UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA ARNALDO TELLES FERREIRA A INCONVENIÊNCIA DE UMA VERDADE: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL Joaçaba 2009 ARNALDO TELLES FERREIRA A INCONVENIÊNCIA DE UMA VERDADE: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina – Campus de Joaçaba – como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. Joviles Vitório Trevisol Joaçaba 2009 Dedico este trabalho à minha amada esposa, que me acompanhou e me deu forças nesta caminhada. Aos meus pais, que sempre estiveram ao meu lado e acreditaram em minhas vitórias. Às minhas irmãs, que sempre me incentivaram e me apoiaram. AGRADECIMENTOS A Deus, por estar sempre presente e permitir que pela fé se concretizasse mais essa realização. À minha família, um agradecimento todo especial por todo amor, carinho, orações, palavras de incentivos em todos os sentidos, que têm sido fundamentais em minha vida e muito me ajudaram a superar os desafios da minha caminhada. À minha esposa, fonte de minha inspiração. Pela sua compreensão, amor e incentivo durante a realização deste trabalho e de todos os momentos que compartilhamos. Pela dádiva de viver cada dia unidos pelo nosso amor. Ao professor orientador Dr. Joviles Vitório Trevisol, por todo auxílio e suporte no caminhar deste trabalho. Nesses meses de orientação, encontrei nele não apenas um excelente professor, pesquisador e orientador, mas, principalmente, um amigo. Aos professores, agradeço pela discussão, debate, dicas e compartilhamento de experiências. Aos amigos e colegas, pela convivência, compreensão e incentivo ao longo dessa caminhada. A todos que de uma forma ou outra colaboraram para que este trabalho fosse realizado com êxito. O sujeito pensante não pode estar sozinho: não pode pensar sem a coparticipação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um “penso”, mas um “pensamos”. É o “pensamos” que estabelece o “penso” e não o contrário. Esta coparticipação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação. O objeto, por isso, não é a incidência terminativa do pensamento de um sujeito, mas o mediador da comunicação (Paulo Freire). RESUMO O aquecimento global é uma das dimensões mais preocupantes da crise ecológica atual, tendo despertado, nos últimos anos, vários estudos e debates, envolvendo cientistas, professores, governos, organizações da sociedade civil, meios de comunicação social e universidades. Observando a relevância desse tema, a presente pesquisa desenvolveu um estudo sobre as representações sociais que os estudantes universitários têm sobre o aquecimento global. Buscou-se, assim, em primeiro lugar, servir-se de autores que relacionam os conceitos científicos sobre a crise ecológica, como Soares (2003), Dow; Downing (2007), Flannery (2008), Leis (1999) e outros, para apresentar a abordagem histórica das convenções que delinearam as discussões sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global na agenda internacional. Em segundo lugar, a discussão sobre a crise ecológica e a sociedade de risco teve como referencial teórico os conceitos propostos por Beck (2006), Capra (1982), Giddens (2000), Gonçalves (2004), Leff (2000), Morin (2001), e outros, para compreender a mudança de paradigma nos campos científico, político, social e econômico do pensamento ambiental. Em terceiro lugar, o tencionamento entre educação e comunicação se dá por meio da aproximação da teoria das representações sociais de Moscovici (2003) como metodologia de estudo das elaborações dos diferentes grupos sociais sobre os conhecimentos científicos relacionados a objetos de interesse coletivo, neste caso o aquecimento global. A investigação foi desenvolvida com estudantes do Curso de Comunicação Social da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) Campus de Joaçaba. Os dados foram coletados mediante a aplicação de dois instrumentos de pesquisa: um questionário semitabulado, aplicado a 176 estudantes do referido curso e entrevistas, realizadas através da técnica de grupo focal com 15 estudantes divididos em três grupos. Entre os resultados do estudo, cabe destacar: (i) que os estudantes, em sua grande maioria, têm dificuldades para interpretar e correlacionar os conceitos científicos sobre as causas e conseqüências das mudanças climáticas em seu cotidiano; (ii) no que diz respeito à avaliação dos agentes de informação, os estudantes confirmam a tese de que as representações sociais do aquecimento global são geradas pela transposição dos conhecimentos científicos pela da mídia e a escola; (iii) e, em sua grande maioria, os estudantes expressam a consciência da incerteza partilhada sobre os impactos ambientais na sociedade de risco; (iv) nesse cenário de incertezas, essa pesquisa possibilitou constituir um conjunto de informações detalhadas sobre o posicionamento dos estudantes pesquisados ante a problemática ambiental. Palavras-chave: Educação Ambiental. Aquecimento global. Representações Sociais. ABSTRACT The global warning is the worriest dimension of the ecological crisis nowadays and the last years it has stimulated various studies and discussions including scientists, government, civil organization society, media reports and universities. Around the relevancy of this issue the present research hbas developed a study about the social representation that students of university have about the global warning. Based on Moscovici`s theories of social representations (2003) which says that they are common sense constructions and the development of different social groups about scientific knowledge linked on objects of collective interest. The research has intended to answer the following questions: (i) how do the students of the university understand the global warning problem and link it to their own environment? (ii) How important/relevant do the students think the global warming is? (iii) Which relations of cause do the university students researched do between global warming and the current ways of economics development? (iv) What do the young students do and are prepared to do in their daily living for the environment benefit? (v) What are the main sources of information used by young people to know about the global warming problem? The research has been developed with students of Social Communications from West of Santa Catarina University Unoesc Campus de Joaçaba. There were used two ways of research to the data collection: (i) a semi-tabbed application, answered by one hundred and seventy-six students from that course, and (ii) interviews conducted with fifteen students in three groups. The interviews were conducted through a focus group technique. Around the results there are some that should be noted: (i) The researched students confirm the atrophic dimension about the theme, or in other words, for them it doesn’t seem like a cyclic and natural. (ii) The researched students have difficulties to conceptualize the phenomenon and correlate its causes with the climate changes consequences. (iii) They can see the correlations between the eco crisis and the natural imbalance and express conscience of shared uncertainty about environmental impacts. (iv) About assessment of their own environment young people mostly have difficulties to link local problems and focus their influences on pointing out the environmental problems in a national and international ways. At this set of uncertainty, this research gave up the possibility of constructing details of information about the placement of researched students front of an environmental problem. Keywords: Environment. Global Warming. Social Represents, Environmental Education in Colleg LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1: Principais Gases de Efeito Estufa .................................................................... 46 Imagem 1: Flutuações de CO2 ........................................................................................... 54 Imagem 2: Relação entre CO2 e temperatura..................................................................... 55 Imagem 3: Degelo nos polos.............................................................................................. 56 Imagem 4: Configuração do efeito estufa .......................................................................... 58 Imagem 5: O efeito estufa .................................................................................................. 59 Gráfico 1: CO2 na atmosfera ............................................................................................. 61 Gráfico 2: Fontes de emissão dos gases de efeito estufa .................................................. 63 Mapa 1: Qualidade das águas superficiais em Santa Catarina....................................... 92 Gráfico 3: Avaliação das consequências do Aquecimento Global ................................... 98 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Compreensão da crise ecológica e do aquecimento global ................................ 86 Tabela 2: Avaliação da problemática ambiental local ........................................................ 90 Tabela 3: Causas e efeitos do aquecimento global ............................................................. 93 Tabela 4: Informação e conhecimento ambiental ............................................................... 100 Tabela 5: Agentes de informação por meio dos quais a sociedade conhece as alterações climáticas ....................................................................................... 102 Tabela 6: Percepção das ações individuais e coletivas ....................................................... 106 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CEP Comitê de Ética em Pesquisa CPT Convenção sobre Poluição Transfronteiriça de Longo Alcance CQNUMC Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima CQNUMAD Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento ECOSOC Conselho Econômico Social das Nações Unidas FAO Food and Agriculture Organization: Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura GEE Gases do Efeito Estufa IPCC Intergovernmental Panel on Climate Changes IGBP International Geosphere-Biosphere Programme MCT Ministério da Ciência e Tecnologia NMS Novos Movimentos Sociais OCDE Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento OIT Organização Internacional do Trabalho OMM Organização Meteorológica Mundial OMS Organização Mundial da Saúde ONU Organização das Nações Unidas PM Protocolo de Montreal PNUMA O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente TRA Terceiro Relatório de Avaliação do IPCC UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization: Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UNFCCC United Nations Framework Convention on Climate Change UNSCCUR Conferência das Nações Unidas para a Conservação e Utilização de Recursos SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11 1.1 PROBLEMÁTICA DA PESQUISA ......................................................................... 14 1.2 QUESTÕES DE PESQUISA..................................................................................... 17 1.3 OBJETIVOS .............................................................................................................. 17 2 CRISE ECOLÓGICA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS ...................................... 20 2.1 CONTEXTUALIZANDO A CRISE ECOLÓGICA ................................................. 20 2.2 AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA AGENDA INTERNACIONAL ................... 24 2.3 AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS ........................................................... 47 2.4 O AQUECIMENTO GLOBAL ................................................................................. 52 2.5 O EFEITO ESTUFA .................................................................................................. 57 3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E MEIO AMBIENTE ...................................... 66 3.1 APROPRIAÇÕES METODOLÓGICAS DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .................................................................................................................... 69 3.2 MEIO AMBIENTE COMO REPRESENTAÇÃO SOCIAL .................................... 74 4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................... 77 4.1 TIPO DE PESQUISA ................................................................................................ 77 4.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ............................................................................. 79 4.3 INSTRUMENTOS DE PESQUISA .......................................................................... 81 4.3.1 Questionário semiestruturado ................................................................................ 81 4.3.2 Entrevistas: Grupo Focal ........................................................................................ 82 4.4 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ....................................................................... 83 5 OS ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS E O AQUECIMENTO GLOBAL..... 85 5.1 COMPREENSÃO DA CRISE ECOLÓGICA E DO AQUECIMENTO GLOBAL . 86 5.2 CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO AQUECIMENTO GLOBAL........................ 93 5.3 CONHECIMENTO E INFORMAÇÃO AMBIENTAL............................................ 100 5.4 CIDADANIA E PRÁTICAS COTIDIANAS............................................................ 106 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 110 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 116 APÊNDICES ............................................................................................................ 126 11 1 INTRODUÇÃO A área da Comunicação Social está no centro de minha formação acadêmica e profissional. Iniciei meus estudos superiores em 1996, na Universidade de Passo Fundo, na Faculdade de Artes e Comunicação (FAC), com formação em Comunicação Social, habilitação em Radialismo. No decorrer da minha profissão como comunicólogo, tive a oportunidade de vivenciar diferentes experiências na área audiovisual. Atuei como fotógrafo, cinegrafista, editor de imagens, produtor e diretor de documentários, programas de televisão, filmes e propagandas. A partir dessas experiências, aprofundei meus estudos na área da comunicação audiovisual, com ênfase na produção de conteúdos midiáticos direcionados aos meios educacional, ambiental, institucional e promocional. As minhas primeiras experiências com as áreas de comunicação e de educação surgiram antes do meu ingresso na universidade. Meu pai é fotógrafo há 35 anos, e, por intermédio dele, iniciei minha formação empírica na área audiovisual (fotografia, vídeo e cinema) a partir dos 10 anos de idade. Minha mãe é professora aposentada do magistério público do estado do Rio Grande do Sul. Após concluir o magistério ela se formou em Educação Artística e Artes Plásticas, Licenciatura Plena, pela Escola de Belas Artes da Universidade de Passo Fundo. Nesse contexto, tive a oportunidade de vivenciar diferentes experiências, mas foi com meus pais que adquiri os primeiros conhecimentos e o estímulo para continuar meus estudos. Posteriormente, fui convidado a trabalhar em uma faculdade do Sudoeste do estado do Paraná. Iniciei como produtor audiovisual, e logo assumi duas disciplinas no Curso de Jornalismo. Até esse momento, eu não cogitava ser um professor universitário. Tornei-me professor universitário em decorrência das atividades profissionais que desenvolvia. A docência entrou em minha vida, estimulando-me a reorganizar meus propósitos e a responder aos novos desafios que iam se colocando. Sem ter uma formação específica para atuar na docência, logo busquei uma especialização. O programa de formação continuada que a faculdade ofertava para seus docentes contribuiu para reforçar meu interesse pela área da educação superior. Este trabalho foi fundamental para provocar em mim as indagações sobre os processos de ensino e aprendizagem de jovens e adultos dos cursos de Comunicação Social. Aflorou-me grande interesse pela pesquisa sobre educação e comunicação, o qual foi ampliado graças às leituras e trocas de ideias com outros pesquisadores da área. O tema que 12 hoje se convencionou chamar de educomunicação 1 passou a fazer parte de meus interesses de pesquisa e aprofundamentos. Como professor, comunicólogo e diretor videográfico, fui convidado a fazer parte do colegiado do Curso de Comunicação Social da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Como docente, defendo a necessidade de um movimento de aproximação entre os campos da comunicação e da educação. As reflexões sobre a ação como docente e a minha prática pedagógica despertaram-me um conjunto de interrogações sobre os processos educativos e a construção do conhecimento. Assim, a partir do momento que ingressei no Programa de Mestrado em Educação da Unoesc, comecei a compreender melhor os fundamentos epistemológicos da prática, da ação, da análise e da formação docente. Ao abrir horizontes teórico-metodológicos para este educador que está à procura de novas alternativas para a prática pedagógica, comecei a localizar melhor o tema de minha pesquisa, a fim de entender os processos por meio dos quais os indivíduos apreendem a realidade, relacionam-se com ela e a conhecem. A docência no ensino superior levou-me a cursar Mestrado na área de Educação. Ingressei na Linha de Pesquisa em Educação, Políticas Públicas e Cidadania, tendo como tema de estudo as complexas relações entre comunicação e educação. Tendo em vista a amplitude e complexidade que esses temas envolvem, um dos primeiros desafios foi o de situar a problemática de investigação e cercá-la dos referenciais teóricos e dos instrumentos metodológicos pertinentes. A escolha e a delimitação do objeto/problema de estudo provocaram longas discussões e extensas horas de reflexão e de maturação. As inclinações variaram bastante, ora para o campo da comunicação, ora para o da educação. O desafio principal foi o de articular esses dois campos de conhecimento em uma proposta viável de investigação. Após longa caminhada chegou-se a uma problemática de pesquisa no interior da qual essa mediação seria possível. O desafio de articular o campo da comunicação, mais especificamente, o cinema, com a área educacional estimulou-me a desenvolver uma pesquisa sobre as representações sociais que os jovens estudantes universitários que frequentam os cursos de Comunicação Social (habilitações em Jornalismo, Publicidade e Propaganda e 1 - Educomunicação é o ato de educar através da comunicação as massas. Ou seja, a educomunicação promove através da pesquisa, da reflexão e da intervenção social discutir os vários saberes criando novos saberes e deixando de lado o senso comum. O que sentem e pensam as pessoas de si mesmas e do mundo que as rodeia. Podemos dizer que a educomunicação atua na área da transdiscursividade, multidisciplinar e pluricultural., pois sua prática é a ação educomunicativa, sendo por sua pesquisa uma forma de intervenção social (CITELLI, 2004) 13 Radialismo) da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Campus de Joaçaba têm sobre a temática do aquecimento global. Partiu-se, então, do pressuposto de que o conhecimento é sempre contextualizado pelas condições que o tornam possível. Nesse sentido, há uma linha transversal entre comunicação, educação e meio ambiente. As representações sociais sobre o aquecimento global que os jovens universitários do Meio-Oeste catarinense têm sobre o tema, brotam, em grande medida, do conhecimento e das informações veiculadas pela mídia. Os meios de comunicação de massa exercem um inegável papel na formação da opinião pública sobre os mais variados temas, inclusive os relacionados ao meio ambiente. Como tão bem destaca Bourdieu (1997), os meios de comunicação social não apenas descrevem/retratam a realidade; eles criam a realidade. A televisão, em particular, tem o monopólio sobre a formação das cabeças de parte expressiva da população mundial. Nas palavras de Bourdieu (1997, p. 29), a televisão “[...] que se pretende um instrumento de registro torna-se um instrumento de criação da realidade. Caminha-se cada vez mais rumo a universos em que o mundo social é descritoprescrito pela televisão. A televisão se torna o árbitro do acesso à existência social e política.” O que os media entregam/oferecem cotidianamente não é a realidade, mas uma determinada concepção/representação/seleção/recorte da realidade. E é nesse espaço de mediação que se deve considerar que os meios de comunicação caracterizam-se como fonte de emissão de valores sociais. Em uma perspectiva similar a de Bourdieu, o sociólogo brasileiro Ianni (2001) associa o poder exercido pelas diferentes mídias na atualidade – especialmente a televisão – ao exercido pelo príncipe despótico descrito por Maquiavel no século XV. Segundo ele, a melhor forma de traduzir a influência e a persuasão que o “quarto poder” exerce hoje é denominá-lo como “príncipe eletrônico”. A televisão, segundo Ianni (2001, p. 149-150): Registra e interpreta, seleciona e enfatiza, esquece e sataniza o que poderia ser a realidade e o imaginário. Muitas vezes transforma a realidade, seja em algo encantado seja em algo escatológico, em geral virtualizando a realidade de tal escala que o real aparece como forma espúria do virtual [...] A televisão não pode mais ser considerada (se alguma vez o foi) mera observadora e repórter de eventos. Está intrinsecamente encadeada com estes eventos e tem se tornado claramente parte integral da realidade que noticia [...] Como partes integrantes e dinamizadoras da sociedade, a educação, as instituições de ensino, os educadores e os próprios estudantes são influenciados pela mídia. A compreensão que os estudantes possuem da problemática ambiental e, particularmente, do aquecimento global, está em parte relacionada ao tratamento que a mídia oferece a esses temas. Estudar as 14 representações sociais dos estudantes universitários em relação ao aquecimento global é compreender como esses indivíduos concebem a si próprios e a relação que estabelecem com o meio ambiente que os cerca; é compreender como a informação e o conhecimento é internalizado e reinterpretado pelos estudantes. Um dos principais estímulos para o desenvolvimento desta pesquisa foi o debate sobre a influência dos meios de comunicação na mediação das informações e conhecimentos ambientais para a sociedade moderna. Com o aumento de mensagens sobre os riscos ambientais (entre elas, o documentário Uma verdade inconveniente, dirigido pelo ex-vicepresidente dos Estados Unidos Al Gore), a mediatização dos riscos multiplicou o número de canais de informação entre a sociedade e as diferentes instituições reguladoras das informações especializadas. O documentário de Al Gore teve o mérito de levar o tema do aquecimento global para milhares de pessoas. Estima-se que 20 milhões de pessoas assistiram ao filme. De um tema adstrito à comunidade de experts, a problemática das mudanças climáticas e do aquecimento global passou a ser de interesse comum. O filme permite às inúmeras pessoas compreenderem melhor a problemática ambiental global/local. O aspecto global é, certamente, o problema ambiental mais preocupante. É nesse sentido que na busca por respostas às questões de pesquisa que nortearam este trabalho, elaborou-se uma pesquisa que procura investigar quais são as representações sociais partilhadas pelos estudantes universitários do Curso de Comunicação Social sobre a crise ambiental, em especial o aquecimento global. 1.1 PROBLEMÁTICA DA PESQUISA À medida que a humanidade aumenta sua capacidade de intervir na natureza para satisfação de necessidades e desejos crescentes, surgem tensões e conflitos quanto ao uso dos territórios e dos recursos em virtude da tecnologia disponível. Nos últimos séculos, um modelo de civilização se impôs, trazendo a industrialização, com sua forma de produção e organização do trabalho, além da mecanização da agricultura, que inclui o uso intenso de agrotóxicos, e a urbanização, com um processo de concentração populacional nas cidades. A questão ambiental é considerada cada vez mais urgente e importante para a sociedade, pois o futuro da humanidade depende da relação estabelecida entre a natureza e o uso pelo ser humano dos recursos naturais disponíveis. A perspectiva ambiental consiste em 15 um modo de ver o mundo em que se evidenciam as inter-relações e a interdependência dos diversos elementos na constituição e na manutenção da vida. Em termos de educação, uma das principais conclusões e proposições assumidas internacionalmente é a recomendação de se investir em uma mudança de mentalidade, conscientizando os grupos humanos para a necessidade de se adotar novos pontos de vista e novas posturas diante dos dilemas e constatações acerca dos problemas ambientais globais, nacionais e locais. Atualmente, o aquecimento global é um dos fenômenos climatológicos que despertam a atenção da comunidade científica e da sociedade em razão do perigo representado pelas alterações climáticas para a sobrevivência e manutenção da vida na terra. O avanço das pesquisas científicas, que contam com diferentes métodos e instrumentos para avaliar as mudanças climáticas, apontam que os sinais do aquecimento global são causados pelo atual estádio civilizatório humano, em especial as atividades industriais e de consumo. O perigo representado pelas alterações climáticas estimula cientistas e ambientalistas a constante busca de soluções para o problema. A maioria das comunidades científicas do mundo julga que o aquecimento global é causado pela ação humana, que leva à elevação do nível de concentração de poluentes na atmosfera. Apesar dos riscos futuros e das alterações já sentidas em várias partes do mundo, os esforços para minimizar o avanço do aquecimento global ainda não são efetivos e eficazes. Dependem do envolvimento, compromisso e vontade política dos governos e das pessoas para mudar seus hábitos e a forma de se relacionar com o meio ambiente. Em plena concordância com a tese de que a mudança de consc iência e da prática é fundamental para minimizar a crise ecológica decidiu-se por uma investigação sobre as representações sociais dos jovens universitários da Unoesc sobre o aquecimento global. Interessa conhecer o que os jovens pensam sobre o tema, que conhecimentos possuem, que importância conferem ao assunto e o que estão dispostos a fazer para contribuir com o planeta e a sustentabilidade de sua geração e das gerações futuras. Acredita-se que a presente investigação será importante para compreender como se constituem em um determinado grupo social as imagens, os conceitos, as afirmações, as indagações e os discursos sobre uma das temáticas mais atuais e debatidas em todo o mundo. Além disso, parte-se do pressuposto de que os meios de comunicação revelam um campo semântico permeado de sentidos e significações de uma dada realidade, que é interpretada de diferentes formas pelos sujeitos, e que a Universidade representa um espaço importante para a 16 transformação social, intelectual e analítica dos estudantes sobre as reais consequências do aquecimento global para o planeta. Buscou-se, assim, neste estudo, servir-se de autores que relacionam os conceitos científicos sobre a atual crise ambiental, com ênfase no aquecimento global. Além disso, buscou-se compreender a teoria das representações sociais com ênfase na educação. O tencionamento entre aquecimento global, representação social e educação é articulado a partir da pesquisa empírica que investiga como os jovens universitários concebem o tema aquecimento global a partir de suas representações do fenômeno. Para isso, alguns pesquisadores foram importantes para a fundamentação da pesquisa, especialmente, Brüseke (1996), Carvalho (2006), Dias (2004), Erickson (1992), Flannery (2008), Kerry (2008), Kirstin e Downing (2007), Floriani (2008), Giddens (2007), Guido (2003), Guareschi (2003), Gore (2006), Layrargues (2007), Leis (1999), Mazzotti (2002), Morin (2005), Moscovici (2003), Penna (1999), Sorrentino (2007), Tolentino (1995), Trevisol (2003). A despeito de sua dimensão física, o aquecimento global é uma representação social, ou seja, os indivíduos e os grupos sociais constroem concepções/entendimentos do tema a partir dos contextos onde vivem e do conjunto de conhecimentos que possuem. Pretende-se, nesse sentido, ampliar/aprofundar estudos que já vem sendo feitos2 no Brasil sobre as representações dos jovens sobre o tema. É nesse sentido que esta dissertação ganha importância no cenário das incertezas atuais, pois pretende compreender as representações sociais que os jovens estudantes universitários têm sobre o aquecimento global. A problemática deste estudo partiu do pressuposto de que até o momento ainda não se tem estudos que caracterizam os modos como os jovens universitários da Universidade do Oeste de Santa Catarina – Campus de Joaçaba compreendem o fenômeno do aquecimento global. Assim, esta pesquisa poderá contribuir para o fortalecimento das ações educativas nos ambientes formais e não formais da educação ambiental de jovens e adultos do Meio-Oeste catarinense. Esta dissertação poderá ajudar na construção de metodologias e métodos de ensino de que abordem a temática do aquecimento global no ensino superior. Isto é, saber como os indivíduos da sala de aula pensam e compreendem o ambiente onde vivem contribuirá para 2 O que o brasileiro pensa do meio ambiente, é uma pesquisa de opinião realizada pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo ISER. A pesquisa ocorreu respectivamente em nos anos de 1992, 1997 e 2001, e permite, portanto, uma avaliação da evolução da consciência ambiental no País. O estudo conta com um universo de pesquisa de 2.000 entrevistas com indivíduos entre 16 e 50 anos, com grau de instrução variando do primário ao ensino superior, residentes em áreas urbanas e rurais. Foi divulgada em 2001 pelo Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2001). 17 que os sujeitos sejam chamados a reelaborar, repensar e refletir sobre as informações e conhecimentos que são mediados e midiatizados pela escola e pela mídia. 1.2 QUESTÕES DE PESQUISA A partir dessas ponderações, e com o intuito de caracterizar as representações sociais dos estudantes universitários do Meio-Oeste catarinense, em um determinado contexto, de modo mais específico na Universidade do Oeste de Santa Catarina – Campus de Joaçaba, as seguintes questões de pesquisa norteiam este trabalho: a) Como os estudantes universitários do Curso de Comunicação Social compreendem a problemática do aquecimento global e a relacionam com o seu meio ambiente vivido? b) Que importância/relevância os estudantes conferem ao tema do aquecimento global? c) Que relações de causalidade os universitários pesquisados estabelecem entre o aquecimento global e as atuais dinâmicas de desenvolvimento econômico? d) O que os jovens fazem e estão dispostos a fazer em seu cotidiano vivido em prol do meio ambiente? e) Quais são as principais fontes de informação que os jovens mais utilizam para conhecerem a problemática do aquecimento global? 1.3 OBJETIVOS Objetivo Geral: Investigar as representações sociais que os jovens universitários do Curso de Comunicação Social da Unoesc Joaçaba têm sobre a problemática do aquecimento global. 18 Objetivos Específicos: a) situar os principais aspectos da crise ecológica, especialmente o aquecimento global; b) contextualizar a teoria das representações sociais e sua relação com a temática do aquecimento global; c) compreender as representações sociais dos estudantes sobre o aquecimento global; d) analisar as representações sociais dos jovens e consequências do aquecimento global; e) entender como os jovens analisam as causas e consequências do aquecimento global. A presente pesquisa estrutura-se em cinco partes, incluindo a introdução. Na segunda seção, será apresentada uma discussão sobre as principais dimensões da atual crise ambiental. A abordagem histórica da crise ambiental será alicerçada a partir dos marcos regulatórios internacionais, da criação de organizações multilaterais, do estabelecimento de convenções e reuniões que delinearam as discussões acerca das mudanças climáticas globais. Para as finalidades deste trabalho, a revisão teórica sobre o cenário das mudanças climáticas globais denota uma abordagem sistêmica das causas e consequências das mudanças climáticas globais. A compreensão do aquecimento global como fenômeno natural que vem sofrendo alterações em virtude das ações antrópicas leva à compreensão da emergência do debate sobre as evidências científicas que comprovam que a alteração climática da temperatura da terra ultrapassa a discussão do fenômeno físico do aquecimento global e constitui-se como debate planetário nas dimensões científicas, políticas, econômicas, social e educacional. A terceira seção apresenta a teoria das representações sociais como opção teóricometodológica para compreender quais são as representações sociais que os estudantes pesquisados têm sobre a crise ecológica, em especial o aquecimento global. A Teoria das Representações Sociais constitui-se suporte teórico-metodológico valioso para compreender quais as informações, crenças, valores e atitudes que guiam os comportamentos das pessoas ao se relacionarem com o meio ambiente. A quarta seção descreve os aspectos metodológicos e a contextualização do estudo empírico realizado com os estudantes do Curso de Comunicação Social da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Campus de Joaçaba. Ressaltam-se aqui as unidades de análise e a caracterização do universo da pesquisa. 19 Os resultados apresentados do estudo empírico da pesquisa encontram-se na quinta seção desta dissertação. A análise dos indicadores quantitativos e qualitativos sobre as representações sociais do aquecimento global dos universitários será revelada e confrontada com o referencial teórico e os dados dos informantes serão interpretados a partir da análise do conteúdo e da metodologia proposta pela teoria das representações sociais. Ao final, na conclusão deste trabalho, relacionam-se os resultados da pesquisa empírica e as perspectivas para as futuras pesquisas na área. 20 2 CRISE ECOLÓGICA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS Não apenas cada parte do mundo faz cada vez mais parte do mundo, mas o mundo enquanto todo está cada vez mais presente em cada uma de suas partes. Isso se verifica não só para as nações e os povos, mas também para os indivíduos. (Edgar Morin). Tendo em vista que o aquecimento global é o núcleo central em torno do qual estrutura-se a problemática desta pesquisa considerou-se importante iniciar com uma revisão teórica sobre o tema, procurando compreendê-lo no contexto da crise ecológica atual. Para isso, recorreu-se a uma série de autores e estudos, entre os quais o mais recente relatório sobre mudanças climáticas elaborado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007a). 2.1 CONTEXTUALIZANDO A CRISE ECOLÓGICA O aumento populacional, a pobreza, a desigualdade social, a dívida externa, a perda da biodiversidade, a escassez de água potável, a poluição do ar, do solo e das águas, apesar de serem problemas aparentemente diferentes, têm núcleos de causalidade em comum: o modelo insustentável de desenvolvimento em curso. Recorrendo a Guimarães (2000), a crise ecológica vai além da dimensão biofísica; ela reflete a crise do modelo de sociedade tecnocientífica e industrial que potencializa, dentro de sua lógica, valores individualistas, consumistas, antropocêntricos, e ainda como componente dessa lógica, as relações de poder que provocam dominação e exclusão, não somente nas relações sociais, como também nas relações sociedade-natureza. De acordo com o autor (GUIMARÃES, 2000, p. 27) “[...] o reflexo da crise ambiental é o reflexo de uma crise do projeto civilizacional, crise da modernidade, de um modelo desenvolvimentista.” Assim compreendida, a problemática ambiental é um indicador claro dos impasses do atual modelo de civilização. Como vários autores têm defendido (CAPRA, 1982; MORIN, 1995; BOFF, 1995; LEFF, 2000, 2001) está-se diante de uma crise civilizatória. Mais do que soluções tecnológicas, como muitos esperançosamente acreditam, necessitam-se mudanças 21 profundas na forma de conceber e relacionar-se com o mundo, exigindo novos valores e práticas individuais e coletivas. O antropocentrismo, a racionalidade econômica e a cultura do consumo colocaram a civilização diante de uma encruzilhada. É necessário um novo contrato entre homem e natureza, entre meio ambiente e sociedade (BRASIL, 1997). Apesar de não ser recente, a problemática ambiental tornou-se mais intensa e global nas últimas décadas. Para Yu (2004), o caráter contemporâneo da crise ecológica se diferencia das crises ocorridas em outros períodos da historia da humanidade pelo ritmo, amplitude e profundidade, resultantes da expansão da produção e do consumo capitalista. A crise ecológica converteu-se em um processo social global à medida que os impactos das agressões ao meio ambiente repercutem de forma interdependente em escala planetária. A consciência ambiental se amplia; com isso cresce a percepção dos riscos e o entendimento de que as transformações em curso estão se convertendo em ameaças cada vez mais preocupantes. O risco ecológico não respeita as fronteiras das nações; ele é um risco partilhado (GIDDENS, 2000; BECK, 1998; TREVISOL, 2003). Nas palavras de Beck (1998, p. 66), pode-se afirmar que pela primeira vez na história: [...] el choque ecológico produce una experiencia que los teóricos de la política creyeron reservar a las guerras en cuanto experiencia de la violencia. [...] La comunidad de la historia nacional ha estado siempre subsumida en la dialéctica de las imágenes enemigas. Impulsada por el pánico y la histeria, la conciencia de crisis ecológica puede sin duda resolverse en violencia contra determinados grupos y cosas. Pero, al mismo tiempo, podemos afirmar que en nuestros días es por primera vez posible experimentar la comunidad de un destino que – por paradójico que pueda parecer –, al no reconocer fronteras en la amenaza percibida, despierta una conciencia común cosmopolita capaz de suprimir hasta las fronteras existentes entre el hombre, la bestia y las plantas. Si los peligros fundan una sociedad, los peligros globales fundan la sociedad global. Em uma perspectiva similar de análise, Capra (1982) afirma que a pobreza, a desigualdade social, o desemprego, a crise energética, a crise de assistência à saúde, a poluição e os desastres naturais, etc., são diferentes facetas de uma única crise, a de percepção. Para ele (CAPRA, 1982, p. 14): Estamos tentando aplicar os conceitos de uma visão de mundo obsoleta – a visão de mundo mecanicista da ciência cartesiana newtoniana – a uma realidade que já não pode ser entendida em função desses conceitos. Vivemos hoje, num mundo globalmente interligado, no qual os fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais são todos interdependentes. Para descrever esse mundo apropriadamente, necessitamos de uma perspectiva ecológica que a visão de mundo cartesiana não nos oferece. Precisamos, pois, de um novo “paradigma” – uma nova visão da realidade, uma mudança fundamental em nossos pensamentos, percepções e valores. 22 Corroborando com a concepção de Capra (1982) sobre as características do pensamento que tem dominado a cultura ocidental, Gonçalves (1989) afirma que a histórica separação entre homem e natureza (natureza e cultura, natureza e sociedade) tem suas raízes na filosofia grega pós-socrática. Enquanto os pensadores pré-socráticos tinham a physis como o centro de suas reflexões, Platão rompe com essa tradição, oferecendo as bases para uma tradição de pensamento filosófico de base antropocêntrica, na qual os temas da ética e da política ganham centralidade. Com Platão e Aristóteles começa a haver certo desprezo “pelas pedras e pelas plantas” e um privilegiamento do homem e da ideia. O conceito de natureza presente em pensadores pré-socráticos como Tales de Mileto, Parmênides e Heráclito é diferente daquele assumido por Platão, Aristóteles, Plotino e outros (GONÇALVES, 1989). Apesar da separação entre homem e natureza estar presente em toda a cultura ocidental, ela se acentua a partir do renascimento, da revolução copernicana, do positivismo e da Revolução Industrial. A noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção de mundo como máquina. A máquina do mundo converteu-se na metáfora dominante da era moderna. Essa mudança foi ocasionada pelas novas teorias filosóficas e científicas, propostas por Copérnico, Galileu, Descartes e Newton. A ciência do século XVII baseou-se em um novo método de investigação, definido vigorosamente por Francis Bacon, o qual envolvia a descrição matemática da natureza e o método analítico de raciocínio concebido por Descartes (CAPRA, 1982; MORIN, 1995). Gonçalves (1989) considera que é com Descartes que a oposição homem-natureza, espírito-matéria, sujeito-objeto se tornará mais completa, constituindo-se no centro do pensamento moderno. O antropocentrismo e o sentido pragmático-utilitarista consagram a capacidade humana de dominar a natureza e a Revolução Industrial evidencia a força dessas ideias ou, como preferem alguns, a Revolução Industrial é a base dessas ideias. Para Capra (1982), a partir de Bacon3 o objetivo da ciência passou a ser aquele conhecimento que pode ser usado para dominar e controlar a natureza e, hoje, ciência e tecnologia buscam, sobretudo, fins profundamente antiecológicos. De acordo com Capra (1982), está-se construindo uma sociedade deformada, desintegrada e desintegradora do meio ambiente como um todo. O autor considera que ainda constrói-se o conhecimento por meio de uma percepção estreita da realidade, baseado no 3 Capra (1982) relata que os termos em que Bacon defendeu esse novo método empírico de investigação eram não só apaixonados, mas, com frequência, francamente rancorosos. A natureza, na opinião dele, tinha de ser “acossada em seus descaminhos”, “obrigada a servir” e “escravizada”. Devia ser “reduzida à obediência”, e o objetivo do cientista era “extrair da natureza, sob tortura, todos os seus segredos.” 23 pensamento racional, que se caracteriza pela linearidade. Fragmenta-se o saber, trabalhando os problemas ambientais isoladamente, de forma não relacional. Esse processo civilizatório, pautado por modelos de sociedade incompatíveis com a sustentabilidade ecológica, social, cultural e econômica, desencadeou com o decorrer dos anos, tudo isso a que se classifica como crise ambiental, e que, essa crise, manifestada por meio da degradação ambiental é, em sua essência, um sintoma de uma crise civilizatória. Leis (1998) considera que a dinâmica da sociedade moderna é governada, assim, por um duplo movimento contrário-complementar de difícil equilíbrio: o movimento da expansão contínua do mercado, o qual tem como objetivo se estabelecer sob bases autorreguladas e supõe o predomínio de valores materiais e de uma razão instrumental; e o contramovimento destinado a frear e regular o mercado, o qual tem como objetivo a proteção dos seres humanos e da natureza e supõe a preservação e promoção de valores éticos e espirituais. Na verdade, os grupos de poder adotaram determinados estilos de desenvolvimento assimilados e aceitos pelas sociedades dominantes, que fizeram com que se estabelecesse uma relação de exploração do ser humano pelo ser humano e da natureza pelo ser humano. O “progresso”, entendido apenas como avanço técnico, material e econômico, é obtido por meio de um modelo de produção, de consumo e de acumulação e de vida insustentável (LEFF, 1999). Os problemas ambientais da atualidade são, em sua grande maioria, resultado de uma organização social, política e econômica, que tem no seu centro a mercantilização da natureza e dos seres humanos. O consumo é amplamente estimulado, impondo-se como o sentido e o fim último da vida para muitas pessoas. As consequências da cultura do consumo e da mercantilização da vida sobre a natureza são raramente consideradas (MORIN, 2001). O aquecimento global, assim como todas as causas e consequências a ele diretamente ligadas, são indicadores claros da insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento. As causas do aquecimento global, não podem ser problematizadas apenas pelo constante aumento dos gases de efeito estufa, mas compreendido dentro de uma complexa trama de processos históricos, sociais, biológicos, das múltiplas inter-relações de todos os fenômenos com a realidade global e local. As mudanças climáticas estão associadas ao aumento da poluição, queimadas, desmatamento e a formação de ilhas de calor nas grandes cidades. A partir da segunda metade do século XX houve uma expansão da produção industrial e um aumento de poluentes na atmosfera que intensificaram o efeito estufa. Com o aumento do efeito estufa há, também, um crescente aumento da temperatura média da Terra. O principal agente é o dióxido de carbono ou CO2. As evidências científicas que indicam as alterações do clima são 24 cada vez mais abundantes. A título de exemplo, as precipitações nos EUA aumentaram de 5% para 10% na última década; chuva e neve têm caído menos, porém com maior intensidade. Na Europa, as ondas de calor no verão já são mais comuns. Por volta de 2030, grande parte da Austrália atingirá temperaturas acima de 35ºC com uma frequência entre 10% e 50% maior (DOW; DOWNING, 2007, p. 12). Como sugere Al Gore (2006, p. 10): A crise climática é extremamente perigosa. Trata-se, na verdade, de uma emergência planetária. Dois mil cientistas em uma centena de países, trabalhando por mais de vinte anos na colaboração científica mais elaborada e mais bem organizada que já houve na história da humanidade, chegaram a um consenso excepcionalmente forte de que todos os países do mundo precisam cooperar para resolver a crise do aquecimento global. As pesquisas científicas e o debate público sobre o aquecimento global são relativamente recentes. Apesar disso, o tema é considerado o mais sério entre os problemas ambientais. Há um consenso de que o efeito estufa, pela sua possibilidade de modificar o clima global e causar alterações profundas nas dinâmicas ecológicas, econômicas, sociais, políticas, etc., é o componente mais dramático (DIAS, 2002; PENNA, 1999). A despeito das polêmicas e divergências que desperta, o tema está cada vez mais presente nas comunidades científicas, governos, organizações da sociedade civil, meios de comunicação social, universidades e escolas. 2.2 AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA AGENDA INTERNACIONAL A discussão das raízes da construção histórica das questões ambientais vem se configurando como objeto de interesse público recentemente. A transição de um novo paradigma ambiental constitui-se o eixo das relações internacionais do processo de globalização dos últimos 60 anos. A estimulação do discurso sobre a sustentabilidade, tendo em vista uma perspectiva econômica, política e cultural, tem como pano de fundo a ideologia capitalista de intenso consumo de bens e serviços impulsionados desde a Revolução Industrial, e pelo domínio humano sobre o meio ambiente. Pensar os problemas ambientais globalmente exige conhecimento científico e perspicácia política. Uma das grandes dificuldades encontradas em reuniões internacionais é a 25 de que muitos dos representantes dos países participantes ficam divididos entre estes dois grupos de personagens – os cientistas e os tomadores de decisões – e raramente conseguem chegar a bom termo, mesmo quando representam o mesmo país (RIBEIRO, 2001). A abordagem histórica da crise ambiental será alicerçada a partir dos marcos regulatórios internacionais, da criação de organizações multilaterais, do estabelecimento de convenções e reuniões que delinearam as discussões acerca das mudanças climáticas globais. No intuito de contextualizar o tema do aquecimento global sob perspectiva histórica, tomouse como referência Capra (1982), Leff (2001a, 2001b), Soares (2003), Ribeiro (2001), Dow e Downing (2007), Flannery (2008), Kerry e Kerry (2008), Trevisol (2003) e outros. Como ponto de partida, pode-se considerar, que o surgimento e a evolução do pensamento ambiental está diretamente associado ao desenvolvimento das ciências, ocorrido ao longo do processo de civilização, assim como as degradações e alterações ambientais processadas no planeta Terra pelos seres humanos. A segunda metade do século XX demarca o período inicial em que a Educação Ambiental é inserida no contexto mundial como mudança de paradigma nos campos científico, político, social e econômico. Isso não quer dizer que a divisão da história formada por cinco grandes períodos, entrecortados pela pré-história, a invenção da escrita, os 25 séculos de filosofia, a modernidade e a pós-modernidade, não provocasse no ser humano a reflexão diante da sua sustentabilidade e sobrevivência, e do indissociável papel da educação para o equilíbrio social e ambiental. O interesse pela temática ambiental é um fenômeno recente. Segundo Soares (2003, p. 2): Foi, somente no final do século XIX, a partir dos estudos de Charles Darwin sobre a evolução das espécies, que os cientistas perceberam as interações necessárias que existem entre os seres vivos e tudo o que os cerca, ou seja, outros seres vivos e o mundo inanimado, e logo começaram a analisar os fenômenos pertinentes e a formular os princípios científicos de tais fenômenos. Aos poucos, assiste-se a uma especialização de um ramo da biologia, o qual passou a dedicar-se ao estudo de tais interações, logo denominado de ecologia, palavra cunhada por um dos discípulos de Darwin, Ernest Haeckel, que, em 1866, assim definiu: “a totalidade da ciência das relações do organismo com o meio ambiente, compreendendo, no sentido lato, todas as condições de existência.” Pode-se dizer que desde o final do século XIX até o fim da Segunda Guerra Mundial, preponderaram estudos e reuniões temáticas e científicas com objetivos preservacionistas, 26 onde inúmeras convenções4 ocorreram para regulamentar ações relativas à proteção da flora e da fauna terrestre. Apesar de ser recente o interesse e preocupação de grande parte da comunidade dos atores sociais pela problemática ambiental proveniente das mudanças climáticas, há registros no século XIX de cientistas que estudavam a relação entre as emissões tóxicas e o aumento da temperatura atmosférica. Em 1827, o matemático e físico Jean-Baptiste Joseph Fourier observa a relação que existe entre a superfície da terra e a radiação solar. Ao descrever que a atmosfera aquece a superfície da terra, deixando passar radiação solar de alta energia, porém bloqueando a parte de grande comprimento de onda da radiação refletida pela superfície, Fourier foi o primeiro cientista a conceber a Terra como uma estufa gigante que viabiliza a vida no planeta (MUYLAERT; MÜLLER apud RIBAS, 2008). Em 1896, o físico sueco Svante August Arrenius, tendo como referência as ideias de Fourier, deu início aos estudos da influência do gás carbônico residente na atmosfera sobre a temperatura da Terra. Utilizando as medições de emissões de calor para calcular os coeficientes de absorção de H2O e CO2, o cientista deduziu que o crescente volume de dióxido de carbono emitido pelas fábricas da Revolução Industrial estaria alterando a composição da atmosfera pelo aumento da concentração de GEE e que isso poderia causar o aquecimento da superfície terrestre (MUYLAERT, MÜLLER apud RIBAS, 2008). Apesar de os cientistas citados anteverem que as ações antrópicas causavam alterações climáticas e elevavam a temperatura da Terra, suas hipóteses foram refutadas perante a comunidade científica – marcada pelo paradigma positivista. Foi preciso mais de um século para que a comunidade internacional considerasse as reais ameaças e consequências do aquecimento global. Um fato marcante no cenário internacional revela uma das primeiras reclamações oficiais relativa à emissão de fumaça tóxica5 e de partículas em suspensão. O caso é conhecido como o da Fundição Trail, uma indústria de fundição que se localizava no Canadá emitia fumaça tóxica que se propagava pelo ar e atingia a cidade de Wasghington, nos EUA, 4 Segundo Soares (2003), todo o século XX foi marcado por convenções internacionais que tinham como único objetivo a preservação ambiental, tais como a Convenção para a preservação de animais, pássaros e peixes da África, promovida pela Coroa Inglesa, contra a matança indiscriminada de animais em suas colônias africanas. Logo, há a Convenção de Paris em 1911, para proteção das aves úteis à Agricultura, Convenção de Genebra, contra a pesca da baleia, datada de 1931, a Convenção de Londres, relativa à proteção da fauna e da flora natural, de 1933. 5 Pode-se considerar que neste período não se falava em aquecimento global e destruição da camada de ozônio, mas que este fato indica uma das primeiras manifestações acerca dos riscos da poluição e degradação atmosférica. 27 com danos às pessoas, animais e outros. A reclamação formulada pelos EUA contra o Canadá em razão da poluição atmosférica proveniente de empresa de fundição situada no país vizinho é um marco do direito6 internacional do meio ambiente (FLANERY, 2008; PIRES, 2006; SOARES, 2003). Nas palavras de Pires (2006) e Soares (2003), o caráter transfronteiriço do problema fez com que os EUA tomassem a frente das negociações e, por meio de um Tribunal Arbitral,7 obtivessem a resolução de referida contenda. Para os autores, a sentença serviu de inspiração para os textos de futuras convenções internacionais. Até meados do século XX, os tratados internacionais acerca do meio ambiente eram marcados por convenções8 que se preocupavam com a preservação da fauna e da flora terrestre e marinha. Convenções internacionais, nacionais e regionais objetivavam a preservação de recursos naturais, a proteção ao ecossistema e prevenção e responsabilidade sobre resíduos tóxicos e substâncias perigosas. Inúmeros acordos foram firmados nessas conferências e convenções que aconteceram antes de 1945, que foi um dos períodos da história mundial que demarca o fim de um conflito (Segunda Guerra Mundial), e o surgimento de uma nova ordem internacional, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), cujo objetivo era mediar conflitos mundiais, de natureza política, econômica, social e ambiental. A criação de uma organização de países voltada para a busca da paz e da resolução de outros problemas mundiais reuniu cerca de 50 países em torno da Conferência de São Francisco, entre 25 de abril e 25 de junho de 1945, em São Francisco, Estados Unidos, para estabelecer a criação da Organização das Nações Unidas. Por intermédio de comissões e programas que podem ser voltados para a educação, preservação dos direitos humanos, direitos das minorias, erradicação da fome, conservação do meio ambiente, entre outros, a criação da ONU marca o surgimento do mais importante organismo internacional que iria 6 De acordo com Soares (2003), até aquele momento histórico, prevalecia no direito internacional a ideia de que o Estado soberano não tinha nenhuma limitação de ordem jurídica ao permitir a utilização de seu território da forma como bem entendesse (em particular quando se tratasse de atividades industriais, como uma fundição de alta relevância para o desenvolvimento dos países; portanto, as reclamações de particulares deveriam ser endereçadas aos Poderes Judiciários dos Estados, autores dos danos ou dos Estados de domicílio das vítimas (SOARES, 2003, p. 23). A sentença arbitral, datada de 11 de março de 1941, dispôs: “Nenhum Estado tem o direito de usar ou de permitir o uso de seu território de tal modo que cause dano em razão do lançamento de emanações no, ou até o território do outro.” (SOARES, 2003, p. 44). 7 O Tribunal Arbitral é o instituto pelo qual um Estado assume as violações aos direitos das pessoas submetidas à sua jurisdição, seus nacionais, ou não nacionais, mas residentes em seu território, como sendo violações aos direitos dele próprio, Estado, e passa a reivindicar sua separação diretamente perante outros Estados, se denomina proteção “diplomática” (PIRES, 2006, p. 23; SOARES, 2003, p. 22). 8 Ver em Ribeiro (2001, p. 157) a lista de tratados e protocolos internacionais sobre o meio ambiente. Na obra, o autor enumera uma lista sobre as convenções quanto à preservação, conservação e proteção da flora, da fauna, dos mares, das águas e do ar que aconteceram a partir de 1900 até a virada do século XX. O autor ainda organizou quadros das convenções internacionais sobre o meio ambiente, principalmente das convenções em relação à poluição atmosférica que se verá mais adiante. 28 delinear, nos anos seguintes, os contornos da ordem internacional ambiental (PIRES, 2006; RIBEIRO, 2001). A partir da criação da ONU, que inicialmente tinha seu foco em ações que visavam minimizar os aspectos capazes de desencadear conflitos entre países, como a falta de alimento ou o acesso a recursos naturais, dois organismos internacionais ligados à ONU passaram a atuar diante da problemática ambiental, com ênfase em ações relacionadas à produção de alimentos e à conservação dos recursos naturais. Em 1945, foi criada a Food and Agriculture Organization (FAO), com sede em Roma, Itália e a United Nations Education, Scientific and Cultural Organization (Unesco). Nessa época, os documentos da ONU não traziam relatos sobre o aquecimento do planeta, tampouco o termo aquecimento global era utilizado. O foco principal da FAO nesse período era a conservação dos recursos naturais, em especial dos solos tropicais e das áreas desmatadas para a extração da madeira. Segundo Ribeiro (2001), a grande preocupação era a perda do solo, causada pela aceleração de processos erosivos decorrentes da retirada da cobertura vegetal natural e a ameaça à reprodução das espécies. Nesse contexto, percebe-se que a linha de ação da FAO estava no caminho correto, já que, atualmente, os diagnósticos da situação ambiental, principalmente do aquecimento global, relatam que a preservação das florestas é uma das principais estratégias para amenizar o aquecimento global. Outro organismo da ONU que foi criado para discutir e deliberar sobre os temas ambientais foi a United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Unesco). Fundada em 1946, tendo como meta promover o intercâmbio científico e tecnológico entre os países-membros e implementar programas de educação e cultura, a Unesco passou a apoiar financeiramente iniciativas de organizações conservacionistas (RIBEIRO, 2001). Como decorrência da criação da Unesco, em 1949 foi encaminhada em escala internacional uma conferência para tratar das discussões em torno da temática ambiental. A realização da Conferência das Nações Unidas para a Conservação e Utilização dos Recursos (Unsccur) teve o apoio da FAO, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Entre os resultados da Unsccur pode-se observar que: Não se tinha a expectativa de elaborar durante a Unsccur recomendações e exigências aos países-membros da ONU. Buscava-se criar um ambiente de discussão acadêmica que pudesse indicar a direção a ser seguida pelos atores internacionais, dotando-os de um racionalismo conservacionistas embasado no conhecimento científico disponível até aquele momento. A premissa científica como norteadora das diretrizes e políticas ambientais é uma referência que passará a ser frequente nas reuniões internacionais da ONU sobre o ambiente. (RIBEIRO, 2001, p. 63). 29 A realização da Unsccur teve um caráter de reunião temática, na qual diferentes temas que foram pautados aproximam-se dos debates realizados no âmbito da FAO daquela época. Entretanto, o enfrentamento de problemas ambientais causados pela poluição do ar, o aumento do consumo e da população, a desigualdade social, as mudanças climáticas, entre outros, ainda estavam sendo trabalhados e somente seriam debatidos em uma grande conferência quase duas décadas depois. Nesse contexto, pós-Segunda Guerra Mundial, o mundo foi dividido em dois blocos, o capitalista, liderado pelos EUA, e o bloco socialista, liderado pela URSS. Esse período, conhecido como Guerra Fria, estendeu-se do final da década de 1940 até meados dos anos 1990. Nesse cenário de instabilidade mundial, eram discutidos os princípios da soberania sobre a Antártida. Inúmeras reuniões foram estabelecidas ao longo da década de 1950, com a presença dos blocos capitalistas e socialistas que reivindicavam a exploração de ordem territorial, estabelecendo fronteiras no continente gelado. Após anos de negociações, e com a justificativa de realizar pesquisas para entender melhor aquela parte do mundo, foi firmado em 1959, o Tratado Antártico, que estabeleceu o intercâmbio científico entre as bases instaladas na Antártida. Não tratando a polêmica da definição de fronteiras, a ocupação foi direcionada à produção de conhecimento, instalando-se a infraestrutura necessária para a exploração científica da Antártida. Segundo Ribeiro (2001, p. 57), “[...] a Antártida representa um dos casos que justificam a discussão da questão da soberania envolvendo a temática ambiental durante a Guerra Fria.” Cabe destacar aqui, que as pesquisas realizadas na Antártida a partir de testemunhos de gelo revelam provas irrefutáveis da poluição atmosférica e das mudanças climáticas globais em curso. Já na década de 1960 houve, em âmbito mundial, um aumento da consciência ambiental, motivado pela realização de uma série de eventos relacionados ao meio ambiente. Um desses eventos caracterizou-se como os movimentos de contracultura. Esse movimento problematizava, debatia, e, sobretudo, questionava o paradigma ocidental moderno, a racionalidade e o modo de vida da chamada grande sociedade (CARVALHO, 2001; SORRENTINO, 1993). O questionamento das bases de produção capitalista contribui para um debate sobre as relações do ser humano/natureza, sob a perspectiva de uma nova visão do desenvolvimento. O debate acerca da crise ambiental se manifesta como sintoma de uma crise de civilização. Segundo Leff (2001b, p. 16-17): 30 A crise ambiental se torna evidente nos anos 60, refletindo-se na irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e consumo, e marcando os limites do crescimento econômico. Desta maneira, inicia-se o debate teórico e político para valorizar a natureza e internalizar as externalidades socioambientais ao sistema econômico [...], portanto, a degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise de civilização, marcada pelo modelo de modernidade regido pelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da natureza. A questão ambiental problematiza as próprias bases da produção; apontando para desconstrução do paradigma econômico da modernidade e para a construção de futuros possíveis, fundados nos limites das leis da natureza, nos potenciais ecológicos, na produção de sentidos sociais e na criatividade humana. O conhecimento científico sobre a influência dos gases-estufa para as alterações climáticas começa a ganhar notoriedade no final da década de 1950 e início dos anos 1960. Até a metade do século XX, a maioria dos cientistas imaginava que os oceanos absorviam a maior parte das emissões antropogênicas de CO2. O geólogo norte-americano Roger Revelle foi o primeiro cientista a propor que se medisse o CO2 da atmosfera terrestre. Trabalhando em parceria com o físico-químico Hans E. Suesss, os pesquisadores apresentaram evidências convincentes para descrever e explicar o comportamento em larga escala do dióxido de carbono antropogênico. O termo aquecimento global começa a ser problematizado no âmbito dos debates científicos e pelos atores sociais (GORE, 2006; RIBAS, 2008). No final de 1957, iniciava-se o acompanhamento das concentrações de CO2 na atmosfera por meio da instalação de medidores, um na Antártida e outro no Havaí. O acompanhamento e monitoramento eram feitos pela equipe de Revelle, e o conhecimento científico quanto ao aquecimento global e à formulação dos modelos climáticos começa a revelar a dinâmica climática da Terra. O discurso sobre a crise ambiental e o desequilíbrio ambiental foi sendo legitimado, oficializado e difundido amplamente. Em 1962, foi publicado o livro da jornalista americana Raquel Carson, intitulado Primavera Silenciosa. O livro, considerado um clássico do movimento ambientalista, promoveu uma discussão na comunidade internacional pela forma contundente como denunciava a diminuição da qualidade de vida em razão do uso excessivo de inseticida, pesticida e outros produtos químicos na produção agrícola, contaminando os alimentos e deixando resíduos no meio ambiente. Segundo Trevisol (2003, p. 19): Os defensores do meio ambiente eram criticados pela opinião pública, que os adjetivava de desocupados, desordeiros e de profetas sem causa. A publicação dos primeiros capítulos do livro Primavera Silenciosa (Silente Spring), da cientista Rachel Carson na revista New Yorker, em junho de 1962, foi amplamente criticada por empresas multinacionais que lideravam a indústria química norte-americana da época, e também, por representantes da comunidade acadêmica. 31 Outro fato oportuno foi o surgimento das organizações ambientalistas,9 como o Greempeace e o WWF, que eram associados ao movimento de contracultura e ao movimento hyppie no final dos anos 1960. As denúncias em defesa do meio ambiente eram consideradas como ilegítimas por parte da academia e de cientistas da época; a “gritaria verde” era entendida como ilegítima expressão de desobediência civil (TREVISOL, 2003). Nessa década, em abril de 1968, uma reunião na Accademia dei Lincei, em Roma, estimulada pelo empresário industrial e economista italiano, Dr. Aurélio Peccei, envolvendo, nessa época, 30 pessoas de dez países, entre cientistas, educadores, economistas, humanistas, industriais e funcionários públicos teve como objetivo discutir e refletir sobre a crise e os dilemas da humanidade, expondo como preocupação mundial a pobreza e a abundância, deteriorização do meio ambiente, crescimento urbano acelerado, entre outros. Surgiu, então, o Clube de Roma, que mais tarde, em 1972, publicaria o livro Limites do Crescimento. Ainda em 1968, surgiu a Conferência Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Científicas para Uso e Conservação Racionais dos Recursos da Biosfera, conhecida mundialmente como Conferência da Biosfera, realizada em Paris. Financiada por um conjunto de organismos internacionais, como a Unesco, ONU, FAO, OMS, IUCN, a Conferência reuniu 64 países, 14 organizações intergovernamentais e 13 ONGs (RIBEIRO, 2001). Essa Conferência foi marcada pela discussão dos impactos ambientais causados na biosfera pela ação humana. Segundo Ribeiro (2001, p. 64) “[...] o discurso cientificista dominou a reunião, e seu produto mais importante foi o programa interdisciplinar O Homem e a Biosfera – criado em 1970.” Assim, pode-se perceber que o debate sobre o meio ambiente começa a ser reconhecido internacionalmente como um problema de ordem mundial. O objetivo central do programa O Homem e a Biosfera foi delineado pelos membros da Unesco, criando comitês nacionais que deveriam coordenar os trabalhos em cada país. É interessante observar que os temas de pesquisa propostos pelo Comitê de Coordenação do Trabalho definem a ciência como provedora da solução para os problemas ambientais, e que a racionalidade seria o elemento central na busca de alternativas de desenvolvimento que permitisse a proteção do ambiente natural. Desse modo, cabe destacar alguns dos objetivos definidos na Conferência da Biosfera: 9 Segundo Ribeiro (2001), até a Conferência de Estocolmo, as preocupações centrais do ambientalismo que ganhavam destaque mundial eram incipientes e focadas no pacifismo. A luta do movimento ambientalista internacional estava voltada para o desarmamento das superpotências, tendo em vista que se vivia o auge da Guerra Fria. 32 a) b) c) d) e) Identificar e valorizar as mudanças na biosfera que resultem da atividade humana, e os efeitos dessas mudanças sobre o homem. Estudar e comparar a estrutura, o funcionamento e a dinâmica dos ecossistemas naturais, modificados e protegidos. Estudar e comparar a estrutura, funcionamento e a dinâmica dos ecossistemas “naturais” e os processos socioeconômicos, especialmente o impacto das mudanças nas populações humanas e modelos de colonização desses sistemas. Desenvolver sistema e meios para medir as mudanças quantitativas e qualitativas no ambiente para estabelecer critérios científicos que sirvam de base para uma gestão racional dos recursos naturais, incluindo a proteção da natureza e para o estabelecimento de fatores de qualidade ambiental. Ajudar a obter uma maior coerência global na investigação ambiental mediante: - O estabelecimento de métodos comparáveis, compatíveis e normalizados, para a aquisição e o processamento de dados ambientais, - A promoção de intercâmbio e transferência de conhecimentos sobre problemas ambientais, Promover o desenvolvimento e aplicação da simulação e outras técnicas para a elaboração de ferramentas de gestão ambiental, f) Promover a educação ambiental em seu mais amplo sentido por meio de: - Desenvolvimento de material de base, incluindo livros e complementos de ensino, para os programas educativos em todos os níveis, - Promoção do treinamento de especialistas das disciplinas apropriadas, - Acentuação da natureza interdisciplinar dos problemas ambientais, - Estímulo ao conhecimento global dos problemas ambientais através de meios públicos e outros meios de informação, - Promoção da ideia de realização pessoal do homem e sua associação com a natureza e de sua responsabilidade para com a mesma. (BATISSE apud RIBEIRO, 2001, p. 64). Destaca-se, que entre os itens citados, a preocupação com as mudanças climáticas e a poluição ambiental não foram prescritas detalhadamente nesse programa. Entretanto, os objetivos estabelecidos durante a Conferência da Biosfera descritos nos itens a,b,c,d,e,f refletem-se no espírito científico que norteou uma série de reuniões internacionais organizadas após a Conferência da Biosfera. Segundo Ribeiro (2001), a marca do programa o Homem e a Biosfera foram as chamadas Reservas da Biosfera, áreas de preservação ambiental distribuídas pelos países-membros da ONU que foram implantadas em várias partes do mundo por meio de ONGs e de programas de cooperação. A discussão internacional sobre o meio ambiente cresce a partir das convenções organizadas pela ONU e dos debates dos problemas ambientais propostos por ONGs em escala mundial. Durante a década de 1960, ocorreram em várias partes do mundo manifestações libertárias. Pela primeira vez, houve uma manifestação oficial em defesa de uma atuação conjunta global para minimizar os problemas ambientais, feita pela delegação da Suécia, na ONU. Iniciou-se uma verdadeira movimentação da sociedade, que passou a 33 criticar, não somente o modelo de produção, mas, principalmente, o modo de vida dele decorrente (ANDRADE, 2001; DIAS, 2002). Durante a década de 1970, tomou corpo uma discussão que procurava aproximar pontos até então muito distantes: a produção econômica e a conservação ambiental. Essa aproximação ocorreu de maneira lenta, por meio de reuniões internacionais e relatórios preparatórios. Assim, percebe-se que dentro desse contexto, os temas referentes às mudanças climáticas e ao aquecimento global começam a evoluir na agenda internacional a partir de publicações científicas que apontam os riscos das consequências do desequilíbrio do meio ambiente e da ordem ambiental. A problemática da poluição atmosférica foi discutida com mais intensidade a partir da Conferência de Estocolmo, organizada pelo Conselho Econômico Social das Nações Unidas (Ecosoc). Segundo Ribeiro (2001), a ideia da Conferência de Estocolmo surgiu com o objetivo de organizar um encontro entre países para criar formas de controlar a poluição do ar e da chuva ácida, dois dos problemas ambientais que mais inquietava a população dos países centrais. Enviada à Assembleia Geral da ONU, a indicação foi aprovada em dezembro de 1968 e definiu-se que em 1972 seria realizada a Conferência. A Conferência de Estocolmo reuniu 113 estados membros da ONU e mais de 400 observadores de organizações não governamentais e intergovernamentais. O centro das discussões da conferência foi influenciado10 pela publicação do livro Limites do Crescimento, de Dennis L. Meadows, lançado meses antes da Conferência. A obra de Meadows11 era fruto do Clube de Roma, que contratou os serviços de um grupo de cientistas que iniciaram um estudo científico rigoroso sobre a crise ambiental. Foi mostrado neste relatório que o consumo crescente da sociedade, a qualquer custo, imposto pelo crescimento humano exponencial, levaria a humanidade a um colapso (MEADOWS et al. apud ANDRADE, 2001; TREVISOL, 2003). Segundo Trevisol (2003), é a partir de Estocolmo que os debates sobre Educação Ambiental (EA) ganham o status de assunto oficial e estratégico na pauta dos governos e dos 10 Segundo Ribeiro (2001), outro evento influenciou diretamente as discussões em torno da Conferência de Estocolmo. Uma mesa-redonda de especialistas em desenvolvimento e meio ambiente, realizada em Founex, Suíça, em 1971, já discutia a tese para o estabelecimento de medidas diferentes para países centrais e países periféricos relacionada às mudanças climáticas globais. Nessa mesa-redonda ainda foram debatidas as bases do conceito de desenvolvimento sustentável que mais tarde foram incorporadas pela ONU. 11 Para alcançar a estabilidade econômica e ecológica, o relatório Meadows propõe o congelamento do crescimento da população global e do capital industrial; que o modelo de desenvolvimento econômico mundial é ecologicamente insustentável. O desconforto gerado pelo relatório Meadows e outros, desencadeou uma série de criticas a favor e contra os documentos apresentados. A notoriedade do documento ampliou as discussões sobre a crise ecológica e contribui para inserir a temática ambiental na agenda política internacional e no meio científico (ANDRADE, 2001; BRÜSEKE, 1996; TREVISOL, 2003). 34 organismos internacionais. Para Leis (1999, p. 32) “Estocolmo12 não deu soluções para os problemas que a convocaram, o seu papel mais importante não deve ser buscado aqui senão na legitimação política mundial da questão ambiental.” A Conferência de Estocolmo propôs as discussões mais profundas a respeito da poluição atmosférica, da poluição da águas e do solo, provenientes do processo de industrialização. Em Estocolmo, o problema da poluição foi abordado em dois itens da Declaração das Nações Unidas sobre o meio ambiente: proclamações e princípios, documento final que continha 26 princípios e que foi subscrito pelos países participantes. Destaca-se o sexto princípio, o qual considera que: 6 - Deve-se pôr fim à descarga de substâncias tóxicas ou de outras matérias e a liberação de calor em quantidades ou concentrações tais que possam ser neutralizados pelo meio ambiente, de modo a evitarem-se danos graves ou irreparáveis aos ecossistemas. (NASCIMENTO; SILVIA apud RIBEIRO, 2001, p. 76). Esses princípios serviram para a criação de normas de controle da poluição e da emissão de poluentes pelas indústrias, retomando o debate sobre a qualidade do ar nas grandes cidades. De acordo com Ribeiro (2001, p. 76) “[...] segundo o texto final da Conferência de Estocolmo, a luta contra a poluição deve ser tratada como uma bandeira comum.” Pode-se inferir que atualmente o movimento contra a poluição continua, contudo, como previsto em 1972 pelo texto da Conferência que “[...] os danos podem ser irreparáveis ao ecossistema”, atualmente, em 2009, essa frase já sofreu alterações e, segundo o Intergovernmental Panel on Climate Changes (2007a) “[...] no estágio atual os danos são irreversíveis.” Para perceber o avanço do movimento ambientalista a partir de Estocolmo, pode-se comparar o número de países que tinham programas ambientais antes e depois da Conferência. Em 1971, apenas 12 países contavam com agências estatais para cuidar do meio ambiente. Dez anos depois, mais de 140 países tinham criado órgãos administrativos nessa área (LEIS, 1999, p. 135). Segundo Ribeiro (2001), uma das mais relevantes deliberações de Estocolmo foi a indicação, à Assembleia da ONU, da importância de se criar o Programa das Nações Unidas 12 Segundo Ribeiro (2001), a conferência marcou o ambientalismo internacional e inaugurava um novo ciclo nos estudos das relações internacionais. Apesar de os números indicarem a inclusão da temática ambiental na pauta dos países, apenas dois chefes de Estado compareceram à reunião: Olaf Palme e Indira Gandhi, representando, respectivamente, a Suécia e a Índia. A temática ambiental só entra na agenda de políticos vinte anos mais tarde, quando da realização da CNUMAD, na qual se registrou uma presença marcante de chefes de Estado. 35 para o Meio Ambiente (PNUMA). Sua justificativa foi a necessidade de viabilizar o Plano de Ação13 e institucionalizar a temática ambiental nas Nações Unidas. Com a criação do PNUMA em 1973, tendo como sede Nairobi, no Quênia, o programa conseguiu aos poucos destacar-se no cenário internacional. Para aplicar o Plano de Ação definido em Estocolmo foram criados pelo PNUMA os programas: a) Programa de Avaliação Ambiental Global – uma rede de informações destinadas a acompanhar o desenvolvimento de programas ambientais internacionais e nacionais. b) Programa de Administração Ambiental – baseado na falta de determinação dos países em adotar medidas de conservação ambiental, o PNUMA buscaria implementar convenções e normas que os obrigasse a atuar observando a conservação ambiental. c) Medidas de apoio – um amplo programa de capacitação de técnicos e professores com o objetivo de preparar pessoal para as práticas conservacionistas (RIBEIRO, 2001). Outra iniciativa do PNUMA foi o Programa Eartwatch, que visava a coletar e divulgar informações sobre o ambiente. Cada país faria um relatório informando a situação nacional, para que se pudesse montar um Sistema de Monitoramento do Ambiente (Smga), que acabou sendo criado em 1975. Esse sistema é utilizado atualmente e fornece os dados para o IPCC. Com a criação do PNUMA, houve um incremento na ordem ambiental internacional, com um desenvolvimento da abordagem de temas ambientais. A visibilidade internacional que a temática ambiental foi adquirindo a partir da década de 1970, legitimada pelas Nações Unidas, definiu os principais princípios e orientações da educação ambiental por meio do Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA), lançado em 1975, em Belgrado, por recomendação expressa da Conferência de Estocolmo. Para Lima (apud TREVISOL, 2003, p. 98), a Carta de Belgrado institui como meta prioritária a formação de uma consciência coletiva nos indivíduos e estimula o comportamento cooperativo nos diferentes níveis das relações inter e intranações. Além disso, o movimento ambientalista influenciou as agências internacionais para atuarem, de forma mais decisiva, na elaboração e na implementação de acordos, tratados e programas internacionais, responsáveis pelo equacionamento dos problemas ambientais 13 O Plano de Ação proposto pela Conferência de Estocolmo deveria ser implementado com o objetivo de operacionalizar os princípios contidos na Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente: proclamações e princípios. Nele foram listadas 109 recomendações para os países-membros das Nações Unidas versando sobre temas como poluição, avaliação ambiental, manejo dos recursos naturais e os impactos do modelo de desenvolvimento no ambiente humano. Quanto à sua amplitude, praticamente o Plano de Ação ficou no plano das intenções (RIBEIRO, 2001). 36 transfronteiriços. Sobretudo, o movimento ambientalista também se caracterizou por defender não apenas o equilíbrio socioecológico, mas, também, valores e interesses universais, como a paz, a não violência, a justiça social e a solidariedade com as gerações futuras (ANDRADE, 2001; VIOLA, 1998). Mesmo após a Conferência de Estocolmo, o efeito estufa ainda continuaria a ser tratado mais como uma preocupação científica do que política, em virtude, sobretudo, das incertezas existentes quanto aos conhecimentos sobre a variabilidade climática. Segundo Ribas (2008, p. 43): Diante das observações do aumento da quantidade de CO2 na atmosfera surgiu a publicação pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), em 1976, da primeira declaração cientificamente fundamentada sobre as potenciais consequências, para o nosso clima no futuro, da crescente acumulação na atmosfera de gases produtores do efeito estufa. Não obstante, à medida que se apontavam provas que evidenciavam os efeitos dos gases procedentes da queima de combustíveis na dinâmica climática, afloravam paralelamente dados e informes que, quando não negavam as evidências, sublinhavam suas inconsistências e incertezas. As ONGs passaram a exercer uma ação mais contundente e a mobilizar a opinião pública internacional para os temas ambientais. As suas reivindicações estavam focadas na preservação de espécies ameaçadas de extinção e no controle da poluição do ar e de suas consequências na atmosfera. Esse quadro estimulou ao longo da década de 1970 e 1980 a organização de eventos importantes14 que estruturaram o sistema internacional no que diz respeito à temática ambiental. Entre eles, pode-se destacar a Convenção sobre Poluição Transfronteiriça de Longo Alcance (CPT), a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (CV), o Protocolo de Montreal sobre substâncias que destroem a Camada de Ozônio (PM) e a Convenção da Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito (CTR) (RIBEIRO, 2001). A Convenção sobre Poluição Transfronteiriça de Longo Alcance (CPT) foi movida pela publicação de trabalhos científicos15 realizados por países16 que recebiam a carga 14 Em 1977, foi realizada a I Conferência Intergovernamental sobre Educação para o Ambiente, na cidade de Tbilisi, na Georgia (Ex-URSS), que estabeleceu as grandes orientações para o fomento da Educação Ambiental em todo o planeta. 15 Segundo Ribeiro (2001), no século XIX, estudos já indicavam uma relação entre a atividade industrial e a migração da poluição. Robert Smith, químico inglês, foi primeiro a empregar o termo “chuva ácida”. Ele relacionou “a queima de carvão, a direção dos ventos, a corrosão e os danos da acidez à vegetação”. No final da década de 1960, Svante Oden, cientista sueco, divulgava um trabalho em que demonstrava a contaminação dos lagos pela chuva ácida nos países escandinavos. 16 A insatisfação, em especial dos países escandinavos que recebiam a carga de poluentes de seus vizinhos do sul mais industrializados, levou a Noruega e a Suécia a reivindicarem à Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) a formação de um grupo de estudos referente à poluição transfronteiriça (RIBEIRO, 2001). 37 poluidora de seus vizinhos, que provocou uma reunião em Genebra nos idos de 1979. Em um primeiro momento, a convenção tratou da contaminação por chuva ácida, que se concentrava principalmente no hemisfério norte, em especial na Europa, EUA, Canadá, Japão, China e Índia. A insatisfação, em especial dos países escandinavos que recebiam a carga poluente de seus vizinhos do sul mais industrializados, levou a Noruega e a Suécia a reivindicarem a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (Ocde) a formação de um grupo de estudos referentes à poluição transfronteiriça (RIBEIRO, 2001). A partir de relatórios divulgados por países que recebiam a carga poluidora de seus vizinhos, o objetivo do acordo firmado pela CPT e seus integrantes17 era de estabelecer metas de redução da poluição do ar (principalmente o enxofre), levando os participantes a criar programas que permitissem alcançar as metas definidas no CPT, vigorando a partir de 1983. Como os integrantes da convenção eram responsáveis por 80% da contaminação mundial, a comemoração em prol da despoluição atmosférica durou poucos anos. Alguns anos depois da primeira reunião, em meados de 1985, os participantes da CPT decidiram diminuir em 30% a emissão de poluentes na atmosfera. Esse documento ficou conhecido como Protocolo de Helsinque para a Redução das Emissões de Enxofre e óxido sulfúricos, e entrou em vigor em 1987 (RIBEIRO, 2001). No entanto, a recusa dos EUA, do Reino Unido e da Polônia acabou por esvaziar as intenções do protocolo para redução da poluição atmosférica causada pelo enxofre. O jogo das relações políticas internacionais foi desequilibrando o pêndulo da balança entre o progresso econômico e a mudança climática. Os interesses nacionais prevaleceram no âmbito das decisões de ordem internacional para proteção do meio ambiente. As tratativas para regular a emissão e a migração de gases poluentes por meio da CPT deixa evidente que a lucidez de cientistas e ambientalistas18 que alertaram sobre os riscos e danos acarretados pela poluição atmosférica não foi suficiente, e ainda não é, para sensibilizar os Estados a adotarem medidas de redução de gases poluentes que provocam alterações climáticas e comprometem a saúde humana e o futuro do planeta (RIBEIRO, 2001; FLANNERY, 2008). 17 Os países integrantes da CPT eram compostos por membros da Comissão Econômica Europeia das Nações Unidas, envolvendo os países da América do Norte, e mais tarde China e Japão integraram a CPT. 18 Nesse cenário de incertezas e de desequilíbrio político entre as nações, a questão ambiental mundial na década de 1980 gerou a necessidade de estabelecimento de estratégias de enfrentamento das questões de meio ambiente, Ignacy Sachs publica Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir, que influenciou grandemente o meio científico de alguns países. O livro enfoca alguns aspectos ambientais, como a prudência ecológica na gestão dos recursos, o desenvolvimento endógeno, a harmonia dos interesses socioculturais, econômicos e ecológicos (ANDRADE, 2001, p. 36). 38 Assim, a CPT, ao longo da década de 1980, procurou firmar protocolos para redução de emissões de gases poluentes que afetam a segurança global mundial. Pode-se considerar que, no âmbito dos protocolos de intenções da CPT encontram-se algumas das principais iniciativas que contribuíram para a ampliação do debate sobre as mudanças climáticas provocadas pela emissão de poluentes na atmosfera. Os protocolos firmados pela CPT que previam a redução da emissão de óxidos sulfúricos (SO2)5 e Nitrogenados (NOx)6 – gases poluentes provenientes da queima de combustíveis fósseis, e que geram danos à saúde e à atmosfera envolveu negociações internacionais e acordos, que ao invés de estabelecer a diminuição percentual comum às partes, cada uma delas teve uma cota de redução própria. Segundo Ribeiro (2001, p. 97), “[...] apesar da concordância inicial em relação à necessidade de se reduzir as emissões poluentes na atmosfera e de controlar a migração da poluição, as diferenças surgiram a partir do momento em que se detalharam as normas a serem seguidas pelas partes.” Desse modo, cada país estabeleceu suas normas em razão das condições geográficas de seus territórios, e da capacidade técnica de controlar as emissões. Nesse cenário de impasses, onde prevalecia o interesse econômico de cada país, surge no contexto mundial o primeiro sinal de alerta das mudanças climáticas provocadas pela ação antrópica. A modificação da camada de ozônio chama a atenção da comunidade internacional para a necessidade de se desenvolver uma ação política cooperativa contra a degradação do meio ambiente. Assim, em 1985, foi realizada a Convenção de Viena e, em seguida (1987), o Protocolo de Montreal, que resultou no comprometimento de alguns governos internacionais para intervir nesse problema que coloca em risco a segurança ambiental global (ANDRADE, 1991; RIBEIRO, 2001; FLANERY, 2008). Segundo Ribeiro (2001), os problemas acarretados pela destruição da camada de 19 ozônio afetam desde um executivo em Wall Sreet até um aborígine australiano: todos estão sujeitos à radiação solar e expostos aos riscos. Esse aspecto foi reconhecido como um problema ambiental global, que demanda uma discussão específica, ganhou corpo institucional na Conferência de Viena, Áustria, em março de 1985. Apesar da incerteza científica, decidiu-se pela tomada de medidas que evitassem a propagação de substâncias que destroem a camada de ozônio. A divulgação, feita em julho de 19 Substâncias criadas pela espécie humana, como os clorofluorcarbonos (CFC), os hidroclorofluorcarbonos (HCFC), os bromofluorcarbonos (BMC) e os halogenados (HBFC)8, ao chegarem à estratosfera, reagem com o ozônio, eliminando-o, o que permite uma passagem maior de raios infravermelhos à superfície da terra. Tal processo varia de acordo com a latitude; estudos indicam que a radiação aumenta do Equador para os polos (RIBEIRO, 2001; TOLENTINO et al., 1995). 39 1985 por estudiosos ingleses, de que a camada de ozônio deveria cobrir a Antártida, correspondendo a uma área semelhante à do território dos Estados Unidos havia simplesmente desaparecido, e unida à doença do Presidente Ronald Reagan (câncer de pele) despertaram um clamor na opinião pública internacional. Segundo Ribeiro (2001, p. 99), “[...] era preciso agir rapidamente, e em setembro de 1987, em Montreal, Canadá, foi proposto o Protocolo de Montreal, um dos mais importantes documentos pertinentes à proteção da atmosfera terrestre.” Esse protocolo é considerado um marco histórico para o debate sobre as mudanças climáticas, principalmente o aquecimento global, pois, os problemas acarretados pela destruição da camada de ozônio estão estreitamente relacionados ao efeito estufa. O Protocolo de Montreal (PM) propôs metas quantitativas e prazos para a eliminação de substâncias que destroem a camada de ozônio. Além disso, estabeleceu perante a ordem internacional que o interesse era diminuir a presença de substâncias destruidoras do ozônio na atmosfera, não importando onde elas tivessem sido geradas. Nesse ponto, eles não consideraram os territórios nacionais, tratando o problema a partir de uma perspectiva global (RIBEIRO, 2001). Algumas das críticas à CV e ao PM fundamentam-se no questionamento das metas de redução e controle de apenas dois grupos de substâncias que deveriam ser controladas. Infelizmente, os problemas ambientais daquela época refletem o atual estado do planeta, pois a legitimação de programas e metas para regular as emissões estabelecidas na CV e no PM sofreram limitações em virtude da política e do poder internacional que os EUA exerceram na definição e cumprimento das metas. Ribeiro (2001, p. 100) assim descreve: “[...] como imaginar a adesão de países como os Estados Unidos se, de repente, fosse proibida a produção de toda e qualquer substância que destrói a camada de ozônio.” Ao longo da década de 1980 e 1990 inúmeras reuniões foram convocadas para deliberar e decidir sobre a inclusão de mais substâncias que afetam a camada de ozônio ao grupo das controladas pelo PM. Em 1994, o Grupo de Avaliação Científica do Protocolo de Montreal divulgou o relatório que indicava que houve a diminuição de algumas substâncias na atmosfera, porém foi indicado que seria necessário mais de 50 anos para a camada de ozônio recuperar a cobertura que ocupava antes das emissões das substâncias que a destroem (RIBEIRO, 2001). No final da década de 1980 começou-se a consolidar, em amplos setores da sociedade, a necessidade de se adotar um novo estilo de desenvolvimento, mais humanizador, que trouxesse em seu bojo a responsabilidade socioambiental. Dessa maneira, difundiu-se o 40 conceito de desenvolvimento sustentável, principalmente depois da divulgação, no meio internacional, do relatório Nosso Futuro Comum, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, conhecido também como Relatório Brundtland20 (LEIS, 1998). A partir de 1988 se inicia a etapa que mais simboliza inserção das discussões climáticas no cenário internacional. Nesse ano, os avanços na direção da formalização da investigação científica e a progressiva politização das questões referentes às mudanças climáticas ganharam forte impulso com a criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),21 um comitê científico das Nações Unidas (RIBAS, 2008). A segunda grande reunião das Nações Unidas sobre o ambiente surgiu de uma deliberação da Assembleia Geral, em 1988. Na ocasião, as preocupações dirigiram-se para o desenvolvimento aliado à conservação ambiental. O Brasil apresentou-se como pretendente a sediar a Conferência e foi escolhido como país-sede para a segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD),22 com a participação de 170 países. O objetivo da CNUMAD foi estabelecer acordos internacionais que mediassem as ações antrópicas no ambiente. Nesse contexto, emerge com mais intensidade a problemática das mudanças climáticas globais como eixo norteador dos debates e dos documentos firmados entre as partes. Nessa conferência, foram gerados os seguintes documentos: Declaração do Rio, um conjunto de 27 princípios, por meio dos quais deveria ser conduzida a interação dos seres humanos com o planeta; a Declaração de Princípios sobre Florestas; a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas e a Agenda 21,23 20 Considerado um dos mais importantes documentos da década. Esse relatório possui três eixos principais: Crescimento Econômico; Equidade Social e Equilíbrio Ecológico. Propõe um sentido de responsabilidade comum. É adotado o conceito de desenvolvimento sustentável, que é uma evolução e aprimoramento do conceito de ecodesenvolvimento originado em Estocolmo, como “[...] aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras.” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988). 21 O IPCC foi criado pela Secretaria Geral da OMM e pela Direção Executiva do PNUMA, tendo em vista a necessidade de dispor de uma valoração científica, objetiva, equilibrada e internacionalmente coordenada, visando um melhor conhecimento da incidência dos gases estufa no clima terrestre, bem como de seus impactos e potenciais consequências das alterações climáticas (RIBAS, 2008). 22 A conferência também ficou conhecida como Cúpula da Terra, ECO-92 e RIO-92. 23 Na primeira parte da Agenda 21, constam recomendações sociais e econômicas. Na lista de tarefas encontra-se a mudança dos padrões de consumo, a busca do desenvolvimento sustentável e o combate à pobreza, entre outros temas. Na segunda parte, têm-se medidas para a conservação dos ambientes naturais. Os pontos de destaque são: o combate ao desmatamento, a conservação da diversidade biológica, a proteção da atmosfera e dos oceanos e a elaboração de formas de intervenção em ambientes muito sensíveis à degradação, visando à minimização dos impactos ambientais. Na terceira parte da Agenda 21, propõe-se a participação das mulheres, das crianças e das comunidades locais nas decisões. Seria uma maneira de atender às demandas de grupos sociais que têm sido marginalizados ao longo dos anos. A última seção da Agenda 21 dispõe formas que viabilizariam as ações sugeridas anteriormente. O repasse de tecnologia dos países centrais para os pobres é apontado como 41 que é um programa de ação global com 40 capítulos, que consiste em um plano de ação para a virada do século, visando a minimizar os problemas ambientais mundiais, entre eles as mudanças climáticas e o aquecimento global (RIBAS, 2008; RIBEIRO, 2001; FLANNERY, 2008). Os conceitos de segurança ambiental global e de desenvolvimento sustentável foram temas cunhados no âmbito da CNUMAD e influenciaram as reuniões, debates, convenções, documentos, protocolos e leis ao longo da década de 1990. O conceito de segurança ambiental está estreitamente ligado ao estabelecimento de uma ordem ambiental internacional que ajuste as condições para a manutenção cooperativa dos seres humanos para a manutenção e equilíbrio da vida na Terra. O desenvolvimento sustentável também foi pauta de discussão, mas sob a ótica de que as respostas às ameaças climáticas não deveriam se opor ao desenvolvimento econômico, o que a diferenciou das convenções anteriores que se focavam estritamente na proteção ambiental (RIBAS, 2008; RIBEIRO, 2001). A constituição de um Comitê Intergovernamental de Negociação (INC) elaborou a redação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CQNUMC ou UNFCCC), que contou com a assinatura de 154 países, mais União Europeia. Contudo, a Convenção do Clima somente entrou em vigor em março de 1994, tendo como principal objetivo a estabilização das concentrações de GEE, firmando compromissos entre os países signatários para a implementação de ações concretas neste sentido (RIBAS, 2008). A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima24 (UNFCCC) impõe o ônus inicial da redução de emissões aos países industrializados e a 12 economias em transição e financia os países emergentes na busca por estratégias que limitem suas emissões sem retardar o progresso econômico. A primeira adição ao tratado foi o Protocolo de Kyoto, o qual estabeleceu as metas de redução das emissões. Adotado em 1997, entrou em vigor em fevereiro de 2005. Os EUA e a Austrália assinaram a Convenção, mas não o Protocolo, gerando dúvidas em relação aos passos seguintes (DOW; DOWNING, 2007). fundamental para ajudar a encaminhar a resolução dos desajustes dos últimos. Também indica o alívio da dívida externa dos países em desenvolvimento como estratégia para conduzi-lo ao desenvolvimento sustentável (RIBEIRO, 2001). 24 Segundo Soares (2003), a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), mais conhecida como Convenção do Clima, firmada no Rio de Janeiro, em 1992, durante a ECO-92, tendo o Brasil sido o primeiro país a assiná-la, sendo promulgada pelo Decreto n. 2.652 de 1º de julho de 1998; suas finalidades implicarão a adoção de uma regulamentação das emissões de gases de efeito estufa. Os deveres de redução das emissões dos gases regulados pela Convenção do Clima devem ser cumpridos por todos os Estados da convenção, porém, em um esquema em que as obrigações são escalonadas no tempo e em quantidades diferenciadas, conforme se tratem de países industrializados ou de países em vias de desenvolvimento. Mais precisamente, a convenção não dá nome aos países em razão dos níveis de desenvolvimento econômico, mas a eles se refere como países do Anexo II (os países industrializados), países do Anexo I (os países industrializados mais os países do leste europeu) e os demais países (em vias de desenvolvimento). 42 Pela CNUMAD foi inaugurada uma política internacional sobre mudanças climáticas, implicando profundas inter-relações entre economia e ambiente global, e tendo por principais instrumentos a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC). Para a implementação da CQNUNC, foram criados alguns órgãos que seriam responsáveis pelo cumprimento de seus objetivos, entre os quais a Conferência das Partes25 (COP), corpo supremo responsável pelas decisões mais importantes que conduzem a prática das principais regras, questões técnicas e políticas discutidas no âmbito da Convenção. Após a CNUMAD, uma série de reuniões alterou as negociações internacionais sobre as mudanças climáticas. A primeira Conferência das Partes da CMC ocorreu em Berlim em 1994. A segunda teve lugar em Genebra, em 1996; a terceira em Kyoto, em 1997 – quando se estabeleceu o Protocolo de Kyoto; a quarta em Buenos Aires e a quinta em Bonn (RIBEIRO, 2001). Entre as Conferências das Partes, destaca-se a terceira (COP-3), realizada em dezembro de 1997 em Kyoto (Japão), quando 39 países, membros da CQNUNC, assinaram o Protocolo de Kyoto. Segundo Ribas (2008, p. 50): Por este documento seriam estabelecidas metas e prazos para limitações das emissões futuras dos seis principais gases-estufa, ficando acordado que os países que fazem parte reduziriam suas emissões em média 5,2%, no período entre 2008 e 2012, assumindo como referencial os seus respectivos níveis de emissões de 1990. De forma a viabilizar o cumprimento destas metas de emissões com o menor custo possível, ficaria estabelecido no Protocolo a utilização de três mecanismos de flexibilização pelas partes: O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), Implementação Conjunta e Comércio de Emissões. Conforme Ribeiro (2001, p. 138), “[...] em Genebra as negociações foram ainda piores do que em Berlim. Em Kyoto, ao contrário das reuniões anteriores, assistimos a uma das mais importantes sobre as mudanças climáticas.” Com a segunda publicação do relatório do IPCC em 1996, as negociações em Kyoto ganharam destaque no cenário internacional, e o mundo capitalista passava por mais uma de suas crises: diminuir a emissão significaria reduzir a atividade econômica, acarretando mais desemprego. 25 O maior objetivo da primeira Conferência das Partes da CMC foi implementar ajustes mais rígidos em relação ao controle da emissão de gases estufa na atmosfera. Entretanto, nem mesmo o consenso dos pesquisadores em torno da temperatura do planeta permitiu que propostas mais avançadas fossem discutidas – como, por exemplo, a dos países insulares e da Alemanha. Estes países advogaram pela redução de 20% dos índices de CO2 até 2005, tendo como base o emitido em 1990. Em Berlim, aprovou-se que para o ano 2000 fossem mantidos pelos países desenvolvidos os mesmos níveis de emissão de CO2 medidos em 1990. Além disso, instituiu-se um grupo de trabalho para elaborar um plano de controle efetivo das fontes que contribuem para o aquecimento global. A discussão do relatório final deste grupo ocorreu em Kyoto, no Japão, na Quarta Conferência das Partes da CMC, em 1997 (RIBEIRO, 2001). 43 Assim, em Kyoto, duas ideias ganharam destaque. Uma delas propunha transformar a emissão de gases estufa em um negócio. A outra visava a criar um fundo para pesquisas ambientais, tendo como parâmetro os índices de poluição atmosférica dos países desenvolvidos. Pode-se destacar que foi no quadro do Protocolo de Kyoto que os Estados signatários da UNFCCC instituíram três mecanismos conjuntos de redução dos gases de efeito estufa, ao lado das obrigações individuais de redução estabelecidas para cada Estado signatário daquela convenção. De acordo com Soares (2003), observa-se que os mecanismos acertados pelo Protocolo de Kyoto são: a) implementação conjunta mediante mecanismos bilaterais entre partes do Anexo I26 ou seja, projetos industriais conjuntos entre empresas pertencentes a Estados daquele Anexo I, que importem no cumprimento do conjunto dos deveres da Convenção e do Protocolo de Kyoto; b) comércio de emissões, possibilidade de comércio unicamente entre os países do Anexo I; c) o mecanismo de desenvolvimento limpo, MDL, com o qual se permite a constituição de verdadeiros títulos de crédito, correspondentes a quantidades de carbono que os países em desenvolvimento ainda não emitiram na atmosfera, dada a configuração dos respectivos parques industriais ou das respectivas matrizes energéticas. Tais títulos são comercializados no mercado mundial, e os recursos financeiros obtidos devem ser empregados em projetos nacionais, de preferência industriais que preservem o meio ambiente dos Estados que detêm os citados títulos (SOARES, 2003, p. 153). A maior dificuldade para a implementação do Protocolo é de ordem econômica. Os principais países poluidores como os Estados Unidos e o Japão continuam emitindo mais CO2 e teriam de alterar significativamente sua economia para atingirem as metas acordadas em Kyoto. Os Estados Unidos recusaram a ratificar o documento, alegando que suas economias seriam prejudicadas se o fizessem (RIBAS, 2008; RIBEIRO, 2001). 26 O Protocolo de Kyoto dividiu em dois grandes blocos os países que são identificados em seus documentos como Anexo I e partes não integrantes do anexo. No Anexo I foram agrupados países que em 1990 integravam a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelos países industrializados do leste europeu. Estão arrolados no Anexo I os seguintes países: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Comunidade Europeia, Federação Russa, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Mônaco, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República Tcheca, Romênia, Suécia, Turquia e Ucrânia (PIRES, 2006; SOARES, 2003). 44 Como o Protocolo de Kyoto afetará praticamente todos os principais setores da economia, é considerado o acordo sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável de maior projeção já adotado. Isso é um sinal de que a comunidade internacional está disposta a encarar a realidade e começar a tomar ações concretas para minimizar o risco da mudança do clima. Os negociadores do Protocolo somente foram capazes de dar esse passo importante depois de enfrentar algumas difíceis questões (BRASIL, 2009). O Protocolo de Kyoto27 foi aberto à assinatura entre 16 de março de 1998 e 15 de março de 1999. Durante esse período, 84 países assinaram o Protocolo, incluindo todas as partes dos Anexos menos duas, o que indica a aceitação do texto e a intenção de tornarem-se partes dele. Para entrar em vigor, o Protocolo deve ser ratificado por 55 Partes da Convenção, incluindo as partes do Anexo I que contabilizam 55% das emissões de dióxido de carbono desse grupo em 1990. Embora alguns países já tenham ratificado ou aceito o Protocolo, nenhuma Parte do Anexo I ratificou o Protocolo e a maioria esperava os resultados sobre os detalhes operacionais do Protocolo na COP6. Muitas partes desejavam que o Protocolo entrasse em vigor em 2002, no décimo aniversário da Conferência do Rio e da adoção e assinatura da Convenção (DEPLEDGE, 2009). Após seis anos de intensas negociações, o Protocolo de Kyoto foi ratificado em 16 de fevereiro de 2005 por um conjunto de 141 países; aos 30 industrializados foi firmado o compromisso de cumprirem as metas de redução de emissões de GEE, acordadas em 5,2% na média. O tratado entrou em vigor após a ratificação de 55% dos países causadores das emissões de carbono na atmosfera global (RIBAS, 2008). Segundo Dow e Downing (2007), apesar de o Protocolo ter sido ratificado por mais de 160 países em abril de 2006, apenas os países do Anexo I – já industrializados ou cujas economias foram consideradas em transição em 1997 – definiram suas metas de redução.28 Isso porque já emitiam gases de efeito estufa na atmosfera há muito tempo e podiam assumir financeiramente as reduções. Eles se comprometeram a reduzir suas emissões à média combinada de 5,2% abaixo dos seus níveis de 1990 durante o primeiro período do compromisso – 2008 a 2012. 27 A Convenção-Quadro incentiva os países a estabilizar as emissões. No Protocolo, os países comprometem-se a reduzir suas emissões coletivas em pelo menos 5%. Os níveis de emissões de cada país são calculados como a média dos anos 2008-2012; esse cinco anos são conhecidos como o período de compromisso. Os governos devem realizar um progresso demonstrável em relação a essa meta até o ano de 2005 (BRASIL, 2009). 28 As reduções do Protocolo de Kyoto são consideradas apenas um primeiro passo, à medida que os ministros do Meio Ambiente da EU consideram necessário reduzir entre 60% e 80% até 2050 para prevenir impactos mais sérios das mudanças climáticas. Os acordos fechados em Montreal em 2005 resultaram na criação de um grupo de trabalho para discutir novos compromissos de redução após 2012 (DOW; DOWNING, 2007, p. 74). 45 Os países29 que se comprometeram a reduzir as emissões no Protocolo de Kyoto estão autorizados a comprar créditos de carbono de países em desenvolvimento, ou de países industrializados cujas emissões estejam abaixo do nível exigido. Os créditos cobrem as emissões de todos os gases de efeitos estufa expressões como CO2 e equivalentes (CO2e). O comércio dos créditos de carbono visa incentivar investimentos em eficiência energética, energia renovável e outras formas de reduzir emissões (DOW; DOWNING, 2007). No entanto, ainda há pontos sem definição, como a punição aos países que não cumprirem suas metas até 2012, quando vence o primeiro período do compromisso. Pelo acordo, caso isso ocorra, o país teria de pagar essa dívida em uma segunda etapa, juntamente com as metas a serem estipuladas. Na discussão a respeito do segundo período do compromisso (2012) destaca-se o fato de que, além dos EUA e da Austrália não participarem do Protocolo de Kyoto, os países desenvolvidos em geral não estão reduzindo suas emissões. A Espanha, por exemplo, aumentou em 38% suas emissões em relação a 1990. Países em desenvolvimento, cujas emissões aumentaram nos últimos anos – como Índia, China e Brasil, chamam a atenção, mas não têm obrigação de reduzi-las dentro do princípio da Convenção do Clima de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” (RIBAS, 2008; ROSA, 2008). A redução das emissões30 dos gases de efeito estufa em níveis seguros dependerá de muita cooperação internacional. Segundo Dow e Downing (2007, p. 69): Mesmo que os acordos internacionais tenham sido assinados pela maioria dos países, eles terão de ser negociados também em casa. Para que as metas de redução sejam cumpridas, os governos locais, as pequenas empresas, as grandes corporações e as organizações civis terão de se envolver; até as organizações religiosas deverão insistir na redução das emissões. Nos países não comprometidos com o protocolo de Kyoto, como os EUA e Austrália, cidades e empresas já se organizam para reduzir as emissões, num claro desafio aos governos federais. 29 Os países industrializados transferiram essa responsabilidade às empresas emissoras de gases de efeito estufa, portanto grande parte das negociações é feita entre elas. Os mercados de carbono facilitam o comércio e são principalmente de dois tipos: de projetos e de permissões. Assim, o mercado de projetos facilita investimentos em empresas ou em arranjos dispostos a reduzir suas emissões. São principalmente projetos implantados por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os compradores são as econômicas industrializadas e em transição. Os vendedores estão na Ásia e na América do Sul, liderados por Índia e Brasil. O mercado de permissões habilita grandes empresas, como as produtoras de energia, a comprar permissão de emissões sob arranjos controlados por organizações internacionais, como o Esquema de Comércio de Emissões (ETS) da UE. 30 O Protocolo de Kyoto faz uma promessa importante: reduzir as emissões dos países desenvolvidos até o final da primeira década do novo século. Pode-se considerar um êxito se conseguir deter e reverter a tendência de 200 anos de emissões crescentes no mundo industrializado e acelerar a transição para uma economia global (BRASIL, 2009). 46 O Protocolo trata dos seis principais gases de efeito estufa que os países signatários do Protocolo de Kyoto devem diminuir suas emissões no período previsto pelo Protocolo. Observam-se, a seguir, os principais gases de efeito estufa: Nível préindustrial CO2 CH4 N2O CFC-11 HCFC22 CF4 SF6 ~280 ppmv ~700 ppbv ~275 ppbv zero zero zero zero 1720 ppbv 312 ppbv Concentração 358 ppmv de 1994 Taxa de aumento* § 1,5 10 0,8 ppmv/ano ppbv/ano ppbv/ano 0,4%/ano 0,6%/ano 0,25%/ano Tempo de vida (anos) 50-200 12 120 § 268 pptv 110 pptv § 72 pptv 3-4 pptv 0 5 1,2 pptv/ano pptv/ano pptv/ano 0%/ano 5%/ano 2%/ano 0,2 pptv/ano ~5%/ano 50 12 50.000 3.200 Quadro 1: Principais Gases de Efeito Estufa Fonte: Brasil (2009). Em 2012, a vigência do Protocolo de Kyoto termina. Para manter o processo em andamento, é necessário estabelecer um novo protocolo para o enfrentamento das mudanças climáticas e do aquecimento global. A Conferência de Copenhague, em dezembro de 2009, será uma nova oportunidade para os governos definirem suas agendas e ações antes da revisão dos compromissos em 2012. O evento na Alemanha é a última oportunidade para os países incluírem novas propostas e temas para a COP15. Três assuntos ganham destaque especial: metas do pós2012, participação dos países em desenvolvimento nos esforços de redução nas emissões e a inclusão de novos setores no regime climático. Entre as centenas de questões colocadas na mesa de negociações, a mais polêmica sem dúvida é a do segundo período de cortes nas emissões de gases de efeito estufa pelos países desenvolvidos. No primeiro período, os países do Anexo 1 do Protocolo de Kyoto (nações desenvolvidas e economias em transição do Leste Europeu) se comprometeram com a redução de 5,2% em média em relação ao patamar de emissões de 1990 (WORD WILDLIFE FUND FOR NATURE, 2009). Para o segundo período de compromissos, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) recomendou em seu relatório de 2007 que até 2020 o corte nas emissões do Anexo 1 variasse entre 25% e 40% sobre o patamar de 1990. Somente assim, acredita o 47 IPCC, seria possível estabilizar o aumento da temperatura global em 2º Celsius ao longo do século 21. Esse é o teto considerado pelos cientistas como administrável e que evitaria cenários climáticos catastróficos. Contudo, novas evidências científicas apontam que o ritmo de aquecimento do planeta está se acelerando além das previsões mais pessimistas do relatório de 2007 do IPCC. Isso já leva proeminentes cientistas, nações em desenvolvimento e organizações não governamentais a propor a marca de 40% no corte de gases do Anexo 1 como piso e não como teto. Para 2050, a ideia anterior de uma redução de 50% sobre o patamar de 1990 já perdeu terreno para a meta mais ousada de 80%, como estabeleceu o Reino Unido em sua lei de mudanças climáticas, promulgada em novembro de 2008 (WORD WILDLIFE FUND FOR NATURE, 2009). O Tratado do Clima de Copenhague deve ser composto de três partes: uma emenda ao Protocolo de Kyoto, um novo Protocolo de Copenhague, e um conjunto de decisões do órgão supremo da Convenção e seus Protocolos. O Protocolo de Copenhague e o Protocolo de Kyoto já com a emenda devem ser encarados como um pacote que contém a resposta da comunidade internacional para evitar as mudanças climáticas perigosas. As decisões da Convenção e do Protocolo devem ser o alicerce para as providências imediatas que precisam ser adotadas ate 2012 e que são referentes à mitigação e à adaptação. Algumas decisões terão de ser tomadas durante a COP-16 pelas Partes do Protocolo de Copenhague (WORD WILDLIFE FUND FOR NATURE, 2009). Com a finalidade de apresentar os cenários das mudanças climáticas e possibilitar maior compreensão e entendimento sobre o tema que envolve o aquecimento global serão examinadas as mudanças climáticas a partir das ferramentas comumente utilizadas para a modelagem do clima e projeções em nível global dos modelos usados pelo IPCC. As considerações quanto às mudanças climáticas advêm de fontes primárias e secundárias que apresentam uma avaliação das causas e consequências dos efeitos do aquecimento global para o planeta. 2.3 AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS Para as finalidades deste trabalho, a revisão da bibliografia pertinente indica que várias acepções dos conceitos fundamentais de meio ambiente e da questão ambiental tem uma 48 relação de interdependência. A questão das mudanças climáticas31, por sua vez, denota aqui o fenômeno associado aos desequilíbrios sistêmicos ocasionados pelos impactos destrutivos gerados pela ação antrópica sobre o funcionamento dos sistemas ecossociais numa escala planetária. Segundo Cartea (2003), é a partir dos anos 1980 que a comunidade científica começa a prestar atenção na existência de anomalias de comportamento térmico da terra e a investigar as causas e consequências do impacto das atividades humanas ligadas ao modelo energético e das formas de produção e consumo que o ocidente tem imposto ao planeta. Para o autor CARTEA, 2002, p. 441): Estas actividades han incrementado progresivamente durante los dos últimos siglos la concentración de los llamados gases de efecto invernadero que están presentes de forma natural en la atmósfera, principalmente o CO2; este desequilibrio puede explicar el aumento de la temperatura media detectado en la superficie terrestre. Los cambios en el clima, con periodos más fríos y más cálidos que se alternan, han sido una constante en la historia natural del planeta; lo que convierte la situación actual en excepcional es la velocidad con la que aparentemente se está produciendo el cambio y la probable responsabilidad de una especie, la humana, en que ello sea ahí. Esta vinculación causal ha convertido al cambio climático en uno de los focos sobre los que gira la dialéctica, tanto científica como social y política, en torno a la crisis ambiental. Quando se lê um jornal, ouvê-se o rádio, assiste-se à televisão, ou navega-se na internet, frequentemente encontram-se manchetes e notícias que afirmam que as altas temperaturas, o derretimento das calotas polares, as grandes enchentes, a desertificação, que os grandes furacões e ciclones são fenômenos que se acentuam nas últimas décadas; a esse conjunto de mudanças climáticas, segundo os cientistas e a mídia é comumente denominado aquecimento global. Com a constatação dessa inevitável interferência que uma nação exerce sobre outra por meio das ações relacionadas ao meio ambiente, a questão ambiental torna-se internacional. Portanto, ao lado da chamada globalização econômica, assiste-se à globalização dos problemas ambientais, o que obriga os países a negociar, a legislar de forma a que os direitos e os interesses de cada nação possam ser minimamente limitados em razão do interesse maior da humanidade e do planeta (BRASIL, 1997). 31 O termo Mudança do Clima usado pelo IPCC refere-se a qualquer mudança no clima ocorrida ao longo do tempo, em virtude da variabilidade natural ou decorrente da atividade humana. Esse uso difere da ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre mudança do clima, em que o termo mudança do clima se refere a uma mudança do clima que seja atribuída direta ou indiretamente à atividade humana, alterando a composição da atmosfera global, e seja a variabilidade natural do clima observada ao longo de períodos comparáveis de tempo (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007, p. 3). 49 O crescimento das temperaturas no globo terrestre é registrado pelas estações meteorológicas em todas as partes do mundo desde meados do século XIX. A análise dos dados dos relatórios científicos (IPCC) indica que o aquecimento global, causador de diversas mudanças climáticas tem como uma de suas principais causas a intensificação do efeito estufa. De maneira geral, a variabilidade natural do sistema climático não pode ser atribuída às forças naturais, como aquecimento solar ou vulcânico. As ações antropogênicas, como a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento, o avanço da agropecuária, e a emissão de gases poluentes provenientes das atividades industriais são as principais causas das mudanças climáticas globais. Em sua contextualização sobre o conceito de risco, Giddens localiza a crise ambiental e principalmente os efeitos do aquecimento global32 como resultado da interferência humana no clima do planeta. Para ele: “[...] em consequência do desenvolvimento industrial global, talvez tenhamos alterado o clima do mundo, além de ter danificado uma parte muito maior de nosso habitat terrestre. Não sabemos que outras mudanças, ou perigos elas trarão em sua esteira.” O autor ainda completa dizendo que: “[...] podemos compreender essas questões dizendo que elas estão ligadas a risco.” (GIDDENS, 2000, p. 31). Para responder às incertezas sobre as reais ameaças das mudanças climáticas globais, foi estabelecido com a Organização Meteorológica Mundial (OMM) e com Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiental (PNUMA), em 1988, o Intergovernmental Panel on Climate Changes, visando fornecer informação científica sobre as mudanças climáticas que já aconteceram e podem vir a acontecer no mundo. Para isso, o IPCC trabalha em conjunto com os grandes centros operacionais do mundo e por meio do uso de modelos globais acoplados (oceano-atmosfera), podem inferir a respeito de um futuro comportamento do clima e alertar para que decisões sejam tomadas no intuito de mitigar possíveis danos. O IPCC elabora três relatórios de avaliação a cada cinco anos. Divididos em três categorias, os relatórios são estruturados da seguinte forma: WG1 – que apresenta suas bases científicas; WG2 – que reúne os indicadores sobre os impactos, a adaptação e a 32 Giddens relata que em julho de 1998 foi possivelmente o mês mais quente na história do mundo; 1998, como um todo, talvez tenha sido o ano mais quente. Ondas de calor causaram devastação em muitas áreas do hemisfério norte. Em Eilat, em Israel, as temperaturas se elevaram a quase 46º C, enquanto o consumo de água no país se elevou em 40%. O Texas, nos Estados Unidos, experimentou temperaturas não muito inferiores a essa. Em todos os oito primeiros meses do ano a temperatura recorde para aquele mês foi superada. Pouco tempo depois, no entanto, em algumas das áreas afetadas pelas ondas de calor, nevou em lugares onde isso nunca ocorrera. Serão alterações de temperatura como estas resultado da interferência humana no clima do planeta? Não podemos saber ao certo, mas temos de admitir a possibilidade de que sejam, como também o crescente número de furacões, tufões e tempestades registrado nos últimos anos (GIDDENS, 2000, p. 31). 50 vulnerabilidade dos ecossistemas; WG3 – que compila o conhecimento científico de mais de 2.000 cientistas que realizam pesquisas em diferentes países. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), as principais causas da poluição atmosférica na região da América Latina e Caribe são: a quantidade e a qualidade dos combustíveis consumidos; o crescimento do número de veículos, aliado ao controle inadequado de suas emissões, agravado pela prática crescente de importar veículos usados; atividades industriais; alta densidade demográfica nas áreas urbanas; uso de pesticidas em comunidades rurais; emissões produzidas pela erosão do solo e pela queima de biomassa agroindustrial e em algumas cidades, condições desfavoráveis para dispersão de poluentes. De todas essas causas, a emissão veicular é a mais séria, afetando especialmente os grandes centros urbanos (PNUMA, 2004). Hoje, há situações de risco que ninguém teve de enfrentar na história passada – das quais o aquecimento global é apenas uma. Segunda essa concepção, Giddens considera que muitos dos riscos e incertezas afetam o indivíduo onde quer que ele viva. Segundo Giddens (2000, p. 15-16): A mudança do clima global e os riscos que a acompanham, por exemplo, resultam provavelmente de nossa intervenção no meio ambiente. Não são fenômenos naturais. A ciência e a tecnologia estão inevitavelmente envolvidas em nossas tentativas de fazer face a esses riscos, mas também contribuíram para criá-los [...] Nunca seremos capazes de nos tornar os senhores de nossa própria história, mas podemos encontrar meios de tomar as rédeas do nosso mundo em descontrole. Histórias como esta revelam alguma coisa sobre o mundo. O descontrole da relação dos seres humanos com a natureza gerou um dos períodos mais quentes da história. A década de 1990 foi a mais quente desde que as primeiras medições, no fim do século XIX, foram efetuadas. Este aumento nas décadas recentes corresponde ao aumento no uso de combustível fóssil durante esse período. Até finais do século XX, o ano de 1998 foi o mais quente desde o início das observações meteorológicas em 1861, com +0.54ºC acima da média histórica de 1961-90. Os últimos 11 anos, 1995-2004 (com exceção de 1996) estão entre os mais quentes no período instrumental. Segundo os dados, a Terra está se aquecendo mais no hemisfério Norte. Já no século XXI, a temperatura do ar em nível global em 2005 foi de +0.48ºC acima da média, sendo este o segundo ano mais quente do período observacional (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007b). Os modelos globais de clima projetam para o futuro, ainda com algum grau de incerteza, possíveis mudanças em extremos climáticos, como ondas de calor, de frio, chuvas 51 intensas e enchentes, secas, e mais intensos e/ou frequentes furações e ciclones tropicais e extratropicais. Exemplos podem ser observados anualmente: as enchentes e ondas de calor da Europa em 2002 e 2003; os invernos intensos da Europa e Ásia nos últimos anos; o furacão Catarina no Brasil em 2004; os intensos e devastadores furacões no Atlântico Tropical Norte em 2005 (Katrina, Rita, Wilma, etc.); as secas no Sudeste do Brasil em 2001, no Sul em 2004, 2005 e 2006, e na Amazônia, em 2005. Esses fenômenos têm sido atribuídos à variabilidade do clima, mudanças no uso da terra (desmatamento e urbanização), aquecimento global, aumento da concentração de gases de efeito estufa e aerossóis na atmosfera. No entanto, até hoje não se comprova por meio desses fenômenos que haja um novo regime de mudança climática, como aqueles projetados pelos modelos globais do IPCC. Nas observações de Penna (1999) a expansão da exploração mineral, da produção econômica e das fronteiras agrícolas, combinada com o crescimento da população humana, provocou o surgimento de diversos desafios ambientais de caráter local, regional ou global, nos quais a questão das mudanças climáticas é o mais sério entre os problemas ambientais. Nesse sentido, Dias (2002) revela que segundo os indicadores do International Geosphere-Biosphere Programme (IGBP) de 1990, que durante a geração passada, o ambiente da Terra mudou mais rapidamente do que qualquer outro tempo comparável na história. Embora os fenômenos naturais tenham papel importante nessas mudanças, a fonte primária dessa dinâmica tem sido precipitada pelas interações do ser humano com a biosfera. Tais influências, produzidas de modo inadvertido ou propositado, criaram e criarão mudanças globais dramáticas que alterarão a existência humana por muito tempo. Como bem esclarece Ribas (2008), as principais ações humanas que têm contribuído de forma intensa para as alterações climáticas advêm de atividades que emitem para a atmosfera gases que intensificam o efeito estufa. Entre essas ações destacam-se as queimadas, o uso de combustíveis fósseis, o crescimento populacional, os quais alteram a composição da atmosfera mundial provocando inúmeros acontecimentos climáticos em todo o mundo. Tais mudanças globais são resultados das relações políticas, sociais, econômicas e religiosas da humanidade com a terra. Para Dias (2002), a agricultura, silvicultura, produção e padrões de consumo de energia e materiais, aumento da população, urbanização e outras atividades humanas alteram os ecossistemas aquáticos, terrestres e a atmosfera da Terra. Considera-se, então, que os problemas ambientais, como as mudanças climáticas somente começaram a ser identificados como sendo impactantes a partir de sua historicidade. 52 Assim, pode-se considerar de acordo com a bibliografia pertinente que o princípio dos problemas ambientais assenta-se em dois fatos históricos relevantes: a) a Revolução Industrial, ocorrida a partir da metade do século XVIII, mais precisamente a partir do ano de 1750, produzida pela passagem do artesanato e da manufatura à fábrica, pela criação de máquinas de tear mecânico, ocasionando grande mudança no processo de produção; b) a organização urbana, representada pelas construções das grandes cidades originadas com a Revolução Industrial, a maioria delas feita sem nenhum planejamento e ordenamento. Em 2007, o IPCC divulgou seu quarto relatório (AR-4) de avaliação científica sobre as alterações climáticas. O impacto desse relatório na comunidade científica e na sociedade global contribuiu na redução das incertezas quanto ao aquecimento global e às mudanças climáticas. As conclusões apontam que a intensificação do efeito estufa pelas ações humanas contribui para as alterações que já estão ocorrendo, como o degelo anormal de geleiras permanentes, a elevação do nível do mar, a desertificação, entre outros que serão vistos no próximo subtítulo. Portanto, a crise ambiental, presente nos séculos XX e XXI tomou dimensões avassaladoras e as causas e efeitos das mudanças climáticas são sistêmicas, resultando grandes alterações no ecossistema terrestre. 2.4 O AQUECIMENTO GLOBAL As mudanças climáticas são, provavelmente, a grande preocupação ambiental da última década do século passado e da atual década. O aquecimento global é um fenômeno que interfere diretamente no clima do planeta, causando aumento da temperatura média na superfície da Terra. Entende-se que o aquecimento global é causado por efeitos naturais que ocorrem no planeta (efeito estufa, decomposição de matéria orgânica, etc.) e, principalmente, pela ação do homem. O desenvolvimento humano, o progresso e o consumo de combustível fóssil são causas do aumento da temperatura no planeta, o que constitui proposta para a explicação do fenômeno. 53 Ao longo do processo de industrialização, principalmente na Europa, cientistas começaram a observar a presença de elementos químicos em plantas. Isso despertava a curiosidade e levava a questionamentos das decorrências desse fato. Entretanto, a associação da poluição atmosférica ao surgimento e/ou agravamento de problemas respiratórios na população foi confirmada apenas em 1930, quando por cinco dias consecutivos uma imensa e espessa nuvem de poluentes cobriu o vale do Rio Meuse na Bélgica, então uma área industrializada. Os hospitais registraram naquele período um grande aumento de casos de internação e consultas de pessoas com problemas relacionados ao aparelho respiratório (RIBEIRO, 2001). O alerta ocorrido na Bélgica não foi suficiente para que medidas mais austeras fossem adotadas no sentido de controlar a poluição atmosférica. O drama vivido naquele país repetiuse em cidades de outros países industrializados, como, por exemplo, em Londres, em 1952. Segundo Ribeiro (2001, p. 75), “[...] naquela ocasião, o lançamento de material particulado e de gases tornou o ar da cidade extremamente poluído.” Durante quatro dias os hospitais foram ocupados pela população que reclamava de doenças do aparelho respiratório. Na semana seguinte, viria o pior. Cerca de quatro mil mortes acima da média foram registradas, todas relacionadas a doenças do aparelho respiratório (RIBEIRO, 2001). Esses fatos levaram à adoção de medidas que buscavam conter a poluição e evitar que esta atingisse outros países, como ocorreu em 1979, ano em que foi assinada a Convenção sobre Poluição Transfronteiriça; em 1985, ano da Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio; e em 1897, ano em que foi firmado o Protocolo de Montreal sobre as substâncias que esgotam a camada de ozônio. Os cientistas acreditam que o aumento e a concentração de poluição na atmosfera é uma das causas do efeito estufa. O planeta recebe radiação emitida pelo Sol e devolve grande parte dela para o espaço por meio de radiação de calor. A poluição atmosférica retém parte dessa radiação, que seria refletida para o espaço em condições normais. Portanto, essa parte retida contribui com o aumento do aquecimento global. Como visto anteriormente, a atmosfera terrestre está entre os fatores fundamentais tanto para o surgimento quanto para a manutenção da vida no planeta. Recorrendo às palavras de Tolentino, pode-se observar, em primeira instância, que o aquecimento global é um fenômeno natural para a manutenção da vida na terra. A maior parte das formas de vida da Terra depende diretamente da atmosfera para existir. Mesmo assim, sua presença é tão sutil que, embora estejamos nela mergulhados e sejamos por ela penetrados, muitas vezes não nos damos conta dos seus importantes papéis. Além desse papel de reservatório de elementos essenciais aos processos biológicos ligados à vida na Terra, a atmosfera desempenha outra função, talvez não tão espetacular nem tão evidente, mas, nem por isso, de menor 54 importância: a de manto térmico e protetor. A atmosfera é suficientemente transparente para permitir a passagem de grande parte da radiação solar que banha a superfície terrestre, iluminando-a e provocando reações físico-químicas essenciais. Por outro lado, alguns de seus componentes funcionam devido à sua natureza química, como um filtro eficiente: eles vedam a passagem de uma parcela da radiação solar (radiação ultravioleta) nociva à vida, interceptam as partículas ionizantes presentes na radiação cósmica (que poderiam provar efeitos indesejáveis em animais e vegetais) e bloqueiam pequenos meteoritos, que são queimados antes de atingirem a superfície terrestre. (TOLENTINO et al., 1995, p. 13). Desde 1860 vêm sendo estudadas as variações de temperaturas em todo o planeta, e a constatação de um aumento na temperatura que causa o aquecimento global. A explicação física do efeito estufa já existia há 100 anos, e, desde então, os cientistas identificaram tendências na composição atmosférica e na temperatura por centenas de milhares de anos. As concentrações de CO2 e metano na atmosfera nunca estiveram tão altas em 650 mil anos. A concentração atmosférica de CO2 subiu de 315 partes por milhão (ppm) nos anos 1950 para mais de 380 ppm em 2006. O gás carbônico retido na atmosfera tem relação direta com as temperaturas globais (DOW; DOWNING, 2007; IPCC, 2001a). Imagem 1: Flutuações de CO2 Fonte: Dow e Downing (2007, p. 34). 55 Segundo Dow e Downing (2007), o CO2 está 30% acima e o metano 130% do que em qualquer outra época. E o índice de CO2 aumentou 200 vezes mais rápido do que em qualquer outra época dos últimos 650 mil anos. A Terra está mais quente do que em qualquer outro período dos últimos mil anos. Imagem 2: Relação entre CO2 e temperatura Fonte: Dow e Downing (2007, p. 34). Os climatologistas não têm mais dúvida de que no futuro o clima será outro. Os mesmo modelos que ajudam a reconstruir os climas passados e fazer previsões do tempo também são utilizados para projetar as condições climáticas sob concentração maior dos gases de efeito estufa (DOW; DOWNING, 2007). Já é certo que o aquecimento global médio ultrapassará 1ºC por volta de 2050 e talvez chegue a 6ºC até o fim do século. O aquecimento nas latitudes mais altas e nas regiões polares, provavelmente, será superior às médias globais (DOW; DOWNING, 2007). 56 Outras evidências foram constatadas pelos cientistas, como a diminuição da cobertura de neve nas montanhas e nas áreas geladas, o aumento do nível dos mares e oceanos, o aumento das precipitações atmosféricas, os tufões e furacões, o El Niño e La Niña e outras atividades climáticas de mau tempo que alteraram a temperatura do planeta. Imagem 3: Degelo nos polos Fonte: Dow e Downing (2007, p. 23). Outro agente causador do aquecimento global é o desmatamento, principalmente das florestas tropicais, que contribui com o aumento do carbono. Por outro lado, outras florestas contribuem para a absorção do dióxido de carbono, o chamado sequestro de carbono, pois nem todo o dióxido de carbono emitido na atmosfera acumula-se nela, uma parte é absorvida pelos oceanos e florestas mediante fotossíntese. Em seu último relatório, o IPCC faz algumas previsões a respeito das mudanças climáticas que atualmente constituem a base para os debates políticos, sociais e científicos. No relatório, é previsto um aumento na temperatura da superfície do planeta entre 1,4ºC e 5,8ºC e o nível do mar deverá subir de 0,1m a 0,9m até o final desse século (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES 2007a). Conforme o Intergovernmental Panel on Climate Changes (2007a), os governos precisam desenvolver ações, políticas públicas e fiscalização efetiva para evitar maiores mudanças climáticas no planeta. É necessário que os governos tomem decisões políticas e evitem problemas para esta e para as gerações futuras. Para isso, precisa ser realizada uma mobilização por parte dos órgãos governamentais e da sociedade civil organizada, envolvendo pessoas e comunidades em uma cruzada em defesa da sobrevivência dos seres vivos e da vida do planeta Terra. 57 O problema do aquecimento global não é tanto o aumento na temperatura do planeta, mas a intensificação das temperaturas extremas. Segundo Primavesi (2007), verifica-se em escala global que a superfície de áreas degradadas e irradiadoras de ondas longas supera significativamente as áreas vaporizadas e umidificadoras ambientais (cobertas por florestas), cujos remanescentes estão sendo celeremente destruídos. Isso resulta em aumento da intensidade e da frequência de alternância desses extremos térmicos, ampliadas pelo espessamento dramático da camada de gases de efeito estufa. Para Giddens (2000), a maioria dos cientistas versados no campo acredita que o aquecimento global está acontecendo e que caberia tomar medidas contra ele. No entanto, até meados da década de 1970, a opinião científica ortodoxa era de que o mundo passava por uma fase de resfriamento global. Grande parte dos mesmos indícios exibidos para dar apoio à tese do resfriamento global é agora posta em jogo para corroborar a do aquecimento global – ondas de calor, períodos frios, condições meteorológicas inusitadas. 2.5 O EFEITO ESTUFA Sabe-se que o clima da Terra pode variar, alterando-se de ano a ano ou em períodos maiores, de até milhares de anos. No passado, foram assinalados os chamados períodos glaciais, caracterizados por resfriamentos acentuados. Medições sistemáticas de temperatura do ar mostram a ocorrência de anos essencialmente frios ou quentes. Hoje, há o perigo de que o aumento dos teores dos GEE33 produza uma elevação anômala da temperatura da atmosfera e, consequentemente, do próprio planeta. Uma série de gases que existem naturalmente na atmosfera, em pequenas quantidades, são conhecidos como gases de efeito estufa. O vapor d’água, o dióxido de carbono, o ozônio, o metano e o óxido nitroso prendem a energia da mesma forma que os vidros de um carro fechado ou uma estufa. Essa ação impede parcialmente o retorno ao espaço da radiação infravermelha que aquece a superfície da Terra, funcionando como cúpula protetora, espécie de manto térmico isolante, o qual garante ao planeta uma temperatura bem acima da que ele teria caso não houvesse a atmosfera. A superfície da Terra apresenta uma temperatura média de 18º Celsius: se o efeito protetor não existisse, provavelmente, a temperatura seria da ordem 33 O efeito estufa é um fenômeno natural que faz com que a temperatura da Terra seja maior do que a que seria na ausência de atmosfera, permitindo, assim, que ocorra a vida da forma como é. Se não houvesse o efeito estufa, a temperatura média da Terra seria -18ºC ao invés dos 15ºC que se tem hoje, ou seja, 33ºC menor. 58 de 18º Celsius negativos e o mundo seria um planeta gelado, com sua crosta coberta por gele e neve (TOLENTINO et al., 1995, p. 13; BRASIL, 2009). O teor de dióxido de carbono continua aumentando sistematicamente e muitos outros gases são introduzidos na atmosfera. Em longo prazo, a Terra deve irradiar energia para o espaço na mesma proporção em que a absorve do sol. A energia solar chega em forma de radiação das ondas curtas. Muitos desses gases, por sua natureza físico-química, funcionam como causadores do efeito estufa: mostram-se transparentes às radiações solares de ondas curtas (altas frequências). Parte dessa radiação é refletida e repelida pela superfície terrestre e pela atmosfera. A maior parte dela passa diretamente pela atmosfera para aquecer a superfície terrestre. A terra se livra dessa energia, mandando-a de volta para o espaço, na forma de irradiação infravermelha de ondas longas (TOLENTINO et al., 1995; BRASIL, 2009). A maior parte da irradiação infravermelha que a Terra emite é absorvida pelo vapor d’água, pelo dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa que existem naturalmente na atmosfera. Esses gases impedem que a energia passe diretamente da superfície terrestre para o espaço. Ao invés disso, processos interativos (como a radiação, as correntes de ar, a evaporação, a formação de nuvens e as chuvas) transportam essa energia para altas esferas da atmosfera. De lá, pode ser irradiada para o espaço. É bom que esse processo seja mais lento e indireto, porque se a superfície terrestre pudesse irradiar energia para o espaço livremente, o planeta seria um lugar frio e sem vida, tão desolado e estéril quanto Marte (BRASIL, 2009). Imagem 4: Configuração do efeito estufa Fonte: Ribas (2008, p. 9). 59 Aumentando a capacidade da atmosfera de absorver irradiação infravermelha, as emissões de gases de efeito estufa estão perturbando a forma com que o clima mantém esse equilíbrio entre a energia que entra e a energia que sai. Uma duplicação, na atmosfera, da quantidade de gases de efeito estufa de vida longa (projetada para acontecer logo no começo do século 21) reduziria em 2%, caso nada fosse mudado, a proporção em que o planeta é capaz de irradiar energia para o espaço. A energia não pode simplesmente acumular. O clima vai ter de se ajustar de alguma forma para conseguir se desfazer dessa energia excedente, e enquanto 2% parece não ser muito, tomando a Terra inteira, isso equivale a reter o conteúdo energético de 3 milhões de toneladas de petróleo por minuto (BRASIL, 2009). Imagem 5: O efeito estufa Fonte: Dow e Downing (2007, p. 30). O efeito estufa significa o aumento da temperatura da Terra provocado pela maior retenção, na atmosfera, da radiação infravermelha por ela refletida, em decorrência do aumento da concentração de determinados gases que têm essa propriedade, como o gás carbônico, o metano, os clorofluorcarbonos e o óxido nitroso. A camada de gases que envolve a Terra tem função importante na manutenção da vida no planeta, pela retenção de calor que ela proporciona, havendo, portanto, um efeito estufa natural por essa camada. O problema surgido é o aumento dessa retenção pela maior e crescente concentração desses gases que 60 absorvem radiação infravermelha (DOW; DOWNING, 2007; INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007b; PRIMAVESI, 2007). De acordo com Primavesi (2007, p. 19): Quanto mais energia infravermelha for irradiada pela superfície terrestre, e quanto mais espessa for essa camada de gases de efeito estufa, tanto maior será a quantidade contrairradiada para a superfície terrestre, o que aumenta a temperatura do ambiente. Assim, o problema não se resume ao espessamento da camada de gases de efeito estufa, mas também ao aumento das superfícies com grande capacidade de irradiação de calor em excesso e à diminuição das superfícies com grande capacidade de absorção de calor ou de estabilização térmica (ares verdes vaporizadoras e corpos de água – retiram o calor durante o dia e liberam calor à noite, evitando grandes amplitudes térmicas) ou ao aumento das superfícies secas e não sombreadas. Atualmente, o mais completo e prestigiado conjunto de informações sobre a mudança climática global se refere às divulgações do grupo de cientistas pertencentes ao IPCC. O trabalho do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima representa o consenso da comunidade científica na ciência da mudança do clima. O IPCC elabora três relatórios de avaliação de cinco em cinco anos, divididos em três grupos: Bases Científicas – WG1; Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade; WG2 e Mitigação; WG3 – onde se compila o conhecimento científico mundial de milhares de cientistas. Desde a primeira série de avaliações, publicada em 1991, as questões relativas ao aquecimento global e ao efeito estufa apontam indicadores cada vez mais preocupantes. Em 2007, o IPCC divulgou ao mundo o seu Quarto Relatório de Avaliação (TR4 – dividido nas categorias WG1, WG2 e WG3), provocando um impacto global (na sociedade civil e na comunidade científica), conforme suas afirmações divulgadas sobre a mudança climática e os danos causados à atmosfera pelas ações antrópicas. O Grupo de Trabalho I elaborou o Quarto Relatório de Avaliação do IPCC sobre a Base das Ciências Físicas. Nesse relatório, são considerados os fatores naturais e humanos na mudança climática. Entretanto, os cientistas são enfáticos ao afirmarem que as ações antrópicas desde o período pré-industrial são as principais causas do efeito estufa. Os cientistas elaboram uma medida que analisa os fatores de influência na alteração da energia causadora do efeito estufa. Por meio do índice de forçamento radiativo,34 que é usado para 34 O forçamento radiativo é uma medida da influência de um fator na alteração do equilíbrio da energia que entra e que sai do sistema Terra-atmosfera e é um índice da importância do fator como possível mecanismo de mudança do clima. O forçamento positivo tende a aquecer a superfície, enquanto o forçamento negativo tende a esfriá-la. No quarto relatório do IPCC, os valores do forçamento radiativo são para 2005, relativos às 61 comparar a forma como os fatores humanos e naturais agiram para provocar o aquecimento ou esfriamento do clima da Terra aponta-se que o principal agente causador das alterações nos gases de efeito estufa é o dióxido de carbono. De acordo com o relatório do Intergovernmental Panel on Climate Changes (2007, p. 3-15) observa-se que: As mudanças na quantidade de gases de efeito estufa e aerossóis da atmosfera, na radiação solar e nas propriedades da superfície terrestre alteram o equilíbrio energético do sistema climático [...] É muito provável que a maior parte do aumento observado nas temperaturas globais médias, desde meados do século XX se deva ao aumento observado nas concentrações antrópicas de gases de efeito estufa. As concentrações atmosféricas globais de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso aumentaram bastante em consequência das atividades humanas desde 1750. As mudanças na composição atmosférica ultrapassaram de modo significativo os valores desde a Revolução Industrial. Os efeitos de mais de 250 anos de atividade humana diminuíram a capacidade da atmosfera de absorver calor e emiti-lo de volta para a Terra, certos gases permanecem por anos, séculos ou até milênios na atmosfera e provocam mudanças climatológicas em um processo que não pode ser revertido em curto prazo – de 5 a 10 anos (DOW; DOWNING, 2007). Gráfico 1: CO2 na atmosfera Fonte: Dow e Downing (2007, p. 40). condições pré-industriais definidas em 1750, e são expressos em watts por metro quadrado (Wm2) (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007). 62 A principal fonte de aumento da concentração atmosférica de dióxido de carbono desde o período pré-industrial deve-se ao uso de combustíveis fósseis. A concentração atmosférica global de metano aumentou de um valor pré-industrial de cerca de 715 ppb para 1732 ppb no início da década de 1990, sendo de 1774 ppb em 2005. A concentração atmosférica de metano em 2005 ultrapassa significativamente a faixa natural dos últimos 650.000 anos (320 a 790 ppb), como determinado com base em testemunhos de gelo. A concentração atmosférica global de óxido nitroso aumentou de um valor pré-industrial de cerca de 270 ppb para 319 ppb em 2005. A taxa de aumento foi, aproximadamente, constante desde 1980 (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007c, p. 5). Onze dos últimos doze anos (1995 a 2006) estão entre os mais quentes do registro instrumental de temperatura da superfície global (desde 1850). De acordo com o Quarto Relatório de avaliação do GT1 do Intergovernmental Panel on Climate Changes (2007b, p. 16): A sensibilidade climática de equilíbrio é uma medida da resposta do sistema climático ao forçamento radiativo sustentado. Não é uma projeção, mas é definida como o aquecimento médio global da superfície que se segue a uma duplicação das concentrações de dióxido de carbono. É provável que esteja na faixa de 2 a 4,5ºC, com uma melhor estimativa de cerca de 3ºC, e é muito improvável que seja inferior a 1,5ºC. Valores substancialmente mais altos que 4,5ºC não podem ser desconsiderados, mas a concordância dos modelos com as observações não é tão boa para esses valores. As mudanças no vapor d’água representam o maior processo de realimentação que afeta a sensibilidade climática e agora são mais bem compreendidas do que no TRA. Os processos de realimentação em função das nuvens continuam sendo a maior fonte de incerteza. Quase dois terços das emissões de gás carbônico e mais uma grande quantidade de óxido nitroso e metano derivam da queima de combustíveis fósseis como petróleo, gás natural e carvão, utilizados na produção de eletricidade, de meios de transporte em aquecimento, refrigeração e processos industriais. Os países industrializados há muito vêm contribuindo com a maioria dos gases de efeito estufa presentes na atmosfera (DOW; DOWNING, 2007). 63 Gráfico 2: Fontes de emissão dos gases de efeito estufa Fonte: Dow e Downing (2007, p. 41). Observa-se que, do total de toda radiação solar que atinge a Terra, 30% é refletida antes de atingir o solo, 70% é absorvida e convertida em calor. Para que o equilíbrio energético seja mantido, toda essa radiação deverá ser emitida de volta para o espaço. Todavia, se houver um aumento da concentração do gás carbônico poderá ocorrer aumento do efeito estufa e, portanto, sairá menos radiação do que entra. Essa diferença causará o aquecimento da baixa atmosfera, aumentando a temperatura média da Terra e causando possíveis desequilíbrios ambientais. Mesmo que o dióxido de carbono esteja em baixas concentrações na atmosfera, sua importância para o efeito estufa é fundamental (TOLENTINO et al.,1995, p. 78). O GT III do IPCC elaborou um relatório sobre a Mitigação da Mudança do Clima. A contribuição do GT III concentra-se nas novas publicações sobre os aspectos científicos, tecnológicos, ambientais, econômicos e sociais da mitigação da mudança do clima. Percebe- 64 se que os dados expressam que as emissões globais de efeito estufa aumentaram desde a época pré-industrial, com aumento de 70% entre 1970 e 2004. As emissões de gases como o CO2, CH4, N2O, HFCs, PFCs e SF6, passaram de 28,7 para 49 gigatoneladas de equivalentes de dióxido de carbono (GtCO2-eq).35 Ainda, segundo o relatório, as emissões de CO2 aumentaram em cerca de 80% entre 1970 e 2004 (28% entre 1990 e 2004) e representam 77% do total das emissões antrópicas de efeito estufa em 2004 (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007b, p. 4). Nos anos 1990, alguns cientistas passaram a discutir a possibilidade de manejar deliberadamente o clima da Terra, provocando debates sobre os aspectos sociais, econômicos, políticos e éticos. Segundo Tolentino e outros (1995, p. 73-74), argumentavam que intervenções tecnológicas podem minorar ou reverter os efeitos das alterações introduzidas na atmosfera pelas atividades antrópicas. Referem-se, em especial, ao efeito estufa e ao depauperamento da camada de ozônio estratosférica. Alguns cientistas soviéticos, na década de 1960, defendiam propostas entre outras medidas de que o gelo do Ártico fosse diminuído, bem como as tundras geladas das regiões subárticas. Para tanto, sugeriram o implante, em torno da Terra, de um anel de partículas altamente refletoras (similar aos anéis de Saturno) e o desvio de rios para a Sibéria, com a finalidade de criar um vasto mar (TOLENTINO et al., 1995, p. 73). Entretanto, os cientistas soviéticos não previam que suas propostas se concretizariam mais tarde, porém os resultados previsíveis não vêm ao encontro da sustentabilidade e do manejo do meio ambiente. Novos dados obtidos indicam a probabilidade de que as perdas dos mantos de gelo da Groenlândia e da Antártica tenham contribuído para a elevação do nível do mar ao longo do período de 1993 a 2003. Essas mudanças podem ocasionar o aumento da atividade intensa dos ciclones tropicais no Atlântico Norte, a inundação de áreas costeiras, a mudança das correntes marítimas, eventos extremos, enfim, o manejo da atmosfera foi desordenado e com efeitos imprevisíveis em um cenário de incertezas (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007a, p. 13-18). Considerando os avanços científicos sintetizados pelos relatórios do IPCC em escala global e os estudos recentes observacionais e de modelagem sobre a variabilidade climática de 35 A definição de equivalente de dióxido de carbono (CO2-eq) é a quantidade de emissões de CO2 que causaria o mesmo forçamento radiativo que uma quantidade emitida de um gás de efeito estufa bem misturado ou uma mistura de gases de efeito estufa misturados, todos multiplicados por seus respectivos potenciais de aquecimento global para considerar os diferentes tempos em que permanecem na atmosfera (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007b, p. 3). 65 longo prazo e mudanças climáticas futuras e para o passado chega-se a conclusão de que o clima, de fato, está mudando global e regionalmente. É importante ressaltar que a maioria dos gases do efeito estufa tem longa vida (décadas a séculos) na atmosfera até serem removidos. Cálculos recentes com sofisticados modelos climáticos globais mostraram que, mesmo que as concentrações desses gases na atmosfera fossem mantidas constantes nos valores atuais, as temperaturas continuariam a subir por mais de 200 anos e o nível do mar, por mais de um milênio. Sabe-se, todavia, que o aquecimento global irá ocasionar um derretimento das calotas polares, com aumento do nível médio do mar e inundação de regiões mais baixas. A evaporação nas regiões equatoriais irá aumentar, com isso, os sistemas meteorológicos, como furacões e tempestades tropicais, ficarão mais ativos. Além disso, deverá haver um aumento da incidência de doenças tropicais, como malária, dengue e febre amarela. O fato de que os 10 últimos anos foram os mais quentes dos últimos 1.000 anos (sendo 2005, 1998, 2002 e 2003 os mais quentes) levou pesquisadores, tomadores de decisão em políticas públicas e conservacionistas, de maneira consensual, à opinião de que a mudança de clima não é um mito e sim uma realidade. 66 3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E MEIO AMBIENTE El cambio global y el cambio climático son problemas que han transcendido el ámbito de la investigación científica para percollar el tejido de la sociedad. (Carlos Duarte). A teoria das representações sociais está sendo amplamente utilizada nos estudos a respeito da construção social do conhecimento, particularmente, sobre as relações entre realidade, representações sociais da realidade e ação individual e coletiva. Em um mundo midiático permeado por sinais, no qual os meios de comunicação de massa exercem uma “midiação cultural”, tais estudos procuram investigar de que forma os sujeitos sociais se apropriam da realidade social vivida, quais sentidos conferem a ela e como a transformam em suas práticas cotidianas. A grande questão com que se depara no passado e presente é: como explicar as imagens, símbolos e representações que circulam e dão forma aos saberes que uma sociedade desenvolve, sobre aquilo que ela tem ou deseja? Como esses saberes são perpassados pelas relações de poder e de dominação? (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 1995). O papel e a influência da comunicação nos processos de construção das representações sociais ilustram, também, a maneira como as representações tornam-se senso comum. Elas integram o cotidiano, fazem parte dos discursos e narrativas sobre o próprio indivíduo e o mundo. De acordo com Moscovici (2003, p. 8) “[...] as representações sustentadas pelas influências sociais da comunicação constituem as realidades de nossas vidas cotidianas e servem como o principal meio para estabelecer as associações com as quais nós nos ligamos uns aos outros.” O campo das interações sociais é o lócus sobre o qual a teoria das representações sociais dirige seu olhar, tentando entender como a realidade social constrói a gramática e a dramática dos símbolos que povoam o cotidiano e movem o indivíduo à ação. Um dos principais intelectuais que forjou o conceito de representação social, Moscovici (2003), afirma que o conceito de representação social ou coletiva nasceu na sociologia e na antropologia. Foi obra de Durkheim e de Lévi-Bruhl. Para Moscovici (2003, p. 9) “[...] a teoria da representação social desempenhou um papel análogo na teoria da linguagem de Saussure, na teoria das representações infantis de Piaget, ou ainda no desenvolvimento cultural de Vigotsky.” 67 De acordo com esse autor (MOSCOVICI, 2003), as representações sociais são estruturas cognitivas que se constroem no âmago das interações e das práticas sociais, constituindo conjunto simbólico, prático e dinâmico, que objetiva a produção e não a reprodução ou reação a estímulos exteriores, como opiniões ou imagens. São, portanto, formas de conhecimento, construídas nas relações grupais e intergrupais, tendo como finalidade conhecer, interpretar, fazer-se entender e reconhecer, como, também, agir sobre o mundo. Para Moscovici (2003), há numerosas ciências que estudam a maneira como as pessoas tratam, distribuem e representam a realidade. Segundo ele, é a Psicologia Social quem mais tem estudado como e por que as pessoas partilham o conhecimento e, desse modo, constituem sua realidade comum, transformando ideias em práticas. Essa ciência é uma manifestação do pensamento científico e, por isso, quando estuda o sistema cognitivo ela pressupõe que: os indivíduos normais reagem a fenômenos, pessoas ou acontecimentos do mesmo modo que os cientistas ou os estatísticos; compreender consiste em processar informações. Em outras palavras, percebe-se o mundo tal como é, e todas as percepções, ideias e atribuições são respostas a estímulos do ambiente físico ou quase-físico, em que se vive. O que distingue cada ser humano é a necessidade de avaliar seres e objetos corretamente, de compreender a realidade completamente; e o que distingue o meio ambiente é sua autonomia, sua independência em relação ao indivíduo, ou mesmo, poder-se-ia dizer, “sua indiferença com respeito a nós e a nossas necessidades e desejos.” (MOSCOVICI, 2003, p. 30). Moscovici (2003) usa exemplos e metáforas para demonstrar como cada experiência é somada a uma realidade predeterminada por convenções, que claramente define suas fronteiras, distingue mensagens significantes de mensagens não significantes e que liga cada parte a um todo e coloca cada pessoa em uma categoria distinta. Desse modo, Moscovici (2003) acredita que nenhuma mente está livre dos efeitos dos condicionamentos anteriores que lhes são impostos por suas representações, linguagem e cultura. Segundo ele (MOSCOVICI, 2003, p. 35) “[...] nós pensamos através de uma linguagem; nós organizamos nossos pensamentos, de acordo com um sistema que está condicionado, tanto por nossas representações, como por nossa cultura.” E ele complementa que se vê apenas o que as convenções subjacentes permitem que se veja e se permanece inconsciente dessas convenções. As representações são prescritivas, ou seja, são impostas sobre o indivíduo com uma força irresistível (MOSCOVICI, 2003). Essa força é uma combinação de uma estrutura que 68 está presente antes mesmo que se comece a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado. Para Moscovici (2003), essas representações penetram e influenciam a mente de cada um, elas não são pensadas por eles; melhor, para ser mais preciso, são repensadas, recitadas e reapresentadas: Eu quero dizer que elas são impostas sobre nós, transmitidas e são o produto de uma sequência completa de elaborações e mudanças que ocorrem no decurso do tempo e são o resultado de sucessivas gerações. Todos os sistemas de classificação, todas as imagens e todas as descrições que circulam dentro de uma sociedade, mesmo as descrições científicas, implicam um elo de prévios sistemas e imagens, uma estratificação na memória coletiva e uma reprodução na linguagem que, invariavelmente, reflete um conhecimento anterior e que quebra as amarras da informação presente. (MOSCOVICI, 2003, p. 37). Para Moscovici (2003), a tarefa principal da psicologia social é estudar as representações, suas propriedades, origens e impacto. Segundo ele, nenhuma outra disciplina dedica-se a essa tarefa e nenhuma está mais bem equipada para isso. De fato, Moscovici se inspirou na criação do conceito de representações coletivas de Durkheim para criar e ampliar a teoria das representações sociais e considerá-la como fenômeno e não como conceito.36 Na perspectiva da psicologia social, o conhecimento nunca é uma simples descrição ou uma cópia do estado de coisas. Ao contrário, o conhecimento é sempre produzido mediante interação e comunicação, e sua expressão está sempre ligada aos interesses humanos que estão nele implicados. A psicologia social do conhecimento está interessada nos processos pelos quais o conhecimento é gerado, transformado e projetado no mundo social. As representações sociais vêm conquistando seu espaço no campo da Psicologia Social após Moscovici redefinir as bases conceituais e metodológicas sobre as quais se desenvolveram as discussões e aprofundamentos teóricos quanto às relações entre indivíduo e sociedade (MOSCOVICI, 2003; ALVES-MAZZOTTI, 1994). As representações sociais geralmente podem ser explicadas pelas condições socioestruturais e sociodinâmicas de um grupo.37 As representações podem pertencer tanto em níveis individuais quanto sociais de avaliação, dependendo dos métodos que o pesquisador utiliza na pesquisa. Os aspectos sociais e individuais das representações sociais não podem ser 36 Moscovici tinha consciência de que o modelo de sociedade de Durkheim era estático e tradicional, pensado para tempos em que a mudança se processava lentamente. As sociedades contemporâneas são dinâmicas e fluidas. Por isso, o conceito de “coletivo” era mais apropriado, cabível para sociedades mais cristalizadas e estruturadas. Moscovici preferiu preservar o conceito de representação e substituir o termo “coletivo”, pelo de “social”. Disso decorre o conceito de Representação Social (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 1995). 37 Para Moscovici (2003), compreender as representações sociais de uma sociedade é observar e compreender, através do estudo das circunstâncias em que os grupos se comunicam, tomam decisões e procuram tanto revelar, como esconder algo e das suas ações e crenças, isto é, das suas ideologias, ciências e representações. 69 vistos mediante análise dualista dos fenômenos. A simbiose entre os dois aspectos são os resultados da ação e do comportamento que são explicados causalmente pela representação e não o comportamento em si. A primazia da causalidade está nas representações; são elas, em cada caso, que ditam a atribuição, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. O que deve ser considerado, é que não somente as experiências, como as causas que se selecionam, são ditadas, em cada caso, por um sistema de representações sociais (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 1995; WAGNER, 1995). O conceito de representação social é multifacetado. De um lado, a representação social é concebida como processo social que envolve comunicação e discurso, ao longo do qual significados e objetos sociais são construídos e elaborados. Por outro lado, e principalmente, no que se relaciona ao conteúdo de pesquisas orientadas empiricamente, as representações sociais são operacionalizadas como atributos individuais – como estruturas individuais de conhecimento, símbolos e afetos distribuídos entre as pessoas em grupos ou sociedades (WAGNER, 1995). Moscovici (2003) define que as representações sociais não são apenas “opiniões sobre” ou “imagens de”, mas teorias coletivas sobre o real, sistemas que têm lógica e linguagem particulares, uma estrutura de implicações baseadas em valores e conceitos e que determinam o campo das comunicações possíveis, dos valores ou das ideias compartilhadas pelos grupos e regem, subsequente, as condutas desejáveis ou admitidas. 3.1 APROPRIAÇÕES METODOLÓGICAS DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS O campo de estudos das representações sociais reúne, de acordo com Jodelet (1995), dois debates importantes. No primeiro, as representações emergem como modalidade de conhecimento prático orientado para a compreensão do mundo e para a comunicação. No segundo, emergem como construções com caráter expressivo, elaborações de sujeitos sociais sobre objetos socialmente valorizados. Nesse contexto, Spink (1995, p. 119), considera as representações sociais como formas de conhecimento e conclui que: As representações sociais sendo formas de conhecimento prático inserem-se mais especificamente entre as correntes que estudam o conhecimento do senso comum. Tal privilegiamento pressupõe uma ruptura com as vertentes clássicas das teorias do 70 conhecimento anunciando importantes mudanças no posicionamento quanto ao estatuto da objetividade e da busca da verdade. Trata-se, a nosso ver, de inserir o estudo das representações sociais entre os esforços de desconstrução da retórica da verdade, componente intrínseco da Revolução Científica que inaugura a modernidade nas sociedades ocidentais. O próprio Moscovici (2003) considera que as representações sociais devem ser vistas como forma específica de compreender e comunica o que se já sabe. Para ele: As representações sociais ocupam, com efeito, uma posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções, que reproduzam o mundo de uma forma significativa. Elas sempre possuem duas faces, que são interdependentes, como duas faces de uma folha de papel: a face icônica e a face simbólica. Nós sabemos que: representação=imagem/significação; em outras palavras, a representação iguala toda imagem a uma ideia e toda a ideia a uma imagem. (MOSCOVICI, 2003, p. 46). Jodelet (apud SPINK, 1995, p. 120), considera que quando se tratam de elaborações de representações sociais significa que se está tratando, por exemplo, de um indivíduo jovem, inscrito em uma situação social e cultural definida, tendo uma história pessoal e social. Não é um indivíduo isolado que é tomado em consideração, mas sim as respostas individuais como manifestações de tendências do grupo de pertença ou de afiliação na qual os indivíduos participam. É nesse sentido que as representações fazem parte de campos socialmente estruturados.38 Segundo Spink (1995, p. 121) “[...] é a atividade de reinterpretação contínua que emerge do processo de elaboração das representações sociais no espaço de interação dos indivíduos que é o real objeto de estudo das representações sociais.” A elaboração das representações sociais, como formas de conhecimento prático que orientam as ações do cotidiano, ocorre, segundo Spink (1995), a partir de duas forças monumentais: de um lado há os conteúdos que circulam na sociedade, de outro, as forças decorrentes do próprio processo de interação social e as pressões para definir determinada situação de forma a confirmar e manter identidades coletivas. Para Minayo (1995, p. 108), “[...] é importante observar que as representações sociais não conformam a realidade e seria outra ilusão tomá-las como verdades científicas, reduzindo a realidade à concepção que os homens fazem dela.” A autora (MINAYO, 1995, p. 108) considera que “[...] a mediação privilegiada para a compreensão das representações sociais é a linguagem.” Pesquisas desta natureza investigam o discurso de um grupo social, como são 38 Nesse sentido, as estruturas estruturantes revelam o poder de criação e de transformações da realidade social. As representações sociais devem ser estudadas articulando elementos afetivos, mentais, sociais, integrando a cognição, a linguagem e a comunicação às relações sociais que afetam as representações sociais e à realidade material social e ideativa sobre a qual elas intervêm (SPINK, 1995, p. 121). 71 tecidos os repertórios do pensamento e da palavra que se reproduz em um determinado grupo social, em dado momento histórico de determinada região do planeta. Spink (1995, p. 117), afirma que uma metodologia de análise das representações sociais, em primeira instância, insere-se na tradição hermenêutica de pesquisa e foi desenvolvida em íntima associação com os objetivos teóricos dos estudos em pauta, sendo norteada por pressupostos epistemológicos construtivistas.39 Para a pesquisadora “[...] teoria, epistemologia e metodologia formam um círculo contínuo e influenciam-se mutuamente, gerando um processo permanente de reflexão.” (SPINK, 1995, p. 117). Para Moscovici (2003), os dois processos que geram representações sociais são a ancoragem e a objetivação. Para o autor “[...] são os dois mecanismos de um processo de pensamento baseado na memória e em conclusões passadas.” (MOSCOVICI, 2003, p. 60). A ancoragem é um processo que transforma algo estranho e perturbador, que intriga, no sistema particular de categorias do ser humano e o compara com um paradigma de uma categoria que se pensa apropriada. No momento em que determinado objeto ou ideia é comparado ao paradigma de uma categoria, adquire características dessa categoria e é reajustado para que se enquadre nela. Ancorar é, pois, classificar, rotular, dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não existentes e, ao mesmo tempo, ameaçadoras (ALVES-MAZZOTI, 1994; MOSCOVICI, 2003). Para Moscovici (2003), a objetivação une a ideia de não familiaridade com a de realidade, torna-se a verdadeira essência de realidade. A objetivação consiste na transformação de um conceito ou de uma ideia em algo concreto. É reproduzir um conceito em uma imagem. As imagens que foram selecionadas em virtude da capacidade de ser representadas se mesclam, e são integradas ao núcleo figurativo, um complexo de imagens que reproduzem visivelmente um complexo de ideias (MOSCOVICI, 2003). Segundo Moscovici (2003, p. 78): Ancoragem e objetivação são, pois, maneiras de lidar com a memória. A primeira mantém a memória em movimento e a memória é dirigida para dentro, está sempre colocando e tirando objetos, pessoas e acontecimentos, que ela classifica de acordo com o tipo e os rotula com um nome. A segunda, sendo mais ou menos direcionada para fora (para outros), tira daí conceitos e imagens para junta-los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas conhecidas a partir do que já é conhecido. 39 Moscovici reconhece amplamente que ao enfatizar o poder de criação das representações sociais, acatando sua dupla face de estruturas estruturadas e estruturas estruturantes, inscreve sua abordagem entre as perspectivas construtivistas. Inscreve-se, a bem dizer, no movimento maior aqui denominado de desconstrução da retórica da verdade. Aponta, inclusive, para a simultaneidade, ou até mesmo anterioridade, de sua obra Representações Sociais da Psicanálise (1978) e da obra de Berger e Luckmann (2001) que cunhou a perspectiva denominada de Construção social da realidade (SPINK, 1995, p. 120). 72 Em sua incursão sobre o não distanciamento das relações entre representações sociais e ideologia, Guareschi e Jovchelovitch (1995) analisam os dois processos, de ancoragem e objetivação, a fim de demonstrar que o autor não abandonou as relações entre ideologia e representações sociais. Segundo Guareschi e Jovchelovitch (1995, p. 201): Para ele (Moscovici), ancorar é trazer para categorias e imagens conhecidas o que ainda não está classificado e rotulado. “Tudo o que permanece inclassificável e não rotulável parece não existente, estranho e, assim, ameaçador [...] [Nesse processo] a neutralidade é proibida pela própria lógica do sistema em que cada objeto e ser deve ter um valor positivo ou negativo.” De maneira semelhante como o processo de objetivação. “A representação é basicamente um processo de classificação e nomeação, um método de estabelecer relações entre categorias e rótulos.” Um dos elementos principais da categoria é o protótipo; nós escolhemos qual o protótipo. Então: o veredicto tem precedência sobre o julgamento. Ao classificar, decidimos se há semelhança entre o que queremos classificar e o protótipo, que depois generalizamos. E tal decisão nunca é neutra. Nesse sentido, Wagner (1995) sugere aos pesquisadores que optarem por pesquisas em representações sociais que os métodos de pesquisas devem considerar dois níveis de avaliação que desempenham um papel crucial na pesquisa em representação social: o nível individual e o nível sociocultural. O nível de avaliação individual envolve todos aqueles conceitos da Psicologia Social que se referem a fenômenos de domínio subjetivo, como compreensão, sentimentos e a volição individual. Segundo Wagner (1995), tais fenômenos são bem conhecidos como percepções, memórias, atitudes, intenções, pensamentos, emoções, afetos e comportamentos. Esses conceitos são avaliados, medidos e teorizados a partir ou em relação ao sujeito individual. Já as variáveis e conceitos no nível de avaliação social, cultural ou do grupo, compreendem fatos que aparecem para o indivíduo como um tipo de material a priori. Se variáveis e conceitos são avaliados nesse nível, é porque eles refletem, como um todo, qualidades de sociedades, culturas, grupos, subculturas, classes sociais e subgrupos. Conceitos a este nível não expressam propriedades que possam ser atribuídas a um indivíduo, mas somente a um agregado de indivíduos com propriedades emergentes próprias. Tais propriedades não estão ao alcance de métodos psicológicos individuais, dependem dos métodos da psicologia social, sociologia, economia, antropologia social e cultural. Dentro do campo de pesquisa em representações sociais podem-se observar dois usos distintos do conceito de representação, que dependem do interesse explicativo e do procedimento de avaliação do pesquisador: sistema de conhecimento dos indivíduos como representativos de grupos específicos; atributos das unidades sociais per se. 73 No primeiro caso, se o pesquisador estiver interessado nas características distribuídas das representações sociais o pesquisador se remete ao nível de avaliação individual. Esse é também o caso se a avaliação do procedimento da representação envolve uma amostra de vários indivíduos. O ponto de interesse, em tais estudos, é o conjunto de elementos constantes em uma representação, que pode apenas ser identificado mediante amostragem de vários indivíduos. Os dados são coletados de uma amostra, na maioria das vezes, homogênea. A representação, tal como é avaliada por esse tipo de pesquisa, constitui-se dos elementos comuns do conhecimento que é produzido pelas pessoas da amostra (WAGNER, 1995). Já para os pesquisadores interessados nas características coletivas de uma representação social, o pesquisador avaliará a representação pertencente aos grupos por meio de documentos, análises de mídia, ou sondagens. Isso garante que a visão coletiva da representação social resultante contenha não somente opiniões de subgrupos mais ou menos importantes, mas também que observe as diferentes versões, pontos de vista e profundidade de elaboração e um único e mesmo objeto social em um grupo social, mais abrangente. Wagner (1995) considera que as representações sociais em grupos revelam uma divisão do trabalho que pode ser chamada linguística, cognitiva ou representacional. Em consequência, as representações de um único e mesmo objeto social estão presentes em vários estados de elaboração em diferentes subgrupos e incluem aspectos diferenciados do objeto que variam na relevância que tem para cada subgrupo. Entretanto, somente a totalidade desses aspectos pode ser considerada como a representação social do respectivo objeto para um grupo social como um todo. Nesse caso, o pesquisador procura avaliar a totalidade das versões existentes de uma representação, em uma unidade social mais ampla (WAGNER, 1995). Nesta pesquisa, a metodologia utilizada inscreve-se no campo de pesquisa que se refere ao sistema de conhecimento de indivíduos como representativos de grupos específicos. Ao se permitir compreender a geração e a transformação desses significados nos diferentes grupos sociais, a teoria das representações sociais constitui-se um suporte teóricometodológico valioso para compreender quais as informações, crenças, valores e atitudes que guiam os comportamentos das pessoas ao se relacionarem com o meio ambiente. O propósito desta pesquisa é compreender como são partilhadas as representações sociais em relação ao aquecimento global pelos jovens estudantes universitários. Em decorrência do problema de pesquisa, o pesquisador optou pela delimitação de um subgrupo de universitários para observar o processo coletivo e o produto social do discurso e 74 da comunicação desse subgrupo na constituição das representações sociais locais de um problema global. Esse subgrupo é composto por jovens estudantes universitários do Curso de Comunicação Social: habilitações em Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Radialismo. 3.2 MEIO AMBIENTE COMO REPRESENTAÇÃO SOCIAL As representações sociais equivalem a um conjunto de princípios construídos interativamente e compartilhados por diferentes grupos que, por intermédio delas, compreendem e transformam sua realidade. É essa dinamicidade e multiplicidade de funções das representações sociais que fazem desse conceito uma ferramenta importante na análise das sociedades em permanente transformação, garantindo sua aplicabilidade em áreas tão diversas, como a saúde, a educação, o meio ambiente, a ciência política, o marketing e a administração, entre outras (CORDEIRO, 2006; REIGOTA, 1998). De acordo com os PCNs (BRASIL, 1997) trabalhar com o meio ambiente é contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos para decidirem a atuarem na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um e da sociedade, local e global. Para isso, é necessário que, mais do que informações e conceitos, a escola se proponha a trabalhar com atitudes, com formação de valores, com o ensino e a aprendizagem de habilidade e procedimentos. E esse é um grande desafio para a educação. Desse modo, esses conhecimentos e informações configuram as representações sociais socialmente difundidas na sociedade. Nesse sentido, o termo meio ambiente não pode ser estabelecido de forma rígida e estática. De acordo com a orientação expressa pelos PCNs (BRASIL, 1997), é mais apropriado definir meio ambiente como representação social: É mais relevante estabelecer o meio ambiente como uma representação social, isto é, uma visão que evolui no tempo e depende do grupo social em que é utilizada. São essas representações, bem como suas modificações ao longo do tempo, que importam: é nelas que se busca intervir quando se trabalha com o tema meio ambiente. (BRASIL, 1997, p. 31). Outros autores, entre os quais Beck (2006, 1997, 1998), Moscovici (2003), Cartea (2003), Reigota (1998), Gonçalves (1989), Morin e Kern (1995) também têm chamado a 75 atenção para as dimensões socioculturais presentes nas formas como os indivíduos e as sociedades concebem o meio ambiente e relacionam-se com ele. Toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma determinada ideia do que seja a natureza. Neste sentido, o conceito de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens. Constitui um dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material e espiritual, enfim a sua cultura. (GONÇALVES, 1989, p. 54). Reigota (1998) propõe que o meio ambiente é um espaço determinado no tempo, no sentido de se procurar delimitar as fronteiras e os momentos específicos que permitem um conhecimento mais aprofundado. Para ele: O meio ambiente é definido como o lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Essas relações implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído [...] ele é também percebido, já que cada pessoa o delimita em função de suas representações, conhecimento específico e experiências cotidianas nesse mesmo tempo e espaço (REIGOTA, 1998, p. 14). Nessa perspectiva, Moscovici (2007, p. 85) considera que a imagem que se faz da civilização revela uma experiência singular: a natureza não se assemelha à natureza. Segundo ele: Como se ela devesse necessariamente ser aquilo que não é: o mundo das forças impiedosas ou inimigas contra as quais devemos lutar, a fim de dominá-las. A natureza é, como ela sempre foi, imediatamente acessível a nossos sentidos e a nosso pensamento, o universo familiar das águas, dos ventos, das plantas e das árvores, a terra sobre a qual se encontram os homens e os animais sob o céu chuvoso ou ensolarado, segundo o ritmo das estações, do dia e da noite, nosso habitat rico em cores e odores. Ao viver e trabalhar, os homens e a natureza constituem uma unidade, eles são a natureza e nós não temos nenhuma dúvida a esse respeito. A despeito de sua dimensão biofísica, o aquecimento global também é uma representação social. Para Cartea (2003), toda a cultura local e regional tem elaborado com maior ou menor sofisticação e extensão sistemas de conhecimento para interpretar as variações climáticas com que convive. Para ele: La controversia publica que se ha generado en torno al cambio climático, a su explicación científica y a sus derivaciones sociales, políticas y económicas, reúne todos los elementos para estimar que resulta especialmente perteneciente su abordaje desde la teoría de las representaciones sociales […] En ellos se 76 entremezclan la experiencia acumulada a través de la tradición y otros elementos que pueden ser de carácter mítico-religioso o mágico, lo que no impide que, en general, ofrezcan representaciones socialmente compartidas y aceptadas para comprender y predecir el comportamiento y la evolución del tiempo atmosférico. Que dichas representaciones sean acientíficas o se construyan a partir de lecturas erradas de la realidad no evita que sean útiles y permitan satisfacer, al menos en parte, las necesidades prácticas (organizar las labores agrícolas) o simbólicas (dominar los elementos) de la comunidad que las genera. (CARTEA, 2003, p. 440443). Em virtude da enorme expansão das mídias em todo o mundo nas últimas décadas, as informações circulam com maior rapidez e estão cada vez mais integradas ao cotidiano das pessoas. É inegável o papel exercido pelos meios de comunicação social no entendimento que as pessoas têm do aquecimento global e de outros tantos temas ambientais. Poucos assuntos ganharam tanto destaque nos últimos anos quanto o aquecimento global. A mídia tem priorizado esse tema. Como destacam os PCNs: O rádio, a TV e a imprensa, por outro lado, constituem a grande fonte de informações que a maioria das crianças e das famílias possui sobre o meio ambiente. Embora muitas vezes aborde o assunto de forma superficial ou equivocada, a mídia vem tratando de questões ambientais. Notícias de TV e de rádio, de jornais e revistas, programas especiais tratando de questões relacionadas ao meio ambiente tem sido cada vez mais frequentes. Paralelamente, existe o discurso veiculado pelos mesmos meios de comunicação que propõe uma ideia de desenvolvimento que não raro conflita com a ideia de respeito ao meio ambiente. São propostos e estimulados valores insustentáveis de consumismo, desperdício, violência, egoísmo, desrespeito, preconceito, irresponsabilidade e tantos outros. (BRASIL, 1997, p. 30). O reconhecimento de que os meios de comunicação de massa influenciam diretamente na elaboração das representações sociais dos estudantes, em seu comportamento, seus hábitos e valores, indica que cada parcela da sociedade cria uma visão de mundo, em um tempo e espaço particular, que pode ser socializada com um grupo e que as representações sociais são dinâmicas, evoluindo rapidamente e os meios de comunicação de massa tencionam conceitos e valores mediante um discurso que ora promove a chamada consciência ecológica, ora incentiva o consumo. Nesse sentido, é importante destacar que os conhecimentos, imagens, representações e valores que os indivíduos têm sobre o aquecimento global são bastante dinâmicos, movediços e vivos. É necessário considerar o modo como as pessoas representam a realidade socioambiental na qual vivem, porque todo o trabalho educativo é, no fundo, uma tentativa de dialogar criticamente com esse reservatório de conhecimentos ancorado na cultura e no senso comum. 77 4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS As teorias científicas não estarão aptas a fornecer uma descrição completa e definitiva da realidade. Serão sempre aproximações da verdadeira natureza das coisas. (Fritjof Capra). Nesta seção, apresentam-se as opções metodológicas e os procedimentos de pesquisa utilizados para o desenvolvimento do estudo, também, o universo da pesquisa, a caracterização dos entrevistados, os instrumentos de coleta de dados e as categorias de análise. 4.1 TIPO DE PESQUISA A pesquisa em educação reveste-se de algumas características específicas, como bem destaca Gatti (2002, p. 12-13): [...] pesquisar em educação significa trabalhar com algo relativo a seres humanos ou com eles mesmos, em seu processo de vida. A pesquisa educacional, tal como ela vem sendo realizada, compreende, assim, uma vasta diversidade de questões, de diferentes conotações, embora todas relacionadas complexamente ao desenvolvimento das pessoas e das sociedades. Esta pesquisa é de natureza descritiva, com a utilização de técnicas de pesquisa quantitativa (questionário semitabulado) e qualitativa (grupo focal). Segundo Richardson (1999), os estudos descritivos propõem-se a investigar o “que é”, ou seja, a descobrir as características de um fenômeno como tal. Nesse sentido, são considerados como objeto de estudo uma situação específica, um grupo ou um indivíduo. Desse modo, o trabalho de pesquisa deve ser planejado e executado de acordo com as normas requeridas por cada método de investigação. Para Gil (1987), as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre variáveis. São inúmeros os estudos que podem ser classificados sob este título e uma de suas características mais significativas está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados. O autor ainda considera que algumas pesquisas descritivas vão além da simples identificação da existência de relações entre variáveis. Segundo Gil (1987, p. 45) “[...] há 78 pesquisas que, embora definidas como explicativas a partir de seus objetivos, acabam servindo mais para proporcionar uma nova visão do problema, o que as aproxima das pesquisas exploratórias.” De acordo com Triviños (1987), a maioria dos estudos que se realizam no campo da educação é de natureza descritiva. Como o foco essencial desta pesquisa reside no desejo de conhecer as representações sociais dos estudantes universitários, a pesquisa descritiva deste estudo busca conhecer as diversas situações que formam as representações sociais sobre a crise ambiental, em especial ao aquecimento global. Para Triviños (1987), a pesquisa educacional investiga os fenômenos educacionais, os quais são todos fenômenos sociais. Como tais, devem ter certas características gerais que os permitem diferenciar de outros fenômenos. Segundo Creswell (2007), bem menos conhecidas do que as estratégias quantitativas e qualitativas estão aquelas que envolvem coleta e análise das duas formas de dados em um único estudo, mais conhecidos como métodos mistos. Para o autor: As razões para reunir diferentes métodos levaram escritores de todo o mundo a desenvolver procedimentos para estratégias de investigação de métodos mistos e a assumir os muitos termos encontrados na literatura, como multimétodo, convergência, integrado e combinado, e procedimentos moldados para pesquisa. A técnica de métodos mistos é aquela em que o pesquisador tende a basear as alegações de conhecimento em elementos pragmáticos. Essa técnica emprega estratégias de investigação que envolve coleta de dados simultânea ou sequencial para melhor entender os problemas de pesquisa. A coleta de dados também envolve a obtenção tanto de informações numéricas (instrumentos estruturados), como informações de textos (entrevistas, depoimentos), de forma que o banco de dados final represente tanto informações quantitativas como qualitativas. (CRESWELL, 2007, p. 34). Nas considerações de Richardson (1999), o método quantitativo representa, em princípio, a intenção de garantir a precisão dos resultados, evitar distorções de análise e interpretação, possibilitando, consequentemente, uma margem de segurança quanto às inferências. Para o autor, este método é frequentemente aplicado nos estudos descritivos, naqueles que procuram descobrir e classificar a relação entre variáveis, bem como nos que investigam a relação de causalidade dos fenômenos. A opção pelo uso do método quantitativo nesta pesquisa pressupõe, em princípio, coletar dados de uma amostra geral para depois aprofundar o estudo em grupos menores por intermédio da técnica do Grupo Focal. Em estudos desta natureza, a pesquisa qualitativa, segundo Minayo (1999), justificase, sobretudo, por ser uma forma adequada para entender a natureza de um fenômeno social. Segundo a autora: 79 A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. A diferença entre qualitativo-quantitavivo é de natureza. Enquanto cientistas sociais que trabalham com estatísticas apreendem dos fenômenos apenas a região “visível, ecológica, morfológica e concreta”, a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas. (MINAYO, 1999, p. 21). O conjunto dos dados quantitativos e qualitativos não se opõe; ao contrário, complementam-se, pois a realidade abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia. Para os autores, a pesquisa deve rejeitar a falsa dicotomia, a separação entre estudos qualitativos e quantitativos, ou entre ponto de vista estatístico e não estatístico. (CRESWELL, 2007; LAKATOS, 1999; RICHARDSON, 1999; MINAYO, 1999). 4.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA A pesquisa foi realizada na cidade de Joaçaba, estado de Santa Catarina, na Universidade do Oeste de Santa Catarina, Campus de Joaçaba, localizada no Meio-Oeste catarinense, no Vale do Rio do Peixe, a 450 km de Florianópolis. A Unoesc atua no Oeste de Santa Catarina em uma área territorial de 27.555,5 Km2, geopoliticamente estruturada em cinco microrregiões, reunindo 118 municípios e somando 1.116.766 habitantes. Possui uma densidade demográfica de 40,9 habitantes por Km2, abaixo da média estadual, que é de 56,14. A maior população rural do Estado encontra-se nessa região (37%) (DE MARCO, 2003, p. 26). A Unoesc é uma instituição pública, de direito privada e de natureza comunitária. Seus compromissos possuem um sentido público; sua atuação é regional. No ano de 2009,40 no Campus da Unoesc de Joaçaba, encontravam-se regularmente matriculados 5.349 alunos de graduação, dispostos em 37 cursos, nas modalidades de bacharelado e licenciatura, agrupados em quatro áreas do conhecimento. 40 Dados obtidos a partir do relatório Unoesc números. Este é um relatório publicado semestralmente pela Instituição com informações quantitativas sobre a Universidade. Disponível em: <www.unoescjba.edu.br/portal/colaborador>. 80 Para compor a amostra desta pesquisa, foi selecionado um curso de graduação da Área das Ciências Humanas e Sociais. O universo da pesquisa foi delimitado para o Curso de Comunicação Social: habilitações em Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Radialismo. No momento da pesquisa de campo (primeiro semestre de 2009), encontravam-se matriculados nesse curso 22041 acadêmicos, com idade entre 18 e 30 anos, de ambos os sexos. Segundo Gil (1987), as pesquisas sociais abrangem um universo de elementos tão grande que se torna impossível considerá-los em sua totalidade. Por essa razão, nas pesquisas sociais é frequente trabalhar com uma amostra, ou seja, pequena parte dos elementos que compõem o universo. Dessa forma, o tipo de amostragem desta pesquisa foi não probabilístico, pois de acordo com Gil (1987, p. 93) “[...] este tipo de amostragem não apresenta fundamentação matemática ou estatística, depende unicamente de critérios do pesquisador.” Para selecionar os acadêmicos que fizeram parte da amostragem, foram utilizados os seguintes critérios: a) para a pesquisa quantitativa, era preciso que o informante da pesquisa fosse estudante de graduação regularmente matriculado no Curso de Comunicação Social, nas habilitações de: Jornalismo, Radialismo e Publicidade e Propaganda; b) para a pesquisa qualitativa foram selecionados aleatoriamente cinco alunos do Curso de Comunicação Social para compor o Grupo Focal (amostra aleatória simples). Foram realizados três encontros com diferentes grupos de alunos. A amostra total será de 15 alunos para o Grupo Focal; c) ter idade entre 18 e 30 anos, de ambos os sexos; d) disposição para o preenchimento do Termo de consentimento livre e esclarecido do CEP. Para a realização da pesquisa quantitativa, foram convidados 200 acadêmicos do curso de Comunicação Social da Unoesc. Desse total, 176 deles responderam adequadamente ao instrumento de pesquisa (questionário semitabulado). Os dados foram coletados no período entre março e maio de 2009, e a análise foi feita mediante a tabulação dos mesmos. As entrevistas foram desenvolvidas com quinze estudantes, mediante a técnica do grupo focal. 41 Fonte: Secretaria Acadêmica da Universidade do Oeste de Santa Catarina. 81 4.3 INSTRUMENTOS DE PESQUISA Existem diversos instrumentos de coleta de dados os quais são utilizados para obter informações acerca dos grupos sociais. Em razão da necessidade de conhecer as representações sociais dos estudantes universitários do Curso de Comunicação Social da Unoesc, Campus de Joaçaba foi utilizado, neste estudo empírico-descritivo, dois instrumentos de pesquisa: o questionário semiestruturado e a entrevista, por meio da técnica do Grupo Focal. 4.3.1Questionário semiestruturado Entre os motivos para a escolha do questionário semiestruturado, pode-se pontuar, em primeiro lugar, que esse método permite ao pesquisador atingir maior número de pessoas, com o objetivo de quantificar os fenômenos sociais. A opção pelo questionário semiestruturado ocorreu pela existência de questões abertas e questões fechadas, exigindo do sujeito da pesquisa respostas com níveis diferentes de complexidade. Por meio do questionário é possível observar/identificar alguns traços comuns nas respostas sugeridas pelo grupo pesquisado. Para Richardson (1999, p. 189), “[...] frequentemente, os pesquisadores elaboram os questionários com perguntas abertas e fechadas, sendo o questionário uma entrevista estruturada.” Gil (1987) afirma que o questionário constitui hoje uma das mais importantes técnicas disponíveis para a obtenção de dados nas pesquisas sociais. Ele define o questionário como a técnica de investigação composta por um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas, etc. Em razão da necessidade de conhecer as representações sociais dos estudantes universitários sobre o aquecimento global, foi elaborada uma lista abrangente de questões sobre cada categoria de análise da pesquisa. Com o intuito de aprimorar o questionário, foi realizado, em fevereiro de 2009, um teste-piloto, com um grupo de 53 estudantes. As questões que compuseram o questionário (Apêndice A) foram definidas a partir das categorias de análise definidas, a priori, para a pesquisa. Apesar das categorias de análise terem sido reformuladas ao longo da pesquisa, foram priorizadas as seguintes: compreensão da crise 82 ecológica e do aquecimento global, causas e consequências do aquecimento global, conhecimento e informação ambiental e cidadania e práticas cotidianas. 4.3.2 Entrevistas: Grupo Focal A entrevista é uma das técnicas de coleta de dados mais utilizada no âmbito das ciências sociais. Psicólogos, sociólogos, pedagogos, assistentes sociais e, praticamente, os outros profissionais que tratam de problemas humanos valem-se dessa técnica, não apenas para coleta de dados, mas, também, com objetivos voltados ao diagnóstico e à orientação (GIL, 1987, p. 113). Segundo Richardson (1999), no que diz respeito a procedimentos metodológicos, as pesquisas qualitativas exploram, particularmente, as técnicas de observação e entrevistas. A entrevista não estruturada, também chamada entrevista em profundidade, ao invés de responder à pergunta por meio de diversas alternativas pré-formuladas, visa obter do entrevistado o que ele considera os aspectos mais relevantes de determinado problema. O grupo focal é uma técnica de coleta de dados em pesquisa qualitativa, para a qual o pesquisador prepara um roteiro de questões pertinentes ao tema a ser trabalhado no debate, a fim de que não se desvincule do tema em questão. A técnica do grupo focal ocupa uma posição intermediária entre a observação participante e as entrevistas com profundidade. Pode ser caracterizado, também, como um recurso para compreender o processo de construção das percepções, atitudes e representações sociais de grupos humanos (GONDIN, 2002). Segundo Lakatos (1999), o grupo focal é uma técnica de entrevista qualitativa, não diretiva, informal, livre. O pesquisador não tem em vista controlar a discussão de um grupo de pessoas. É uma técnica de entrevista para o observador obter informações sobre a temática em estudo. O investigador apresenta-se pessoalmente ao grupo dos entrevistados, descreve os objetivos da pesquisa e a necessidade de obter os dados para o problema que está estudando. Como instrumento de pesquisa do método do grupo focal, a entrevista não estruturada, por meio de uma conversação não diretiva-focalizada,42 buscou obter informações detalhadas a fim de ser utilizadas para análise conjuntamente com os dados quantitativos e qualitativos. 42 Para Richardson (1999), por meio de uma conversação guiada, procura-se saber que, como e por que algo ocorre, em lugar de determinar a frequência de certas ocorrências, nas quais o pesquisador acredita. Em geral, a entrevista não diretiva é uma técnica muito poderosa, particularmente para detectar atitudes, motivações e opiniões dos entrevistados. Gil (1987) traz o termo entrevista focalizada, para definir que a entrevista é livre, todavia, enfoca um tema específico. A proximidade entre os termos entrevista dirigida e entrevista focalizada 83 Dessa forma, elaborou-se uma lista de questões sobre cada tema a ser debatido com os grupos de alunos. A orientação para a elaboração do roteiro das entrevistas do grupo focal foi dado pelas categorias de análise da pesquisa. As entrevistas foram realizadas depois da pesquisa quantitativa, o que permitiu aprimorar o próprio roteiro das entrevistas. As questões que guiaram o pesquisador na mediação das entrevistas com o grupo focal foram: a) Quais são as representações sociais do aquecimento global? b) Quais são as representações das informações e conhecimentos sobre a crise ambiental? c) Quais são as fontes de informações e de conhecimento sobre o aquecimento global? d) Quais são as representações sociais enunciadas sobre o tema a partir dessas informações? e) Como os alunos percebem os indícios do aquecimento global na região MeioOeste catarinense? f) Qual é o grau de envolvimento em projetos de preservação ambiental? A coleta de dados para a pesquisa qualitativa foi realizada no laboratório de produção de vídeos da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Campus de Joaçaba. Após a entrega do Termo de consentimento livre e esclarecido os informantes participaram do grupo focal que durou entre 40 e 60 minutos. As entrevistas ocorreram entre os meses de junho e julho de 2009. As entrevistas foram realizadas em três grupos focais, com a presença de cinco estudantes cada, totalizando quinze sujeitos. 4.4 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA A pesquisa de campo foi iniciada pela elaboração do questionário. Nessa etapa, as questões que compõem o instrumento de pesquisa foram agrupadas de acordo com as categorias de análise. revela que este tipo de técnica é bastante utilizada com grupos de pessoas, e, permite ao entrevistado falar livremente sobre o assunto, mas, quanto este se desvia do tema original, o entrevistador deve precisa intervir e mediar o debate. 84 Na segunda etapa, o projeto de dissertação foi encaminhado para apreciação do Comitê de Ética e Pesquisa, da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Após sua aprovação, foi realizado um contato com a coordenação do Curso de Comunicação Social para expor os objetivos e destacar a relevância da pesquisa. A proposta de pesquisa foi também apresentada ao Colegiado do Curso, que aprovou a iniciativa. Na terceira etapa, com a permissão da Coordenação do Curso e mediante a aceitação dos professores, foi realizado o levantamento dos dados da pesquisa quantitativa com acadêmicos do Curso de Comunicação Social da Unoesc em suas três habilitações. De acordo com os procedimentos metodológicos desta pesquisa, no primeiro contato com os acadêmicos, o pesquisador apresentou e argumentou sobre a importância do estudo, destacando que a pesquisa integra o Programa de Mestrado em Educação da Unoesc. Em reunião com os estudantes, o pesquisador esclareceu o uso da técnica de pesquisa e a importância da participação destes. Foi destacado que a participação é facultativa e que as informações serão inteiramente sigilosas. Aos que aceitaram participar foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do Conselho de Ética em Pesquisa. Para a aplicação do questionário quantitativo foi previsto apenas um encontro com os estudantes universitários, o qual durou aproximadamente trinta minutos. Após o preenchimento do questionário pelos acadêmicos matriculados (da primeira a sétima fase das respectivas habilitações) efetuou-se a tabulação dos dados por meio de recursos e de técnicas estatísticas, estruturadas em tabelas e gráficos. Na quarta etapa, foram realizadas as entrevistas, com três grupos, compostos por cinco acadêmicos cada, selecionados aleatoriamente. Após o consentimento dos estudantes, o pesquisador informou sobre os procedimentos técnicos adotados para a coleta de dados, compostos por um “Diário de Bordo” para anotar aspectos durante o encontro com os acadêmicos e a utilização de um gravador (câmera de vídeo) durante a entrevista. As entrevistas tiveram duração média de 90 minutos. As entrevistas foram, posteriormente, transcritas na íntegra. 85 5 OS ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS E O AQUECIMENTO GLOBAL Somos niños perdidos en un bosque de símbolos. (Charles-Pierre Baudelaire). A presente seção apresenta os resultados da pesquisa empírica desenvolvida com os estudantes universitários que compuseram a amostra. Os dados quantitativos foram obtidos por meio da aplicação de um questionário a 176 alunos do Curso de Comunicação Social: habilitações em Jornalismo e Publicidade e Propaganda e Radialismo. A pesquisa qualitativa, realizada por meio da técnica do grupo focal, foi realizada com 15 acadêmicos do referido curso, entre os meses de março a julho de 2009. A partir desta seção procura-se apresentar e discutir os principais resultados obtidos, visando à compreensão das representações sociais que emergem dos discursos que os jovens universitários pesquisados fazem do aquecimento global. Como destaca Franco (2003 apud SANTOS, 2007, p. 45), os discursos não são atos isolados, pois “[...] os diferentes modos, pelos qual o sujeito se inscreve no texto, correspondem a diferentes representações que tem de si mesmo como sujeito, e do controle que tem dos processos discursivos textuais com que está lidando quando fala ou quando escreve.” Os discursos são mensagens (verbais, orais, escritas, gestuais, silenciosas, figurativas, documentais, etc.) que expressam significados e sentidos interligados entre si, não sendo, jamais, atos isolados. Os dados quantitativos oriundos da aplicação do questionário foram organizados em tabelas, quadros e gráficos. As entrevistas foram transcritas na íntegra e analisadas de acordo com as categorias de análise do trabalho. Aproximaram-se, na medida do possível, os dados quanti e quali, no intuito de obter a melhor compreensão possível sobre as representações sociais dos universitários pesquisados quanto ao aquecimento global. Os depoimentos obtidos por meio do grupo focal serão apresentados de forma a garantir a sua impessoalidade. Os informantes serão denominados de S (sujeito), acrescido do número correspondente ao sujeito pesquisado (de 1 a 15). Por meio dessa classificação, será utilizada a técnica de análise de avaliação ou representacional43 para compreender os enunciados do conteúdo do discurso de cada indivíduo pertencente ao grupo focal. 43 A análise de avaliação ou representacional é uma técnica de análise de conteúdo que visa a medir as atitudes do locutor quanto aos objetos de que ele fala (pessoas, coisas, acontecimentos) e fundamenta-se no fato de que a linguagem representa e reflete diretamente aquele que a utiliza. Nesse caso, os indicadores utilizados para se fazer inferências acerca da fonte de emissão estão explicitamente contidos na comunicação. A análise de 86 A seção estrutura-se em quatro itens; cada um deles corresponde a uma categoria de análise da pesquisa. Foram eleitas as seguintes categorias de análise: compreensão da crise ecológica e do aquecimento global; causas e consequências do aquecimento global; conhecimento e informação ambiental; cidadania e educação ambiental. 5.1 COMPREENSÃO DA CRISE ECOLÓGICA E DO AQUECIMENTO GLOBAL Com o propósito de conhecer as representações sociais dos estudantes universitários pesquisados a respeito do aquecimento global inseriu-se no instrumento de pesquisa a questão de número quatro, propondo uma série de afirmações, com o intuito de conhecer a opinião dos estudantes sobre alguns aspectos chaves que envolvem o tema aquecimento global. As afirmações propostas na Tabela 1 são polêmicas e despertam posicionamentos muito diferentes. Por meio dos critérios propostos (concordo muito, concordo pouco e não concordo), buscou-se compreender como os jovens se posicionam em relação a cada uma das afirmações. Tabela 1: Compreensão da crise ecológica e do aquecimento global Concordo AFIRMAÇÕES muito (%) O aquecimento global é um tema da moda, que veio e 3 que passará. O aquecimento global é um assunto preocupante, que 96 deve ser levado a sério pelos governos e pelos cidadãos. O aquecimento global é um fenômeno natural que ocorre 3 de tempos em tempos. O aquecimento global é um fenômeno natural e que a 46 ação antrópica contribui para o agravamento do efeito estufa. Os principais causadores do aquecimento global são os 36 países ricos, pois são responsáveis pela emissão dos gases poluentes. Tantos os países ricos quanto os países pobres são 82 responsáveis pelo aquecimento global. Apesar do grande espaço que o tema ocupa na mídia, 20 ainda há poucas pesquisas que comprovam o aquecimento global. O aquecimento global é tão grave que coloca a 74 humanidade em perigo. Concordo pouco (%) 15 Não concordo (%) 83 3 1 100 22 75 100 32 22 100 48 15 100 16 2 100 49 32 100 19 7 100 Total (%) 100 Fonte: o autor. avaliação atém-se à direção e à intensidade dos juízos, atendo-se, basicamente, à atitude, ou predisposição do emissor da mensagem para reagir sob a forma de opiniões (nível verbal), ou de atos (nível comportamental), em presença de objetos, de uma maneira determinada (BARDIN, 1979; MINAYO, 2000). 87 Alguns aspectos merecem ser destacados. O primeiro deles é que os jovens universitários manifestam preocupação com a problemática do aquecimento global, elegendoa como um assunto sério e merecedor de atenção, tanto pelos governos quanto pelos cidadãos. Dos jovens, 74% disseram que o tema é grave a ponto de colocar a própria vida humana em perigo, assim como outras tantas formas de vida em perigo. Na mesma perspectiva, 83% disseram que o tema não é uma simples moda. Afirmam que há evidências e indicadores suficientes para colocá-lo entre os assuntos de grande prioridade. O segundo aspecto importante a ser observado, é que os jovens, a despeito de reconhecerem a importância e a gravidade do tema, destacam a carência e/ou insuficiência de dados científicos que asseveram a concretude e as consequências do aquecimento global. De forma implícita, os jovens parecem dizer que os dados disponíveis ainda despertam dúvidas, polêmicas e disputas no interior da comunidade científica e no conjunto da sociedade. Em outras palavras, a compreensão do tema depende de compreensão científica do tema. Os jovens, em terceiro lugar, associam o aquecimento global aos fatores antrópicos. Para eles não se trata de um fenômeno cíclico, de origem estritamente físico-natural, mas sim de uma reação da natureza em razão dos processos de degradação ambiental produzidos pela lógica desenvolvimentista em curso. Deles, 75% disseram não concordar com a afirmação de que o aquecimento global é um fenômeno natural que ocorre de tempos em tempos, 46% afirmam concordar muito com a afirmação de que a ação antrópica contribui para o agravamento do efeito estufa. O quarto aspecto a ser observado é que os jovens tendem a diluir as responsabilidades pelo aquecimento global de forma democrática, ou seja, para eles a distinção entre países do Norte (ricos) e do Sul (pobres) faz pouco sentido quando o que está em análise é a problemática ambiental. 48% dizem concordar pouco com a afirmação de que os principais causadores do aquecimento global são os países ricos, e 82% afirmam concordar muito com a sentença de que tantos os países ricos quanto os países pobres são responsáveis pelo aquecimento global. A tomar por essas respostas, os jovens parecem desconhecer ou negligenciar algumas importantes variáveis geopolíticas da crise ambiental, particularmente no que se refere à emissão de CO2. Em 2001, a Revista Veja (BARBOSA, 2001) publicou importante matéria demonstrando a participação dos principais países ricos e em desenvolvimento na emissão de gases poluentes. Os Estados Unidos é o grande emissor. De acordo com a pesquisa, nos últimos 50 anos (1950-2000), os USA emitiram 186,1 bilhões de toneladas de CO2; a União Europeia, 127,8 bilhões; a Rússia, 68,4 bilhões; a China, 57,7 bilhões; o Japão, 31,2 bilhões; a Ucrânia, 31,7 bilhões; a Índia, 15,5 bilhões; o Canadá, 14,9 88 bilhões; a Polônia, 14,4 bilhões e o Brasil. 6,6 bilhões de toneladas (BARBOSA, 2001, p. 9293). Durante as entrevistas realizadas por meio dos grupos focais foi indagado aos estudantes sobre a compreensão destes acerca do aquecimento global. Eu pelo menos penso aquecimento global, de repente uma mudança de temperatura muito grande. (S14). Derretimento das geleiras. Um ambiente muito mais quente. (S13). Para mim é o aumento da temperatura. [...] já está numa palavra: irreversível. (S15). A questão da camada de ozônio também, os raios ultravioletas, câncer de pele, toda essa questão que vem que é bastante abordada. (S5). Eu acho que esse desequilíbrio ambiental, [...] que vai subir a temperatura, que desequilibra várias outras áreas, por exemplo, gelo. Mais proliferação de bactérias. (S13). Drástico. Das chuvas também, uma época do ano chove, chove, chove, outra hora não chove mais nada. (S11). Eu acho que essa crise ambiental é exatamente esse desequilíbrio, esse negócio do calor ser muito intenso e frio ser muito rigoroso, eu acho que isso é uma constante crise que o ambiente está sofrendo. (S3). Eu acho que uma coisa muito séria, que tem que ter a ajuda de todo mundo para se resolver, porque a gente depende de um mundo verde pra sobreviver. (S8). É um desequilíbrio da natureza para se dizer assim, são mudanças que ocorreram com essa industrialização que hoje está sendo refletido no meio ambiente: a poluição do ar, a poluição da água, eu acho que é tudo isso aí. (S4). Os depoimentos refletem vários aspectos. Do ponto de vista de suas causalidades, os estudantes reforçam a dimensão antrópica do fenômeno, ou seja, para eles não se trata de algo cíclico e natural. Trata-se de um problema provocado pelas próprias dinâmicas da modernização inerentes à sociedade tecnoindustrial. Nesse sentido, o aquecimento global não surgiu do nada; é um efeito colateral – e, em certo sentido, inesperado – advindo da própria sociedade industrial, originário de uma época que se manteve surda e cega em relação aos efeitos e ameaças que ela própria produz (BECK, 1997; GIDDENS, 1997). Do ponto de vista de seus efeitos, os estudantes associam o aquecimento global a desequilíbrios, a algo não natural, que se interpõe à natureza e aos seres humanos, algo externo, não previsto, estranho e ameaçador para ambos. Como consequências, os estudantes destacam a elevação das temperaturas da terra, redução das geleiras, o aumento do volume do mar e a crescente incidência de doenças, como o câncer de pele. No diálogo com os estudantes, percebe-se a dificuldade que encontram para explicar/conceituar o tema do aquecimento global. Ao serem indagados, pronunciaram frases curtas e fragmentadas, prevalecendo leitura superficial, com reduzido aprofundamento científico. Nota-se, aqui, o fenômeno de focalização que, segundo Moscovici (2003), é o 89 momento em que cada indivíduo ou grupo dá maior ou menor atenção a tal ou qual aspecto de um objeto segundo sua distância, ou seu envolvimento com ele. O esforço dos informantes não é de compreender o tema na sua complexidade, mas de evocar um referencial próprio, de recortar fragmentos sobre um tema e particularizar de acordo com a hierarquia de valores e conceitos de sua representação social da realidade. Os sujeitos desta pesquisa tendem a analisar o aquecimento global a partir de seu repertório simbólico imediato e de seu campo semântico permeado de sentidos e significados, enunciados, principalmente, pela mídia. Ao se referirem às consequências mais fortes do aquecimento global, ficou latente a presença das imagens transmitidas fartamente pela televisão acerca do derretimento de gelo das calotas polares. Ao serem indagados, os sujeitos expressam imagens veiculadas pela mídia por meio de um discurso fragmentado, com generalizações. Questionados sobre o conhecimento que possuem sobre o aquecimento global, um dos sujeitos assim respondeu: Eu acho que a informação não é aquela informação que a gente saiba que a técnica que, o porquê disso, porque aquilo, mas a gente tem noção do que pode acontecer, do que está acontecendo, de quanto é prejudicial para nós. A gente não sabe da parte mais específica, mas a gente tem noção. (S8). Na sequência, perguntou-se aos estudantes se os efeitos do aquecimento global se fazem sentir na região onde eles vivem. Ele provoca nessa questão da seca, porque foi tão engraçado o nosso litoral com uma chuva danada e na região Oeste uma seca. (S1). A estiagem, a agricultura na minha cidade. O produtor não sabia se ia chover, tinha época que chovia, de repente não chovia mais. (S5). A estiagem na nossa região. A estiagem e o calor. (S6). A gente está meio perdida no clima, você não sabe quando que é verão e inverno. (S9). Eu acredito que, por exemplo, o furacão Catarina, essas coisas que nunca acontecem aqui e estão acontecendo. (S8). Até a enchente que aconteceu no litoral, Blumenau, Balneário, Itajaí. (S7). As estações já não estão delimitadas. (S11). E até pela questão do câncer de pele também, tipo muitas pessoas que viveram na roça e tal no interior, tipo nunca tiveram e daí agora muita gente está tendo câncer de pele. (S15). Vendaval, enchentes, essas chuvas. Esse tipo de coisa não acontecia antes. (S8). Como observado, os estudantes percebem as relações de causalidade e de interdependência entre o local e o global, entre o micro e o macro, entre o natural e o humano, entre a natureza e a sociedade. Evocam algumas evidências naturais recentes para argumentar que o aquecimento global é real e está presente em seu cotidiano vivido. De acordo com eles, 90 há uma correlação direta entre a crise ecológica e os desequilíbrios naturais vivenciados nos últimos anos, sobretudo as enchentes, as estiagens, os furacões, as tempestades, etc. O que chama a atenção é uma mudança importante na própria representação social da natureza. Para eles, a natureza deixou de ser o equilíbrio, a constância e a regularidade imutável (leis da natureza), para ser um espaço/tempo do desequilíbrio, da mutabilidade, da incerteza e da imprevisibilidade. Os jovens parecem dizer que quanto mais o ser humano se apropria e altera a natureza, mais ela assume características tipicamente humanas. Parece haver um movimento de tornar a natureza “mais humana”, ou seja, de entender o que se passa com ela a partir do que ocorre com os seres humanos. É como se a natureza se “comportasse” de forma parecida aos humanos. No plano das representações sociais, há um claro processo de “socialização da natureza” (GIDDENS, 1997). Os depoimentos relatados expressam a consciência da incerteza partilhada. Os impactos ambientais obrigam as pessoas a reconhecerem que homem e natureza fazem parte de uma mesma totalidade, pertencendo, assim, a uma mesma “comunidade de destino” (MORIN, 2000). No questionário respondido pelos sujeitos da pesquisa solicitou-se aos estudantes uma avaliação do seu meio ambiente vivido. Sugeriram-se várias problemáticas ambientais e uma avaliação de cada uma delas. Tabela 2: Avaliação da problemática ambiental local Problemas Ambientais Bastante Grave grave (%) (%) Poluição dos Rios Poluição do Ar Aumento da Pobreza Extinção de espécies de animais e vegetais (biodiversidade) Poluição das águas subterrâneas (lençol freático) Aquecimento global do planeta Lixo doméstico, industrial, químico e tecnológico Desmatamento e queimadas Poluição Visual Aumento do Consumo Crescimento demográfico Criação de Animais em grande escala Uso de agrotóxicos Redução da camada de ozônio Aumento do nível do mar Fonte: o autor. Pouco grave (%) Nada grave (%) 85 87 50 79 5 6 31 10 1 1 10 3 0 0 3 0 Desejo obter mais informações (%) 10 6 7 8 Total (%) 84 6 1 0 9 100 86 5 2 0 6 100 78 15 2 0 5 100 87 23 31 25 20 7 45 42 49 42 2 21 15 14 23 0 6 4 6 9 3 5 7 7 6 100 100 100 100 100 63 80 70 28 8 10 4 6 8 0 2 4 5 4 7 100 100 100 100 100 100 100 91 Como observado, os problemas ambientais locais considerados bastante graves pelos estudantes são o desmatamento e as queimadas (87%), a poluição do ar (87%), o aquecimento global (86%) e a poluição dos rios (85%). Atentam-se, para os itens que os estudantes consideram nada graves. Os problemas ambientais que pouco ou nada preocupam são: criação de animais em grande escala (9%), crescimento demográfico (6%), poluição visual (6%), aumento do consumo (4%), aumento do nível do mar (4%) e aumento da pobreza (3%). Em relação aos problemas considerados mais graves, observa-se que a avaliação dos jovens se aproxima da constatação feita por outras pesquisas em âmbito nacional. Pesquisa realizada pelo ISER/MMA (BRASIL, 2001), intitulada O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável, constatou que a população brasileira aponta o desmatamento (49%), a contaminação dos rios, lagoas e praias (29%) e a poluição do ar (15%), como os três problemas ambientais mais importantes do país. Quanto aos problemas ambientais do mundo mais preocupantes, os brasileiros apontam o desmatamento (51%), a poluição das águas (55%) e a poluição do ar (54%). Outra pesquisa realizada pela MTV (2008) com jovens revela a preocupação sobre o desmatamento (27%), o aquecimento global e o efeito estufa (15%), poluição do ar (13%) e poluição dos rios e águas (12%). Chama a atenção a proximidade e a correlação entre os resultados obtidos por pesquisas realizadas em diferentes lugares e momentos. A considerar pelas pesquisas referidas, a pauta de preocupação dos jovens em relação aos temas ambientais mantém-se inalterada, ou seja, eles tendem a conferir maior importância às problemáticas ambientais clássicas. Tem-se como hipótese que essa pauta é fortemente influenciada pela grande mídia, a qual dedica grande parte de seu jornalismo ambiental para retratar o desmatamento amazônico. Em virtude disso, os jovens se manifestam mais sensíveis à problemática que a mídia reforça do que a vivenciada em seu entorno. A despeito da gravidade do desmatamento no Brasil, cabe observar que ele é menos grave na região Oeste de Santa Catarina, onde os jovens pesquisados vivem. Nas entrevistas, o desmatamento também foi reforçado pelos estudantes: Para mim o desmatamento, em primeiro lugar. Indústrias cada vez desmatando, não repondo as áreas desmatadas, isso para mim é o principal ponto. (S11). Desmatar para fazer, mais reservas, estender empresas, multinacionais, estão eles preocupados realmente com o agora, não para futuro. (S13). A poluição do ar também foi considerado problema ambiental local grave. Nesse caso tende-se a afirmar que tal preocupação é uma decorrência da presença desse tema na mídia 92 nacional. O quarto problema ambiental considerado grave pelos jovens universitários é a poluição dos rios. Tal preocupação reveste-se de sentido, pois a região Oeste apresenta os piores indicadores de qualidade de água de Santa Catarina, pois há maior população de suínos e aves do Estado e do Brasil, com a emissão diária de milhares de litros de dejetos de animais, parte dos quais escoados de forma direta ou indireta nos córregos, nascentes e rios da região. O Mapa 1 evidencia a problemática da poluição. Mapa 1: Qualidade das Águas Superficiais em Santa Catarina Fonte: SDS/SIAGAS/CPRM (2006). Chama a atenção, no entanto, o fato de os estudantes não destacarem a estreita correlação entre poluição dos rios e a prática da suinocultura e avicultura em grande escala. Apenas 20% dos jovens pesquisados disseram que a criação de animais em grande escala é um problema grave. Esse item, aliás, foi considerado o menos grave de todos, 9% dos jovens o consideraram nada grave. Ao analisar os dados da Tabela 2, fica evidente a dificuldade dos jovens pesquisados em reconhecer as relações existentes entre um problema e outro. Um exemplo ilustrativo desse aspecto é a avaliação que os sujeitos fizeram dos itens crescimento demográfico e aumento do consumo. Em relação ao crescimento populacional, 25% o consideram bastante grave, e 6% nada grave. No que diz respeito ao aumento do consumo, 31% o consideram bastante grave, e 4% nada grave. Ao considerarem o consumo um dos problemas menos preocupantes, os estudantes deixam de perceber que a cultura do consumo está na raiz da 93 quase totalidade dos problemas ambientais sugeridos. Comentário cabível pode ser feito em relação ao crescimento demográfico. De acordo com Hayden (2007, p. 65), “[...] o crescimento populacional para 2030, está estimado em mais 1,5 bilhões de pessoas, e a maioria dessas pessoas irá viver nas cidades, tornando o problema do consumo ainda maior.” O crescimento populacional, aliado à cultura consumista, acarreta, por conseguinte, pressão sobre os recursos naturais, maior produção de bens e serviços, geração de lixo, aumento das áreas destinadas à produção agrícola e geração de energia, etc. Pode-se afirmar que a percepção do problema fica no plano empírico e não no plano analítico/crítico. As relações de causalidade entre os fenômenos são percebidas de forma superficial, quando não negligenciadas inteiramente. Causas e efeitos não são percebidos de forma sistêmica. 5.2 CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO AQUECIMENTO GLOBAL Com o propósito de conhecer as representações sociais dos estudantes universitários pesquisados sobre o aquecimento global inseriram-se no instrumento de pesquisa seis causas que são consideradas pela comunidade científica (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007b) como sendo as que contribuem para o desequilíbrio ambiental e, consequentemente, provocam o aquecimento global. Por meio dos critérios propostos (grande impacto, médio impacto, baixo impacto e nenhum impacto), buscou-se compreender como os jovens se posicionam em relação às causas do aquecimento global e como eles percebem a interdependência desses fatores por meio de suas representações sociais das mudanças climáticas. Tabela 3: Causas e efeitos do aquecimento global Grande CAUSAS impacto (%) Emissão de poluentes na atmosfera pelas indústrias 93 Emissão de gases poluentes (CO2) pela queima de combustíveis fósseis 77 Destruição das florestas 85 Concentração humana nas grandes cidades 22 14 Crescimento da agricultura e da pecuária Aumento do Consumo 40 Fonte: o autor. Médio impacto (%) Baixo impacto (%) Nenhum impacto (%) Total (%) 6 0 1 100 22 14 1 1 0 1 100 100 58 34 41 16 32 16 4 19 3 100 100 100 94 Alguns aspectos merecem ser enfatizados. O primeiro deles é que os jovens universitários manifestam-se preocupados com a emissão de poluentes na atmosfera pelas indústrias, elegendo-a como causa de grande impacto ambiental. Na mesma perspectiva, 77% reconhecem que a emissão de gases poluentes (CO2) pela queima de combustíveis fósseis é uma causa de grande impacto ambiental e contribui para o aumento da concentração de dióxido de carbono na superfície terrestre. Eles corroboram com a assertiva de que as atividades antrópicas predominantemente o uso de combustíveis fósseis e a emissão tanto passadas quanto futura de dióxido de carbono causam um grande impacto ambiental e induzem muitas mudanças no sistema climático global.44 O segundo aspecto a ser ressaltado, é que os jovens, a despeito de reconhecerem o gás carbônico como a principal fonte para o aumento da temperatura da atmosfera, apontam o desmatamento das florestas (85%) como causa de grande impacto para as mudanças climáticas em curso. De forma explícita, os jovens têm uma representação social do desmatamento que na maioria das ocasiões é estimulada pelos meios de comunicação e pela opinião pública mediante divulgação de imagens do desmatamento seguido de queimadas, principalmente em áreas da mata atlântica, do cerrado e da floresta amazônica. Os jovens, na maioria das vezes, são induzidos a compartilhar uma visão do desmatamento de origem estritamente visual, onde o código referente da mensagem é a imagem da derrubada de árvores. Para Bordenave (2001), a construção da realidade indica que os media fazem um papel de mediação entre a realidade e as pessoas. Cria-se, assim, uma ilusão referencial, segundo a qual o leitor, ouvinte ou televidente, acredita que o que lê, ouve e vê na tela é a realidade, quando, na verdade, não é senão uma construção da realidade. Nesse sentido Bourdieu (1997) considera que a televisão tem uma espécie de monopólio de fato sobre a formação das cabeças de uma parcela muito importante da população. A seleção dos assuntos é a busca do sensacional, do espetacular. Bourdieu (1997, p. 28) considera que “[...] a imagem apresentada pela televisão tem a particularidade de poder produzir o que os críticos literários chamam o efeito de real, ela pode fazer ver e fazer crer no que faz ver.” 44 A concentração de dióxido de carbono, de gás metano e de óxido nitroso na atmosfera global tem aumentado marcadamente como resultado de atividades humanas desde 1750, e agora já ultrapassou significativamente os valores da pré-industrialização determinados por meio de núcleos de gelo que estendem por centenas de anos. O aumento global da concentração de dióxido de carbono ocorre principalmente em razão do uso de combustível fóssil e da mudança no uso do solo, enquanto o aumento da concentração de gás metano e de óxido nitroso ocorre principalmente em virtude da agricultura (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007b). 95 Ainda nas considerações do sociólogo francês, a violência simbólica da televisão centra-se naquilo que interessa a todo mundo, mas de tal modo que não tocam em nada de importante, ou seja, o desmatamento e as queimadas são assuntos de destaque pautados pela mídia, entretanto o tempo destinado e a abordagem desses temas por vezes ocultam coisas preciosas, por exemplo, as causas sociais, políticas e econômicas advindas da derrubada de árvores, ou a omissão do governo diante dos problemas ambientais. Em virtude das características do meio televisivo, principalmente a seleção de assuntos que produz ideias ou representações fragmentadas da realidade induz a entropia da reflexão frente aos meios de comunicação. Pode-se notar nesta pesquisa que os jovens têm dificuldades para relacionar as causas do desmatamento com a crescente expansão da agricultura e da pecuária. Nesse cenário de dificuldades para relacionar as causas do aquecimento global, os jovens apontam que a destruição das florestas causa um grande impacto para o aquecimento global, com 85%. Entretanto, chama a atenção que apenas 14% apontam a agricultura e a pecuária como causa de grande impacto e 19% indicam como causa de nenhum impacto. Os jovens parecem desconhecer que o avanço da agricultura e da pecuária é uma das principais variáveis para o avanço do desmatamento e das queimadas; a emissão de gás metano e óxido nitroso contribui muito para o agravamento do aquecimento global da terra. Segundo o Intergovernmental Panel on Climate Changes (2007b) a concentração de gás metano na atmosfera global aumentou de um valor do período pré-industrial de cerca de 715 ppb para 1.732 no começo da década de 1990, e está em 1.774 ppb em 2005. A concentração de gás metano em 2005 excedeu a faixa natural dos últimos 650.000 anos (320 para 790 ppb) como determinado por intermédio de núcleos de gelo. É muito provável que o aumento observado da concentração de gás metano diz respeito às atividades antrópicas, predominantemente a agricultura e o uso de combustível fóssil. A concentração de óxido nitroso na atmosfera global aumentou de um valor do período pré-industrial de cerca de 270 ppb para 319 ppb em 2005. A taxa de crescimento tem sido aproximadamente constante desde 1980. Mais de um terço de toda a emissão de óxido nítrico são antropogênicas e principalmente em razão da agricultura. Cabe destacar que no caso do Brasil, por exemplo, mais de 163.000 km2 de terras foram convertidas para agricultura e pastagens entre 1970 e 1990. Entretanto, sabe-se que apenas a Amazônia Legal teve cerca de 415.000 km2 desmatados no mesmo período (BRASIL, 2003). 96 O terceiro aspecto a ser observado é que os jovens apontam que a concentração humana nas grandes cidades é uma causa de grande impacto: 22% acreditam que o aumento da população causa problemas ambientais antrópicos, o que ocasiona o aquecimento global do planeta. Como destaca Duarte (2006, p. 24) “[...] las claves del cambio global coexiste en la conjunción de dos fenómenos relacionados: el rápido crecimiento de la población humana y el incremento, apoyado en el desarrollo tecnológico, en el consumo de recursos per cápita por la humanidad.” O crescimento populacional é um dos componentes da crescente influência da espécie sobre os processos que regulam o funcionamento da biosfera. Gonçalves (2004) considera que o crescimento das populações em aglomerados urbano-periféricos, não somente aumenta exponencialmente a demanda por matéria e energia, mas, sobretudo, altera completamente a relação espaço-temporal dos ciclos biogeoquímicos. A medida desse impacto ambiental é feita por intermédio da chamada: pegada ecológica.45 O crescimento populacional e a concentração humana nas grandes cidades convertem-se em aumento dos recursos básicos para a sobrevivência humana. Como observado, os estudantes têm dificuldades para relacionar as dimensões das causas do aquecimento global com as estreitas relações de interdependência entre as causas da crescente crise ambiental. Nesse sentido, Duarte (2006, p. 26) indica que: […] el crecimiento de la población humana las conlleva un aumento de los recursos, alimentos, agua, espacio y energía consumidos por la población humana. Las proyecciones de Nacionales Unidas, que sitúan la población humana en alrededor de 9.000 millones de habitantes en 2150 sugieren que a lo largo del siglo XXI nos acercaremos al límite de la población humana en el planeta. Entretanto, Gonçalves (2004) chama a atenção para o fato de que embora a população mundial apresente taxas de crescimento cada vez menores, o fenômeno urbano continua acalentando o velho discurso malthusiano. Dessa forma, o crescimento urbano da população tem alimentado o discurso terrorista da explosão demográfica. Fica evidente que: Quando se sabe que 20% dos habitantes mais ricos do planeta consomem cerca de 80% da matéria-prima e energia produzidos anualmente, vemo-nos diante de um modelo-limite. Afinal, seriam necessários cinco planetas para oferecermos a todos os habitantes da terra o atual estilo de vida que, vivido pelos ricos dos países ricos e 45 A pegada ecológica estima a pressão humana sobre os ecossistemas mundiais. Segundo o Pnuma, é uma unidade de área que corresponde ao número necessário de hectares de terra biologicamente produtiva para produzir os alimentos e a madeira que a população consome a infraestrutura que utiliza, e para absorver o CO2 produzido durante a queima de combustível fóssil. Por conseguinte, a pegada ecológica considera o impacto que a população produz sobre o meio ambiente. A pegada ecológica depende do tamanho da população, do consumo médio de recursos per capita e da intensidade dos recursos tecnológicos utilizados (GONÇALVES, 2004, p. 83). 97 pelos ricos dos países pobres, em boa parte é pretendido por aqueles que não partilham esse estilo de vida. Vemos, assim, que não é a população pobre que está colocando o planeta e a humanidade em risco, como insinua o discurso malthusiano [...] esses dados nos autorizam a afirmar que há um forte componente de injustiça ambiental subjacente ao atual padrão de poder mundial. Isso nos permite falar de uma verdadeira dívida ecológica das populações urbanas para com as rurais, assim como às populações dos países industrializados em relação às populações dos países situados no polo dominado das relações sociais e de poder inscritas na atual geopolítica mundial. (GONÇALVES, 2004, p. 3-85). Em quarto lugar, fica evidente a dificuldade dos jovens pesquisados em reconhecer as relações coexistentes entre as causas do aquecimento global. Chama a atenção que 40% indicam que o aumento do consumo é uma das causas de grande impacto para o agravamento do aquecimento global; 3% afirmaram que o aumento do consumo não causa nenhum impacto nas mudanças climáticas. Ao observar essas respostas, percebe-se a dificuldade de interpretação dos estudantes para relacionar o aumento do consumo como causa sistêmica dos problemas ambientais. Os estudantes, em geral, tendem a minimizar o aumento do consumo como uma das causas do desequilíbrio ambiental. Os jovens parecem dizer que a representação social do consumo é vista como comportamento natural da sociedade moderna. Duarte (2006, p. 154) destaca que “[…] el aumento imparable del consumo de recursos es uno de los motores del cambio global.” A correlação das variáveis das causas do aquecimento global é negligenciada pelos estudantes. A visão sistêmica das causas dos problemas ambientais é subvertida aos valores e conceitos de uma sociedade do consumo. Diante dessa representação social da sociedade do consumo, Gonçalves (2004) observa o fato de que a globalização da natureza e a natureza da globalização se encontram, ou seja, a globalização neoliberal seria natural, legitimada pelas políticas de caráter liberal propostas pelos protagonistas que vêm comandando o atual período neoliberal de uma perspectiva essencialmente econômicofinanceira. Esse ponto de vista é enfatizado por Penna (1999), que considera que o aumento da produção e da oferta de bens materiais, consequência da civilização industrial, favoreceu o surgimento de uma sociedade que faz apologia ao consumo. A conjugação do crescimento econômico com o crescimento populacional tem efeito catalisador no processo de exaustão dos recursos naturais. Gonçalves (2004) considera que se está diante de uma questão central para o desafio ambiental. Trata-se de um risco para todo o planeta e para a humanidade na exata medida em que tenta submeter o planeta e a humanidade a uma mesma lógica, sobretudo de caráter mercantil, que traz em si o caráter desigual por estar atravessada de colonialidade do poder. A 98 referência ao estilo de vida, americanizado, o american way of life, procura instilar a ideia de que todos se europeízem ou americanizem. Há desse modo, uma sociedade de risco, do consumo e do desperdício (GONÇALVES, 2004, p. 31). Do ponto de vista econômico, o aumento do consumo é caracterizado por um determinado tipo de comportamento social e humano que dão suporte necessário aos modos de produção e que contribuem de forma decisiva para a manutenção dos correspondentes padrões de consumo. Nessa perspectiva, as representações sociais dos estudantes pesquisados em relação ao aumento do consumo, são, acima de tudo, marcadas pela complexidade de fatores que afetam, problematizam, limitam ou potencializam as relações dos seres humanos com seu ambiente. Observando a importância de cada um dos itens nas mudanças climáticas globais, nota-se que existe um ruído no processo comunicacional sobre as causas do aquecimento global. Ressaltam-se, mais uma vez, que as representações sociais dos estudantes pesquisados sobre as causas do aquecimento global carregam consigo uma gama de imagens unívocas, partilhadas socialmente. A falta de conhecimento dos estudantes sobre as relações sistêmicas das causas do aquecimento global indica que a transmissão desses conhecimentos e informações pelos agentes de comunicação é fundamental para sensibilizar a sociedade a respeito da importância do debate político, social e midiático quanto às mudanças climáticas globais. Entendidas as representações sociais que os estudantes pesquisados atribuem às causas do aquecimento global, segue-se para o próximo passo: compreender como os estudantes avaliam as consequências das alterações climáticas. Listou-se uma série de afirmações (consequências) tendo como base o quarto relatório IPCC (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGES, 2007a), e solicitou-se uma avaliação dos estudantes pesquisados sobre elas. Gráfico 3: Percepção das consequências do Aquecimento Global Fonte: o autor. 99 Assim, em primeiro lugar, percebe-se que os estudantes pesquisados atribuem que o aumento da temperatura global (16%) é considerado como a principal consequência advinda das mudanças climáticas globais. Fica evidente que a compreensão das mudanças climáticas pelos estudantes pesquisados indica que a mensagem sobre as consequências do aquecimento global do planeta forma uma representação socialmente partilhada sobre a elevada probabilidade do aumento global da temperatura global. Os estudantes compreendem a relação de causalidade do termo aquecimento global com uma das principais consequências: o aumento da temperatura. Os estudantes indicam o degelo dos polos (15%) como uma das principais consequências do aquecimento global. Nota-se que os índices seguem uma linha de correlações entre as consequências do aquecimento global. Com percentual de 14%, os sujeitos atribuem que o aumento dos oceanos é a terceira consequência do aquecimento global. A partir das consequências listadas, o aumento de tempestades (13%) é apontado como bastante grave pelos sujeitos da pesquisa seguido dos efeitos negativos sobre as atividades agrícolas (11%). Ao apontar as consequências do aquecimento global, os estudantes pesquisados partilham uma representação social das diversas causas do aquecimento e correlacionam sem dificuldades as consequências que o aquecimento global provocará no planeta. Nas entrevistas, os estudantes reforçam as consequências mais fortes do aquecimento global. Degelo. (S7). Derretimento das geleiras. (S8). Nível do mar. (S7). As estações extremas. (S9). A fauna e a flora degradando, vai acabando! (S6). As estações já não estão delimitadas. (S11). A despeito de frases apresentadas, a mensagem sobre as consequências do aquecimento global confirma a questão de que os meios de comunicação formam as representações sociais do aquecimento global. Percebe-se até o momento que há um conhecimento relativo às causas e consequências do aquecimento global. Todavia, como esse conhecimento dos termos e da percepção do problema é formado? No próximo item analisamse como os estudantes pesquisados avaliam o conhecimento e as informações ambientais que circulam na sociedade e formam as representações sociais das mudanças climáticas. 100 5.3 CONHECIMENTO E INFORMAÇÃO AMBIENTAL Com o objetivo de compreender as representações sociais dos estudantes universitários quanto ao meio ambiente e o aquecimento global, propuseram-se algumas questões no intuito de compreender como os estudantes avaliam o grau de informação e conhecimento ambiental que circulam na sociedade. Solicitou-se aos sujeitos que respondessem a questão de número dois do questionário que solicitava uma avaliação (julgamento) sobre seu grau de informação em relação ao aquecimento global. Por meio dos critérios propostos (bem informado(a), mais ou menos informado(a), pouco informado(a) ), é possível averiguar como os sujeitos pesquisados atribuem valores às informações e conhecimentos sobre os temas em análise. Tabela 4: Informação e conhecimento ambiental Bem Informação e conhecimento informado(a) (%) Meio ambiente 39 Aquecimento global 25 Mais ou menos informado(a) (%) 55 65 Pouco informado(a) (%) 6 10 Total (%) 100 100 Fonte: o autor. Em primeiro lugar, os estudantes avaliam que possuem mais informações sobre o meio ambiente do que sobre o aquecimento global: 39% dos estudantes avaliam que estão bem informados sobre o tema meio ambiente, 6% consideram que estão pouco informados sobre meio ambiente. Como evidenciado, 25% dos estudantes disseram que estão bem informados quanto ao aquecimento global e 10% avaliam que estão pouco informados sobre o aquecimento global. Em segundo lugar, ao analisar os dados da Tabela 4, fica evidente os modos pelos quais os estudantes percebem que existem correlações entre um item e outro. Pela proximidade dos dados, infere-se que as representações sociais dos estudantes sobre os temas propostos constituem-se modos distintos de apreensão da realidade. Pode-se dizer que os estudantes reconhecem que têm mais informações e conhecimentos sobre o meio ambiente por se tratar de um tema do senso comum, ou seja, o meio ambiente está inscrito em suas memórias e vivências como um espaço real, de visibilidade, de interação e de vivência, que por muitas vezes está relacionado à própria dimensão física de natureza. Do ponto de vista do aquecimento global, pode-se notar que os jovens parecem indicar que o aquecimento global carrega consigo as dimensões da incerteza, da imprecisão e da imaterialidade (referente à 101 visualidade e proximidade do fenômeno da realidade dos estudantes), ou seja, não é uma realidade apreendida, vivenciada e internalizada pelos estudantes universitários do MeioOeste catarinense. Nessa perspectiva, Moscovici (2003) indica que os sujeitos operam com os mecanismos de um processo de pensamento baseado na memória e em conclusões passadas. Assim, nesse momento nota-se que os estudantes operam com o fenômeno da focalização, onde cada grupo dá maior ou menor atenção a tal ou qual aspecto de um objeto, segundo sua distância. Os estudantes filtram informações e conhecimentos e evocam suas representações sociais internalizadas de acordo com seus conceitos, seus paradigmas socialmente partilhados. Como destaca Beck (2006, p. 33) “[...] pues la naturaleza invocada ya no existe. Lo que existe y lo que crea semejante inquietud política, son formas diferentes de socialización y diferentes mediaciones simbólicas de la naturaleza (y de la destrucción de la naturaleza).” Beck (2006) chama a atenção para a mudança de paradigma do conceito de natureza nas dimensões sociais, políticas, científicas e econômicas. Nessa perspectiva, Cartea (2003, p. 445) destaca que “[...] las incertidumbres que rodean el conocimiento del cambio climático se aprecian también en las distintas definiciones que se manejan del mismo.” Assim, os estudantes, ao se referirem ao seu grau de informação e conhecimento sobre o meio ambiente e o aquecimento global, deixam explícita suas incertezas em relação aos conceitos e conhecimentos sobre aquecimento global. Similar à perspectiva de Beck (2006), Cartea (2003) ratifica que as implicações científicas, políticas, econômicas e sociais intervém no processo de construção das representações da crise ambiental por diferentes grupos sociais. Para ele, o discurso dos agentes de informação (meios de comunicação, publicações científicas, instituições educativas) sobre as incertezas do aquecimento global gera implicações ideológicas e morais que influenciam a sociedade para mobilizar-se ou desmobilizar-se diante dos desafios presentes e futuros das mudanças climáticas. Nesse sentido, com o propósito de conhecer as representações sociais dos estudantes universitários pesquisados em relação ao seu conhecimento e informação ambiental, solicitouse aos estudantes uma avaliação sobre um conjunto de agentes de informação – instituições sociais, políticas e meios de comunicação, que contribuem com as pessoas e a sociedade para o entendimento/compreensão do tema desta pesquisa. Por meio de critérios propostos (contribuiu muito, contribuiu, contribuiu pouco e não contribuiu), buscou-se compreender como os jovens atribuem valor às instituições mediadoras das informações e conhecimentos sobre o aquecimento global. 102 Tabela 5: Agentes de informação por meio dos quais a sociedade conhece as alterações climáticas Contribuiu Contribuiu Não Contribuiu Agentes de Informação muito pouco contribuiu (%) (%) (%) (%) Escolas 16 54 28 2 Universidades 23 42 31 4 ONGs e movimentos sociais 42 37 15 6 Instituições Religiosas 2 14 51 33 Sindicatos e partidos políticos 2 8 47 43 Televisão 42 41 17 0 Jornais e Revistas 40 46 14 1 Internet 44 35 19 2 Total (%) 100 100 100 100 100 100 100 100 Fonte: o autor. Alguns aspectos merecem ser destacados. Em primeiro lugar, as instituições religiosas e os sindicatos e partidos políticos são considerados pelos estudantes pesquisados como instituições que contribuem pouco e que não contribuem com as pessoas e a sociedade para a compreensão dos problemas ambientais. De forma implícita, os jovens parecem (des)politizados e não compreendem que a perspectiva política está diretamente relacionada a um exercício de cidadania e de participação social. Em outras palavras, para eles a dimensão política é envolta de um simulacro de ações fraudulentas, corruptas e imorais de determinada classe política que negligencia as políticas públicas para o meio ambiente para favorecer a classe dominante e o desenvolvimento econômico insustentável. Nesse contexto, os estudantes têm dificuldades em perceber as ações políticas, por vezes isoladas e fragmentárias ante a atual crise ecológica. Trevisol (2003, p. 87) considera o fato de que as instituições atuais são incapazes de processar as novas dinâmicas provocadas pelo processo de globalização e pela emergência dos riscos. Para ele: “[...] a crise ecológica é, seguramente, o conjunto de riscos que mais desafia o sistema político atual.” De forma explícita, os jovens não compreendem a influência da dimensão política para a formação/produção dos conhecimentos e informações sobre a crise ambiental. É nesse contexto que começa a se vislumbrar os contornos da sociedade de risco e a emergência de uma visão reflexiva e sistêmica dos problemas ambientais, sobretudo, do aquecimento global, que deixa de ser um problema físico e converte-se em um problema social. Em segundo lugar, os jovens pesquisados indicam as ONGs como agentes de informação que contribuem muito (42%) para compreender as mudanças climáticas em curso, principalmente o aquecimento global. Presume-se que as representações sociais dos jovens pesquisados sobre as ONGs refletem o caráter ativo com que a maior parte desse tipo de 103 organização se posiciona na sociedade. O trabalho de algumas organizações ocupa forte grau de penetração mediática e sua importância está provavelmente incorporada nos próprios meios de comunicação. Essas organizações muitas vezes estão relacionadas com trabalhos acadêmicos, com escolas (educação formal e não formal) e com outros projetos sociais. Em terceiro lugar, os jovens universitários reconhecem que as instituições de ensino formal – escolas e universidades – contribuem com as pessoas e a sociedade para o entendimento do tema desta pesquisa. Como observado, a escola é considerada como instituição que contribuiu muito (16%) acrescido do critério contribuiu (54%) para a mediação das informações e conhecimentos sobre o aquecimento global. De forma explícita, os jovens indicam que a escola é a principal instituição que contribui para a formação do conhecimento ambiental da sociedade. O conhecimento proveniente de uma socialização cotidiana no ambiente escolar indica que os jovens pesquisados consideram que a escola é um espaço social de construção das representações sociais do aquecimento global. Mais do que uma fonte de informação, o ambiente escolar é constituído como um espaço de intervenção privilegiada quando se deve ter por objetivo a emancipação intelectual dos sujeitos. Durante as entrevistas realizadas por meio dos grupos focais chama a atenção que os estudantes têm uma representação social do espaço formal da escola como sendo um ambiente que promove projetos de educação ambiental orientados para o debate e a prática de ações preservacionistas (separação de lixo e plantio de árvores). Quando eu estava na escola tinha muitos projetos sobre o meio ambiente. A gente trabalhava o ano inteiro em cima do meio ambiente. Então eu acho que com esse trabalho que a gente fazia na escola eu levei para casa tanto que a gente separa os lixos, o papel, o plástico. (S5). Quando eu estava no colégio a gente fazia essas atividades, plantar árvores. (S14). Para mim foi na escola mesmo, que eu acho que foi o lugar que mais se debate. (S12). Pode-se perceber que a representação social dos entrevistados sobre a educação ambiental no contexto escolar é marcada pela ancoragem dos assuntos e temas problematizados pelo debate e pela orientação de ações preservacionistas. A separação do lixo e a reciclagem são dois ícones que representam socialmente para os jovens da pesquisa a contribuição da escola para uma formação ambiental submetida à lógica do capital. Chama a atenção que os jovens pesquisados não descreveram ações de educação ambiental orientadas para a análise crítica dos problemas ambientais da sociedade de risco. Em quarto lugar, os jovens pesquisados atribuem aos meios de comunicação uma evidente preponderância em relação aos demais agentes de informação disponíveis. Como se 104 pode observar, em primeira instância, os jovens consideram que a internet (44%) contribui muito com as pessoas e a sociedade no entendimento das atuais mudanças climáticas. Os jovens também apontam os jornais e revistas (40%) como agentes de informação relativos às alterações climáticas. Ambos os meios citados correspondem, de alguma forma, a uma representação social do hábito da leitura e da pesquisa pelos jovens. Eles parecem dizer que essas fontes de informação pressupõem uma dinâmica, uma predisposição do sujeito interessado em procurar, pesquisar os conteúdos relativos ao tema. Em seguida, 42% dos jovens pesquisados consideram a televisão como agente de informação e conhecimento que contribui muito no processo de mediação do conhecimento ambiental. Chama a atenção que esse meio é mundialmente reconhecido como um dos principais agentes de informação para a sociedade no seu cotidiano. Cartea (2003, p. 443) destaca essa situação quando diz que: “[...] el principal canal de penetración en el espacio social del discurso científico sobre el cambio climático han sido los medios de comunicación de masas, algo que también revelan la mayor parte de los estudios disponibles.” Durante as entrevistas realizadas por meio dos grupos focais observou-se que os estudantes destacam predominantemente a televisão como principal agente de informação nas causas ambientais. Para eles: Na verdade assim, o que eu sei é pela internet e pela televisão o que todo mundo sabe. (S2). A TV ajuda bastante esse negócio do aquecimento global, eu acredito que ajuda bastante assim. (S3). Eu também, a minha base de referência é a TV e a gente parece que se preocupa mais quando ocorrem as enchentes, esses desastres assim, que a gente começa a refletir realmente, porque que ocorre, será que algum dia pode nos atingir. (S4). Eu pelo menos fico preocupada. Eu acho que até quem fez surgir esse assunto foi mais a mídia. Depois que a mídia entrou com bastante assunto relacionado a isso eu acho que deu um baque no pessoal. (S8). Eu recebo, eu vejo as informações via internet, eu vejo pouquíssimo a televisão, então as informações que eu acabo, que eu fico sabendo sempre são da internet, normalmente, 95% das vezes. (S13). Eu assim, o que eu vejo mais de interesse é quando eu vejo no jornal ou na internet alguma imagem relacionada, que daí me dá interesse pra eu estar acessando, ter conhecimento sobre essa questão. (S12). Eu acho que teve duas fases, usando assim tipo na mídia. Teve uma parte no começo que eles começaram a mostrar que, os efeitos. Aí todo mundo: “Nossa vai acontecer isso, pode acontecer aquilo, ou está acontecendo!” E agora eles estão mostrando já mais o que a gente pode fazer, o que a gente, como que a gente pode evitar ou como a gente pode ajudar. (S8). Como eu disse antes, o que era passado para nós era sobre meio ambiente, meio ambiente e não sobre o aquecimento global em si, era uma coisa mais no geral, então o que chega até a mim é através das mídias, TV principalmente. (S11). 105 A partir desses depoimentos, infere-se que as representações que os estudantes de pesquisados têm do aquecimento global é formada a partir da polissemia de ideia, informações, imagens e acontecimentos que circulam cotidianamente no universo consensual da realidade pautada pela mídia. Com seus mecanismos sociais de produção, circulação e consumo de mensagens, os meios de comunicação de massa tem peso importante nas vidas dos jovens, que levam consigo conhecimentos, muitos do senso comum para os ambientes formais e não formais de educação e interação social. Gadotti (2000) sustenta que se vive na era da informação, que as novas tecnologias e a ecologia não representaram, no século XX, apenas uma mudança de visão do planeta, mas do futuro comum da humanidade. Para ele: O desenvolvimento espetacular da informação, no que diz respeito às fontes, quer à capacidade de difusão, está gerando uma verdadeira revolução, que afeta não apenas a produção e o trabalho, mas principalmente a educação e a formação. As sociedades atuais são todas, pouco ou muito, sociedades de informação, nas quais o desenvolvimento das tecnologias pode criar um ambiente cultural e educativo suscetível de diversificar as fontes do conhecimento e do saber. (GADOTTI, 2000, p. 33). Percebe-se que os sujeitos também atribuem que os meios de comunicação carregam consigo a marca de ser uma instituição formadora da opinião pública que pode estimular e induzir comportamentos e contribuir para o esclarecimento do fenômeno do aquecimento global. Os estudantes atribuem que a atuação da mídia em causas ambientais é vista como mais informativa, trazendo notícias e propagandas, e na visão dos jovens a mídia poderia ser mais mobilizadora. Eu acho que os meios de comunicação fazem aquele alarme todo, e prática pouca. (S4). A mídia é mais, como eu posso dizer, materialista, interesseira, mais por dinheiro. (S10). Os meios de comunicação, eu acho que os meios de comunicação poderiam fazer mais. (S3). A mídia tem que dizer o que a gente tem que fazer, porque senão a gente não vai fazer. (S7). No entanto, consideram a mídia como “o quarto poder”, capaz não somente de informar, mas de mudar comportamentos e mobilizar grande número de pessoas. Os media funcionam, sobretudo, como tradutores da complexidade das questões e das suas implicações em linguagem acessível e compreensível ao grande público. 106 5.4 CIDADANIA E PRÁTICAS COTIDIANAS Nos categorias anteriores solicitou-se aos estudantes pesquisados uma avaliação de suas representações sociais do aquecimento global. Foram analisadas as categorias: compreensão da crise ecológica e do aquecimento global; causas e consequências; conhecimento e informação ambiental dos estudantes pesquisados. Nessa categoria de análise, faz-se necessário as práticas cotidianas dos alunos no que diz respeito à construção da sustentabilidade. Tabela 6: Percepção das ações individuais e coletivas Participo Prática Cotidiana Bastante (%) Reduzir o volume de lixo produzido 38 Separar o lixo para ser reciclado 39 Diminuir o uso de automóvel a fim de reduzir a poluição 40 Uso de transporte coletivo 41 Grupos de Discussão na internet 9 Participo Pouco (%) 57 38 Não participo (%) 5 23 40 30 29 20 29 62 Total (%) 100 100 100 100 100 Fonte: o autor. Como se pode observar, em primeiro lugar os jovens pesquisados atribuem que estão dispostos a utilizar mais o transporte coletivo (41%) para amenizar as causas do aquecimento global. Torna-se evidente a representação social da utilização do transporte coletivo como prática cotidiana que contribui para amenizar uma das causas antrópicas do aquecimento global; entretanto, 29% afirmam que não utilizam esse tipo de transporte. Consideram-se duas variáveis nessa situação: a primeira é que os jovens pesquisados residem em cidades pequenas, onde o uso do transporte coletivo por vezes é utilizado apenas como meio de transporte da classe trabalhadora, a segunda variável indica que a grande maioria dos estudantes reside em cidades distantes do local de estudo e, cotidianamente, utilizam o transporte coletivo como meio de deslocamento. No que diz respeito a uma atividade considerada individual, os estudantes pesquisados acreditam que a diminuição no uso de automóveis contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Dos estudantes, 40% afirmam que participam, partilham dessa ação cotidiana. Essa representação parece correta, pois os automóveis são responsáveis por grande parte da emissão de CO2 na atmosfera. 107 Em segundo lugar, os estudantes pesquisados indicam que a redução do volume de lixo produzido (38%) representa uma prática constante no seu cotidiano. Será que essa ação cotidiana representa uma redução do consumo? Quando questionados sobre as causas do aquecimento do global, os estudantes indicaram que o consumo representava 40% das causas de grande impacto no agravamento das mudanças climáticas. Quando eles se referem à redução do volume de lixo produzido observam-se duas variáveis. A primeira refere-se a uma solução imediata dos estudantes para a redução do impacto individual sobre os efeitos do aquecimento global, a segunda indica um desconhecimento a respeito das práticas cotidianas do consumo, que implica aumento de um conjunto de indicadores que geram grande impacto ambiental. A redução do volume de lixo produzido deve ser vista pela óptica do chamado consumo sustentável. Em terceiro lugar, os estudantes pesquisados indicam que em sua prática cotidiana a separação de lixo é uma prática que sugere diversas interpretações. Deles, 39% afirmam que participam bastante da separação de lixo cotidianamente, 38% participam pouco e 23% afirmam que não participam da separação de lixo cotidianamente. A leitura individual dos sujeitos explicitamente revela diferentes representações sobre a separação do lixo como sendo uma prática que amenize os impactos individuais desencadeadores das causas do aquecimento global. Explicitamente, o comportamento dos estudantes pesquisados revela que o descrédito da prática da separação do lixo implica melhoria dos efeitos do aquecimento global. Nos depoimentos, os estudantes entrevistados descrevem que as atividades relacionadas à reciclagem, economia de energia e água são as principais categorias relacionadas à sua prática cotidiana. Para eles: Eu já desligo a torneira quando escovo os dentes. Daí eu comecei a desligar, tipo eu me monitoro bastante, a luz, mas eu não estou em nenhum grupo assim específico, mas em casa a gente tenta fazer o possível. (S6). Lá em casa a gente faz a seleção do lixo, o que é reciclável. (S8). Na nossa casa também é feito. (S7). Na minha casa tem a separação de lixo. (S15). A gente também diminuiu a luz, e separa plástico pra não poluir muito. (S14). Diminui a luz. (S11). Os jovens pesquisados aparentemente estão predispostos em realizar ações que amenizem os impactos de suas ações cotidianas ante a degradação do meio ambiente. Entretanto, eles percebem que as partes não estão integradas ao todo, ou seja, apesar de realizarem ações com vistas a compensar seus impactos ambientais os estudantes percebem 108 que há um descompasso entre as informações veiculadas pelo estado e os media sobre o que o cidadão tem de fazer. Eles percebem que os governos negligenciam as políticas públicas de proteção ambiental e geram um profundo descrédito dos estudantes no sucesso de suas ações cotidianas. Um dos sujeitos assim respondeu: Na região não tem a coleta coletiva, daí então quer dizer, se você pode até separar em casa, você pode até se preocupar ali em separar e tal, mas aonde que eu vou jogar isso daí separado, vai para onde, vai acabar, pode sair em três pontos diferentes, mas cair ir para um lugar só, daí não adianta. (S13). Gonçalves atenta para um aspecto que permite a essa representação. Estamos muito longe das respostas à la carte que nos são oferecidas por um ecologismo ingênuo, embora muitas vezes bem-intencionado, que a mídia manipula sabiamente, convidando-nos a cuidar do lixo nosso de cada dia ou daquela espécie que está ameaçada. Faça sua parte, convidam-nos, como se a parte de cada um na injustiça ambiental que impera no mundo fosse semelhante à de todos; como se o todo fosse a soma das partes. (GONÇALVES, 2004, p.17). As representações sociais dos estudantes sobre suas ações cotidianas refletem duas realidades. A primeira do ponto de vista do poder econômico. Explicitamente os jovens apontam que suas ações são marcadas pela redução de gastos e despesas domésticas. Em segundo lugar, eles tendem a perceber que o poder político é considerado responsável por não cumprir com a proteção ambiental e que o discurso ambientalista do governo tende a reforçar o discurso do poder econômico que transfere para o cidadão o sentimento de culpa sobre a crise ambiental. Por outro lado, verifica-se um diferencial entre as representações sociais e a prática cotidiana dos jovens pesquisados. Os índices de preocupação e de incertezas dos problemas ambientais atingem valores elevados nas categorias anteriores, entretanto, as ações cotidianas são pautadas praticamente por questões relativas às despesas econômicas que os hábitos de consumo podem acarretar no orçamento doméstico. A militância dos jovens em prol do meio ambiente e da degradação ambiental local está estreitamente associada a práticas cotidianas e aos modos como os atores sociais de seu entorno relacionam-se com o meio ambiente. Os estudantes não são militantes, não participam de passeatas, de protestos, não reconhecem as políticas públicas sobre o meio ambiente, não intervém em processos decisórios sobre o meio ambiente em virtude da falta de líderes, de grupos civis organizados localmente que representem socialmente um movimento em prol do meio ambiente. Os medias acabam por ocupar este lugar na sociedade, de representar socialmente uma instituição mediadora das 109 informações e da militância ante a problemática ambiental. Essa talvez seja a principal representação social dos jovens: os media ocupam o lugar de uma sociedade civil desorganizada diante da crise ambiental. 110 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS No intuito de responder às questões de pesquisa que nortearam este trabalho, elaboraram-se dois instrumentos de investigação, os quais possibilitaram constituir um conjunto de informações detalhadas a respeito do posicionamento dos estudantes pesquisados ante a problemática ambiental. Os dados coletados ao longo desta pesquisa deixam evidentes algumas conclusões e indicam possíveis propostas metodológicas que serão discutidas ao final deste item. A respeito da primeira categoria de análise, que teve o intuito de conhecer quais são as representações sociais que os estudantes têm da crise ecológica e do aquecimento global, pode-se notar que os jovens estão conscientes e preocupados com a problemática das mudanças climáticas globais. Os dados indicam que eles tendem a reforçar que a dimensão antrópica do fenômeno contribui para o agravamento do aquecimento global. A essa concepção, observa-se que os estudantes relacionam diretamente o aquecimento global a um conjunto de representações das causas e consequências das mudanças climáticas inscritas em seus campos de significação. Para argumentar que o aquecimento global é real e se faz presente em seu cotidiano, os jovens relacionam acontecimentos vividos e mediatizados para procurar explicações sobre as causas e conseqüências das mudanças climáticas em curso. Em primeiro lugar, os estudantes atribuem que as mudanças de temperaturas – calor, frio – são consequências legítimas do aquecimento global percebidas sensorialmente em seu cotidiano. Ao atribuírem que o aquecimento global provoca enchentes, estiagens, furacões, tempestades, degelo, entre outras consequências, os estudantes pesquisados parecem dizer que a representação social do fenômeno físico é real e perceptível em diferentes lugares, e, que, por vezes, eles vivenciam algumas dessas situações em seu cotidiano. Implicitamente, os estudantes parecem dizer que percebem a dimensão física das consequências do aquecimento global a partir das imagens, fatos e acontecimentos divulgados pelos agentes de informação. Essas informações fazem parte de seu universo consensual onde as representações do fenômeno passam de simples opiniões para verdadeiras teorias do senso comum. As respostas sugeridas pelos estudantes permitem deduzir que as representações sociais dos jovens pesquisados em relação à crise ambiental e ao aquecimento global inscrevem-se em uma dimensão de caráter simbólico, socialmente partilhada e individualmente internalizada sob o discurso ideológico de que cada um deve fazer sua parte. Desta forma, as partes atuam na maioria das vezes isoladas do todo, e esse distanciamento 111 entre as partes e o todo amplia o abismo entre o individuo, a sociedade e o ambiente. Os sujeitos de nossa pesquisa explicitamente reproduzem um discurso que ratifica a tese de que a culpa pelos desastres ambientais recai sobre os indivíduos que isoladamente devem compensar suas ações para amenizar o impacto ambiental. No entanto, toda ação é benéfica e compensatória para os sujeitos e na maioria das vezes induz os indivíduos a agirem isoladamente. Enquanto algumas partes continuam a agirem isoladamente para amenizar suas ações, o impacto das mudanças climáticas sobre o todo aumenta gradativamente a cada dia. Não queremos dizer que a contrapartida dessa pequena parte de sujeitos não seja significativa para o meio ambiente. Pelo contrário, a maioria das pessoas engajadas com alguma causa ambiental na maioria das vezes participa ou faz parte de uma célula de um grupo social, uma ONG, uma associação, etc. Essas pessoas fazem a diferença dentro de uma sociedade indiferente às mudanças climáticas, sociais, políticas, educacionais e econômicas. O que queremos dizer, é que historicamente os maiores responsáveis pela degradação ambiental são as grandes, médias e pequenas indústrias de qualquer setor da produção manufatureira no mundo. A contrapartida para amenizar o impacto ambiental dessas empresas é muito pequena em relação ao alto índice de degradação provocado por elas. Fica claro que a maior parte do discurso ideológico neoliberal é direcionado aos indivíduos que subliminarmente são responsabilizados pelos desastres ambientais, e, explicitamente, o governo e as grande empresas se eximisse da responsabilidade pela degradação ambiental. O individuo sente-se impotente e vulnerável frente aos problemas ambientais, seja pela falta de informação ou pela ausência de uma educação socioambiental que possibilite ao individuo uma leitura critica do seu tempo histórico. Os jovens conservam fortes traços de uma concepção naturalista do meio ambiente. A ausência de uma concepção socioambiental, por vezes, limita a compreensão da crise ambiental e do aquecimento global em seu meio ambiente vivido. Em virtude das características geopolíticas da região Meio-Oeste catarinense, os jovens pesquisados parecem dizer que a representação social de um ambiente rural com algumas cidades de baixa densidade demográfica tem peso menor em relação aos problemas ambientais globais. Há um distanciamento entre as pessoas que vivem no campo e as que vivem no espaço urbano. Parecem dizer que os problemas das pequenas cidades têm menor peso diante do impacto ambiental gerado pelas grandes cidades. Conforme visto nos resultados obtidos por intermédio da pesquisa empírica, a maioria dos jovens pesquisados partilha de uma visão antrópica do aquecimento global. No que diz respeito à avaliação do seu ambiente vivido, os jovens, em sua grande maioria, têm 112 dificuldades em relacionar os problemas ambientais locais, e, centram suas inferências nos problemas ambientais de âmbito nacional e internacional. De forma implícita, os jovens parecem dizer que os problemas não são seus, são dos outros, do mundo e não do local. A carência de reconhecimento dos jovens pesquisados em relação à globalização dos problemas ambientais reforça cada vez mais a articulação entre as informações enunciadas pela mídia e os saberes mediados pelas instituições de ensino. Nessa direção, a educação deve se orientar de forma decisiva a fim de formar as gerações não somente para aceitar a incerteza e o futuro, mas para gerar um pensamento complexo sobre as relações entre o local e o global. Na segunda categoria de análise, sobre as causas e consequências do aquecimento global, percebe-se que os estudantes confundem os princípios das causas geradoras do aquecimento global, atribuindo responsabilidades a itens que nem sempre são os que mais produzem impacto ambiental. Pode-se perceber que esse é um saber ainda em construção, entretanto, por meio desta pesquisa observa-se que esse saber ainda demanda um esforço para fortalecer visões integradoras, que estimulem uma reflexão a respeito das causas geradoras do aquecimento global. Percebe-se que os jovens têm mais facilidade para identificar as consequências do aquecimento global, entretanto, nas entrevistas com os grupos focais eles reforçam um conhecimento superficial e fragmentado, marcado principalmente pela visão da degradação dos recursos naturais, deixando de lado a dimensão social do problema ambiental. Os jovens parecem dizer que partilham de uma visão naturalista marcada pela concepção pura de meio ambiente como natureza. Pode-se inferir que os estudantes pesquisados partilham de uma representação social de um conjunto de consequências que tem elevada probabilidade de ocorrer, e que está ocorrendo. Essa indicação revela que apesar das incertezas das causas do aquecimento global os estudantes afirmam que as consequências das mudanças climáticas são perceptíveis em diferentes lugares do planeta, ratificadas, principalmente, pelas imagens e informações da degradação ambiental divulgadas pelos meios de comunicação e mediadas pelas instituições de ensino. Na terceira categoria, a qual se procurou identificar quais as representações sociais dos estudantes sobre os conhecimentos e informações ambientais, observa-se que os estudantes parecem dizer que há um conhecimento socialmente partilhado sobre o meio ambiente, como sendo algo natural do ser humano, entretanto, quando questionados sobre como eles compreendem as informações e conhecimentos do fenômeno do aquecimento global nota-se que os jovens ficam inseguros e atribuem a maior parte de seus saberes às informações 113 veiculadas pelos meios de comunicação de massa. Eles parecem dizer que os media não somente dizem a respeito do que se pode pensar, mas, também, dizem como pensar sobre essa temática. Verifica-se um diferencial entre as representações sociais e as práticas cotidianas. Os índices de preocupação e de reconhecimento da crise ambiental, em especial o aquecimento global, revela diferentes níveis de preocupação entre os estudantes pesquisados. Entretanto, a predisposição dos estudantes em realizar ações cotidianas que amenizem o impacto ambiental de seus comportamentos é marcada pelo descrédito nas políticas públicas que assegurem condições mínimas de estratégias para minimizar o impacto ambiental e apoiar o cidadão em sua prática cotidiana. Os jovens parecem dizer que os governos transferem a responsabilidade para o cidadão. O estado mínimo eximisse da culpa. O aquecimento global não respeita fronteiras. Suas causas e consequências são sistêmicas. As catástrofes climáticas que atingem diferentes lugares do mundo não definem o lugar, o país, a população, a etnia, a religião e status social, tampouco a intensidade do impacto. As mudanças climáticas indicam que o desequilíbrio ambiental perpassa as dimensões sociais, políticas, econômicas e educacionais. O enfrentamento ao aquecimento global somente será possível quando à sociedade tiver mecanismos que possibilitem colocar em prática as inúmeras ações e propostas que os governos e os medias propõem para amenizar o aquecimento global. Nesse cenário de incertezas, as instituições de ensino formal, como as universidades, têm um papel social fundamental na mediação e ressignificação do pensamento e do comportamento desses jovens e no modo como eles se relacionam com o ambiente social e individual. Uma das questões que afloram no âmbito das discussões sobre a crise ambiental é a mudança de paradigmas. A essa mudança, os dados dessa pesquisa explicitam que é preciso uma abordagem metodológica que possibilite aos jovens empoderar-se do conhecimento científico para ressignificar seu conceitos, valores e atitudes frente ao meio ambiente em suas dimensões físicas, sociais, econômicas, culturais e educacionais. Nesse contexto, Carvalho (2004), indica a abordagem metodológica de Paulo Freire que propõem ao longo de suas obras uma construção social do conhecimento com vistas aos ideais emancipatórios do pensamento crítico, tendo na metodologia dos temas e palavras geradoras o estímulo para que professores e educandos construam socialmente, criticamente e reflexivamente o conhecimento. Neste sentido, a problematização das questões urgentes de nosso tempo histórico, como o aquecimento global e outras inúmeras questões devem fazer parte do 114 projeto político pedagógico dos cursos de graduação, orientados para uma abordagem que identifique, problematize e proponha aos indivíduos uma nova racionalidade cultural, social, ambiental e educacional. A título de relacionar algumas propostas que expressem possíveis pretensões que justifiquem a relevância dessa pesquisa no âmbito do ensino superior propomos, em primeiro lugar, uma discussão sobre as representações sociais da cultura ambiental dos jovens pesquisados. Ou seja, a cultura ambiental dos estudantes universitários é marcada por valores éticos, estilos de vida e racionalidades construídos individualmente e socialmente. Ressignificar sua relação com o conhecimento sobre a crise ecológica e o aquecimento global supõe uma mudança paradigmática no discurso socialmente partilhado sobre a prática de que cada um deve fazer sua parte. Essa mensagem individualista dicotomiza as relações entre o individuo, os grupos sociais e o ambiente. A prática educativa crítica deve orientar os estudantes para compreender as relações indivíduo-sociedade e, neste caminho, individuo e coletividade só fazem sentido se pensados em suas inúmeras relações. Nesta mesma perspectiva, concordamos com Carvalho (2004) que sugere algumas propostas metodológicas que devem orientar o trabalho de formação ambiental dos estudantes. Essas orientações aproximam-se de nosso estudo empírico e da concepção metodológica que deve nortear a educação socioambiental crítica e reflexiva no contexto do ensino superior. Nas considerações de Carvalho (2004) as propostas metodológicas socioambientais devem: a) Contribuir para a transformação dos atuais padrões de uso e distribuição dos bens ambientais em direção a formas mais sustentáveis, justas e solidárias de vida e de relação com a natureza; b) Promover a compreensão dos problemas socioambientais em suas múltiplas dimensões: geográficas, históricas, biológicas, sociais e subjetivas; considerando o ambiente como o conjunto das interrelações que se estabelecem entre o mundo natural e o mundo social, mediado por saberes locais e tradicionais, alem dos saberes científicos; c) Formar uma atitude ecológica dotada de sensibilidades estéticas, éticas e políticas sensíveis à identificação dos problemas e conflitos que afetam o ambiente em que vivemos; d) Implicar os sujeitos da educação com a solução ou melhoria destes problemas e conflitos através de processos de ensino-aprendizagem, formais ou não formais, 115 que preconizem a construção significativa de conhecimentos e a formação de uma cidadania ambiental; e) Atuar no cotidiano escolar e não escolar, provocando novas questões, situações de aprendizagem e desafios para a participação na resolução de problemas, buscando articular escola com os ambientes locais e regionais onde estão inseridas; f) Construir processos de aprendizagem significativa, conectando a experiência e os repertórios já existentes com questões e experiências que possam gerar novos conceitos e significados para quem se abre à aventura de compreender e se deixar surpreender pelo mundo que o cerca; g) Situar o educador como, sobretudo, um mediador de relações sócioeducativas, coordenador de ações, pesquisas e reflexões – escolares e/ou comunitárias – que oportunizem novos processos de aprendizagens sociais, individuais e institucionais (CARVALHO, 2004, p. 21). A título de finalização deste texto, mas não do debate sobre as mudanças climáticas, o que acreditamos alcançar com essa pesquisa é o desvelamento das representações sociais de um tempo histórico, de uma realidade que não é tratada como algo dado, mas construído socialmente. Essa realidade não pode ser captada de uma só vez, tampouco, em todas as suas variáveis. As representações sociais dos estudantes universitários sobre o aquecimento global explicitam as relações de poder e os mecanismos ideológicos estruturantes da realidade desses jovens. Nesse processo, a concepção de uma educação socioambiental deve se mediada a partir das interfaces entre os saberes dos sujeitos sociais e a ambientalização do currículo das universidades, por meio da politização dos sujeitos e da problematização dos problemas ambientais locais e regionais, possibilitando a sociedade civil organizada e aos acadêmicos romperem com o amorfo intelectual e agir coletividade com vistas à sustentabilidade. 116 REFERÊNCIAS ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à educação. Em Aberto, Brasília, DF, v. 14, n. 61, p. 60-77, jan./mar. 1994. ANDRADE, Sueli Amália de. Considerações Gerais sobre a problemática ambiental. In: ANDRADE, S.A. Educação Ambiental: curso básico a distância: questões ambientais: conceitos, problemas e alternativas. Brasília, DF: MMA, 2001. ASSOCIAÇÃO DOS FUMICULTORES DO BRASIL. Meio Ambiente e Agenda 21, 2007. ASSUNÇÃO, João Vicente de. Poluição atmosférica. 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Sua participação é muito importante. Ela é livre e anônima (nos resultados da pesquisa você não será identificado). Assim, optando por participar da pesquisa, gostaríamos de convidá-lo a responder às questões que virão a seguir preenchendo o espaço destinado a elas. Obrigado. Iniciais do Nome:___________________ Idade do Informante:_________________ Curso:________________________ Fase:_____________ Sexo: ( ) Masc. ( ) Fem. 1. Mencione cinco palavras que lhe vem à mente quando você pensa em Meio Ambiente que, ao mesmo tempo, expressam o seu significado: a)____________________________________ b)____________________________________ c)____________________________________ d)____________________________________ e)____________________________________ 2. Em relação aos temas Meio Ambiente e Aquecimento Global, você julga estar: Julgo estar Bem informado (a) Mais ou menos informado (a) Pouco informado (a) Mal informado (a) Meio Ambiente Aquecimento Global 3. Em relação ao conhecimento que você dispõe sobre o tema Aquecimento Global, quais as instituições que hoje, no seu entendimento, contribuem com as pessoas e a sociedade para a compreensão e informação sobre o tema: Instituições 1. Escolas de Educação Básica 2.Televisão 3. Jornais e Revistas Contribuiu muito Contribuiu Contribuiu pouco Não contribuiu 127 4. Internet 5. Universidade 6. Organizações Não Governamentais (ONGs) e movimentos sociais 7. Instituições Religiosas 8. Sindicatos e Partidos Políticos 9. Relatório do IPCC/ONU sobre o aquecimento global. 10. Outros 4. Seguem algumas afirmações. Assinale cada uma das afirmações, segundo o grau de concordância. Afirmações Concordo muito Concordo pouco Não concordo 1. O aquecimento global é um tema da moda, que veio e que passará. 2. O aquecimento global é um assunto preocupante, que deve ser levado a sério pelos governos e pelos cidadãos. 3. O aquecimento global é um fenômeno natural que ocorre de tempos em tempos. 4. O aquecimento global é um fenômeno natural e que à ação antrópica contribui para o agravamento do efeito estufa 5. Os principais causadores do aquecimento global são os países ricos, pois são responsáveis pela emissão dos gases poluentes. 6. Tantos os países ricos quanto os países pobres são responsáveis pelo aquecimento global. 7. Apesar do grande espaço que o tema ocupa na mídia, ainda há poucas pesquisas que comprovam o aquecimento global. 8. O aquecimento global é tão grave que coloca a humanidade em perigo. 5. Seguem listados alguns Fatores/Causas que, segundo os cientistas ligados ao IPCC, provocam o aquecimento global. Avalie cada uma das causas apontadas, segundo o grau de importância (impacto). Causas/Fatores 1. Emissão de poluentes na atmosfera pelas indústrias 2. Emissão de gases poluentes (CO2) pela queima de combustíveis fósseis Grande impacto Médio impacto Baixo impacto Nenhum impacto 128 3. Destruição das florestas 4. Concentração humana nas grandes cidades 5. Crescimento da agricultura e da pecuária 6. Aumento do consumo 6. Seguem listadas algumas das principais Consequências que a elevação da temperatura do planeta causa. Avalie cada uma delas segundo o seu grau de impacto. Consequências Grande impacto Médio impacto Baixo impacto Nenhum impacto 1. Elevação do volume das águas do mar e inundação progressiva de cidades e regiões litorâneas 2. Derretimento das camadas de gelo nos polos e nas montanhas 3. Tornados e terremotos 4. Câncer de pele e outras doenças que decorrem dos raios ultravioletas 5. Alteração na biodiversidade, acelerando a extinção de algumas espécies 6. Aumento das áreas de deserto no planeta 7. Aumento dos refugiados ambientais 8. Outros 7. De acordo com a sua percepção, julgue o grau de importância ou gravidade dos problemas ambientais a seguir referidos e sobre quais gostaria de obter mais informação. Gravidade dos problemas ambientais Poluição dos rios Poluição do ar Aumento da pobreza Extinção de espécies de animais e vegetais (biodiversidade) Poluição das águas subterrâneas (lençol freático) Aquecimento global do planeta Lixo doméstico, industrial, químico e tecnológico Desmatamento e queimadas Poluição visual Aumento do consumo Crescimento demográfico Criação de animais em grande escala Bastante Grave Pouco Nada grave grave grave Desejo obter mais informação 129 Uso de agrotóxicos Redução da camada de ozônio Aumento do nível do mar 8. De acordo com a sua percepção, julgue o grau de importância do debate sobre o aquecimento global nos diferentes meios da sociedade na qual você convive. Percepção|Debate Muito Importante Pouco Importante Nada Importante Importância que os professores da Unoesc dão para as questões relacionadas ao aquecimento global Importância que os acadêmicos da Unoesc dão para as questões relacionadas ao aquecimento global Importância do debate sobre o aquecimento global com seus amigos(as) Importância do debate sobre o aquecimento global com sua família Importância do debate sobre o aquecimento global em sua cidade Importância do debate sobre o aquecimento global pela mídia Importância do debate sobre o aquecimento global pela comunidade científica 9. Em sua prática cotidiana (seu dia a dia como pessoa) você considera que está predisposto a realizar ações que amenizem o seu impacto sobre o meio ambiente e, sobretudo ao aquecimento global. Prática cotidiana Participo bastante Participo pouco Não participo Reduzir o volume de lixo produzido Separar o lixo para ser reciclado Diminuir o uso de automóvel a fim de reduzir a poluição Uso de transporte coletivo Grupos de discussão na internet Colaborar com as ações/leis já existentes 10. No que se refere à sua formação (atual ou futura), você considera que as informações sobre o meio ambiente e o aquecimento global disponíveis contribuem para a sua formação acadêmica. Para você Colaboram com a sua Concordo muito Concordo pouco Não concordo 130 formação Faltam-me subsídios para tratar tal assunto As informações reais são restritas a especialistas Não tenho interesse nesse assunto É um assunto que envolve uma questão de ordem mundial, e todos devem ter acesso, independente da sua profissão. 11. Qual o melhor momento para ensinar os assuntos ligados ao Meio Ambiente? Instituição escolar Ensino fundamental (Pré-escolar até 8ª série) Ensino médio Ensino superior Da pré-escola até o ensino superior Não sei Concordo muito Concordo pouco Não concordo 12. Em relação às Organizações Não Governamentais (ONGs), responda: Sim Não Conheço uma ONG que atua na área ambiental Acredito na credibilidade e seriedade do trabalho das ONGs Tenho interesse em participar de uma ONG Não me interesso por assuntos relacionados à ONGs 13. Em relação ao tema Leis Ambientais, responda: Leis ambientais Precisamos de mais leis Concordo muito Concordo pouco Não concordo 131 Basta aplicar as leis existentes Aplicar as existentes e criar novas leis O município onde moro contribui para a preservação do meio ambiente e aplica as leis existentes Não tenho conhecimento sobre a questão das Leis Ambientais 14. Do ponto de vista ambiental. Concordo muito Concordo pouco Não concordo A qualidade do meu município é boa Existem ações sociais para conscientizar a população das questões ambientais Existem ações educacionais efetivas em relação às questões ambientais 15. Em relação ao município onde reside, assinale o teu grau de Incômodo com os seguintes problemas ambientais. Muito Poluição da água e desmatamento Poluição do ar (carros e indústrias, etc.) Poluição sonora e visual. Lixo não acondicionado e esgotos não tratados. Uso abusivo de Pouco Não me incomodo 132 agrotóxicos. Reflorestamento. 16. Dos problemas ambientais existentes, quais deles você gostaria de ter maiores informações a respeito? Problemas ambientais SIM, gostaria de obter maiores informações NÃO gostaria de ter maiores informações Efeito El Niño Genética Alterações climáticas Desmatamento e desertificação Degradação das zonas costeiras Aumento do nível do mar Emissão de gases dos veículos automotivos Redução da camada de ozônio Aumento da população Poluição do ar 17. O que é a Agenda 21? ( ) Não sei o que é. ( ) Não sei o que é, mas já ouvi falar sobre ela. ( ) Não sei o que é, mas gostaria de saber. ( ) Sei o que é e trata de ................................................................................................ 18. O que é o Protocolo de Quioto? ( ) Não sei o que é. ( ) Não sei o que é, mas já ouvi falar sobre ele. ( ) Não sei o que é, mas gostaria de saber. ( ) Sei o que é, e trata de ................................................................................................ 133 19. O aquecimento global provocará: ( ) Mais ondas de calor. ( ) Mais tempestades violentas. ( ) Problemas no abastecimento de água. ( ) Redução da Biodiversidade. ( ) Mais chuvas no Sul do Brasil. ( ) Má qualidade da água. ( ) Degelo nos polos. ( ) Aumento do nível dos oceanos. ( ) Efeitos negativos sobre as atividades agrícolas. ( ) Não sei o que pode provocar. 20. Em sua opinião, como o Cinema trata dos assuntos relacionados ao aquecimento global: ( ) Com objetividade e credibilidade das informações ( ) Apenas como Entretenimento – Ficção 21. Escreva o nome de dois filmes que retratam os problemas ambientais, em especial o aquecimento global. a)________________________________________ b)____________________________________________ c) Não conheço nenhum filme que trata deste assunto 134 APÊNDICE B – Instrumento de Pesquisa Qualitativo INSTRUMENTO DE PESQUISA QUALITATIVO: Esta é uma pesquisa vinculada ao Mestrado em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Ela busca identificar o que as pessoas pensam sobre o aquecimento global. Sua participação é muito importante. Ela é livre e anônima (nos resultados da pesquisa você não será identificado). Assim, optando por participar da pesquisa, gostaríamos de convidá-lo a responder as questões que virão a seguir mediadas pelo pesquisador e exibidas em DVD. a. Quais é o seu nível de compreensão da atual crise ambiental e do aquecimento global? b. Quais são as fontes de informação e instituições que você considera que contribuem para divulgar o conhecimento sobre o aquecimento global? c. Você percebe que o meio ambiente está mudando em virtude do aquecimento global? d. Segundo a sua percepção, o aquecimento global está provocando mudanças na Região Meio-Oeste catarinense? Como? e. Quais são as principais causa e consequências do aquecimento global? f. Quais são as ações que a sociedade civil e os indivíduos podem realizar para amenizar os impactos do aquecimento global?