PSICOSE E DIREÇÃO DO TRATAMENTO: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A PSICANÁLISE E A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA Gustavo de Oliveira Carvalho (discente do Programa ICV), Fabiano Chagas Rabêlo (Orientador, Depto de Psicologia – UFPI). Introdução Diante da diversidade de referenciais teóricos e metodológicos concernentes à clínica psicológica, é de grande importância que haja uma reflexão acerca de seus fundamentos e da direção de tratamento que se depreende deles. Em se tratando da clínica com sujeitos psicóticos, devem-se levar em consideração as recorrentes dificuldades a que os profissionais se deparam, incluindo a de vinculação, muitas vezes influenciado por um histórico de segregação. Foram escolhidas duas correntes para se estabelecer uma comparação, psicanálise (Freud e Lacan) e sócio-histórica (Vygotsky). Nos dois casos, os autores que trabalharam a partir desses referenciais dedicaram uma significativa parcela de seus estudos em uma busca do entendimento das psicoses. Além disso, outro fator que favorece essa comparação remonta ao fato de que, nas duas, há uma valorização da linguagem na explicação dos processos psíquicos. A partir dessa comparação em torno dos fundamentos, da função da linguagem na conformação dos fenômenos psíquicos da psicose e de suas consequências para a direção do tratamento, realiza-se uma discussão acerca das contribuições que cada uma das abordagens traz para a clínica no contexto atual de políticas públicas, que é norteado pelo modelo ético da atenção psicossocial, e que busca por meio de suas estratégias, promover a cidadania e a inclusão do sujeito no laço social. Portanto, problematizam-se as especificidades e desdobramentos que esses referenciais modulam na prática dos profissionais no âmbito das políticas públicas de saúde mental. Tendo em vista esse objetivo, parte-se da demarcação da algumas categorias norteadoras da clínica no enfoque psicossocial. Trata-se de um modo de atenção surgido como alternativa substitutiva ao modelo asilar. Nele, é buscada a organização dos serviços por meio da oferta de cuidados com foco no sujeito, valorizando também as suas relações sociais. Por isso, espera-se uma articulação de diferentes dimensões de intervenção: teórico-conceitual (ou epistêmica); técnicoassistencial; jurídico-política e sociocultural (AMARANTE, 2007). Para essa finalidade, são utilizadas uma série de estratégias, como a clínica ampliada e o projeto terapêutico singular. Busca-se a inclusão destes sujeitos na sociedade, vinculando-os aos seus territórios de vivências, de acordo com seus processos próprios de subjetivação. Cabe perguntar então qual a contribuição da psicanálise para a fundamentação e orientação da prática clínica no contexto da atenção psicossocial. Freud (1911/1990) destacou a Importância de ouvir e interpretar o delírio, tendo como exemplo, o caso de Schreber. No texto sobre o narcisismo, Freud (1914/1990) descreve o delírio como um modo de ordenação psíquica frente à desestabilização produzida pelo desencadeamento da crise psicótica. Em outro texto, descreve a especificidade da linguagem nas psicoses, salientando a presença de uma fala dos órgãos e de uma tendência de tratar as palavras como coisas e as coisas como palavras (FREUD, 1915/1990). Ele propôs também que nas psicoses há um conflito psíquico que tem como vencedor o id, que derrotando o ego e o superego, leva-o à renúncia do mundo externo, caracterizando a fuga da realidade (FREUD, 1924/1996). Ele destaca as idiossincrasias da psicose que decorrem de sua estrutura de inconsciente a céu aberto que ordena a organização psíquica (FREUD, 1925/1990), e demonstra reserva em atender pacientes desse tipo (FREUD, 1914/1990). Apesar disso, defende que um tratamento psicanalítico da psicose é possível, desde que seja fundamentando por técnicas diferentes das que já são utilizadas com pacientes neuróticos (FREUD, 1933/1990). Em Lacan, temos que no campo da linguagem, o Nome-do-Pai interdita o acesso à mãe como objeto de investimento. Nessa operação, produz-se uma significação metafórica do enigma do desejo da mãe por meio de sua substituição pelo significante paterno. Com isso, produz-se um sujeito barrado, no qual as formações do inconsciente se deixam apreender como modalidades do retorno do recalcado. Esse processo tem como resultado a significação do falo e a localização deste e do gozo no campo do Outro. Na psicose ocorre uma transformação dessa operação, a foraclusão, ou seja, não há inscrição do significante que simboliza a falta constitutiva do sujeito, o que faz com que encontremos certezas delirantes, alucinações auditivas e fenômenos corporais sensoperceptivos como formas de retorno do foracluído (QUINET, 2009). Já com Vygotsky, numa perspectiva sócio histórica, a esquizofrenia, subtipo clínico das psicoses sobre o qual o psicólogo russo tece suas considerações, resulta de um processo de desagregação do pensamento. Tal processo possui o seu início na idade de transição, que é definida como sendo a passagem dos pensamentos por complexos (infantil) para o pensamento por conceitos (adulto), que coincide geralmente com a adolescência, período em que também ocorre a maturação sexual. Deste modo, a esquizofrenia e a idade de transição constituem-se como processos de desenvolvimento da personalidade diametralmente opostos, isto é: o que é formado em uma, desintegra-se na outra de forma organizada, seguindo determinadas leis (VYGOTSKY, 1931/1997). Metodologia Pesquisa bibliográfica em livros e artigos indexados na área da psicologia. Toma-se como plataforma de busca: Scielo, Pepsic e BVSalud com as palavras-chave: psicose, psicanálise e sóciohistórica, obtendo como resultado a inexistência de artigos publicados dentro desse tema. Resultados e Discussão As duas correntes apresentaram interesse em uma discussão clínica e psicopatológica da psicose, assim como também levaram em conta nas suas concepções o papel primordial da linguagem na conformação dos processos psíquicos, de modo que a escuta faz-se essencial, por meio do diálogo, no caso da psicoterapia sócio-histórica, e da posição de secretário do alienado, no caso da psicanálise. Tem-se que enquanto Freud considerou as psicoses como sendo possuidoras de uma etiologia sexual, Vygotsky priorizou os aspectos cognitivos, o que leva à constituição de entendimentos diferentes sobre os processos de regressão e desenvolvimento psíquico. A partir desta pesquisa, percebeu-se que a psicologia sócio-histórica caracteriza a esquizofrenia como sendo uma desintegração, um déficit, uma regressão a modos primitivos de pensamento, sendo que Vygotsky realizou seus postulados sempre com base nas modificações observadas a partir da consciência, enquanto Freud destaca a grande influência proveniente do inconsciente a céu aberto nas psicoses. Tem-se por fim, que apesar de não se poder dizer que haja uma prática clínica sobre as psicoses a partir desses dois autores, suas duas correntes trouxeram valiosas contribuições para o entendimento delas, em especial, a esquizofrenia, assim como para o norteamento das práticas psicossociais que buscam, por meio de suas estratégias, a inclusão do sujeito. Lacan, por sua vez, formalizou uma clínica da psicose, propondo uma diretriz de intervenção a partir do legado de Freud. Conclusão O estudo da psicose apresenta-se como um grande desafio, tanto para Freud quanto para Vygotsky, pois é ao mesmo tempo um teste e um critério heurístico para suas teorias, o que poderia acabar por confirmar ou negar determinados posicionamentos, sendo que a partir destes estudos eles nos trouxeram importantes constatações que serviram de base para novas pesquisas, assim como também para a elaboração das diretrizes do tratamento na psicose, dentro dessas contribuições, podemos destacar a importância de se considerar as influências da sexualidade, assim como da mediação exercida pelo meio social nas psicoses. A partir dos resultados das pesquisas nas plataformas, observou-se uma carência de estudos na área da psicologia sócio-histórica e psicose aqui no Brasil, por isso julgamos de grande relevância, que por meio de pesquisas futuras, esse tema seja mais amplamente abordado, com o intuito de trazer novas elucidações para o meio científico. De todo modo, na prática, constata-se uma orientação clínica com psicóticos baseadas implicitamente no referencial sócio-histórico, ainda que não esteja satisfatoriamente formulada. Talvez uma comparação com outros referenciais, em especial, o psicanalítico, favoreça essa tarefa. Apoio Iniciação Científica Voluntária - Universidade Federal do Piauí. Referências AMARANTE, P. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. 3. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. FREUD, S. (1911). Notas Psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 12. Rio de Janeiro: Imago, 1990. ______. (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 14, Rio de Janeiro: Imago, 1990. ______. (1915). O Inconsciente. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 14, Rio de Janeiro: Imago, 1990. ______. (1924). A perda da realidade na neurose e na psicose. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 19, Rio de Janeiro: Imago, 1990. ______. (1925[1924]). Um estudo autobiográfico. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 19, Rio de Janeiro: Imago, 1990. ______. (1933[1932]). Conferência XXXIV: Explicações, aplicações e orientações. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 22, Rio de Janeiro: Imago, 1990. VYGOTSKY, L. S. (1931) Desarrollo de las funciones psíquicas superiores en la edad de transición. In: VYGOTSKY, L. S. Obras Escogidas. tomo IV, Madrid: Visor, 1997. QUINET, A. (1951) Psicose e laço social: esquizofrenia, paranóia e melancolia. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. Palavras-chave: Psicose. Psicanálise. Sócio-histórica.