[17] COMPROMISSO DOS CIDADÃOS EM RELAÇÃO À BIODIVERSIDADE PREÂMBULO 1. O conceito de biodiversidade deveria ser uma expressão de vida, incluindo a variedade de todas as formas de vida, bem como sua organização e interrelações, desde o nível molecular até o nível da biosfera, além de sua diversidade cultural. Biodiversidade abrange todas as formas de vida e todas as áreas que abrigam formas de vida naturais e domesticadas. As ameaças à biodiversidade constituem ameaças a todos os seus componentes; rejeitamos o tratamento fragmentado da biodiversidade. Sugerimos também que biodiversidade seja um conceito verificado no equilíbrio entre a compreensão espiritual de que a vida é uma só e a compreensão científica de que a diversidade da vida é interdependente. 2. Reconhecemos que a diversidade de vida tem seu próprio valor intrínseco, que as formas de vida têm direito a existir e que a biodiversidade constitui uma condição essencial para a preservação e evolução da própria vida no planeta. 3. Enfatizamos que a conservação da biodiversidade é essencial para aumentar a capacidade das comunidades em manter sua cultura própria. Além disso, a biodiversidade exerce influência determinante sobre o desenvolvimento cultural, econômico e espiritual, bem como a qualidade de vida dos povos. Receosos de que os atuais padrões de utilização, proteção e divisão de lucros perpetue desigualdades entre as nações e dentro delas, e entre as nações e a Terra, acentuamos que a injusta ordem econômica mundial vigente, bem como as graves desigualdades geradas pela mesma, não constituem uma estrutura adequada à manutenção da biodiversidade. 4. Ressaltamos que a biodiversidade está sendo ameaçada pela destruição e poluição dos habitats naturais, pela exploração das espécies e ecossistemas, através de políticas de desenvolvimento comercial, e por sistemas econômicos incapazes de reconhecer e apreciar os valores intrínsecos sociais, culturais, econômicos e espirituais da biodiversidade. PRINCÍPIOS 1. A conservação da biodiversidade é responsabildade urgente de todas as pessoas e instituições. A conservação da biodiversidade abrange a utilização sustentável de seus componentes, especialmente, quando utilizados para fins desenvolvimentistas. 2. Em nossa opinião, utilização sustentável significa aquela que não interfere na integridade ecológica de quaisquer seres vivos ou em seus ecossistemas, e que seja socialmente justa para com os povos. Isso implica em: q q q que todos os integrantes das presentes e futuras geração recebam uma parcela socialmente justa dos benefícios provenientes dos recursos naturais e que tenham acesso aos mesmos; que a estrutura básica dos recursos genéticos e seu ecossistema não seja exaurida pelo uso de seus componentes; que todas as formas de vida seja tratadas de maneira que sejam respeitados seus valores intrínsecos sociais, estéticos, culturais, tradicionais, espirituais e outros. Que nossas atividades não causem o sofrimento de qualquer ser vivo. 3. A conservação da biodiversidade pede mudanças fundamentais nos padrões e práticas de desenvolvimento sócio-econômico em todo o mundo, além de mudanças na mentalidade dos indivíduos visando uma participação mais justa para com a Terra. É inaceitável que a dívida externa seja negociada com a natureza. 4. A conservação da biodiversidade requer, antes de tudo, conservação e respeito pela integridade dos ecossistemas e vinculação entre os mesmos. 5. Todos os grupos sociais, governos e empreendimentos devem ser totalmente responsáveis pelos danos ecológicos e sociais provocados por suas tecnologias e ações à diversidade biológica e cultural. Projetos de infra-estrutura devem ser sensíveis a impactos que afetem o equilíbrio ecológico local, regional e global. É essencial a recuperação dos ecossistemas danificados. A educação sobre os impactos do comércio de plantas ornamentais e exóticas e espécies animais deve ser reforçada a nível local e internacional. 6. O importante papel desempenhado pelas mulheres na utilização, cuidado e compreensão dos componentes da natureza merece especial respeito e atenção. 7. O conhecimento, tradições culturais, espiritualidade e práticas de utilização dos povos indígenas, bem como as práticas tradicionais de fazendeiros e outras comunidades rurais, no tocante à biodiversidade, são bases essenciais, tanto para a manutenção da biodiversidade quanto para a manutenção da vida humana. 8. Recursos genéticos caseiros são criações culturais basicamente provenientes de culturas indígenas, de camponeses ou de fazendeiros. As compilações e resultados de pesquisa mantidos em centros de estudo agrícola nacionais e internacionais, bancos genéticos ou outros, não devem ser objeto de restrições, ou de forma alguma ser considerados propriedade intelectual. 9. Nenhum direito de propriedade será permitido sobre qualquer ser vivo ou sobre produtos derivados do mesmo. Entretanto, tal preceito não prejudica os direitos dos povos indígenas, fazendeiros e pescadores de manter controle exclusivo sobre e ter acesso à utilização de conhecimentos, inovações, tradições culturais e práticas de administração concernentes à biodiversidade e o direito à justa compensação pelo compartilhamento de tais conhecimentos. 10. Recursos ampliados, assistência técnica e outros expedientes são necessários para o sustento de grupos e países que não têm capacidade de fazê-lo por si, a fim de efetivar os investimentos necessários à conservação da biodiversidade não irá, por si só, frear a destruição da mesma. Reformas políticas, institucionais, comunitárias e individuais, a nível local e nacional, são necessárias para melhorar as condições sob as quais recursos ampliados podem ser efetivos. Desta forma, tais reformas suscitariam a consciência pública das questões relativas à biodiversidade. 11. Recusamos a administração de fundos ambientais pelo Banco Mundial e, em particular, pelas Facilidades Ambientais Globais (FAG). Propomos o estabelecimento de uma instituição inter-governamental para administrar o auxílio financeiro prestado à conservação da biodiversidade, de forma transparente e democrática. 12. Maior participação pública, respeito aos direitos humanos, respeito pelo planeta, maior acesso à educação e informação e mais ampla responsabilidade institucionais são pré-requisitos básicos para a eficaz conservação da biodiversidade. 13. A conservação da biodiversidade requer cooperação entre organizações e indivíduos de todas as regiões. Tal cooperação deve ser baseada em solidariedade, independência, transparência, responsabilidade e respeito à diversidade cultural. Conseqüentemente, rejeitamos todas as iniciativas que tentem dividir a sociedade através de alianças parciais entre governos e setores de poder. É essencial que todos os grupos de pessoas envolvidos na ação de conservação se consultem entre si e cheguem a acordos. AÇÕES 1. Empreenderemos todas as ações possível para conservar a biodiversidade e respeitar os direitos independentes dos povos indígenas e culturas tradicionais. Os esforços de tais populações em reafirmar suas próprias comunidades em suas relações com o meio ambiente serão por nós defendidos, conforme os princípios mencionados acima. 2. Vamos cooperar com outros indivíduos e organizações para a conservação da biodiversidade através de permuta ativa, construindo sobre novas redes e estruturas existentes: q q q q q todas as informações disponíveis, em particular informações referentes às ciências naturais e sociais, trabalhos jurídicos e experiências práticas, sempre respeitando as origens de tais informações; recursos financeiros; assistência técnica voltada aos conceitos tradicionais de administração de recursos naturais; recursos humanos e capacidades; indivíduos que trabalhem em conservação local, de acordo com sua capacidade, farão um esforço concreto para estabelecer uma rede de conservação local, quando tais recursos são benéficos à conservação da biodiversidade e como apoio aos direitos de auto-determinação de comunidades indígenas e outras que vivam em harmonia com o meioambiente. 3. Nós, cidadãos independentes, provenientes de muitos países, culturas e experiências, reunidos no Fórum Internacional de ONGs, no Rio de Janeiro, a 12 de junho de 1992, subscrevemos os princípios acima mencionados. 4. Enfatizamos que não pretendemos representar o que é conhecido por “comunidade ONG”, dado que a essência das ONGs reside em sua independência e diversidade. Rejeitamos tentativas de predominância de um compromisso de ONG sobre os outros em certas questões, pois isso contraria o que consideramos a mais preciosa qualidade na Terra: a celebração e valorização da diversidade cultural e biológica. 5. Entretanto, deve-se ressaltar que nós, enquanto grupo de indivíduos distintos, concordamos sobre os compromissos e princípios acima mencionados. Convidamos todas as pessoas a assinarem este documento. Sua aprovação tornar-lo-á mais significativo. Convidamo-los a mencionarem as organizações às quais pertencem, apenas para propósitos de identificação. 6. Os indivíduos abaixo assinados consideram estes princípios como o padrão mínimo para suas ações relativas à biodiversidade.