2 o corpo humano e suas divisões Os primórdios da formação Considerando que o corpo humano é uma estrutura altamente complexa, dividi-lo não é uma tarefa simples. Gracejava-se, antigamente, perguntando: “- Em quantas partes se divide o corpo ?” Respondendo o matuto: “- Em tantas quanto as divida a faca do açougueiro!” De fato, para tentar a divisão anatômica do corpo humano, a tarefa exigirá que se faça uma revisão ontogenética sobre a evolução embriológica do ser. A primeira divisão ocorre entre o 22º e o 25 º dias, quando o “disco embrionário” se transforma em um “cilindro embrionário”, após o pregueamento das cristas neurais, formação e fechamento do tubo neural, surgindo a diferenciação entre as primeiras duas partes: cabeça e corpo. A. Vista dorsal do embrião, com 19 dias, com o âmnio retirado. B. Vista dorsal do embrião, com 20 dias, observa-se a formação do sulco e das pregas neurais e o aparecimento dos primeiros somitos. (apud Jan Langman Medical Embriology, 3 ed., Williams & Wilkins : Baltimore, 1975, pp. 62). 6 Esquartejamento – Aspectos Técnicos, Psicológicos e Jurídicos Jorge Paulete Vanrell A. Vista dorsal de um embrião humano de aproximadamente 22 dias, com 7 somitos visíveis a cada lado do tubo neural. B. Vista dorsal de um embrião humano de aproximadamente 23 dias, mostrando o fechamento quase completo dos neuróporos anterior e posterior. (apud Jan Langman Medical Embriology, 3 ed., Williams & Wilkins : Baltimore, 1975, pp. 63). Fechado o tubo neural e diferenciados os somitos, a evolução caracterizar-se-á pelo aparecimento dos primórdios dos apêndices que constituirão os membros, no 28º dia: Vê-se, pois, que existe uma construção espacial, que segue um plano de diferenciação predeterminado. A partir dessa fase, que se completa até o 3º mês da vida intrauterina, só teremos crescimento do ser em formação. A. Vista lateral de um embrião de 14 somitos (aproximadamente 28 dias) mostrando o início de desenvolvimento cardíaco. B. Desenho esquemático mostrando o lado esquerdo de um em-brião de aproximadamente 28 dias, que já evidencia o início da formação do membro inferior. (apud Jan Langman Medical Embriology, 3 ed., Williams & Wilkins : Baltimore, 1975, pp. 64). A definição externa das partes A partir da diferenciação primigênia, verificaremos a existência das três partes genéricas fundamentais – cabeça, tronco e membros – que integrarão o indivíduo como um todo. 2 – o corpo humano e suas divisões 7 Esse todo, entretanto, não é indivisível, nem inseparável. Razões diversas, das mais variadas, ao longo da vida, poderão exigir ou forçar a ruptura dessa integridade: a necessidade médica da retirada total ou parcial de um segmento (e.g. exérese cirúrgica), o resultado de um evento infortunístico (e.g. amputação traumática, em um acidente); ou a exigência jurídica da separação traumática de uma parte vital (e.g. decapitação) ou não vital (e.g. amputação judicial da mão na shariah islâmica) etc. Em todas estas situações existirá uma ruptura da integridade morfofuncional do indivíduo cujo significado vital dependerá da importância fisiológica do segmento e da possibilidade ou não de substituí-lo por engenhos eletromecânicos: as próteses. Estes procedimentos, com as suas exceções, resultantes dos avanços tecnológicos, representam todo o esforço e a contribuição do “homem para o homem”, isto é, a tentativa de manter e fazer prosperar e grassar o milagre da natureza que é o ser humano. Tomando como centro estrutural o tronco, a cabeça, os membros superiores e inferiores, constituir-se-ão em verdadeiros apêndices que depois do fim da ontogênese e do nascimento continuarão a manter uma ligação mais ou menos frouxa com o tronco. O crânio, através de uma articulação do tipo em gínglimo (dobradiça) – a articulação atlant-occipital, entre o crânio e a primeira vértebra cervical (atlas) – mantém o liame com o eixo do tronco: a coluna vertebral. Os apêndices – membros superiores e inferiores – se mantêm anexados ao tronco por nexos músculo-ligamentares, de estabilidade relativa, que se esforçam por firmar as estruturas ósseas em posição: são as cinturas ou cíngulos, escapular e pélvico, respectivamente. O cíngulo, ou cintura escapular, interliga tronco e membros superiores com dois ossos pares, as clavículas e as escápulas, e um osso ímpar: o esterno. 8 Esquartejamento – Aspectos Técnicos, Psicológicos e Jurídicos Jorge Paulete Vanrell A cintura ou cíngulo escapular (visão superior, plano horizontal) O cíngulo pélvico interliga tronco e membros inferiores através dos dois ossos ilíacos (soma de ílion, ísquion e púbis, cada um) e o sacro. Em azul, o esqueleto do tronco; em amarelo, o esqueleto das cinturas torácica (escapular) e pélvica e dos membros (superiores e inferiores). 2 – o corpo humano e suas divisões 9 As cinturas escapular e pélvica em posição (plano frontal) A separação das partes Se por um lado é complexa a formação de um corpo e a integração anatômica de suas partes, não menos complicada resultaria no adulto a separação dessas mesmas partes. Isto, entre outras causas: • a formação o desenvolvimento é progressiva e constante. • a separação no adulto dar-se-ia de forma rápida e abrupta. • no adulto, tanto a estrutura central (tronco), quanto os seus apêndices (membros superiores e inferiores), estão fortalecidos pelo desenvolvimento e pela solidificação de seus componentes. Assim sendo, a decomposição do todo original exigirá uma somatória de conhecimentos, de habilidades, de destrezas, de instrumental próprio e de local adequado, sem o que a tarefa poderá ser comprometida na sua qualidade e prejudicada nos seus fins, como poderemos ver nos capítulos seguintes.