Rev Bras Cardiol. 2012;25(4):322-329 julho/agosto Artigo Original 8 Pucci et al. Conhecimento sobre Hipertensão e Adesão ao Tratamento Artigo Original Conhecimento sobre Hipertensão Arterial Sistêmica e Adesão ao Tratamento Anti-Hipertensivo em Idosos Knowledge about Systemic Hypertension and Compliance with Antihypertensive Treatment among Elderly Patients Nicole Pucci1, Márcia Regina Pereira2, Daniele Botelho Vinholes2, Paolla Pucci2, Naique Dellai Campos1 Resumo Abstract Fundamentos: Os pacientes deixam de aderir à terapia anti-hipertensiva por vários motivos. Uma explicação para a elevada taxa de não adesão é que muitos pacientes não compreendem sua doença, e o curso assintomático da hipertensão contribui para essa falta de entendimento. Objetivo: Avaliar a influência do conhecimento sobre hipertensão arterial na adesão ao tratamento antihipertensivo em pacientes idosos hipertensos. Métodos: Estudo transversal realizado por meio de questionário aplicado aos idosos hipertensos atendidos nos Postos de Saúde da Família (PSF Becker, PSF Sais e PSF Caic) e nos ambulatórios de especialidades da Universidade do Sul de Santa Catarina (AME e AMEI) do município de Tubarão, Santa Catarina, Brasil, no período de dezembro 2010 a fevereiro 2011. Resultados: Verificou-se que entre os 260 pacientes estudados, 42,3% eram aderentes ao tratamento e apenas 48,5% dos idosos estavam com a pressão arterial controlada. Houve relevância estatística entre a adesão ao tratamento e o custo dos medicamentos antihipertensivos. O nível de conhecimento dos pacientes sobre HAS foi satisfatório entre os grupos aderente e não aderente e apenas uma questão sobre conhecimento da doença apresentou associação significativa com a adesão terapêutica. Conclusão: Observou-se que apesar do conhecimento adequado dos hipertensos, as questões sobre conhecimento da doença não foram suficientes para exercer influência na adesão ao tratamento. Background: Patients fail to comply with antihypertensive treatment for many reasons. One explanation for this high non-compliance rate is that many of them do not understand their disease, with the asymptomatic course of hypertension contributing to this lack of understanding. Objective: To evaluate the influence of knowledge about hypertension on compliance with antihypertensive treatment among elderly hypertensive patients. Methods: A cross-sectional study using a questionnaire was administered to elderly hypertensive patients at three Family Health Clinics (Becker PSF, Sais PSF and Caic PSF), as well as specialized outpatient units at the University of Southern Santa Catarina (AME and AMEI) in the town of Tubarão, Santa Catarina State, Brazil, between December 2010 and February 2011. Results: It was noted that among the 260 patients studied, 42.3% were compliant with treatment, while the blood pressure of only 48.5% of these elderly patients was controlled. There was a statistically significant link between compliance with treatment and the cost of antihypertensive medications. The level of their knowledge about hypertension was satisfactory in the compliant and non-compliant groups, with only one question about their knowledge of the disease being associated significantly to their compliance with treatment. Conclusion: Despite adequate knowledge among hypertensive patients, questions about their knowledge of the disease were clearly not sufficient to influence their compliance with treatment. Palavras-chave: Hipertensão/terapia; Adesão à medicação; Anti-hipertensivos; Idoso Keywords: Hypertension/therapy; Medication adherence; Antihypertensive agents; Aged Curso de graduação em Medicina - Universidade do Sul de Santa Catarina - Tubarão, SC - Brasil Faculdade de Medicina - Universidade do Sul de Santa Catarina - Tubarão, SC - Brasil 1 2 Correspondência: Nicole Pucci E-mail: [email protected] Rua Manoel Thiago de Castro, 614 - Centro - 88501-020 - Lages, SC - Brasil Recebido em: 03/05/2012 | Aceito em: 31/07/2012 322 Pucci et al. Conhecimento sobre Hipertensão e Adesão ao Tratamento Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2012;25(4):322-329 julho/agosto Introdução Metodologia Em revisão sistemática quantitativa de 2003 a 2008, que reuniu 44 estudos em 35 países, a prevalência global de hipertensão arterial sistêmica (HAS) foi 37,8% em homens e 32,1% em mulheres1. Na população brasileira, estudos apontaram prevalências entre 22,3% e 43,9% (média de 32,5%) com mais de 50% entre 60-69 anos e 75% acima de 70 anos2,3. Em estudo realizado no município de Tubarão (SC), a prevalência estimada de hipertensão na população adulta foi 40,5%, sendo que nessa população a prevalência em indivíduos ≥60 anos foi 67,8% no sexo masculino e 66,2% no sexo feminino4. Trata-se de um estudo com delineamento transversal. Os critérios de inclusão adotados foram: indivíduos com diagnóstico confirmado de hipertensão arterial sistêmica, com idade ≥60 anos, em tratamento antihipertensivo por no mínimo seis meses, atendidos em três Postos de Saúde da Família e em dois ambulatórios de especialidades da Universidade do Sul de Santa Catarina no município de Tubarão, Santa Catarina, Brasil. Foram excluídos do estudo indivíduos que apresentaram dificuldades para o entendimento do questionário, doenças organomentais incapacitantes e aqueles que se recusaram a participar do estudo. Por ser uma doença crônica insidiosa, a HAS evolui de forma silenciosa, contribuindo para o surgimento de doença cerebrovascular, insuficiência cardíaca (IC) e doença arterial coronariana (DAC) 5. Há, portanto, necessidade de tratamento adequado com mudanças dietéticas e comportamentais, além da manutenção rigorosa da terapêutica medicamentosa, pois com esses cuidados é possível prevenir consequências a longo prazo como lesão de órgãosalvo e mortalidade6. O tamanho da amostra foi calculado em 268 indivíduos, baseado na prevalência de idosos hipertensos do município de Tubarão, Santa Catarina4. O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no programa Power Sample Size versão 3.0. Para o cálculo foi utilizado um poder de 80%, nível de confiança de 95%, nível de significância de 5% e uma proporção de HAS entre idosos de 66,9%. Contudo, por ser na maior parte do seu curso assintomática, o seu diagnóstico e tratamento são frequentemente negligenciados, somando-se a isso a baixa adesão terapêutica e, consequentemente, um controle inadequado da HAS 7. Apenas 30% dos pacientes com hipertensão conseguem atingir a sua meta de pressão sanguínea, enquanto nos demais há descontrole8. Os pacientes podem deixar de aderir à terapia antihipertensiva prescrita por vários motivos como ausência de sintomas associados à doença, complexidade do esquema de dosagem de medicação ou custo9. Outra explicação para a elevada taxa de não adesão é que muitos pacientes não compreendem sua doença e sua medicação. O curso assintomático da hipertensão contribui para essa falta de entendimento e assim muitos pacientes acabam acreditando que a hipertensão é intermitente e pode ser tratada com terapias não farmacológicas, como alívio do estresse ou remédios caseiros10,11. Assim, o presente estudo tem como objetivo determinar a influência do conhecimento sobre hipertensão e outros fatores a ela relacionados, e de que forma isso pode contribuir para a adesão ao tratamento antihipertensivo no paciente idoso, visto que a não adesão pode acarretar o aumento da morbimortalidade nessa população. Para a coleta de dados utilizou-se questionário com perguntas elaboradas pela autora e por uma escala de autorrelato, teste de Morisky e Green (TMG), composta de quatro perguntas para identificar atitudes e comportamentos frente à tomada de remédios, e que se têm mostrado úteis para a identificação de pacientes aderentes ou não ao tratamento. De acordo com o protocolo do TMG, é considerado aderente ao tratamento o paciente que obtém pontuação máxima de quatro pontos e não aderente o que obtém três pontos ou menos11. Foi utilizado, também, um formulário com questões baseadas em estudo realizado em São Paulo, pela Escola de Enfermagem e Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) para avaliar o conhecimento em relação à doença e tratamento, por meio de 10 questões, com respostas: verdadeiro, falso e não sabe, sendo atribuído um ponto para cada resposta verdadeira12. Foram consideradas corretas as questões com respostas verdadeiras e como erradas as questões com respostas falsas e não sabe. Durante a entrevista, também foram realizadas duas medidas de pressão arterial pelo método indireto, com técnica auscultatória, utilizando-se esfigmomanômetro aneroide com a agulha registrando 0mmHg com o manguito desinflado. A medida foi realizada com o paciente na posição sentada e com o braço na altura do coração, após cinco minutos de repouso. Além disso, foi realizada uma nova medida para as pressões 323 Rev Bras Cardiol. 2012;25(4):322-329 julho/agosto sistólicas e/ou diastólicas obtidas que apresentaram diferença maior que 4mmHg entre elas, obtendo uma medida com diferença inferior a 4mmHg, utilizandose a média das duas últimas medidas como a pressão arterial do indivíduo. Esse questionário foi aplicado por estudantes de medicina treinados aos idosos hipertensos atendidos nos Postos de Saúde da Família (PSF Becker, PSF Sais e PSF Caic) e nos ambulatórios de especialidades da Universidade do Sul de Santa Catarina (AME e AMEI) do município de Tubarão, SC, no período de dezembro 2010 a fevereiro 2011. Os dados foram digitados em um banco de dados no programa Epinfo 3.5.1 e a análise de dados realizada no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 18.0. A análise inicial consistiu em análise descritiva dos dados através de média e desvio-padrão para as variáveis contínuas e frequência para as variáveis qualitativas. Para verificar a associação entre o conhecimento sobre HAS e a adesão ao tratamento foi realizado o teste do qui-quadrado. Os valores de p<0,05 foram considerados significativos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina, e os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Resolução CNS 196/96. Resultados De um total de 260 pacientes estudados, a maioria era do sexo feminino (71,9%) com idade na faixa de 60-88 anos, com média de 68±7 anos. As demais características sociodemográficas da população em estudo são apresentadas na Tabela 1. O somatório de pontos das quatro questões do teste de Morisky e Green mostrou que 57,7% apresentaram pontuação ≤3 sendo, portanto, considerados não aderentes ao tratamento. Entre as questões analisadas, os maiores percentuais de atitudes positivas na adesão ao tratamento foram: [Às vezes, se você se sentir pior ao tomar a medicação, você para de tomá-la?] (81,9%) e [Quando está se sentindo melhor, você às vezes para de tomar seu medicamento?] (90,8%). A Tabela 2 mostra a análise realizada entre as características sociodemográficas e a adesão ao tratamento, porém não houve associação significativa. A associação entre as médias de idade e escolaridade com a adesão ao tratamento também não apresentou significância estatística. 324 Pucci et al. Conhecimento sobre Hipertensão e Adesão ao Tratamento Artigo Original Tabela 1 Características sociodemográficas da população estudada Características sociodemográficas Idade em anos (média±DP) n 260 Escolaridade em anos (média±DP) 260 68,6±7,08 4,59±3,09 Sexo Masculino 7328,1% Feminino 18771,9% Casado 14756,5% Estado civil Solteiro Divorciado Viúvo União estável 124,6% 207,7% 7729,6% 4 Renda familiar (em SM) 1-3 >3 1,5% 24092,3% 20 7,7% Ocupação Aposentado 18872,3% Autônomo 62,3% Do lar Outros DP=desvio-padrão; SM=salários mínimos 43 16,5% 238,8% Os dados da Tabela 3, sobre os aspectos do tratamento, mostram que [o custo dos medicamentos anti-hipertensivos] influenciou de forma significativa a adesão ao tratamento anti-hipertensivo e [a quantidade de outros medicamentos usados] e [dificuldade para marcar consultas] apresentaram associação com a adesão ao tratamento, no limite para ser considerada significativa. Entre os pacientes controlados (48,5%), não foi possível verificar associação entre adesão e controle da PA. Na análise da média da pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) houve associação significativa com a adesão ao tratamento (p=0,045). As médias da PAS e PAD foram, respectivamente, 136±19mmHg e 79±11mmHg. A média de acertos e erros sobre o conhecimento da doença foi semelhante entre os pacientes aderentes e não aderentes, apresentando, respectivamente, uma média de acertos de 7±1,6 e 6,7±1,5 questões. Em apenas duas questões, o percentual de respostas verdadeiras foi inferior a 50%, [Pressão alta é assintomática] (31,9%) e [Pressão alta pode ser tratada sem remédios] (16,5%). Pode-se verificar também que somente uma questão sobre conhecimento da doença – [O tratamento da pressão alta é para a vida toda] – apresentou associação Pucci et al. Conhecimento sobre Hipertensão e Adesão ao Tratamento Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2012;25(4):322-329 julho/agosto Tabela 2 Distribuição dos pacientes aderentes e não aderentes ao tratamento anti-hipertensivo de acordo com as características sociodemográficas Características sociodemográficas Aderentes (n=110) n % Não aderentes (n=150) Sexo Masculino Feminino n % 31 28,24228,0 79 71,8108 72,0 Renda familiar (salários mínimos) 1-3 >3 101 91,8139 92,7 9 8,211 7,3 Estado civil Casado Solteiro Divorciado Viúvo União Estável 62 56,48556,7 9 8,232,0 0,800 0,068 27 24,55033,3 3 2,7 1 0,7 77 70,0111 74,0 Do lar 17 Outros 1412,7 9 6,0 Autônomo 0,974 9 8,211 7,3 Ocupação Aposentado Valor de p 15,5 26 17,3 0,293 2 1,842,7 Tabela 3 Distribuição dos pacientes aderentes e não aderentes ao tratamento anti-hipertensivo de acordo com os aspectos do tratamento. Aspectos do tratamento Deixam de comprar o(s) medicamento(s) anti-hipertensivo(s) devido ao custo Usam outros medicamentos não anti-hipertensivos Aderentes (n=110) n % 99 90 10 9,1 Não aderentes (n=150) n 33 22 0,006 142 94 0,153 Número de outros medicamentos usados* Não usam 1-2 3-4 >4 11 Número de consultas no último ano (média±DP) Dificuldades para marcar consultas Usa SUS Tem convênio médico 5,3 32 29,16543,3 24 21,83422,7 1,7±2,1 52,7 – 0,059 93 2,1±2,2 62 0,134 – 0,160 20 18,2 43 28,7 0,051 38 34,5 56 37,3 0,664 20 18,2 26 17,3 0,859 Atendimento médico Paga particular 8 43 39,14328,7 Visitam regularmente médico/serviço 58 de saúde devido à pressão arterial 10 % Valor de p 100 90,9 *Número de outros medicamentos não anti-hipertensivos usados DP=desvio-padrão 141 94 0,344 325 Rev Bras Cardiol. 2012;25(4):322-329 julho/agosto Pucci et al. Conhecimento sobre Hipertensão e Adesão ao Tratamento Artigo Original Tabela 4 Distribuição do pacientes aderentes e não aderentes ao tratamento anti-hipertensivo de acordo com o controle da PA Controle da PA Controlados Não controlados Aderentes (n=110) n 56 54 PAS mmHg (média±DP) PAD mmHg (média±DP) DP=desvio-padrão Não aderentes (n=150) n 50,9%70 46,7% 49,1% 80 133±17 76±10 53,3% 138±20 81±11 Valor de p 0,499 0,045 Tabela 5 Distribuição do pacientes aderentes e não aderentes ao tratamento anti-hipertensivo de acordo com as atitudes positivas em relação ao conhecimento da doença Perguntas sobre o conhecimento da doença Aderentes (n=110) Pressão alta é para toda a vida 80 72,7 Pressão alta é 14 por 9 59 53,6 Pressão alta é assintomática Pressão alta traz complicações O tratamento é para a vida toda Não aderentes (n=150) n%n% 36 91 32,7 82,7 105 47 77 118 70 31,3 51,3 Valor de p 0,632 0,812 0,713 78,7 0,415 18 0,459 101 91,8 121 sem remédios 16 14,5 27 a controlar a pressão 82 74,5 113 75,3 0,885 a pressão arterial 95 86,4 116 77,3 0,066 a pressão 108 98,2 146 97,3 0,653 a controlar a pressão arterial 102 92,7 141 94 0,682 Pressão alta pode ser tratada Fazer exercícios físicos ajuda Perder peso ajuda a controlar Diminuir o sal ajuda a controlar Diminuir o nervosismo ajuda significativa com a adesão ao tratamento, e a questão [Perder peso ajuda a controlar a pressão arterial] apresentou também associação com a adesão ao tratamento, no limite para ser considerada significativa. Em relação à forma de tratamento realizada pelos pacientes hipertensos, verificou-se que 50,4% utilizavam apenas tratamento medicamentoso, enquanto que o restante associava também o tratamento não medicamentoso. A média de tempo de tratamento foi 11±9,2 anos, sendo semelhante entre os pacientes aderentes (11,5±9,8 anos) e não aderentes (10,5±8,3 anos) ao tratamento. Ao se analisar o número de medicamentos antihipertensivos prescritos entre os pacientes aderentes e não aderentes, as médias foram, respectivamente, 2,1±0,8 e 1,8±0,8, sendo que 45,4% dos pacientes tinham prescrição de dois medicamentos antihipertensivos, 29,6% de um medicamento, 20% de 326 80,7 0,012 três medicamentos, 4,2% de quatro medicamentos e 8% de cinco medicamentos. Nesta análise, foi possível verificar significância estatística na associação entre o número de medicamentos antihipertensivos prescritos e a adesão ao tratamento (p=0,037). Os medicamentos mais prescritos foram os diuréticos tiazídicos (58,8%), inibidores da enzima conversora da angiotensina (49,2%), betabloqueadores (37,3%), bloqueadores dos receptores da angiotensina II (26,9%) e bloqueadores dos canais de cálcio (17,3%). A frequência de pacientes que referiu visitar regularmente o médico ou serviço de saúde devido à p re s s ã o a r t e r i a l f o i 5 8 , 1 % e a m é d i a d e comparecimento às consultas no último ano foi 1,95±2,2 consultas/pessoa. Não houve associação significativa entre a adesão ao tratamento com a visita regular ao médico e o número de consultas realizadas no último ano. Pucci et al. Conhecimento sobre Hipertensão e Adesão ao Tratamento Artigo Original Discussão No presente estudo verificou-se que a prevalência de adesão ao tratamento anti-hipertensivo (42,3%), a partir do TMG, mostrou-se semelhante a estudo feito por Morgado et al.13 (48,2%) e maior em relação a alguns estudos nacionais12,14. Entretanto trabalho realizado no Rio de Janeiro em 200815 e outro estudo internacional16 que avaliaram a adesão dos pacientes à terapêutica utilizando outro método, apresentaram maior frequência de adesão ao tratamento, com um percentual de 51% e 72%, respectivamente15,16. Monane et al. 17 , apesar de terem estimado a adesão ao tratamento através de outro método, observaram que a idade mais avançada está associada à melhor adesão17. Na avaliação dos quatro questionamentos do TMG, pode-se notar que as questões que apresentaram os maiores percentuais de atitudes positivas na adesão ao tratamento foram: [Às vezes, se você se sentir pior ao tomar a medicação, você para de tomá-la?] (81,9%) e [Quando está se sentindo melhor, você às vezes para de tomar seu medicamento?] (90,8%). Em estudo realizado em São Paulo em 2003, o percentual de atitudes positivas foi semelhante ao encontrado neste estudo, 83% e 72%, respectivamente, porém a faixa etária incluiu pacientes >18 anos12. Em relação às características sociodemográficas, esta pesquisa não expressou resultados significativos com a adesão ao tratamento. Um estudo de caso-controle mediu a adesão dos pacientes à terapêutica utilizando outro método, e demonstrou que a adesão foi mais forte no sexo feminino do que no masculino18. Já outro trabalho que avaliou a adesão através do TMG não exibiu diferença estatisticamente significativa com o sexo13. Rev Bras Cardiol. 2012;25(4):322-329 julho/agosto adesão, dado divergente de um estudo realizado em Porto Alegre no ano de 2001, no qual o nível baixo de escolaridade se associou à maior taxa de abandono ao tratamento21. Um aspecto importante sobre a adesão do paciente à terapêutica está relacionado ao número de medicações utilizadas. No presente estudo verificou-se que o número de medicamentos anti-hipertensivos usados pelos pacientes influenciou de forma significativa a adesão. Verificou-se ainda que a média de medicamentos antihipertensivos prescritos entre os pacientes aderentes e não aderentes foi, respectivamente, 2,1±0,8 e 1,8±0,8, sendo que a maioria dos pacientes estudados (45,4%) fazia uso de dois medicamentos. Bloch et al. 16 encontraram uma média maior de anti-hipertensivos usados pelos pacientes (3,9±0,9) no qual foram incluídos indivíduos <60 anos. Dosse et al.13 revelaram em sua pesquisa que 58,3% dos homens faziam uso de até dois anti-hipertensivos e as mulheres (61,3%) faziam uso de três ou mais. Em relação ao controle da pressão arterial, uma pesquisa realizada no estado do Rio Grande do Sul no ano de 2004 mostrou que apenas 20,4% dos pacientes apresentavam bom controle da pressão arterial, e as médias da PAS e PAD foram, respectivamente, 147±20mmHg e 91±12,5mmHg, tendo incluído pacientes >20 anos22. Outro estudo, realizado em Portugal no ano de 2009, também expressou resultados semelhantes, no qual a média da PAS foi 141,8±16,5mmHg e da PAD foi 85,8±11,8mmHg, sendo que apenas 33% dos pacientes alcançaram o controle da pressão arterial, tendo incluído na amostra pacientes >18 anos14. A renda familiar também não apresentou relação com a adesão ao tratamento, no entanto o custo do medicamento anti-hipertensivo foi um fator que influenciou na adesão, o que é discutível, visto que muitos medicamentos anti-hipertensivos são disponibilizados pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Buabeng et al.19 revelaram também que 96% dos pacientes não aderentes citaram o preço do medicamento como a razão para não aderir à terapêutica. Apesar de serem indivíduos de faixas etárias diferentes, o presente estudo demonstrou resultados com maiores percentuais de pacientes controlados (48,5%) e médias de PAS (136±19mmHg) e PAD (79±11mmHg) com níveis tensionais menores em relação ao encontrado por Gus et al.22 e Morgado et al.20. Além disso, foi possível verificar que as médias da pressão arterial associaram-se de modo significativo na adesão ao tratamento, de forma que os pacientes aderentes apresentavam médias pressóricas menores. Em relação à escolaridade, outro indicativo socioeconômico, observou-se média de 4,5±3 anos de estudos, dado semelhante a trabalho que incluiu idosos hipertensos também, no qual o maior percentual de pacientes (55,9%) apresentou escolaridade entre zero e quatro anos 20 . Entretanto, na presente investigação, a escolaridade não se relacionou à Verificou-se que o nível de conhecimento sobre a doença foi satisfatório nos pacientes entrevistados e a média de acertos e erros foi semelhante entre os grupos aderente e não aderente ao tratamento. Strelec et al.12 observaram também que os hipertensos apresentaram conhecimento satisfatório em relação à doença e que as questões [pressão alta é assintomática] e [hipertensão 327 Rev Bras Cardiol. 2012;25(4):322-329 julho/agosto pode ser tratada sem remédios] expressaram percentuais semelhantes com os resultados do presente trabalho; nessa pesquisa foram incluídos indivíduos >18 anos. Contudo constatou-se no presente trabalho que apenas a questão [O tratamento da pressão alta é para a vida toda] apresentou associação significativa com a adesão terapêutica. Pierin et al.23 incluíram questões semelhantes ao da presente investigação, com o objetivo, entretanto, de avaliar o conhecimento dos fatores associados à hipertensão, tendo observado também um elevado nível de entendimento da população estudada. Alguns trabalhos internacionais e nacionais revelaram que a maioria dos pacientes estudados era de hipertensos há longo tempo14,23. Um trabalho realizado com indivíduos com idade ≥60 anos, em São Paulo em 2005, demonstrou que uma parcela importante de idosos (46,1%) tem a doença há mais de 11 anos20. No presente trabalho a média de tempo de tratamento anti-hipertensivo foi 11±9,2 anos, contudo esse dado foi parecido entre os grupos aderente e não aderente. Já outro estudo mostrou que pacientes com menos de cinco anos de doença associaram-se ao maior abandono do tratamento21. A presente pesquisa mostrou que 58,1% dos pacientes referiram visitar regularmente o médico ou serviço de saúde devido à pressão arterial com uma média de quase duas consultas realizadas por paciente no último ano. Na investigação realizada por Zaitune et al.20 observou-se que 71,6% dos idosos hipertensos referiram visitar o médico regularmente. Outros estudos demonstraram que 61,1% dos pacientes compareceram ao serviço de saúde no último ano e 70% compareceram entre três e quatro consultas no período de seis meses, sendo que somente 10% compareceram em apenas duas consultas nesse período12,22. Apesar da divergência entre alguns autores, no sentido de que uma intervenção educativa possa melhorar a adesão ao tratamento anti-hipertensivo, esse tipo de estratégia deveria ser implementada em todos os serviços ambulatoriais de cuidado ao hipertenso24. Diversas são as causas de não adesão dos pacientes às orientações médicas. Portanto é imprescindível que cada profissional identifique, em seus pacientes, quais são as variáveis envolvidas e associadas ao abandono do tratamento ou ao não cumprimento das recomendações terapêuticas 25 . Outro aspecto importante do tratamento que facilita a adesão, principalmente na população geriátrica devido à polifarmácia, é a simplificação do regime terapêutico, com uso de fármacos em combinações de doses fixas 328 Pucci et al. Conhecimento sobre Hipertensão e Adesão ao Tratamento Artigo Original em uma só apresentação e com menor número de tomadas diárias, preferencialmente em dose única13,26,27. Limitações Devido à faixa etária da amostra do presente trabalho, é possível que o estudo apresente um viés de lembrança, interferindo nos resultados expostos. Conclusão Apesar do conhecimento adequado dos hipertensos, as questões sobre conhecimento da doença não foram suficientes para exercer influência sobre a adesão ao tratamento. Em geral os pacientes entrevistados demonstraram conhecimento satisfatório em relação à doença. No entanto, analisando isoladamente as questões, observou-se que apenas o indivíduo que tem consciência de que a HAS é para toda a vida aderiu fortemente ao tratamento, expressando importância estatística com a adesão. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica Este artigo representa parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Medicina de Nicole Pucci pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Referências 1. Pereira M, Lunet N, Azevedo A, Barros H. Differences in prevalence, awareness, treatment and control of hypertension between developing and developed countries. J Hypertens. 2009;27(5):963-75. 2. Cesarino CB, Cipullo JP, Martin JF, Ciorlia LA, Godoy MR, Cordeiro JA, et al. 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