Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ INVESTIGAÇÃO DE PLANTAS MEDICINAIS ANTIMALÁRICAS USADAS NA MEDICINA TRADICIONAL DE S. TOMÉ E PRÍNCIPE Maria do Céu de Madureira Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, Monte da Caparica, Portugal [email protected] Resumo Tendo em conta o elevado número de casos de malária por P. falciparum resistente à cloroquina em São Tomé e Príncipe (STP), pretendemos dar o nosso contributo para a melhoria das condições de saúde da população, através da Investigação da Actividade Antimalárica de plantas medicinais usadas na Medicina Tradicional, e através do desenvolvimento de novos compostos que possam ser usados para o controlo da malária, nomeadamente compostos activos contra Plasmodium falciparum resistente à cloroquina. Levou-se a cabo um estudo etnofarmacológico de 13 plantas medicinais usadas pelos terapeutas tradicionais de STP no tratamento de malária e/ou febres. Este estudo corroborou o uso tradicional da maioria das plantas medicinais, e a sua actividade farmacológica foi comprovada laboratorialmente. Foram igualmente realizados estudos fitoquímicos biodireccionados e ensaios de toxicidade nas plantas que apresentaram melhores resultados de actividade antimalárica. A planta Tithonia diversifolia (Hemsl.) A. Gray foi submetida a Ensaios Fitoquímicos, por ser a que apresentou os melhores resultados de actividade antimalárica e simultaneamente apresentar garantias de inocuidade, relativamente aos resultados de toxicidade, pelo que poderá servir de base para um futuro desenvolvimento de novos fármacos antimaláricos. Palavras-chave: Plantas Medicinais; Malária; Medicina Tradicional; Tithonia diversifolia. 1. INTRODUÇÃO A malária é a mais importante doença parasitária das regiões tropicais. Nas últimas décadas tem-se vindo a assistir a um aumento e a uma disseminação alargada da resistência aos fármacos antimaláricos mais comuns, o que se torna ainda mais grave devido ao custo proibitivo de fármacos mais eficazes, para a grande maioria das populações destas áreas. Há uma necessidade urgente de novos compostos terapêuticos, facilmente acessíveis e de baixos custos (WHO, 2005). Uma das possíveis fontes destes tratamentos mais acessíveis poderá advir do estudo e desenvolvimento de medicamentos à base de plantas, utilizados localmente na medicina tradicional. De facto, o uso de plantas para o tratamento de malária é uma prática que se estende ainda actualmente, em pelo menos três continentes, estando registado o uso de mais de 1200 espécies de plantas para o tratamento de malária e/ou febres (WILLCOX & BODEKER, & RASOANAIVO, 2004). No entanto, há ainda poucos dados que documentem o uso destes preparados tradicionais nos sistemas de saúde destes países, e que comprovem a eficácia e segurança dos mesmos. O reconhecimento e a validação de práticas de medicina tradicional e a procura de agentes terapêuticos derivados de plantas, pode levar ao estabelecimento de novas estratégias no controlo da malária. Uma vez que 1 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ alguns dos principais fármacos antimaláricos actuais, tal como o quinino e a artemisinina, são moléculas obtidas a partir de plantas, torna-se essencial que se investiguem outras plantas medicinais utilizadas tradicionalmente como antimaláricas, de modo a comprovar a sua eficácia e segurança e a determinar as suas potencialidades como novos fármacos antimaláricos (GESSLER et al., 1994). De forma a ultrapassar os problemas mais comuns nesta área de investigação, tais como a identificação correcta do material vegetal e a possível variabilidade da composição química de remédios tradicionais, propusemo-nos avaliar a actividade antimalárica de algumas das plantas medicinais usadas pelos terapeutas tradicionais de S. Tomé e Príncipe, país onde mais de dois terços da população vive em regiões onde a malária é endémica (LOUREIRO et al., 1996). 2. AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DE PLANTAS USADAS COMO ANTIMALÁRICOS NA MEDICINA TRADICIONAL DE S. T. P. Como foi referido anteriormente, a existência de uma situação problemática no controlo da malária em São Tomé e Príncipe, e o uso elevado de plantas medicinais por parte da população local, determinou a necessidade de avaliar cientificamente os medicamentos usados como antimaláricos, na medicina tradicional destas ilhas (Projecto PRAXIS/PSAU/P/SAU/38/96). Pretendeu-se avaliar a actividade antimalárica e a toxicidade de extractos das plantas medicinais mais utilizadas pelos terapeutas tradicionais de S. Tomé e Príncipe, para o tratamento da malária e febres, de forma a identificar as plantas mais eficazes para estudos fitoquímicos posteriores. Para o estudo da actividade antimalárica de extractos de plantas, a escolha recaiu sobre o uso de testes in vitro com P. falciparum (estirpes sensíveis e estirpes resistentes à cloroquina) e de testes in vivo com o modelo roedor Balb C / P. berghei, no que se refere à fase sanguínea do ciclo de vida do parasita, tendo-se usado testes in vitro com esquizontes hepáticos de P. berghei ANKA desenvolvidos em células Hep G2, relativamente à fase hepática ou exoeritrocitária. Para os testes de toxicidade utilizaram-se metodologias que estão de acordo com o que se encontra preconizado pela Organização Mundial de Saúde, para este tipo de extractos de plantas (WHO, 1996; 2000). Com a verificação e o reconhecimento da actividade farmacológica das plantas medicinais poder-se-á também contribuir para uma melhoria da eficácia do sistema actual de saúde através da integração de algumas destas plantas no sistema médico das ilhas, em 2 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ particular no que diz respeito aos cuidados de saúde primários e ao controlo da malária. Este objectivo, vem ao encontro de propostas da OMS (WHO, 1997) que tem vindo a recomendar aos governos de países em vias de desenvolvimento para que seja dada prioridade na utilização da medicina tradicional e na integração de medicamentos tradicionais validados nas regulamentações e nos sistemas nacionais de saúde. 2.1. PLANTAS SELECCIONADAS PARA O ESTUDO Das 325 espécies de plantas recolhidas da flora da São Tomé e Príncipe foram escolhidas 13 para pesquisa de actividade antimalárica (MADUREIRA et al., 2002a). A selecção foi feita com base no facto de estas plantas serem utilizadas pelos terapeutas tradicionais locais para o tratamento de quadros clínicos de paludismo (febres, cefaleias), tendo também sido efectuada de acordo com dados obtidos na literatura e foram ainda tidas em consideração características químicas e biológicas de espécies aparentadas. A identificação científica de cada uma foi realizada no Instituto Botânico da Universidade de Coimbra (COI). Tabela 1 - Lista das plantas seleccionadas para o estudo de actividade antimalárica ExtractoN .º Nome da planta (Família) Nome Vernáculo 1 Struchium sparganophora (Asteraceae) 2 Vernonia amygdalinaa (Asteraceae) 3 Vernonia amygdalinab (Asteraceae) 4 Ageratum conyzoides (Asteraceae) 5 Cinchona succirubra (Rubiaceae) 6 Aloe humilis (Aloeaceae) 7 Tithonia diversifolia (Asteraceae) 8 Cedrela odorata (Meliaceae) 9 Premna angolensis (Verbenaceae) 10 Pycnanthus angolensis (Myristicaceae) 11a Morinda lucida (Rubiaceae) 11b Morinda lucida (Rubiaceae) 12 Cestrum laevigatum (Solanaceae) 13 Canna indica (Cannaceae) Nota: Vernonia amygdalinaa,b – Plantas distintas para os sendo a mesma espécie. Partes utilizadas Nº Voucher (COI) Libô-d’áua Parte aérea MM 125 Libô-qué Folhas MM 114 Libo-mucambu Folhas MM 21 Fiá-malé-muálá Parte aérea MM 28 Pó-quina Casca MM 25 Áliba-babosa Suco da folha MM 354 Girassol Caule MM 625 Cidlela Casca MM 321 Pó-ama Casca MM 619 Pó-cassom Casca MM 426 Gligô Casca MM 26 Gligô Folhas MM 26 Coedano Folhas MM 102 Salaconta Raízes MM 14 Terapeutas Tradicionais, mas identificadas como 2.2. PREPARAÇÃO DOS EXTRACTOS E FRACCIONAMENTO 3 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ O material vegetal foi seco, sendo posteriormente pulverizado e submetido a uma extracção com etanol a 70%, seguido de evaporação e liofilização. Os materiais frescos foram homogeneizados e macerados posteriormente em etanol a 70%, tendo sido também evaporados e liofilizados (extractos nº7 e nº13). Esta primeira extracção foi denominada de extracto bruto (EB). Para conseguir uma separação prévia de grupos de constituintes bioactivos, recorreu-se à técnica de partição líquido-líquido, tendo o extracto bruto de cada amostra vegetal sido inicialmente dissolvido em metanol:água (1:2), extraído com solventes de diferentes polaridades, tendo-se obtido quatro fracções: éter de petróleo (EP), diclorometano (DM), acetato de etilo (AE) e metanol/água (MA). Todas as fracções foram evaporadas num evaporador rotativo, liofilizadas e congeladas a - 20ºC. Foram preparadas soluções stock, de cada uma das fracções (EB, EP, DM, AE e MA), com uma concentração final de 5 mg/ml em RPMI 1640 (Gibco BRL, ref. 51800-035) e 1% etanol (Merck, ref. 1.00983.2511). 2.3. ENSAIOS DE DETERMINAÇÃO DA ACTIVIDADE ANTI-MALÁRICA Três tipos diferentes de ensaios foram utilizados: ensaios in vitro com Plasmodium falciparum para estudo da actividade antimalárica esquizonticida para parasitas na fase de desenvolvimento eritrocitário (TRAGER & JENSEN, 1976; VASCONCELOS and ROSÁRIO, 1983; FISK et al, 1989; CARVALHO and KRETTLI, 1991; JURG et al, 1991; COUTO et al, 1993;), ensaios in vitro para estudo da actividade antimalárica durante o ciclo hepático, utilizando Plasmodium berghei ANKA (CALVO-CALLE et al, 1994; HOLLINGDALE et al, 1983a,b; SINDEN et al, 1990, 1991; HULIER and RENIA, 1996; KARNASUTA, 1995; MILLET et al., 1986, 1988) e, finalmente, ensaios in vivo em modelo de Plasmodium berghei ANKA infectando murganhos Balb C, também para a fase eritrocitária (CARVALHO and KRETTLI, 1991; PETERS, 1987; PHILLIPSON, 1991). 2.3.1. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados dos testes in vitro sobre a actividade destes extractos contra a estirpe de P. falciparum resistente à cloroquina (Dd2) são apresentados na tabela 2 (MADUREIRA et al., 2002b). Foi calculada a concentração capaz de inibir o crescimento de 50% dos parasitas (IC50) na fase sanguínea, em comparação com os controlos. 4 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ Os extractos de Aloe humilis (AE), Cedrela odorata (DM), Cestrum laevigatum (DM) e Canna bidentata (DM) demonstraram possuir uma actividade antiplasmódica moderada, com valores de IC50 ≤ 50 μg/ml. Seis outros dos extractos em estudo apresentaram uma evidente actividade antiplasmódica contra o P. falciparum resistente à cloroquina, com valores de IC50 ≤ 10 μg/ml: Struchium sparganophorum (EP), Vernonia amygdalinab (AE), Cinchona succirubra (EB e todas as fracções), Tithonia diversifolia (EP, DM), Pycnanthus angolensis (EB) e Morinda lucida (EB). Comparando os valores obtidos para este grupo de plantas com os valores de IC50 obtidos para a Artemisia annua (3,9 μg/ml) e para a Azadirachta indica (10 μg/ml), estamos perante resultados bastante promissores (PHILLIPSON and O’NEIL, 1986). No entanto, é preciso não esquecer que, muito frequentemente, plantas que são utilizadas tradicionalmente como antimaláricos em diversos países, não apresentam actividades elevadas nos testes in vitro. Estes casos podem ser parcialmente explicados, devido ao facto de, muitas das plantas usadas tradicionalmente no tratamento da malária, poderem ter outras acções terapêuticas, que não a actividade sobre o parasita, tais como acção antipirética ou imunomoduladora. Tabela 2 – Actividade antimalárica in vitro de extractos de plantas (P. falciparum, Dd2) Nome Botânico Valores médios de IC50 (μg/ml) Nº 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11a 11b 12 13 Struchium sparganophorum Vernonia amygdalinaa Vernonia amygdalinab Ageratum conyzoides Cinchona succirubra Aloe humilis Tithonia diversifolia Cedrela odorata Premna angolensis Pycnanthus angolensis Morinda lucida casca) Morinda lucida (folhas) Cestrum laevigatum Canna bidentata EB 180 120 340 150 <10 260 15 190 180 <5 <10 10 100 500 EP <10 170 200 110 <10 150 <10 110 250 100 50 130 100 130 DM 100 235 80 55 <10 150 <10 50 250 100 50 60 50 25 AE 100 500 10 220 <10 25 140 n.d. 250 100 100 500 150 245 MA 240 n.d. n.d. n.d. <10 500 500 n.d. n.d. n.d. 500 125 135 500 EB-extracto bruto etanólico; EP – fracção éter de petróleo; DM – fracção diclorometano; AE – fracção acetato de etilo; MA – fracção remanescente metanol e água; n.d. – não determinado. IC50 (cloroquina) = 0.094 μg/ml Nota: a, b – Plantas distintas para os Terapeutas Tradicionais, mas identificadas como sendo a mesma espécie. Em duas das plantas medicinais (Pycnanthus angolensis e Morinda lucida) os extractos brutos apresentaram uma elevada actividade contra o parasita, mas as fracções têm 5 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ todas muito menor actividade. Uma explicação simples para esta situação, pode dever-se ao facto de existirem possíveis sinergismos entre os diferentes compostos presentes na complexa mistura dos extractos brutos, sinergismo esse que se perderá no decorrer do fraccionamento. Uma outra hipótese é a possível instabilidade das moléculas fraccionadas ou purificadas, que nos extractos brutos poderão estar protegidas por outros compostos. Relativamente aos ensaios in vitro de actividade antimalárica, na fase hepática do Plasmodium berghei (HepG2 cells), e aos testes de viabilidade celular (hepatotoxicidade) dos extractos de plantas, os resultados encontram-se descritos na Tabela 3 (GOMES, 1999; MADUREIRA et al., 2002b). Onze dos extractos e fracções em estudo revelaram actividade esquizonticida na fase hepática do ciclo de vida do parasita, em concentrações abaixo dos respectivos valores de MLD (Dose Mínima Letal – que inibe 30% do desenvolvimento celular dos hepatócitos): Struchium sparganophorum (EB e MA), Aloe humilis (AE), Tithonia diversifolia (EP e AE), Cedrela odorata (EB), Pycnanthus angolensis (EP e AE), Morinda lucida – casca (EB e EP) e Morinda lucida – folhas (EP). De entre estas, quatro plantas demonstraram possuir uma elevada actividade esquizonticida com valores de IC50 entre 5 a 34 μg/ml: Struchium sparganophorum, Tithonia diversifolia, Pycnanthus angolensis e Morinda lucida (casca). Tabela 3 – Actividade antimalárica exoeritrocítica e citotoxicidade de extractos de plantas contra Plasmodium berghei in vitro (Hep G2) Extracto Nº 1 1EP 1DM 1AE 1MA 2 3 4 5 6 6EP 6DM 6AE 6MA 7 7EP 7DM 7AE 7MA Nome Botânico Struchium sparganophorum Struchium sparganophorum Struchium sparganophorum Struchium sparganophorum Struchium sparganophorum Vernonia amygdalinaa Vernonia amygdalinab Ageratum conyzoides Cinchona succirubra Aloe humilis Aloe humilis Aloe humilis Aloe humilis Aloe humilis Tithonia diversifolia Tithonia diversifolia Tithonia diversifolia Tithonia diversifolia Tithonia diversifolia Citotoxicidade MLD (μg/ml) Concentrações testadas (μg/ml) Actividade esquizonticida IC50 (μg/ml) 50 100 25 50 500 250 250 100 250 500 100 10 500 100 100 50 10 250 500 50 / 25 100 / 50 25 / 10 50 / 25 500 / 250 250 / 100 250 / 100 100 / 50 250 / 100 500 / 250 100 / 50 10 / 1 500 / 250 100 / 50 100 / 50 50 / 25 10 / 1 250 / 100 500 / 250 24 n.d. 35 78 482 n.a. 305 135 n.a. n.a. n.a. 19 354 344 287 18 n.a. 117 n.a. 6 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ Extracto Nº Nome Botânico Citotoxicidade MLD (μg/ml) Concentrações testadas (μg/ml) Actividade esquizonticida IC50 (μg/ml) 8 Cedrela odorata 250 250 / 100 158 9 Premna angolensis 500 500 / 250 n.a. Pycnanthus angolensis 250 250 / 100 n.a. 10 Pycnanthus angolensis 100 100 / 50 34 10EP Pycnanthus angolensis 500 500 / 250 n.a. 10DM Pycnanthus angolensis 25 25 /10 22 10AE Morinda lucida (casca) 500 500 / 250 415 11a Morinda lucida (casca) 10 10 / 1 5 11aEP 10 10 / 1 n.d. 11aDM Morinda lucida (casca) Morinda lucida (casca) 50 50 / 25 137 11aAE Morinda lucida (casca) 500 500 / 250 n.a. 11aMA Morinda lucida (folhas) 50 50 / 25 76 11b Morinda lucida (folhas) 250 250 / 100 103 11bEP 100 100 / 50 167 11bDM Morinda lucida (folhas) Morinda lucida (folhas) 500 500 / 250 n.a. 11bAE 12 Cestrum laevigatum 250 250 / 100 n.a. 13 Canna bidentata 500 500 / 250 n.a. MLD (Dose mínima letal) – dose que inibie 30% do crescimento celular; EB-extracto bruto etanólico; EP – fracção éter de petróleo; DM – fracção diclorometano; AE – fracção acetato de etilo; MA – fracção remanescente metanol e água; n.d. – não determinado; n.a. – não activo. IC50 (primaquina) = 0.003 μg/ml. MLD (primaquina) = 0.1 μg/ml. Nota: a, b – Plantas distintas p/Terapeutas Tradicionais, mas identificadas como sendo a mesma espécie. Os extractos e as fracções das plantas que apresentaram uma actividade significativa nos ensaios in vitro, foram seleccionadas para os ensaios in vivo de actividade antimalárica (Struchium sparganophorum, Cinchona succirubra, Tithonia diversifolia, Cedrela odorata e Pycnanthus angolensis). No entanto, esta selecção não exclui a possibilidade de outros extractos, aparentemente menos activos in vitro, poderem ser agentes terapêuticos eficazes, quando administrados por via oral, em ensaios in vivo. De uma forma geral, os extractos testados apresentaram uma actividade parcial contra o parasita da malária de roedores, tendo os extractos de Cinchona sido os únicos que demonstraram uma quimiosupressão total da parasitémia de murganhos infectados com P. berghei. No entanto, ressaltamos ainda os resultados obtidos com dois extractos brutos (Struchium sparganophorum e Cedrela odorata), que evidenciaram uma inibição significativa (P <0,05) do desenvolvimento do parasita (85% e 73%, respectivamente), numa concentração de 1000 mg/Kg/dia. 7 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ A parasitémia (média ± desvio-padrão) do grupo controlo infectado, no final do dia 4 era de 10,34% ± 2,11%; no caso dos ratos tratados com Struchium sparganophorum a parasitémia era de 1,54% ± 1,38% e para o grupo tratado com Cedrela odorata a parasitémia era de 2,84% ± 0,99%. Foi calculado o tempo médio de sobrevivência dos animais infectados e tratados, comparativamente ao grupo de controlo (23 ± 3 dias), tendo uma das plantas aumentado este valor em 35% (Cedrela odorata) – ver Fig 1. 3 5 ,0 3 0 ,0 T (days) 2 5 ,0 2 0 ,0 1 5 ,0 1 0 ,0 5 ,0 0 ,0 K i 1E P I 1 E P II 5 II 7D M I 7 D M II 8I 8 II 10I 1 0 II P la n t e x tr a c t s Ki (ratos infectados, não tratados) I – (1000 mg/Kg/dia) 8II (Cedrella odorata); II – (500 mg/ Kg/ia) 5II (Cinchona ) Fig. 1 – Taxa de sobrevivência dos murganhos (MADUREIRA et al., 1998a,b) 2.4. ESTUDOS DE TOXICIDADE De forma a poderem ser desenvolvidas as formulações mais apropriadas para a produção local de medicamentos à base de plantas, não interessa só comprovar cientificamente a sua eficácia, mas também demonstrar a sua total segurança. Segundo as directivas da OMS, o passo seguinte para validar um medicamento à base de plantas, neste caso um antimalárico, baseado na medicina tradicional, será o de determinar os respectivos níveis de segurança através de estudos toxicológicos (WHO, 1998). Foram efectuados dois tipos de ensaios de toxicidade de curta duração: testes de genotoxicidade in vitro – Teste de Ames (MORTELMANS et al., 2000) e testes de toxicidade aguda in vivo (TOLEDO et al., 2000; MARKOUK et al. 2000; ALEXANDRE-MOREIRA et al., 1999; CYTED, 1995). O primeiro foi realizado numa parceria do Centro de Malária e Outras Doenças Tropicais com o Centro de Investigação de Genética Humana da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, e o segundo, com a colaboração do Biotério do Instituto de Higiene e Medicina Tropical. Estes testes encontram-se entre as 8 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ primeiras opções nos protocolos da Organização Mundial de Saúde e da RITAM (Research Iniciative on Tradicional Antimalarials) para a validação de plantas medicinais como medicamentos tradicionais à base de plantas (WHO, 1996; BODEKER & WILLCOX, 2000). 2.4.1. RESULTADOS E DISCUSSÃO A partir de ensaios de Genotoxicidade in vitro, realizados com a estirpe de Salmonella tiphimurium TA98, foi feito um primeiro rastreio quanto à mutagenicidade de extractos de plantas usados como antimaláricos em São Tomé e Príncipe (SANTOS, 2001). Os extractos/fracções EB, EP e DM, das plantas Tithonia diversifolia e Pycnathus angolensis não apresentam sinais de genotoxicidade, para a estirpe TA98, nos ensaios com e sem biotransformação. O mesmo acontece, na fracção AE das duas plantas, no ensaio sem biotransformação. Verifica-se no entanto, que a fracção AE, de ambas as plantas, apresenta uma fraca mutagenicidade, para a estirpe TA98, no ensaio com biotransformação. Uma vez que a estirpe TA98 é sensível a mutagéneos de desfasamento (frame-shift), pode-se concluir que a fracção de acetato de etilo (AE) das plantas Tithonia diversifolia e Pycnathus angolensis contêm na sua composição compostos que podem induzir este tipo de mutação. Por outro lado, o facto desta actividade mutagénica não se apresentar no extracto bruto das plantas parece sugerir que existem sinergismos entre os diversos componentes, que anulam a potencial mutagenicidade, ou provavelmente que os compostos obtidos na fracção de acetato de etilo, e que são responsáveis pela mutagenicidade, encontram-se em concentrações baixas no extracto bruto, não sendo estas suficientes para apresentar sinais de mutagenicidade. Assim sendo, a partir deste estudo, fica confirmada a mutagenicidade da fracção de acetato de etilo da planta Tithonia diversifolia e a fraca mutagenicidade da mesma fracção para a planta Pycnathus angolensis. Os resultados dos ensaios de Toxicidade Aguda in vivo, efectuados em roedores, comprovaram a inocuidade dos extractos/fracções EB e EP de Struchium sparganophora, EB de Tithonia diversifolia, AE de Pycnanthus angolensis, com DL50 > 15.000 (mg/Kg); foram considerados ligeiramente tóxicas as fracções de diclorometano de Struchium sparganophora e de Tithonia diversifolia, com DL50 de 3.501 e 4.453mg/Kg, respectivamente; os restantes extractos/fracções não apresentam indícios de toxicidade até à concentração testada. O facto de existirem fracções que apresentam alguma toxicidade (fracção DM de Struchium sparganophora e DM de Tithonia diversifolia), e de os respectivos extractos brutos 9 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ não apresentarem toxicidade aguda, poderá indicar a existência de sinergismos/antagonismos entre compostos, que possam estar presentes no extracto bruto e que inibam a referida toxicidade. Com estes resultados, pode-se comprovar a relativa inocuidade dos extractos brutos de todas as plantas ensaiadas, sendo estes a forma mais aproximada, em termos de composição relativamente aos medicamentos tradicionais usados pelos curandeiros da República de São Tomé e Príncipe. Relacionando estes resultados obtidos nos testes de genotoxicidade, in vitro e os testes de toxicidade aguda, in vivo, com os resultados obtidos anteriormente nos estudos de actividade antimalárica (ver tabela 4), pode-se verificar que nas plantas estudadas (Struchium sparganophora, Tithonia diversifolia, Cedrela odorata, Pycnathus angolensis e Morinda lucida (casca)), os extractos e fracções mais activos, foram de uma forma geral os extractos bruto e as fracções de éter de petróleo, com valores de IC50 < 10 μg/ml (na fase eritrocitária), e na fase hepática com valores de DL50 para os esquizontes, inferiores à dose letal tóxica (na fase hepática). No entanto, é importante referir que, de uma foma geral, nos extractos/fracções que demonstraram uma actividade antimalárica elevada, as concentrações activas são consideravelmente mais baixas que os valores de concentrações que revelam alguma toxicidade, nos diversos ensaios de toxicidade efectuados. Assim, e a partir de todos os resultados disponíveis até ao momento, pode-se concluir que os extractos brutos e as fracções de éter de petróleo das plantas Tithonia diversifolia e Pycnathus angolensis, são os que apresentam os melhores resultados de actividade antimalárica (na fase sanguínea e fase hepática) e simultaneamente apresentam garantias de inocuidade, relativamente aos resultados de toxicidade, pelo que poderão servir de base para um futuro desenvolvimento de novos fármacos antimaláricos, devendo ser as espécies a seleccionar para a realização de estudos fitoquímicos que permitam o isolamento e a identificação do(s) composto(s) responsáveis pela actividade antimalárica da planta. 10 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ Tabela 4 – Resultados dos ensaios de toxicidade versus actividade antimalárica de Plantas de STP Espécie de planta Extracto/fracção Mutagenicidade Estirpe TA98 Toxicidade Actividade Actividade aguda, in Esquizontocida Esquizontocida Hepatotoxicidade vivo eritrocitária hepática IC50 (μg/ml) MLD (μg/ml) IC50 (μg/ml) n.d 180 EB R.I. 24 50 n.d n.d EP R.I. <10 100 DM n.d L.T. 100 35 25 100 78 50 AE n.d R.I.* EB n.d R.I.* 260 s.a 500 EP n.d n.d 150 s.a 100 Aloe humilis DM n.d n.d 150 19 10 n.d 25 354 500 AE R.I.* 287 EB N.M. R.I. 15 100 Tithonia EP N.M. R.I.* <10 18 50 diversifolia L.T. s.a. DM N.M. <10 10 140 M. 117 250 AE R.I.* n.d 190 250 EB R.I.* 158 EP n.d R.I.* 110 n.d n.d Cedrela odorata 50 n.d n.d DM n.d R.I.* n.d n.d n.d AE n.d R.I.* s.a. <5 250 EB N.M. R.I.* Pycnanthus 100 EP N.M. R.I.* 34 100 angolensis 100 s.a. 500 DM N.M. R.I.* F.M 100 22 AE R.I. 25 415 n.d <10 500 EB R.I.* n.d R.I.* Morinda lucida 50 EP 5 10 (casca) DM n.d n.d 50 n.d 10 AE n.d n.d 100 137 50 CI – concentrações inibitória; DLM – dose letal mínima; DL – dose letal; n.d.- não determinado; s.a – sem actividade esquizontocida; M. – mutagénico; N.M. – não mutagénica para a estirpe TA98; F.M.- fracamente mutagénica; R.I. – relativamente inócuo; R.I.* - relativamente inócuo até a concentração testada. L.T. – ligeiramente tóxico Struchium sparganophora 3. ESTUDO FITOQUÍMICO Efectuou-se uma pesquisa bibliográfica aprofundada sobre as 2 espécies mais promissoras para permitir reunir todos os dados existentes sobre os estudos realizados até ao momento por outros investigadores. Desta pesquisa, resultou a selecção final da espécie Tithonia diversifolia (Hemsl.) A. Gray. (Asteraceae), uma vez que não existiam quaisquer registos sobre o seu uso tradicional como antimalárico, e o seu estudo fitoquímico iria permitir identificar pela primeira vez o(s) composto(s) responsáveis pela actividade antimalárica, por nós já comprovada. 11 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ Fig. 2 – Tithonia diversifolia (Hemsl.) A. Gray 3.1. ISOLAMENTO DOS CONSTITUINTES ACTIVOS 3.1.1. COLHEITA, IDENTIFICAÇÃO E PREPARAÇÃO DO MATERIAL VEGETAL O material vegetal da planta seleccionada (caules, folhas e flores de Tithonia diversifolia) foi colhido em Monte Café – S. Tomé, e seco à sombra, tendo sido depositado um exemplar de herbário no Instituto Botânico da Universidade de Coimbra (Madureira & Martins 626 (COI)). As partes aéreas secas da planta foram pulverizadas e foram preparados dois extractos brutos, um com éter dietílico e outro com metanol. A planta pulverizada foi macerada separadamente nos dois solventes (120 g / 1 L), à temperatura ambiente, durante 18 horas, sendo os solventes evaporados à secura num rotavapor, a uma temperatura inferior a 40ºC. Foi igualmente preparada uma decocção da planta, de forma similar a uma das preparações utilizadas pelos terapeutas tradicionais; esta decocção foi liofilizada. É de salientar o facto desta planta também ser usada em fresco, ingerindo-se o suco das folhas mais jovens, que são mastigadas. No entanto, na preparação dos extractos apenas foi utilizado material seco. 3.1.2. ISOLAMENTO BIODIRECCIONADO Isolamento de compostos activos Todos os extractos foram testados contra duas estirpes de Plasmodium falciparum (FCA 20 Ghana, sensível à cloroquina e FCB1- Colômbia, resistente à cloroquina), de acordo com a metodologia descrita anteriormente, e os resultados da actividade antiplasmódica 12 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ serviram de guia para o fraccionamento e isolamento subsequente dos constituintes activos da planta em estudo. Assim, e tendo em conta os resultados obtidos com estes ensaios (Tabela 5), seleccionou-se o extracto de éter dietílico para continuar os estudos fitoquímicos, uma vez que este extracto foi o que apresentou a melhor actividade contra as estirpes de P. falciparum (FCA - IC50: 0,75 µg/ml e FCB1 - 0,83 µg/ml). Tabela 5 – Actividade antimalárica de extractos de Tithonia diversiolia Extracto IC50 (µg/ml) FCA IC50 (µg/ml) FCB1 Éter Dietílico Metanol Decocção H2O Cloroquina 0,75 2,16 57 0,01 0,83 4,36 79 0,07 Cromatografia líquido-sólido O extracto etéreo evaporado (obtiveram-se 2,88 g a partir de 120 g de material vegetal seco) foi separado numa coluna de cromatografia de sílica gel 60 (Si60 Merck), e foi usado um gradiente de eluição com hexano / acetato de etilo (100:0; 95:5; 90:10; 86:14; 82:18; 80:20; 78:22; 76:24; 74:26; 72:28; 70:30; 68:32; 66:34; 64:36; 62:38; 60:40; 55:45; 50:50; 45:55; 40:60; 35:65; 30:70; 20:80; 10:90; 0:100); metanol e metanol 50%, tendo-se utilizado alíquotas de 250 ml de cada eluente. Com esta técnica pretendemos eluir e separar os vários componentes do extracto, em função da sua polaridade crescente. Cromatografia em Camada Fina (CCF e CPCF) As fracções eluídas foram submetidas a CCF (placa de silica gel; hexano / acetato etilo 80:20 e 40:60), e examinadas para verificar similaridades e diferenças do seu perfil cromatográfico. Desta forma, combinaram-se os eluatos em 30 fracções conforme a sua semelhança de perfil cromatográfico (Fracção I a XXX). Efectuaram-se testes de actividade antiplasmódica nas 30 fracções, tendo-se verificado uma maior actividade nas fracções XVI a XX, correspondentes à fase móvel hexano / acetato de etilo 70:30), com IC50 entre 0,37 µg/ml a 0,63 µg/ml na estirpe FCA. A fracção mais activa (XVII, IC50: 0,37 µg/ml) foi purificada através de Cromatografia Preparativa de Camada Fina (sílica gel; hexano / acetato de etilo 40:60), 13 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ tendo-se obtido 80 mg de um composto maioritário (Rf 0,39; silica gel; hexano / acetato etilo 40:60). Este composto também estava presente nas fracções XVI a XX. O composto assim obtido possui uma boa actividade antiplasmódica, tendo sido determinado um IC50 de 0,33 µg/ml (0,95 µM) na estirpe sensível à cloroquina (FCA) e IC50 de 0,24 µg/ml (0,69 µM) e 0,25 µg/ml (0,72 µM) respectivamente, nas estirpes resistentes à cloroquina FCB1 e W2. Estes resultados parecem comprovar que este é o composto maioritariamente responsável pela actividade antimalárica da planta Tithonia diversifolia. 3.1.3. IDENTIFICAÇÃO ESTRUTURAL DO COMPOSTO ACTIVO A estrutura do composto activo, a lactona sesquiterpénica tagitinina C, foi determinada recorrendo a métodos espectroscópicos e espectrofotométricos (UV, IV, MS e RMN), tendo sido feita a comparação dos espectros obtidos com dados da literatura, uma vez que esse composto já havia sido descrito anteriormente como fazendo parte da composição da Tithonia tagitiflora Desf. (PAL R. et al., 1977) e da Tithonia diversifolia (BARUAH N.C. et al., 1979). Espectrometria UV – Visível Os espectros de ultravioleta (UV) foram traçados em metanol, com um espectrofotómetro HITACHI U-3300. A selecção desta solução baseou-se no trabalho de BARUAH N.C. et al. (1979). O composto activo isolado apresentava uma forte fluorescência a 254 nm nas placas de cromatografia em camada fina com indicador de fluorescência. Por este motivo, iniciámos a respectiva identificação começando por traçar o seu espectro UV (Fig. 3): 14 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ Fig. 3 – Espectro UV do composto activo isolado Podemos observar claramente no espectro obtido a existência de dois máximos de absorção: um a 207 nm, clássico para lactonas sesquiterpénicas com um metileno exocíclico, e um outro a 248 nm. ε (207 nm) = ε (248 nm) = 1,63 x 348 1 x 0,063 1,26 x 348 1 x 0,063 = 10554,3 = 8158,5 Este espectro não nos permite avançar muito relativamente à estrutura exacta do composto. Podemos unicamente deduzir, dos dados obtidos, que o composto possui sistemas de duplas ligações conjugadas, e que se trata muito provavelmente de uma lactona sesquiterpénica com um metileno exocíclico. Espectrometria de Infravermelho Os espectros de infravermelho (IV) foram realizados no CERM (Centre de Recherche sur les Macromolecules da Universidade de Liège) e foram traçados com um espectrofotómetro PERKIN ELMER Spectrum GX ® FT-IR, equipado com um detector MIRTGS. As soluções foram feitas em éter dietílico e em tetracloroetileno (C2Cl4). Os espectros e os dados obtidos (Fig. 4) foram tratados com o programa informático Spectrum V2.00 da Perkin-Elmer. As informações mais marcantes e interessantes deste espectro são as 3 bandas intensas observadas entre 1650 e 1800 cm-1, isto é, na região de vibração das duplas ligações dos 15 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ carbonilos. Podemos igualmente observar algumas bandas na região de vibração de alongamento das ligaçõe Csp2-H, típicas dos alcenos e um sinal a 3610 cm-1, correspondente provavelmente à vibração de alongamento da ligação O-H. De acordo com os dados existentes na literatura, uma molécula já descrita em Tithonia diversifolia (BARUAH et al., 1979), e em Tithonia tagetiflora (PAL et al., 1977), a lactona sesquiterpénica Tagitinina C, possui três grupos carbonilo com valores relativamente próximos dos valores por nós observados, o que nos indica que o nosso composto activo poderá ser esta mesma lactona sesquiterpénica. Fig. 4 – Espectro IV do composto activo isolado Espectrometria de Massa por impacto electrónico Os espectros de massa foram obtidos no modo positivo e realizados no MS Lab (Laboratório de Espectrometria de Massa da Universidade de Liége) e obtidos com um aparelho FINNIGAN Polaris Q (GC-MS – EI/CI). A espectrometria de massa permitiu-nos obter algumas informações mais e os resultados obtidos corroboram perfeitamente a hipótese da presença de Tagitinina C, como sendo o composto activo por nós isolado. [M+Na]+ 16 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ [M-(HOOCCH(CH3)2+H]+ Fig. 5 – Espectro de Massa do composto isolado Assim, e apesar de algumas diferenças detectadas no espectro obtido (Fig. 5), comparativamente aos dados existentes na literatura, podemos constatar o seguinte: - a massa da tagitinina C é de 348; no entanto, o espectro de massa apresenta um sinal importante a 371 m/z; detectaram-se vestígios de Na (23) fixados à molécula, pelo que podemos admitir a hipótese de estar na presença de um aducto de sódio sobre a molécula da tagitinina C (348 + 23 = 371); - observando os iões-filhos do sinal 371 (obtidos por MS/MS), detecta-se que se situam a 301 e a 283 m/z. Subtraindo o valor da massa do sódio (23), estes sinais situar-se-iam a 278 e 260 m/z, duas massas mencionadas na literatura (PAL et al., 1977) como sendo fragmentos da tagitinina C; estes fragmentos são obtidos respectivamente pela perda de um COCH(CH3)2 e de um HOOCCH(CH3)2; - no espectro apresentado na figura 5, observam-se igualmente outros sinais a 261 e a 243 m/z. Trata-se de dois fragmentos da molécula da tagitinina C, que correspondem respectivamente a uma perda de HOOCCH(CH3)2 do grupo éster e de HOOCCH(CH3)2- H2O do grupo alifático da molécula. Através da análise dos resultados obtidos com o espectro de massa, ficou ainda mais fortalecida a hipótese do nosso composto activo isolado ser a tagitinina C. Ressonância Magnética Nuclear (13C-RMN e 1H-RMN) Os espectros de ressonância magnética nuclear foram realizados no CREMAN (Centre de Résonance Magnétique Nucléaire da Universidade de Liége) e foram traçados em solução de CDCl3, usando o TMS com padrão interno, a 400 MHz (1H-RMN) e 100 MHz (13C-RMN) num aparelho BRUCKER Avance DRX 400. Para melhor elucidação estrutural 17 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ recorreu-se também a espectros bidimensionais de correlação homonuclear de protão (2D 1H1 H – COSY). A técnica que melhor nos permite identificar a molécula isolada é incontestavelmente a RMN. De facto, a análise conjunta dos espectros 1H, 13 C e de espectros 2D, deixa muito poucas dúvidas acerca da identidade da molécula. Assim, pudemos constatar, por comparação com os valores obtidos por BARUAH et al., em 1979 (coluna Tg C), que os espectros de protão e de carbono por nós obtidos apresentam valores de deslocamentos químicos quase idênticos aos descritos anteriormente na literatura para a tagitinina C (Tabelas 6 e 7): Tabela 6 – Comparação dos deslocamentos químicos em RMN 1H (ppm) Posição 1 2 5 6 7 8 9ª 9b 13ª 13b 14 15 2’ 3’ 4’ Composto Isolado (em CDCl3) 6,92 6,24 5,86 5,40 3,54 5,35 2,45 1,99 6,34 5,80 1,53 1,95 2,42 1,07 1,05 Tg C* (em CDCl3) 6,94 6,26 5,88 5,42 3,55 5,33 ≈ 2,40 ≈ 2,00 6,36 5,81 1,56 1,97 2,44 1,10 1,08 Δ - 0,02 - 0,02 - 0,02 - 0,02 - 0,01 + 0,02 ≈ + 0,05 ≈ - 0,01 - 0,02 - 0,01 - 0,03 - 0,02 - 0,02 - 0,03 - 0,03 Tabela 7 – Comparação dos deslocamentos químicos em RMN 13C (ppm) Posição Composto Isolado (em CDCl3) Tg C* (em CDCl3) Δ 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 159,95 128,98 196,78 138,95 ≈ 137,78** ≈ 75,50** 47,40 ≈ 73,80** 48,50 72,06 136,00 169,65 ≈ 124,50** ≈ 28,50** ≈ 19,00** 160,49 129,57 196,85 188,84 137,14 76,05 47,05 74,11 48,37 71,91 136,11 169,75 124,43 28,88 19,65 - 0,54 - 0,59 - 0,07 + 0,11 ≈ + 0,54 ≈ - 0,55 + 0,35 ≈ -0,31 + 0,13 + 0,13 - 0,11 - 0,10 ≈ + 0,07 ≈ - 0,38 ≈ - 0,65 18 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ Tg C* Δ Composto Isolado (em CDCl3) (em CDCl3) 1’ 176,16 176,18 - 0,02 2’ 34,45 34,06 + 0,39 3’ 18,80 18,80 0,00 4’ 18,65 18,64 + 0,01 * Valores descritos na literatura para a tagitinina C (BARUAH et al., 1979) ** Alguns sinais confundem-se com o ruído de fundo, sendo difícil determinar o seu deslocamento com precisão Posição O espectro H1-H1 2D COSY (figura 6), que permite observar as correlações entre os protões dos carbonos vizinhos, apresenta todas as correlações (anotadas pelos números dos respectivos protões) correspondentes à estrutura da tagitinina-C. Fig. 6 – Espectro H1-H1 2D COSY do composto isolado 19 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ Em conclusão, a análise conjunta de todos os dados obtidos (UV, IV, MS-EI, 1HRMN e 13 C-RMN) permitiu-nos confirmar definitivamente a estrutura da lactona sesquiterpénica por nós isolada, e identificar deste modo a tagitinina-C, como sendo o composto activo responsável pela actividade antimalárica da planta Tithonia diversifolia (GOFFIN et al., 2002). 3.2. OUTROS ESTUDOS Após a identificação da tagitinina C como sendo o composto maioritariamente responsável pela actividade animalárica da planta medicinal Tithonia diversifolia, foram posteriormente desenvolvidos por outros investigadores métodos laboratoriais que permitem uma rápida quantificação deste composto activo em extractos obtidos com as partes aéreas da referida planta (GOFFIN et al., 2003). De acordo com dados existentes na literatura, a presença de tagitinina C varia bastante consoante a origem do material vegetal. Assim, temos a presença de tagitinina C descrita para plantas provenintes da Índia (BARUAH et al., 1979; BORDOLOI et al., 1996) e para a espécie de África por nós estudada (GOFFIN et al., 2002), não estando esta lactona sesquiterpénica descrita para a mesma espécie, em plantas originárias do Brasil (PEREIRA et al., 1997), Costa Rica (SCHUSTER et al., 1992) e Taiwan (KUO & CHEN, 1998). Quantificação da Tagitinina C por Cromatografia Líquida de Alta Resolução (HPLC) em Fase Reversa (GOFFIN et al., 2003) O sistema de HPLC utilizado consistiu numa bomba de gradiente LKB (Bromma, Sweden) 2249-010 LC, um detector de Photodiodo-array Hewlett Packard (Palo Alto, CA, USA), modelo 1040 M-série 2 (a operar a 254 nm), uma coluna Lichrospher 60 RP 18 Selet B (250 x 4 mm; dimensão de partículas de 5 µM; VWR International). A fase móvel usada foi acetonitrilo (solvente A) e sol. aquosa de acetato de sódio (0.1 M), ajustado a pH 4.8 com ácido acético a 10% (solvente B). A eluição foi isocrática com A:B (45:55), e com um fluxo de 1.0 mL/min. Com estas condições cromatográficas, a tagitinina C pura eluiu neste sistema aos 5.8 minutos. 20 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ Fig. 7 – Cromatograma da tagitinina C em HPLC-fase reversa (254 nm) Foram preparadas várias soluções-padrão com concentrações conhecidas de tagitinina C (0,4; 0,2; 0,1 e 0,01 mg/ml), sendo estas injectadas em triplicado, e usadas para estabelecer a curva de calibração, a 254 nm. Foram analisadas diversas amostras, correspondentes a diferentes extractos preparados com as partes aéreas da planta Tithonia diversifolia (500 mg de material vegetal em éter dietílico, em diclorometano, em metanol e numa decocção aquosa), tendo os resíduos secos (8 mg de cada) sido solubilizados numa mistura de 9 mL de acetonitrilo e 11 mL de tampão de acetato (pH 4.8) e as soluções filtradas através de uma membrana HVLP de 45 µm. Para cada amostra foi injectada no HPLC uma alíquota de 20 µL, tendo a área do pico associado à tagitinina C sido integrada e usada para calcular a quantidade de tagitinina C existente em cada amostra. Todo o procedimento foi realizado em triplicado. Na tabela 8 são apresentados os valores calculados de tagitinina C existentes em cada extracto analisado, com as correspondentes percentagens existentes nas diversas partes da planta utilizada (partes aéreas, flores, folhas e caules). Tabela 8 – Quantificação da tagitinina C por HPLC-fase reversa em vários extractos de Tithonia diversifolia Parte da Planta Partes aéreas Partes aéreas Partes aéreas Partes aéreas Flores Folhas Caules Extracto (solvente) Diclorometano Metanol Água (decocção) Éter dietílico Éter dietílico Éter dietílico Éter dietílico Peso Extracto (mg) 13.2 151.0 91.5 12.5 12.5 18.6 2.9 Tagitinina C no extracto (%)a 0.492 ± 0.015 1.987 ± 0.012 0.492 ± 0.015 30.53 ± 0.65 5.080 ± 0.030 30.85 ± 0.31 0.060 ± 0.005 Tagitinina C na Amostra (%)a (0.013 ± 0.001)* (0.600 ± 0.004)* (0.090 ± 0.003)* 0.763 ± 0.016 0.127 ± 0.001 1.145 ± 0.012 0.00035±0 .00003 21 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ a Média Valores (n=3) ± desvio-padrão; Valores em percentagem (m/m) * Valores não comparáveis, uma vez que foram usados solventes diferentes para extrair a tagitinina C Como se pode observar pelos valores apresentados na tabela 8, é o solvente éter dietílico que melhor extrai a tagitinina C da planta, obtendo-se um extracto com cerca de 30% deste composto, quer através das partes aéreas secas, quer através das folhas secas. Os restantes extractos preparados com os outros solventes (diclorometano, metanol e a decocção em água) apresentam valores muito inferiores de tagitinina C. As folhas apresentam a maior quantidade do composto activo, com um conteúdo médio de tagitinina C de cerca de 1,15%, devendo ser o material da planta a ser utilizado preferencialmente na preparação de medicamentos tradicionais. Em S. Tomé e Príncipe, as formas tradicionais de preparação do medicamento antimalárico à base de Tithonia diversifolia são a decocção em água das partes aéreas ou das folhas secas, e as folhas frescas mastigadas. De acordo com os resultados apresentados por estes investigadores, o uso da decocção das partes aéreas secas da planta deveria ser desaconselhado, por ter um conteúdo muito baixo do composto activo (0,492%), comparativamente com os 30,5% que se conseguem extrair com éter dietílico, devendo por isso ser recomendado principalmente o uso tradicional das folhas frescas mastigadas. Estes resultados estão concordantes com a análise efectuada aos vários extractos da planta para determinação da sua actividade antimalárica (tabela 5), em que a decocção em água apresentava o valor mais baixo de actividade antiplasmódica contra o P. falciparum (com um IC50 de 57 µg/ml), contra um valor de IC50 de 0,75 µg/ml para o extracto etéreo. No entanto, não podemos deixar de salientar que estes são resultados de testes in vitro que, independentemente da sua validade como técnica laboratorial, não podem ser directamente extrapolados para o organismo humano. Um extracto bruto, tal como o é a decocão em água desta planta, é uma mistura altamente complexa de compostos, que podem interagir entre si, provocando sinergismos ou antagonismos, quer a nível da actividade terapêutica, quer a nível da toxicidade de um composto. Interessa ainda referir, a título de exemplo, e com todas as implicações daí decorrentes, que foi identificado um composto análogo do ácido artemisínico em caules de uma espécie indiana de Tithonia diversifolia (BORDOLOI et al., 1996). 22 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ Nos ensaios de toxicidade realizados até ao momento no extracto bruto da planta Tithonia diversifolia e em fracções deste extracto bruto, ficou confirmada apenas uma fraca mutagenicidade de algumas fracções (acetato de etilo) e simultaneamente pode-se comprovar a relativa inocuidade do extracto bruto da mesma planta, sendo este extracto (etanol 60%) a forma mais aproximada, em termos de composição relativamente aos medicamentos tradicionais usados pelos curandeiros de São Tomé e Príncipe (decocção em água). Estes resultados podem indiciar, por um lado, a existência de sinergismos/antagonismos entre compostos, que possam estar presentes unicamente no extracto bruto e que inibam a referida toxicidade, e por outro lado, a maior concentração da tagitinina C nas fracções, uma vez que este composto apresenta alguma citotoxicidade (IC 50 HTC-116: 0,706 μg/ml). Face aos resultados dos ensaios de actividade antiplasmódica e de toxicidade realizados, não podemos desaconselhar totalmente o uso da decocção como preparação tradicional, uma vez que se desconhecem ainda os restantes compostos presentes na sua composição e as respectivas funções. Por outro lado, há que ter em conta que estes medicamentos tradicionais são utilizados por diferentes sectores etários da população, podendo talvez recomendar aos terapeutas tradicionais que continuem a usar a decocção para tratamento de crianças e de outros grupos de risco (grávidas e idosos), mantendo a utilização das folhas frescas para adultos. 4. CONCLUSÕES A resistência do P. falciparum à cloroquina e à maioria dos actuais fármacos disponíveis, é actualmente um problema muitíssimo grave em S. Tomé e Príncipe, tal como em muitos outros locais em África, o que intensifica a urgência de se desenvolverem novos anti-maláricos. Os resultados obtidos neste trabalho evidenciam uma forte correlação entre o uso tradicional de diversas plantas medicinais, utilizadas pelos terapeutas tradicionais de S. Tomé e Príncipe no tratamento de febres e/ou malária, e a sua actividade farmacológica comprovada laboratorialmente. A planta Tithonia diversifolia possui uma elevada actividade antiplasmódica quer na fase eritrocitária do P. falciparum, resistente à cloroquina, quer na fase hepática do desenvolvimento do parasita. A lactona sesquiterpénica tagitinina C foi isolada e identificada como sendo o principal composto responsável pelo efeito anti-malárico, 23 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ demonstrando uma boa actividade antiplasmódica (IC50: 0,33μg/ml), mas possuindo alguma citotoxicidade (IC 50 HTC-116: 0,706 μg/ml). Foram posteriormente desenvolvidas por outros investigadores metodologias que permitem a rápida quantificação do composto activo (tagitinina C) em extractos etéreos de T. diversifolia (GOFFIN et al., 2003). De acordo com os resultados obtidos, podemos concluir que a decocção em água parece ser o método menos adequado à preparação de um medicamento tradicional, pois apresenta uma menor concentração de tagitinina C e uma menor actividade antimalárica, in vitro. As folhas apresentam a maior quantidade do composto activo, com um conteúdo médio de tagitinina C de cerca de 1,15%, devendo ser o material da planta a ser utilizado preferencialmente na preparação de medicamentos tradicionais. Por último, parece-nos oportuno referir a importância que poderá ter uma investigação genética da planta, uma vez que será útil determinar quais as causas das variações existentes na presença ou ausência do composto activo, a tagitinina C, em espécies de origens geográficas diferentes. Sobre este aspecto, muito poderá ainda ser feito, com vista à obtenção de espécies mais adequadas quer a um uso tradicional, quer a um uso industrial. Com efeito, apontamos um exemplo da interligação da investigação fitoquímica com a biologia aplicada, na investigação levada a cabo por outros autores (MAGALHÃES, 1996; DELABAYS, 1997), em que se conseguiu seleccionar uma espécie de Artemisia annua capaz de produzir artemisinina em quantidade suficiente, para que possa ser utilizada com um nível de eficácia adequada, numa forma de preparação tradicional (infusão), utilizada em vários países do continente Asiático. A T. diversifolia é certamente uma planta para continuar a estudar no futuro, quer no que diz respeito à selecção da variedade mais adequada, quer no que concerne à determinação de dosagens adequadas para um bom resultado terapêutico, e que garantam uma boa relação eficácia / segurança de um extracto padronizado, de forma a permitir a produção local de um antimalárico facilmente acessível e de baixos custos. Os resultados obtidos até ao momento são promissores e constituem um exemplo de como a etnofarmacologia pode indicar o caminho para novas terapêuticas e para o desenvolvimento de novos fármacos. Todos os resultados obtidos foram apresentados ao Ministério da Saúde da RDSTP, antes da sua publicação ou apresentação em Congressos Internacionais, de forma a permitir 24 Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Investigação de plantas medicinais anti-maláricas usadas na medicina tradicional de S.Tomé e Príncipe ___________________________________________________________________________________________________________ uma futura utilização de medicamentos eficazes, seguros e economicamente viáveis, e tentando garantir deste modo que os benefícios resultantes desta investigação possam ser aproveitados e usufruídos pela população e pelos terapeutas tradicionais que forneceram os conhecimentos tradicionais que serviram de base a este estudo. Agradecimentos Este trabalho foi feito em parceria com a Doutora Ana Paula Martins, e não teria sido possível sem a colaboração do Ministério da Saúde de S. Tomé e Príncipe e dos terapeutas tradicionais locais, entre os quais destacamos Sum Pontes e Sum Gino, a quem agradecemos a sua generosidade e os seus preciosos ensinamentos. Agradece-se igualmente a todas as instituições e respectivos investigadores que participaram directamente na realização deste estudo: Prof. Jorge Paiva do Instituto Botânico da Universidade de Coimbra; Prof. António Proença da Cunha e Prof. Lígia Salgueiro do Laboratório de Farmacognosia da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra; Prof. Doutor Virgílio do Rosário, Drª Miléne Gomes e Dr. Filipe Santos, do Centro de Malária e outras Doenças Tropicais e do Departamento de Genética do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa; Prof. Doutor Luc Angenot e Dr. Eric Goffin do Laboratory of Pharmacognosy and Structural Chemistry, Natural and Synthetic Drugs Research Centre University of Liège, Bélgica. Nota: Este trabalho foi realizado no âmbito do Projecto “Validação de Medicamentos usados como Antimaláricos na Medicina Tradicional de S. Tomé e Príncipe”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PRAXIS/PSAU/P/SAL/38/96). 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