VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 ANÁLISE DA VARIAÇÃO DA UMIDADE RELATIVA DO AR DO PICO DA BANDEIRA, PARQUE NACIONAL ALTO CAPARAÓ, BRASIL. Rita Monteiro Falcão, Emerson Galvani, Nádia Gilma Beserra de Lima, Bárbara Renata Pereira Cruz. Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo - USP Email: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected] INTRODUÇÃO A umidade relativa do ar é influenciada por alguns importantes controles climáticos como a temperatura, mesmo que não ocorra aumento ou diminuição em seu conteúdo de umidade. Ou seja, é inversamente proporcional ao ponto de saturação e a temperatura. A umidade está fortemente concentrada nas baixas camadas da atmosfera (nos primeiros 2.000 metros de altitude), geralmente ocorre uma diminuição da umidade com o aumento da altitude. O uso do solo e a cobertura vegetal predominantes numa dada região, expressam as interações existentes entre a energia disponível (saldo de radiação) ao sistema superfície-atmosfera e sua partição em fluxos de calor sensível (aquecimento do ar) e latente (evaporação). Sabe-se também, que locais com solo exposto e seco, tendem a temperaturas mais elevadas e umidade relativa mais reduzida, se comparadas àqueles ambientes com uma cobertura vegetal mais preservada e, consequentemente, mais úmidos, para uma mesma quantidade de energia disponível. A cobertura do solo de uma determinada região está diretamente relacionada com as características climáticas deste espaço. A existência de água na atmosfera e suas mudanças de fases desempenham papel fundamental em vários processos físicos naturais, como o transporte e a distribuição de calor na atmosfera, a evaporação e evapotranspiração, a absorção de diversos comprimentos de onda da radiação solar e terrestre, bem como a formação vegetal predominante em uma determinada localidade. Lima et al (2006) trabalharam com a variação da umidade relativa do ar no Pico das Agulhas Negras (Itatiaia/ RJ) em um perfil variando de 2760 a 1910 metros. Onde o Ambiente 1 era caracterizado pela ausência de vegetação e registrou média de umidade relativa do ar de 88% enquanto o Ambiente 3 caracterizado por presença de Floresta Estacional Semidecidual registrou média de 99% de umidade relativa do ar. 1 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais Galvani et al (2009) estudando um perfil topoclimático no Parque Estadual de Intervales (estado de São Paulo, Brasil) entre as cotas altimétrica de 150 a 950 m não encontraram uma relação direta entre a altitude e a variação da umidade relativa do ar. Estes autores indicam, ainda, que o controle da umidade relativa do ar é mais ativo em relação ao nível escalar microclimático (uso do solo, cobertura vegetal e estrutura do dossel da vegetação) do que na escala topoclimática (altitude) averiguada. Os tipos climáticos e intervenções humanas são responsáveis pela diferenciação nas formações vegetais existentes entre as vertentes capixabas e mineiras do Parque Nacional do Caparaó. A porção voltada para o Espírito Santo possui florestas em estágio mais avançado de regeneração e, além disso, mais úmidas, devido à retenção da água das massas de ar que se condensam em suas escarpas. Diferentemente, na vertente de Minas Gerais, onde as florestas são estacionais semideciduais, alcançando menores altitudes, onde são logo substituídas pela vegetação de campos (IBDF, 1981). O objetivo deste trabalho é analisar a variação vertical da umidade relativa do ar no perfil topoclimático do Pico da Bandeira, localizado no Parque Nacional Alto Caparaó, entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo – Brasil, e sua relação com a cobertura vegetal do solo presente nos ambientes microclimáticos, entre as altitudes de 1100 m a 2892m. ÁREA DE ESTUDO O Parque Nacional do Caparaó foi criado em 1961. Situa-se entre os Estados do Espírito Santo e Minas Gerais, sua área compreende 31.853 hectares, que compõem a Serra do Caparaó, com áreas de nove municípios, sendo quatro mineiros e cinco capixabas. Sua administração fica a cargo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. O Parque destaca-se, principalmente, pela presença do Pico da Bandeira – de 2.892 metros. Localizado numa área ocupada há muitos anos, a vegetação nativa do Caparaó foi bastante modificada, sobretudo pelas atividades de carvoeiros e, posteriormente, ao desmatamento e aos incêndios patrocinados por agricultores e criadores de gado. No Parque Nacional do Caparaó encontram-se variadas formações vegetais. A grande diferenciação nas formações vegetais é condicionada por diversos fatores como a variação climática, presença de cursos d’água, altitude e tipos de solo, além das intervenções humanas novas ou antigas (IBAMA, 1995). Um dos elementos que condicionam o tipo de vegetação, através da transformação do microclima local, é a altitude. Nas altitudes mais baixas, entre os 800m e 1.700m, a vegetação é formada 2 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 por Floresta Ombrofila Mista. A partir dos 1.700 a 1.800m, a floresta vai sendo substituída por campos de altitude e campos rupestres (sobre afloramentos rochosos) com incidência escassa de arbustos. Por fim, acima dos 2.400m, predominam os campos incrustados entre os afloramentos rochosos (IBAMA, 1995; PLANAVE, 2000). PROCEDIMENTOS TÉCNICOS Instalaram-se oito mini abrigos meteorológicos, contendo sensores de temperaturas e umidade relativa do ar em uma variação altimétrica de 1792 metros, sendo P1 na cota 1100m e P8 na cota 2892m. Detalhes construtivos dos mini abrigos e sua funcionalidade podem ser obtidos em Armani (2005). As medidas foram registradas em leituras horárias entre os dias 19/04/09 a 22/05/09 totalizando 840 observações. As descrições dos pontos encontram-se na tabela 1. Neste trabalho foram analisados somente os valores de umidade relativa do ar registrada dos ambientes 1 (P1,P2, P3), 2 (P4,P5, P6) e ambiente 3 (P7 e P8) . Tabela 1: Descrição dos ambientes dos pontos ao longo do Pico da Bandeira – Parque Nacional do Alto Caparaó, Brasil. Orientação da Pontos Altitude (m) Cobertura vegetal Declividade vertente 1 Sul 1.100 Mata secundária Moderada 2 1.240 3 1.960 4 Floresta Estacional Semidecidual Floresta Estacional Semidecidual (limite com campo) Sudoeste Acentuada Norte Muito Acentuada 2.372 Campo de Altitude Noroeste Acentuada 2.490 Campo de Altidude (limite com rocha exposta) Oeste Moderada Nordeste Muito Acentuada 5 6 2.650 7 8 2.800 Campo de Altitude (presença de arbustos pelo solo turfoso nas falhas) Campo de Altitude Limpo 2.882 Rocha Exposta Oeste Nordeste Moderada Muito Acentuada 3 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais As separações destes pontos em ambientes se justificam pela similaridade das formações vegetais, o ambiente 1 (Pontos 1, 2 e 3) tem presença de florestas , o ambiente 2 (pontos 4,5 e 6) apresenta predomínio de Campos de Altitude e por fim o ambiente 3 (pontos 7 e 8) com predomínio de rochedos. RESULTADOS E DISCUSSÕES A Tabela 2 apresenta as principais características dos ambientes analisados. O ambiente 1 destacou-se pela presença da Floresta Estacional Semidecidual, o que contribui para o registro de valores elevados de umidade relativa do ar, sendo a umidade relativa média de 88,6%. O ambiente 2 se destaca pela diminuição da presença de floresta e aparecimento dos Campos de Altitudes, registrando uma umidade relativa média de 79,1%. O ambiente 3 apresenta como característica predominante a ausência de vegetação, com destaque para a presença dos rochedos ao longo do ambiente. Nesse ambiente, a umidade relativa média foi de 75,7%. Tabela 2: Umidade relativa média do ar para cada ambiente identificado ao longo do Pico da Bandeira – Parque Nacional do Alto Caparaó, Brasil, entre os dias 19/04 a 22/05/2009. Cobertura vegetal Altitude (m) Umidade relativa Média (%) Ambiente 1 Floresta Estacional 1100 a 1960 88,6% Semidecidual Alto Montana Ambiente 2 Campos de Altitude 2372 a 2650 79,1% Ambiente 3 Ausência de vegetação - 2800 a 2882 75,7% rochedos Observa-se nas figuras as características de cada ambiente. A figura 1 apresenta o local de instalação do ponto 3, com presença de vegetação arbórea. Na figura 2, do ponto 4, é possível observar uma vegetação de porte menor composta por espécies mais rasteiras e arbustivas, atribuindo-se tal fato à pouca profundidade do solo que atinge a rocha maciça. As figuras 3 e 4 dos pontos 7, 8, nos mostra os campos limpos, com predominância de rochedos. 4 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Figura 1: Localização do Ponto 3 (P3) instalado no Pico da Bandeira – Parque Nacional Caparaó – MG (1960m). Figura 2: Localização do Ponto 4 (P4) instalado no Pico da Bandeira – Parque Nacional Caparaó – MG (2372m). Figura 3: Localização do Ponto 7 (P7) instalado no Pico da Bandeira – Parque Nacional Caparaó – MG, predominancia de rochedo. 5 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais Figura 04: Localização do Ponto 8 (P8) instalado no Pico da Bandeira – Parque Nacional Caparaó – MG a 2892 metros. A figura 5 apresenta a espacialização da umidade relativa média do ar (isoigras), onde é possível constatar que conforme a altitude aumenta a umidade relativa do ar diminui. Isso se deve pelas características da paisagem específicas de cada altitude. Sendo que nas cotas mais baixas a presença de florestas contribui para a retenção da umidade através da evapotranspiração das plantas, e a densa vegetação não expõe tanto o solo à radiação solar. Conforme as altitudes mais elevadas constatou-se que a vegetação arbórea é gradativamente substituída pela vegetação de menor porte e pelo aparecimento predominante de rochedo. Essa substituição gera a diminuição do sombreamento que era ocasionado pela vegetação arbórea, com isso a incidência solar é praticamente direta sob o solo o que provoca aumento da temperatura do ar e aceleração do processo de evaporação, diminuindo significativamente a umidade relativa do ar, visto que atua distanciando o ar do ponto de saturação a umidade relativa do ar. 6 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 Figura 5: Distribuição espacial da umidade relativa do ar no perfil do Pico da Bandeira, Alto Caparaó, Brasil. A comparação dos ambientes 1, 2 e 3 em horários que a radiação solar é mais intensa evidencia que a presença de vegetação contribui de maneira significativa na retenção da umidade no ambiente. A figura 6 mostra que às 14 horas, horário de maior elevação da temperatura do dia, o ambiente 1 teve umidade relativa do ar em 90% em uma temperatura média de 21ºC, enquanto o ambiente 3 registrou 80,5% e uma temperatura do ar inferior a 15ºC. Uma diferença significativa que comprova a relação e a importância da vegetação para manter a umidade elevada em períodos de elevação da temperatura. 7 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais Figura 6: Variação horária da umidade média relativa do ar em cada ambiente. A figura 7 apresenta a linear entre a variação da umidade relativa do ar e a altitude. O coeficiente de determinação igual a 0,80 demonstra que a correspondência entre elevação da altitude e variação de umidade relativa é extremamente significativa. Constata-se que os valores de umidade relativa do acima de 85% ocorrem somente em altitudes inferiores a 2000 metros. A diminuição gradativa da umidade relativa do ar nas cotas mais elevadas se deve a fatores como elevação da temperatura, ausência de cobertura vegetal no solo, e consequentemente aumento da radiação solar incidente causando uma evaporação acentuada. Já nas cotas mais baixas o volume arbóreo é maior, proporcionando um sombreamento durante o período diurno, mantendo as temperaturas mais baixas, e com uma umidade relativa maior (solo e transpiração das plantas e evaporação do solo) as temperaturas variam menos ao longo do dia. 8 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 3500 y = -96,632x + 10114 R2 = 0,8096 Altitude (m) 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 70 75 80 85 90 95 100 Umidade Relativa (%) Umidade Relativa Linear (Umidade Relativa) Figura 7: Relação linear entre altitude e a variação de umidade relativa média para cada ponto. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo da variação da umidade relativa do ar no perfil topoclimatico estudado do Pico da Bandeira, Alto Caparaó, nos permite concluir que há uma significativa relação desta variação com a presença ou ausência de cobertura vegetal do solo. Os ambientes 1, 2, e 3 foram distinguidos pelas formações vegetais características e os dados confirmaram o esperado, ou seja, que a medida que essa vegetação era sendo substituída pela vegetação de menor porte e pelas rochas, a umidade relativa do ar diminuía. Podemos concluir também que cada ambiente possui características microclimáticas distintas. O ambiente 1, destacou-se pela presença da Floresta Estacional Semidecidual, que contribuiu para o registro de valores elevados de umidade relativa do ar, sobretudo pelo sombreamento proporcionado pelas árvores. O ambiente 2 apresentou valores intermediários, marcados pela presença dos campos de altitudes. O ambiente 3 devido a ausência de vegetação e presença marcante dos rochedos, apresentou os menores registros de umidade relativa do ar. Constatou-se, portanto, que o dossel da vegetação contribui significativamente para a permanência da umidade relativa do ar no ambiente. 9 Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARMANI, G.; GALVANI, E. Avaliação do desempenho de um abrigo meteorológico de baixo custo. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria, 2005. GALVANI, E., LIMA, N.G.B., SERAFINI Jr, S., Alves, R.R. Relação entre umidade relativa do ar, cobertura vegetal e uso do solo no Parque Estadual de Intervales (PEI) e seu entorno, São Paulo, Brasil. In: XII Encontro de Geógrafos da América Latina - EGAL, 2009, Montevideo. Caminhando por uma América Latina em transformação. Montevideo: Easy Planers, 2009. 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