Como ajudar os alunos a pensar?

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Como ajudar os alunos a pensar?
O título algo retórico deste livro – Fazer Contas Ajuda a Pensar? – coloca-nos directamente no cerne de um dos mais importantes debates contemporâneos em educação, particularmente em
educação matemática: o debate sobre o valor relativo da informação e da formação.
Nas últimas décadas, o pensamento educativo dominante em
Portugal tendeu a separar estas duas funções da escola. Entre fornecer informação e dar formação, tem destacado a segunda; entre
desenvolver a memória e formar o espírito crítico, tem optado por
este último; entre ensinar conteúdos e desenvolver capacidades
gerais, tem destacado as ditas «competências».
Em educação matemática, este debate tem-se traduzido na
oposição entre duas funções da escola. De um lado, podemos listar
actividades mais elementares e que apelam a funções cognitivas
mais básicas, como a memorização de factos aritméticos, nomeadamente a tabuada, e o automatismo de algoritmos, nomeadamente nas operações básicas. Do outro lado, podemos elencar
actividades que apelam a funções cognitivas mais complexas,
como a compreensão do sentido de número, nomeadamente em
estimativas, e a capacidade para aplicar conceitos matemáticos,
resolver problemas e fazer as enganosamente chamadas «investigações», ou seja, actividades exploratórias menos estruturadas e que,
em princípio, deveriam apelar ao raciocínio geral.
O pensamento educativo dominante, aquele que tem orientado
a elaboração dos programas e que tem predominado na formação
de professores, destaca unilateralmente o segundo tipo de preocupações. Segundo indicam as investigações mais recentes da psicologia cognitiva, tal unilateralidade é altamente questionável. Na
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NUNO CRATO
realidade, as duas áreas reforçam-se mutuamente e as actividades
cognitivas superiores necessitam da consolidação de processos
básicos para se poderem desenvolver.
Por vezes, prolonga-se o equívoco e chega-se a dizer que o
ensino dos algoritmos e a sua automatização prejudica a compreensão dos conceitos matemáticos. Em consequência, recomenda-se
que se abandone a repetição e o reforço dos procedimentos, deixando, a prazo, os jovens incapacitados para resolver os mais simples problemas aritméticos. O resultado final é o contrário do que
se proclama querer, é a incapacidade para raciocinar matematicamente sobre problemas.
Num aspecto, em particular, o pensamento educativo dominante tem lançado um equívoco persistente: a alegada oposição
entre exercícios de treino matemático e os problemas ditos não
rotineiros. Os primeiros continuam a ser fundamentais para compreender os conceitos e procedimentos básicos, enquanto os segundos desenvolvem outro tipo de capacidades, mas necessitam de se
basear na compreensão dos passos elementares, ou seja, não prescindem do treino dos exercícios ditos de rotina.
Neste livro, estas questões são discutidas com uma seriedade e
rigor que, infelizmente, são pouco comuns. Em vez de repisar
velhas formulações e relançar convicções ideológicas, os autores
usam a ciência, a experiência e a análise.
O psicólogo Michel Fayol, um dos mais conhecidos cientistas
cognitivos da actualidade, esclarece o que a psicologia moderna
tem a dizer sobre o papel dos problemas no ensino da matemática
elementar. O professor Andrei Toom, com a sua longa experiência
de actividade docente na Rússia, nos Estados Unidos e no Brasil,
discute os tipos de exercícios e problemas que devem ser usados
no ensino, argumentando persuasivamente contra os absurdos
do exagerado «ensino em contexto». Finalmente, os professores
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portugueses António Bivar, Carlos Pereira dos Santos e Luís M.
Aires, que, em conjunto, somam várias dezenas de anos de experiência de ensino básico, secundário e universitário, procedem a
uma análise da prática portuguesa revendo as recomendações dos
programas e percorrendo alguns manuais de matemática usados
nos ensinos básico e secundário. O seu estudo, incentivado e
apoiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, fornece
dados preciosos sobre aspectos didácticos no ensino da matemática em Portugal e permite que se pensem alguns aspectos do
nosso ensino com um novo rigor.
Este é um livro para professores, pais, estudantes, futuros professores e todos os que se preocupam com a educação. Este é um livro
que ajuda a pensar.
NUNO CRATO
Coordenador do Projecto da Educação
na Fundação Francisco Manuel dos Santos
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