Sociologia Religião

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Sociologia
Religião
O papel que as crenças religiosas desempenham na vida social
Renato Cancian*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
O teólogo reformador João Calvino
O estudo da religião é tema constitutivo e fundador da sociologia. Tanto Karl Marx, como Émile
Durkheim e Max Weber se interessaram pela elaboração de teorias visando compreender aspectos
da vida religiosa e sua influência na sociedade.
Os estudos produzidos por Weber, porém, sem dúvida alguma tiveram maior amplitude teórica e
empírica. Weber analisou e comparou diversas religiões que existiram e que ainda existem no
mundo, avaliando o papel que as crenças religiosas exercem na conduta dos indivíduos em
sociedade. Num plano mais geral, o autor desvelou o potencial que a religião tem de provocar
transformações na ordem social, sejam elas na esfera da economia, da política ou da cultura em
geral.
A sociologia compreensiva
Weber jamais aceitou os pressupostos do materialismo histórico (teoria elaborada por Karl Marx e
Friedrich Engels) como único modelo teórico-metodológico válido para compreensão da realidade
social.
De acordo com a teoria marxista, a forma como o homem produz e reproduz sua sobrevivência (ou
seja, a maneira como busca satisfazer suas necessidades materiais, indispensáveis à manutenção da
própria vida) exerce uma influência determinante sobre as outras esferas da vida social, tais como a
religião, a cultura, as instituições políticas e jurídicas, etc.
A sociologia compreensiva formulada por Weber se contrapõe ao determinismo econômico ao
enfatizar que nem sempre as diversas esferas da vida social derivam (ou estão subordinadas) da
estrutura econômica de uma sociedade. Há casos em que ocorre o inverso, isto é, as ideias, valores
éticos e concepções de mundo (ou seja, as representações sociais) podem desempenhar um papel
crucial na produção da vida material.
Religiosidade e racionalidade econômica
Weber atribuiu às crenças e valores religiosos um papel importante na conduta dos indivíduos em
sociedade. Num dos seus livros mais proeminentes, "A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo", ele defendeu a tese de que a religião protestante exerceu uma poderosa influência no
surgimento do modo de produção capitalista.
Com base em dados estatísticos extraídos da sociedade americana, ele demonstra que, naquele país,
os líderes do mundo dos negócios e os proprietários de capitais eram, na maioria dos casos, adeptos
do protestantismo. Weber descreveu e analisou os valores e princípios éticos constitutivos da crença
religiosa protestante e apontou sua adequação à racionalidade inerente ao empreendimento
capitalista.
Ethos calvinista e espírito do capitalismo
A Reforma Protestante foi um movimento religioso que se contrapôs aos preceitos e dogmas do
catolicismo. A partir dela, surgiram várias seitas protestantes, entre elas as que se basearam no
pensamento de João Calvino.
Weber observou que a expansão das seitas calvinistas na Inglaterra coincidiu com o aparecimento
do modo de produção capitalista. Os preceitos religiosos constitutivos da doutrina calvinista
levaram seus adeptos a adotarem um estilo de vida metódico em todos os aspectos, denominado por
Weber de ascetismo.
O ethos de vida característico do ascetismo calvinista levava os crentes a valorizarem o trabalho
secular (mundano), o lucro e a acumulação de riquezas materiais. Enquanto o católico buscava
assegurar a salvação pela virtude, pelo arrependimento e pela penitência, os adeptos do calvinismo e do protestantismo de modo geral - viviam sem saber se seriam salvos ou condenados.
Essa incerteza levava-os a buscarem, no decorrer de suas vidas, possíveis sinais de concessão da
graça divina. O enriquecimento econômico, por exemplo, era um sinal que Deus daria aos
predestinados à salvação, aos "escolhidos". Por conta disso, os calvinistas desenvolveram um rígido
e disciplinado modo vida, que os levava a concentrarem seus esforços na acumulação material.
As atividades econômicas peculiares ao empreendimento capitalista - ou seja, a extração pacífica da
mais-valia (do lucro), através da compra e remuneração da mão de obra do trabalhador livre - foram
muito beneficiadas porque se adequaram ao estilo de vida dos crentes protestantes.
O ethos calvinista concebe o trabalho como uma vocação. A disciplina moral calvinista levava os
crentes a pouparem seus ganhos e, ao mesmo tempo, os inibia de usarem os lucros para o consumo
de bens luxuosos. Por isso, os lucros geralmente eram reinvestidos no próprio empreendimento
capitalista, gerando um movimento cíclico de acumulação/reinvestimento/acumulação.
Afinidade eletiva
Weber emprega o conceito de afinidade eletiva a fim de explicar a influência que os valores
religiosos calvinistas exerceram no sentido de "desencadear" o capitalismo. Uma vez
desencadeados, os valores e práticas religiosas calvinistas deixam de ser "determinantes" para a
permanência e a continuidade do capitalismo.
O conceito de afinidade eletiva é mais complexo do que a concepção de "causas determinantes". Há
uma correspondência entre o ethos calvinista (espírito do capitalismo) e o empreendimento
capitalista, mas é impossível apresentar uma explicação com base nos pressupostos de "causa" e
"efeito".
Religiões orientais
É interessante compararmos "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" com outros estudos
de Weber, em especial aqueles que se referem às religiões asiáticas, como, por exemplo, o
hinduísmo e outras religiões que são a base das sociedades de castas.
Nesses casos, a religião serviria para manter uma ordem social e econômica acentuadamente
hierarquizada e estática, ou seja, sem qualquer possibilidade de haver mobilidade e mudança social.
O caso da Índia é interessante.
Há décadas, o Partido Comunista da Índia, considerado uma das grandes forças políticas daquele
país, tentou em vão aplicar programas políticos de melhoria das condições de vida das populações
mais pobres. Sempre houve uma enorme resistência social, que levou ao fracasso inúmeros
programas políticos de caráter socialista (que preconizavam igualdade e justiça social), pois a
sociedade de castas está fortemente assentada sobre preceitos religiosos muito arraigados, que
concebem as desigualdades e diferenças sociais como manifestações da vontade divina.
*Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências
sociais. É autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: gênese e atuação política - 19721985".
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