Capítulo 1 Vera Lúcia da Silva Valente Gaiesky Ferramentas Metodológicas 1. Tecnologias de DNA recombinante 2 1.1 Hibridização in situ 2 1.2 Reação em cadeia da polimerase 4 1.3 Vetores de clonagem e de expressão 4 1.4 Organismos transgênicos 5 1.5 Outros métodos 9 Garcia_01.indd 1 10/10/11 14:34 Embriologia 2 O avanço científico observado nas últimas décadas propiciou que fossem desenvolvidas novas ferramentas (técnicas e métodos) para o estudo da biologia do desenvolvimento, o que permitiu explorar processos e moléculas envolvidos na complexa rede de interações responsável pela regulação gênica do desenvolvimento de embriões. bridização de ácidos nucleicos. Essas sequências, aqui consideradas sondas (probes), puderam então ser encontradas em quaisquer genomas, bem como foi possível decifrar a organização dos genes que as portam (como, p. ex., se eles possuem, ou não, os sítios reconhecidos pelas enzimas de restrição em comparação com o genoma dos organismos originais dos quais o DNA foi extraído). Antes de as técnicas de biologia molecular serem aperfeiçoadas, o embriologista podia apenas observar e descrever o embrião em seus diferentes momentos. Hoje, as novas tecnologias permitem ao profissional estabelecer similaridades entre os estágios de vida de organismos até então considerados muito distantes, tendo como base o compartilhamento e a expressão de seus genes. O conhecimento relativo à hierarquia gênica e ao circuito de genes que ligam e desligam a atividade de centenas de outros genes de forma extremamente precisa, bem como a caracterização de seus produtos, a comparação de suas sequências de bases e a sua regulação são exemplos de como a biologia moderna aproximou definitivamente embriologistas, geneticistas, bioquímicos, paleontólogos e evolucionistas para o estudo da Evo-Devo (do inglês Evolutionary development) – que significa desenvolvimento do ponto de vista evolutivo. O estudo dessas homologias, por hibridização, pode ser realizado tanto anelando-se a sonda desnaturada (com a dupla hélice aberta) com o DNA-alvo extraído, fragmentado pelas endonucleases de restrição e submetido à eletroforese, como com células em suspensão, com cortes de tecidos em lâminas ou com embriões inteiros (whole mount). A visualização da região homologada com a sonda em cromossomos, em tecidos e em órgãos intactos dos embriões é mais difícil do que com a amostra de DNA purificado. Isso ocorre porque, nesses casos, há inúmeros obstáculos à hibridização, representados pelas moléculas envolvidas na organização da cromatina dos tecidos e órgãos para o encontro da sonda com a sequência homóloga a ela. 1. Tecnologias de DNA recombinante O estabelecimento de tecnologias de DNA recombinante, ocorrido a partir de 1980, proporcionou acesso direto às informações gênicas, constituindo-se em um avanço sem precedentes na área, uma vez que teve aplicação imediata para o estudo de problemas da biologia do desenvolvimento. Entre as principais ferramentas desenvolvidas para o estudo desses problemas, destacam-se a obtenção, a caracterização e a comercialização de enzimas de restrição (ou endonucleases de restrição), que têm a capacidade de cortar moléculas de DNA em pedaços correspondentes a certas sequências de bases específicas. Cerca de duas centenas de enzimas de restrição já são conhecidas e comercializadas, de modo que – junto com o conhecimento adquirido por meio do estudo da estrutura, da função e da especificidade das DNA-polimerases e das DNA-ligases – foi possível a manipulação das sequências codificadoras e regulatórias dos genes de interesse para o desenvolvimento embrionário. O avanço teórico e o aperfeiçoamento técnico e instrumental que facilitaram o estudo da complementaridade entre as bases dos ácidos nucleicos (DNA e RNA), por sua vez, propiciaram a utilização em larga escala do pareamento de pedaços de genes (ou genes completos) de um organismo a fim de sondar a sua homologia com partes do genoma inteiro do mesmo ou de diferentes organismos, mais ou menos relacionados, em ensaios de hi- Garcia_01.indd 2 Assim, a hibridização da sonda com o DNA-alvo extraído é mais facilmente estudada por meio da técnica conhecida como Southern blot. Esse método consiste em submeter uma amostra de DNA isolado de um doador, fragmentado com as enzimas de restrição apropriadas para a obtenção de fragmentos de diferentes tamanhos, à separação por eletroforese em gel de agarose e coloração com brometo de etídio (um composto que se intercala na dupla hélice, emite fluorescência e é visualizado sob luz ultravioleta). O gel é fotografado e imerso em uma solução de hidróxido de sódio, que promoverá a desnaturação dos fragmentos de DNA, os quais serão transferidos por capilaridade para um pedaço de membrana de náilon ou de nitrocelulose. A sonda a ser utilizada será marcada radiativamente, ou não, e hibridizada com o DNA desnaturado transferido para a membrana. Após serem fornecidas as condições e o tempo para que a sonda encontre a sequência de bases complementar a ela no DNA hospedeiro, essa membrana é lavada, a fim de eliminar o excesso da sonda que não se ligou ao DNA. O rigor com que essa membrana é lavada, para eliminar mais ou menos sequências com diferentes graus de homologia do DNA-teste com a sonda, é chamado estringência. Se a sonda for marcada radiativamente ou com compostos que emitem luz, o padrão de hibridização na membrana será revelado por autorradiografia (Figura 1.1). Uma variação dessa técnica, denominada Northern blot, utiliza como sonda uma sequência de RNA e propicia o rastreamento da existência de um transcrito processado, sendo expresso em uma amostra de DNA genômico. 1.1 Hibridização in situ O desenvolvimento das técnicas de hibridização de ácidos nucleicos isolados teve como consequência o aperfeiçoa- 10/10/11 14:34 Gel Ânodo Separação dos fragmentos por tamanho por meio de eletroforese em gel de agarose Maior Cátodo 3 Ferramentas Metodológicas Fragmentos de DNA clivados com enzimas de restrição Menor Tratamento do gel para desnaturar o DNA e transferência para uma membrana de náilon ou de nitrocelulose Sonda marcada Membrana de náilon Os fragmentos desnaturados são reanelados com uma fita de DNA marcado, e a membrana é exposta a um filme de raios X Cada banda revelada no filme corresponde a um fragmento de DNA que possui uma sequência complementar à da sonda Filme de raios X Figura 1.1 Esquema dos passos seguidos para análise de moléculas de DNA de duas amostras pela técnica de Southern blot. Fonte: Modificada de Berg e Singer.1 mento das técnicas de hibridização in situ, que são as ferramentas mais úteis para se rastrear os locais (células e campos presuntivos) de expressão gênica nos embriões. Por meio da hibridização in situ, é possível entender como a atividade gênica está guiando o desenvolvimento embrionário, uma vez que permite observar os padrões de atividade de genes de interesse no tempo (ao longo do desenvolvimento embrionário) e no espaço (células, tecidos e regiões mais amplas do embrião). A hibridização in situ pode detectar o local onde moléculas de RNAm estão sendo transcritas de genes em ati- Garcia_01.indd 3 vidade. Por meio dessa técnica, uma sonda complementar ao RNA (DNAc) que está sendo transcrito, hibridizará (isto é, se pareará fortemente) com ele. Assim, a sonda servirá para indicar o local de ação do RNAm complementar na fatia do tecido ou no embrião completo. No caso de a sonda ser marcada radiativamente, sua detecção será feita por autorradiografia. Quando se utilizam métodos não radiativos (p. ex., corantes), o local de expressão dos genes de interesse é detectado como uma área, célula ou tecido de coloração diferente da coloração de fundo, ao passo que sondas marcadas enzimaticamen- 10/10/11 14:34 Embriologia 4 te ou por meio de anticorpos compostos são reveladas através de uma mistura com o seu substrato, isto é, histoquimicamente (Figura 1.2). 1.2 Reação em cadeia da polimerase Após uma sequência de DNA ser isolada, clonada e sequenciada, o processo inverso ao utilizado pelos métodos de hibridização também pode ser aplicado. Assim, segmentos selecionados de DNA do genoma de um organismo-teste podem ser seletivamente amplificados pelo método conhecido como reação em cadeia da polimerase (PCR, de polimerase chain reaction). O PCR foi desenvolvido no início dos anos 1990 e se tornou possível por meio da descoberta do potencial de uso da DNA polimerase da bactéria Thermus aquaticus – uma enzima Taq-DNA-polimerase termoestável – capaz de promover ciclos de replicação de DNA sob condições desnaturantes, ou seja, sob altas temperaturas. A técnica de PCR propicia a obtenção in vitro, em um curto período de tempo (horas), de milhares de cópias de uma sequência de bases presente em um DNA genômico. Resumidamente, a técnica requer uma amostra de DNA genômico, primers (sequências iniciadoras da replicação), das regiões conservadas do gene que se quer identificar e amplificar no genoma de interesse, para funcionarem como molde. Um aparelho denominado termociclador – programável para indução de ciclos de replicação alternados de tempo e de temperatura aos quais será submetida a amostra, bem como da enzima Taq-DNA-polimerase – vai promover a amplificação daquela fração do DNA que possui homologia com o molde. Esses primers, iniciadores ou moldes, são desenhados a partir de sequências conservadas de genes já descritos e disponíveis em bancos de dados públicos, como o GenBank, e sintetizados ou nos próprios laboratórios de biologia molecular, ou sob encomenda, por empresas especializadas em biotecnologia (Figura 1.3). Variações desse método, como o PCR em tempo real (real time PCR), permitiram avaliar diferenças quantitativas na expressão de certos genes em amostras coletadas em diferentes momentos do desenvolvimento, ou em diferentes tecidos e órgãos nos mesmos estágios. 1.3 Vetores de clonagem e de expressão Para que se obtenham várias cópias de uma sequência isolada, às vezes é necessário realizar uma clonagem molecular. Esse processo envolve a ligação enzimática de pedaços do DNA isolado do organismo de interesse com o DNA dos vetores de clonagem (plasmídeos, vírus e bacteriófagos) dotados de sequências capazes de promover a sua replicação autônoma dentro das células hospedeiras nas quais são introduzidos (em geral, cepas modificadas da bactéria Escherichia coli por meio de um processo chamado transformação). Os plasmídeos, além de se replicarem autonomamente no genoma das bactérias, estão associados à resistência a antibióticos. Dessa forma, o isolamento das bactérias transformadas das que não são transformadas, em placas de cultura, é feito com o uso de antibióticos. As bactérias que não contêm o plasmídeo (não transformadas) são sensíveis ao antibiótico e serão eliminadas, restando e crescendo em cultura apenas aquelas bactérias resistentes, que foram transformadas. Quando, além de se clonar o gene, também se quer analisar o seu produto, é necessário utilizar os vetores de expressão (pró e eucariotos, dependendo da natureza e da complexidade da sequência que foi clonada). Por Figura 1.2 br Embriões de Tribolium em três estágios de desenvolvimento. As células estão expressando o gene engrailed (hachurado) como uma faixa em cada segmento do corpo à medida que eles vão se formando. A – No estágio inicial, só partes da cabeça são visíveis, como os segmentos gnatais (G1). B – No estágio intermediário, já se formaram os segmentos gnatais, (G1), torácicos (T1) e abdominais (A1). C – No estágio tardio, todos os segmentos já estão formados. br, ant, int correspondem, respectivamente, a cérebro, antenas e segmentos intercalares. ant G1 int G1 T1 A1 T1 Fonte: Modificada de Sulston e Anderson.2 G1 A Garcia_01.indd 4 A1 B C 10/10/11 14:34 3 5 5 3 3 5 5 3 DNA desenrolado 5 5 Ciclo 1 iniciadores 5 3 5 3 5 Ferramentas Metodológicas Segmento a ser amplificado DNA-polimerase 5 3 5 3 3 5 DNA desenrolado iniciadores DNA-polimerase 5 5 3 5 3 3 3 5 3 5 DNA desenrolado iniciadores DNA-polimerase 5 3 3 5 5 3 5 3 3 5 5 3 5 3 5 5 3 5 Ciclo 3 3 5 3 5 3 Ciclo 2 3 DNA desenrolado iniciadores DNA-polimerase 5 3 3 5 3 5 3 3 5 5 3 5 3 3 5 5 Ciclo 4 Figura 1.3 Amplificação de segmentos de DNA por meio de PCR. Fonte: Modificada de Berg e Singer.1 exemplo, para expressão em procariotos, normalmente as bactérias E. coli e Bacillus subtilis são vetores adequados; já para expressão em eucariotos, leveduras como a Saccharomyces cerevisae são utilizadas. A existência de certas características moleculares do plasmídeo, como, por exemplo, possuir uma sequência promotora forte, é fundamental para o sucesso da expressão do gene nele inserido (Figura 1.4). Garcia_01.indd 5 1.4 Organismos transgênicos A produção de organismos transgênicos permitiu um grande avanço no conhecimento dos genes envolvidos no desenvolvimento embrionário, bem como a sua essencialidade e a sua conservação evolutiva. Animais e plantas geneticamente modificados pela inclusão de um gene clonado de outro indivíduo (seja da mesma espécie ou não) constituem os chamados 10/10/11 14:34 Embriologia 6 Origem da replicação A Gene para resistência a um antibiótico Inserto do gene estranho Gene estranho Captura pela célula hospedeira Divisão celular B Promotor da β-galactosidase DNAc do gene que se quer expressar RNAm Gene para resistência à ampicilina Origem do plasmídeo Figura 1.4 Vetores de clonagem e de expressão. A – Plasmídeos bacterianos usados como vetores para multiplicação de insertos de DNA estranho. B – Características de um vetor de expressão: a seta grande indica o gene estranho que se quer expressar. Fonte: Modificada de Berg e Singer.1 organismos transgênicos. A transgenia, por sua vez, é de grande utilidade para se testar in vivo a função de quaisquer sequências gênicas e a sua conservação funcional entre organismos diferentes, assim como resolver problemas relacionados à regulação da expressão de certos genes de interesse para o desenvolvimento. Ela serve também para identificar suas sequências regulatórias e codificadoras, além de sondar os domínios de expressão de vários genes. Para o sucesso da transgenia, o gene clonado inserido em um embrião hospedeiro deve se integrar e se replicar nas sucessivas divisões celulares, bem como deve passar a Garcia_01.indd 6 ser reconhecido e regulado pelas células hospedeiras. Se a transformação (inserção bem-sucedida do gene estranho no DNA das células hospedeiras) ocorrer nas células que vão originar a linhagem germinativa do embrião, o transgene passará para as gerações seguintes. Cruzando-se o organismo transgênico com outro organismo de uma linhagem que não porta o transgene, pode-se monitorar o seu efeito no desenvolvimento das gerações subsequentes. Em camundongos, genes que condicionam mutações no desenvolvimento são comumente introduzidos em um embrião selvagem na fase de blastocisto para que façam parte de células-tronco embrionárias. Essas células são obtidas por meio de culturas permanentes derivadas de embriões mutantes (muitos deles, letais embrionários) e, quando introduzidas em um embrião selvagem inicial, vão contribuir para formar tanto os seus tecidos somáticos, como a sua linhagem germinativa. As células-tronco embrionárias em cultura, por sua vez, podem ser geneticamente manipuladas, de forma a se induzir mutações nos genes de desenvolvimento sob escrutínio, introduzir doses a mais ou a menos desses genes, bem como produzir mutações que façam com que a sequência original do gene perca completamente a sua função. Assim, a expressão de um ou mais transgene no embrião transformado (uma quimera) dependerá de quantas células transformadas serão inseridas corretamente no embrião hospedeiro, promovendo variações de natureza quantitativa na atividade desse gene (Figura 1.5). Outra maneira de originar camundongos transgênicos consiste em injetar um fragmento de DNA contendo o gene cuja função se deseja conhecer diretamente no núcleo do ovo recém-fertilizado. A vantagem de se trabalhar com células-tronco embrionárias, além da sua maior viabilidade, é a possibilidade de se selecionar, na cultura, aquelas células que foram previamente transformadas, aumentar seu número e então introduzi-las no estágio de blastocisto do embrião selvagem. Moscas transgênicas do gênero Drosophila também têm contribuído de forma marcante para o progresso da biologia do desenvolvimento, pois são originadas por meio da inserção de uma sequência de DNA conhecida diretamente nos cromossomos do embrião hospedeiro, utilizando-se de um vetor (no caso, uma sequência genética móvel) ou transpóson. Essas sequências, aparentadas com os vírus, ocorrem naturalmente no genoma de certas linhagens e têm a capacidade de mudar de lugar ao longo dos cromossomos. Se introduzidas no genoma de linhagens que não as portam, elas serão inseridas ao acaso no genoma hospedeiro. Porém, se forem geneticamente “engenheiradas” para conter, além do seu próprio gene de mobilização (que codifica uma enzima chamada transposase), os genes de interesse que se quer estudar, por meio de um processo conhecido como transformação mediada por elemento P, o embrião produzirá uma mosca transgênica (Figura 1.6). Se o elemento P geneticamente modificado for inserido na parte posterior do embrião – para onde, muito cedo, migrarão as células polares que origi- 10/10/11 14:34 DNA do gene de interesse Pró-núcleo DNA microinjetado no pró-núcleo 7 Ferramentas Metodológicas Ovo fertilizado DNA integra-se no genoma e os pró-núcleos são fusionados Ovos injetados no oviduto da mãe substituta Ovo injetado Camundongos transgênicos DNA isolado da cauda da prole é digerido com enzimas de restrição, submetido à eletroforese e analisado por Southern blot DNA injetado é identificado com uma sonda específica transplantes sem sucesso transplantes bem-sucedidos Figura 1.5 Produção de camundongos transgênicos. Fonte: Modificada de Berg e Singer.1 narão as gônadas –, as células germinativas conterão o gene que se deseja estudar, o qual será passado às gerações subsequentes, permitindo avaliar sua segregação. Frequentemente, as sequências inseridas portam um gene marcador de uma característica morfológica + visível, como, por exemplo, o alelo selvagem white , que condiciona olhos vermelhos. A inserção do transgene em um embrião mutante para esse gene (white ), que condiciona olhos brancos em homozigotos, por sua vez, pode ser monitorada pelo surgimento da cor vermelha (que indica que o inserto foi incorporado com Garcia_01.indd 7 sucesso) ou branca (que indicará a não incorporação do inserto) nos olhos das moscas adultas da geração seguinte. Por meio dessa metodologia, pode ser avaliado o efeito de doses extras de genes e a sua expressão sob influência de sequências regulatórias selvagens ou mutantes, bem como o efeito de novos genes (ou genes cognatos ao que se quer avaliar). Uma variante consiste em utilizar um gene marcador bioquímico acoplado ao elemento P “engenheirado” que vai gerar a transformação do embrião hospedeiro. Esse marcador, também chamado gene repórter, terá sua ex- 10/10/11 14:34 Embriologia 8 Figura 1.6 Produção de moscas transgênicas pela modificação da linhagem germinativa de embriões pela inserção de um elemento P, portando um gene que se quer estudar. O gene carregado pelo elemento P é funcional, e o do genoma hospedeiro é uma forma mutante, não funcional. O aparecimento da forma selvagem do gene na prole das moscas transformadas indica que o processo foi bem sucedido. Gene clonado com o elemento P Elemento P Microinjeção no embrião da mosca Cromossomos da mosca Fonte: Modificada de Wolpert e colaboradores.3 Transferência do elemento P portando o gene clonado Cromossomo Embrião da mosca portando o gene em seu genoma pressão revelada por coloração histoquímica, indicando que o inserto ao qual ele está acoplado foi inserido com sucesso no genoma hospedeiro, sinalizando, pela coloração revelada, a região, o tecido ou as células embrionárias em que o gene de interesse está se expressando (Figura 1.7). Os genes repórteres têm sido amplamente utilizados em embriões de camundongos e de outros animais, sendo o lacZ (que codifica a enzima bacteriana β-galactosidase) um dos mais frequentemente empregados na criação de animais transgênicos. A revelação da atividade enzimática desse gene marcador colore de azul as células, os tecidos e os órgãos do embrião que expressam o transgene. Tem sido comumente utilizada em Drosophila a sequência promotora de genes de resposta a estresses físicos e químicos (heat shock), chamados promotores fortes, uma vez que induzem a expressão dos genes a eles adjacentes sem a ajuda de sequências enhancers (ou aumentadoras), comuns em genes de eucariotos. O uso de transgenes acoplados a um promotor de heat shock (descobertos em genes que condicionam proteção contra os efeitos de modificações bruscas da temperatura do ambiente) permite que se induza a expressão dos genes a ele adjacentes simplesmente aumentando a temperatura da câmara de cultivo do organismo. Garcia_01.indd 8 O sucesso dos sistemas de transferência de genes em mamíferos e em leveduras contribuiu para o desenvolvimento de tecnologias para produção de plantas transgênicas, cuja aplicabilidade ao rendimento das plantas de lavoura foi imediato. As plantas transgênicas, pela sua maior plasticidade de desenvolvimento, oferecem muitas facilidades para a obtenção de embriões transgênicos. Vários métodos são atualmente disponíveis para a transformação de plantas. A maneira mais “natural” possível de se obter plantas transgênicas consiste na transfecção de células vegetais em cultura com a bactéria Agrobacterium tumefasciens, que é capaz de formar tumores em forma de galhas bem conhecidas nas plantas. Esse processo, que também ocorre na natureza, foi utilizado pelos melhoristas para a produção controlada de plantas transgênicas, uma vez que essa bactéria contém um plasmídeo Ti, que possui os genes necessários para a proliferação das células responsáveis pela formação do “calo” (callus). Se genes de interesse agronômico, como, por exemplo, um gene importante para o desenvolvimento precoce da floração de uma planta, for inserido no Ti e a bactéria que o contém for induzida a infectar uma cultura de células vegetais, ele funcionará como um vetor de transformação muito eficiente. Uma vez que células diferenciadas 10/10/11 14:34 Embrião de camundongo transgênico de 12 dias. A parte hachurada corresponde à expressão do gene myoD, por meio do gene repórter bacteriano β-galactosidase sob controle da sequência enhancer nos mioblastos. Fonte: Modificada de Goldhamer e colaboradores.4 em culturas de tecidos vegetais podem dar origem a uma planta adulta completa, devido à conservação da sua totipotência, as células geneticamente modificadas podem originar plantas transgênicas, com suas células transformadas pela infecção com o Agrobacterium, inclusive na sua linhagem germinativa, permitindo a obtenção de cultivares transgênicos estáveis. Outra abordagem possível, entre várias outras disponíveis para produzir plantas e também animais transgênicos, é o recurso da biobalística, que consiste no bombardeamento de células em cultura com partículas recobertas com sequências do DNA que se quer inserir e estudar no organismo receptor. Essas partículas, que consistem em pequenas esferas de tungstênio ou ouro, são carregadas com DNA vetor (a “construção”) e espalhadas na superfície de uma placa móvel ou de uma “bala” plástica (“macroprojétil”). Submetido ao impacto de uma bomba de vácuo, o “macroprojétil” é disparado contra uma placa de retenção, permitindo que seja desacelerado, e que os “microprojéteis” (as esferas com o DNA vetor) sejam arremessados contra a superfície das células a serem transformadas, penetrando no seu interior. O sucesso da transformação de plantas e de animais deve ser monitorado por meio do uso de marcadores genéticos, detectados pela sua expressão diferencial em células transformadas ou não, ou por meio de genes repórteres. Sequências de lócus enzimáticos (como o da lacZ bacteriana e outros) – cuja detecção pode ser colorimétrica ou histoquímica – podem ser utilizadas para construir e detectar transgenes. É bastante frequente também o uso de um lócus enzimático bacteriano, capaz de promover a expressão de luciferase, detectável com ensaios de bioluminescência. As plantas e os animais transformados, Garcia_01.indd 9 9 Ferramentas Metodológicas Figura 1.7 nos quais os transgenes são acoplados ao lócus da luciferase bacteriana, simplesmente “brilham” no escuro, da mesma forma que o fazem as bactérias de cujo genoma esse gene é proveniente, revelando o sucesso da transformação. A proteína conhecida como GFP (green fluorescent protein) codificada por um gene isolado do cnidário Aequorea victoria, também é bastante usada como gene repórter, quando é fusionada com os genes de interesse, para revelar onde eles estão se expressando, uma vez que emite uma luminosidade verde, facilmente detectável. 1.5 Outros métodos A cada dia, novos métodos analíticos são desenvolvidos, kits de reagentes são industrializados e programas de bioinformática são comercializados, tornando cada vez mais promissor o estudo da biologia do desenvolvimento e da diferenciação. Além dos métodos já tradicionalmente utilizados, nos últimos anos foram aperfeiçoadas novas metodologias com base no sequenciamento dos genomas e na bioinformática (chips de DNA e microarranjos de DNA), o que tem propiciado o acesso ao elenco de genes especificamente expressos em cada momento do desenvolvimento, mesmo que ainda desconhecidos. Por exemplo, por meio de microarranjos (microarrays) de DNA, os RNAms são isolados por fragmentos 3’ poly-A copiados em DNA complementar. Os DNAcs, que correspondem aos pedaços processados dos genes individuais, podem ser clonados em plasmídeos e replicados várias vezes, propiciando a construção de bancos de sequências. Por meio de sequenciamento automatizado, é possível esco- 10/10/11 14:34 Embriologia 10 lher os clones de DNAc dos plasmídeos do banco que contém os menores fragmentos de um gene (ESTs, ou expressed sequence tags), que serão amplificados por PCR, e decifrar a sua função no tecido ou no estágio do desenvolvimento de interesse. Por meio dessa estratégia, sítios contendo DNAc, ESTs ou oligonucleotídeos presentes em uma amostra podem ser monitorados por hibridização com a sequência complementar previamente imobilizada em uma placa. A análise é feita base por base, e a sua identificação é possível porque o DNA da amostra foi previamente marcado com substâncias fluorescentes. Moléculas de DNA do gene de interesse Amplificação por PCR Impressão sobre lâmina de microscopia mRNA1 fluorocromo vermelho (●) mRNA2 fluorocromo verde (●) Hibridação Lavagem Veja a figura em cores na orelha do livro. Detecção de sinais vermelhos (●), verdes (●) e combinação de ambos por scanner Figura 1.8 O método de microarranjos para análise de transcriptomas. Fonte: Modificada de Wolpert e colaboradores. Garcia_01.indd 10 3 Métodos como os microarranjos possibilitaram fazer a triagem dos genes que estão sendo expressos em um determinado tecido ou grupo de células de um embrião, em um dado momento. Esse método consiste na ligação de fragmentos de DNA do genoma que se quer estudar a uma superfície, como uma lâmina de microscopia ou uma membrana de náilon com carga positiva (Figura 1.8). Esses microarranjos são capazes de detectar e de quantificar RNAms ou DNAcs das amostras a serem testadas (p. ex., um tecido embrionário) quando colocadas para hibridizar com as sequências de DNA dispostas na lâmina. As amostras são “marcadas”, isto é, conjugadas a compostos químicos fluorescentes (fluorocromos). Quando um gene está sendo transcrito, ele é “lido” por um scanner como uma cor, dependendo da combinação de fluorocromos que for utilizada. O conjunto de genes expressos também tem sido chamado transcriptoma, e seu conhecimento é crucial para decifrar as extensas redes regulatórias do desenvolvimento, desencadeadas por fatores de transcrição que dirigem a morfogênese. Outro avanço para o estudo do desenvolvimento foi o emprego de morfolinos (morpholinos). São moléculas pequenas (oligômeros) de ácidos nucleicos usadas como ferramenta para se fazer “genética reversa”, isto é, fazendo um nocaute ou (knock out) do gene original cuja função se quer determinar. Essas moléculas “antissenso” são sintetizadas para se ligarem ao gene que deveria se expressar em um determinado momento e em um determinado tecido, revelando sua essencialidade. Essa interferência com a expressão do gene ocorre tanto pelo impedimento da síntese proteica como pela modificação dos padrões de processamento do pré-RNAm. 10/10/11 14:34 É importente mencionar a extrema rapidez com que novos métodos estão sendo estabelecidos e que permi- tem, junto com o desenvolvimento da bioinformática, o surgimento da genômica comparada. Atualmente, mais de uma centena de organismos já tiveram seus genomas sequenciados, e as comparações entre a organização de seus genes e de seus padrões de expressão no processo de desenvolvimento embrionário encontram-se em um momento crucial na história da biologia. Resumo O refinamento de métodos bioquímicos analíticos, oriundos da biologia molecular, a comercialização de insumos, o avanço da bioinformática e o sequenciamento dos genomas propiciaram enormes avanços no estudo dos processos de desenvolvimento embrionário dos eucariotos, levando a uma nova área de estudo, 11 Ferramentas Metodológicas Morfolinos podem ser usados até para sondar o efeito de cada éxon para a funcionalidade da proteína-alvo e para eletroporar embriões de eucariotos, como de Xenopus e de galinhas, por meio de um método similar ao que é utilizado em biobalística. a Evo-Devo – que significa evolução dos processos de desenvolvimento. Essa é uma das áreas da biologia que mais tem crescido, e novas ferramentas metodológicas para o estudo dos embriões e das complexas redes regulatórias dos genes envolvidos na sua morfogênese são veiculadas a cada semana. Questão dissertativa 1. Faça uma relação dos principais métodos analíticos atualmente disponíveis para o estudo da biologia do desenvolvimento embrionário. Referências 1. Berg P, Singer M. Dealing with genes: the language of heredity. Mill Valley: Blackwell Scientific; 1992. 2. Sulston IA, Anderson KV. Embryonic patterns mutants in Tribolium castaneum. Development. 1996;122(3):805-14. 4. Goldhamer DJ, Brunk BP, Faerman A, King A, Shani M, Emerson CP Jr. Embryonic activation of the myoD gene is regulated by a highly conserved distal control element. Development. 1995;121(3):637-49. 3. Wolpert L, Jessel T, Lawrence P, Meyersowitz E, Robertson E, Smith J. Princípios de biologia do desenvolvimento. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. Leituras sugeridas Carroll SB. Evo-devo and an expanding evolutionary synthesis: a genetic theory of morphological evolution. Cell. 2008;134(11):25-36. Garcia_01.indd 11 Griffin HG, Griffin AM. DNA sequencing. Methods Mol Biol. 1993;23:1-8. 10/10/11 14:34 Garcia_01.indd 12 10/10/11 14:34