFD x DUSS
KFD
Pai
atividades do lar
Pai
indo para o trabalho
+
,
§1~----------I_I:-----------+-----------I-:----------1
24
X2
17
18
23
41
= 0,0005 não significativo
Relacionamento familiar
159
Quadro 1
KFD x DUSS
Mãe
X2
Pai
X2
Innãos
X2
= 18,97 ***
= 21,88 ***
= 0,05 n. s.
Quadro 2
KFD x Questionário
Nota:
Mãe
X2
Pai
X2
Innãos
X2
Os valores significativos a p
= 0,05
até p
= 0,01
= 0,34
= 7,23 **
= 4,38 *
estão indicados com
<
um asterisco; os de significância (p
0,01) por dois asteriscos e valores
0,001 por três asteriscos.
significativos a p
<
Quadro 3
Mãe boa DUSS x Ação de cozinhar KFD
X2 = 0,0003 n. s.
Mãe má DUSS x Ação de limpar KFD
Quadro 4
Pai bom DUSS x Ação de ativo no lar
Pai maú DUSS x Ação de ir para o trabalho (KFD)
160
X2
= 0,0005
n. s.
A.B.P.A. 2/76
Observação: as atividades de cortar, que seriam encontradas em pais e mães
castradores, e a atividade de passar roupa não foram testadas por não se terem
apresentado nesta amostra.
Quanto ao personagem mais valorizado na amostra, foram obtidos os seguintes resultados:
Mãe (55%); pai (27%); irmãos e si mesmo (18% cada); avô (3%) .
.4.
Conclusões
o KFD mostrou-se bastante eficaz como instrumento de diagnóstico da dinâmica
familiar, especialmente no que se refere aos "estilos" apresentados. A amostra
brasileira mostrou-se bastante semelhante à norte-americana. A divisão da famma
em compartimentos e o encapsulamento são notados em casos onde as figuras
familiares são vistas de maneira negativa nas Fábulas de Duss. Muitas vezes, cordas
de pular e fios de caixas acústicas são utilizados para envolver a figura que representa a criança, separando-a do meio-ambiente ou encapsulando o membro da
família que lhe está causando problemas.
Entretanto, as ações de cozinhar, limpar, ir para o trabalho, e atividades do
lar parecem estar mais relacionadas a fatos da vida cotidiana, sem maiores implicações diagnósticas, quando consideradas isoladas dos outros detalhes do desenho.
Notamos, entretanto, que ações menos comuns nos proporcionaram dados valiosos
para o diagnóstico. (Exemplo: a figura aparece zangada; chorando, o pai, a mãe e a
fllha passeando de mãos dadas; pai reclamando da filha; pai lendo jornal em cuja
manchete se lê "Matou o pai", etc.). As atividades de cortar não apareceram nesta
amostra, sendo talvez mais provável em Crianças que apresentem uma problemática mais séria em relação aos seus familiares.
Quanto à rivalidade entre irmãos (KFD x Duss), não obtivemos resultado
significativo porquê as fábulas não oferecem estímulo suficiente para a comprovação deste tipo de problema. A terceira fábula - O carneirinho - parece ser mais
adequada à verificação de rivalidade entre a criança e seu irmão mais novo, pois ao
compararmos o KFD com o questionário obtivemos resultado mais significat~vo. O
KFD, sem dúvida, permite à criança maior liberdade de expressão, seja pela ordem
de colocação dos irmãos, pelos estilos utilizados, omissão, tamanho das figuras,
etc.
No KFD x questionário, o resultado não significativo em relação à figura
materna deve-se, provavelmente, à influência cultural de valorização, fazendo com
que os sentimentos negativos ou ambivalentes sejam reprimidos, só aparecendo em
testes capazes de detectar processos inconscientes. No questionário, as· mães são
sempre vistas como boas, carinhosas, etc., só sendo manifestados sentimentos
negativos em relação ao pai e aos irmãos.
Quanto aos símbolos, obtivemos amostra muito diversificada, não sendo o
número suficiente para uma análise estatística. O símbolo "flor" em 16 casos
Relacionamento familior
161
esteve sempre associado a uma figura feminina, e o tema da 'água com respostas
depressivas e autopunitivas nas Fábulas de Duss. É interessante notar que em um
caso onde todas as figuras aparecem jogando bola em movimentação intensa, este
aluno é o único da amostra que no questionário se declara "infeliz" na vida
familiar, demonstrando simbolicamente, através do desenho, a dificuldade de relacionamento entre seus membros.
A figura mais valorizada dentro da faixa etária utilizada na pesquisa (11-12
anos) foi a figura materna, seguida pelo pai, e em menor proporção pelos irmãos e
si mesmo. O avô aparece em dois casos de crianças cujos pais eram desquitados.
Notou-se que 55% das crianças que valorizaram a figura de um irmão tinham
dificuldades de relacionamento com este, e 18% mantinham relacionamento bastante positivo. As 27% restantes não .expressaram opinião a respeito da figura
desenhada.
É provável que essas proporções se alterem quando compararmos os resultados de diferentes faixas etárias, tendendo a se elevar em relação à figura materna
nos primeiros anos de vida, passando a diminuir gradualmente após a adolescência.
Essas hipóteses deverão ser confirmadas com pesquisas que incluam todos os
níveis de desenvolvimento.
Referências bibliográficas
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Abt, L. & Ballak, L. Técnicas proyectivas. Buenos Aires, Paidós, 1967. 285 p.
2.
Anzieu, D. Los metodos proyetivos. Buenos Aires, Kapeluz, 1962. 211 p.
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A.B.P.A. 2/76
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