Kant e a filosofia crítica Programa de Pós-Graduação em Educação Professora Gisele Masson UEPG Immanuel Kant (1724-1804) Principais obras Crítica da razão pura - 1781 Fundamentação da Metafísica dos Costumes - 1785 Crítica da razão prática - 1788 Crítica do julgamento - 1790 A Paz Perpétua - 1795 Metafísica da Moral - 1797 Questões gerais • Elaborou uma filosofia que se caracterizou como racionalismo crítico, pretendendo superar a dicotomia entre racionalismo e empirismo. • Embora formado no contexto do racionalismo alemão, dedica Crítica da razão pura a Bacon, o iniciador do empirismo. • Define quatro questões fundamentais: 1. O que posso saber? (Metafísica – possibilidade e legitimidade do conhecimento) Modifica radicalmente a questão que predominava até então: O que é a verdade? 2. O que devo fazer? (Moral) 3. O que posso esperar? (Religião) 4. O que é o homem? (Antropologia) Questões gerais • Na visão de Kant, crítica tem o sentido de se contrapor ao dogmatismo. Por isso, a tarefa da crítica é examinar os limites da razão teórica e estabelecer os critérios de um conhecimento legítimo. O sentido da palavra crítica é de reflexão sistemática. • Na Crítica da razão pura formula a sua concepção de filosofia transcendental. • A filosofia transcendental contém a teoria do conhecimento de Kant, ou seja, a sua análise das condições de possibilidade do conhecimento. • Assim, a crítica funciona como uma teoria geral do conhecimento a priori, como uma metateoria do conhecimento racional. • Conhecimento racional, para Kant, não é um conhecimento de objetos puros (como os matemáticos e metafísicos da época), mas como um conhecimento puro de objetos. Crítica da razão pura Da distinção entre o conhecimento puro e o empírico • Os conhecimentos começam com a experiência, mas há alguns que não possuem essa origem. • Conhecimentos experiência. a priori: independentes da • Conhecimentos a posteriori: são empíricos, têm origem na experiência. Crítica da razão pura • Conhecimentos a priori puros: absolutamente independentes da experiência. • Conhecimentos a priori impuros: derivam indiretamente da experiência, ou seja, definição de uma regra geral a partir da experiência. • Ex. Toda mudança tem uma causa. (mudança só pode formar-se da experiência) Crítica da razão pura • Os conhecimentos a priori são universais, não permitindo nenhuma exceção como possível. São necessários e absolutos. • Os conhecimentos a posteriori são juízos que se caracterizam por serem contingentes, pois enunciam que algo pode ser ou não de determinado modo. São particulares e dependem da experiência. Crítica da razão pura • Juízos analíticos: são de caráter lógico em que o predicado está contido no sujeito. São tautológicos porque explicitam o que já está contido no sujeito e não contribuem para o avanço da ciência porque nada agregam de novo. Ex. Todo ser vivo é mortal. • Juízos sintéticos: dependem da experiência e promovem uma ampliação de nosso conhecimento. ANALÍTICO (a priori) SINTÉTICO (a posteriori) Crítica da razão pura • Kant considera que tal distinção é insuficiente para explicar a possibilidade da ciência. Propõe, portanto, uma terceira classe de juízos. • Juízos sintéticos a priori: independentes da experiência, porém relacionados à ela, pois diz respeito às suas condições de possibilidade (princípios gerais da ciência, fundamentos da física e da matemática, juízos filosóficos da teoria do conhecimento). CONJUGAÇÃO DA RAZÃO E DA EXPERIÊNCIA NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO. Crítica da razão pura • Na concepção kantiana, o conhecimento do objeto resulta da contribuição de duas faculdades de nossa mente: a sensibilidade e o entendimento. 1ª PARTE DA CRÍTICA DA RAZÃO PURA: ESTÉTICA TRANSCENDENTAL • Trata das formas puras da sensibilidade: as intuições de espaço e tempo. • Emprega o termo “estética” no sentido tradicional de análise da sensibilidade (do grego aisthesis – faculdade de sentir) do ponto de vista do conhecimento. • A intuição é sempre sensível; é o modo como os objetos se apresentam a nós no espaço e no tempo (condição de possibilidade para que sejam objetos). Crítica da razão pura 2ª PARTE DA CRÍTICA DA RAZÃO PURA: ANALÍTICA TRANSCENDENTAL • Examina a contribuição dos conceitos puros do entendimento (categorias). Unidade sintética da percepção e do esquematismo da razão pura – como sensibilidade e entendimento se unem para constituir a experiência cognitiva. • Busca superar o empirismo e o racionalismo. O QUE É PRECISO PARA QUE HAJA CONHECIMENTO? ESTÉTICA TRANSCENDENTAL 1º É preciso que algo nos afete. • Inicialmente o homem é passivo. Para que algo seja conhecido é preciso que o sujeito seja afetado, por isso, a primeira faculdade mobilizada pelo conhecimento é a sensibilidade. Tudo acontece de forma “inconsciente”, transcendentalmente. • Todas as mensagens recebidas do mundo exterior são recebidas em um espaço e estão no tempo. • Concepção euclidiana de espaço (bi ou tridimensional) e visão linear do tempo, como mera sucessão. ESTÉTICA TRANSCENDENTAL O QUE É PRECISO PARA QUE HAJA CONHECIMENTO? • Influência de Newton na concepção de espaço e tempo. Entretanto, Kant transpõe ao homem o que Newton atribuía a Deus. • Newton: o espaço e o tempo são considerados como o sensório de Deus. • Kant: condição de captação subjetiva do homem. • A sensação proporciona impressões dispersas, múltiplas. Tal multiplicidade deve ser ordenada. 1ª etapa do conhecimento: passividade conformadora. 2ª etapa do conhecimento: ativa. ANALÍTICA TRANSCENDENTAL O QUE É PRECISO PARA QUE HAJA CONHECIMENTO? 2º O eu cognoscente deve aplicar as regras do entendimento ao material que é dado na sensibilidade. • O entendimento dá unidade conceitual aos dados da experiência que nos são fornecidos pela sensibilidade e que são completados pela imaginação. O conhecimento resulta da contribuição desses três elementos. Ex. Esta pedra é pesada. ANALÍTICA TRANSCENDENTAL O QUE É PRECISO PARA QUE HAJA CONHECIMENTO? Ex. Esta pedra é pesada. • A unificação ou síntese se caracteriza por: a) um múltiplo ou diverso de percepções; b) essas manifestações são reunidas e completadas pela imaginação; c) através da aplicação dos conceitos “pedra”, “pesado” essa coleção adquire unidade sintética, referência objetiva. EXPERIÊNCIA CONCEITOS nível do sensível nível do inteligível ESQUEMA TRANSCENDENTAL Regra de síntese da capacidade de imaginação Faculdade intermediária de ligação Terceiro elemento • Kant propõe um esquema de cada categoria. Para ele, a categoria é um conceito-base que tem uma grande generalidade, pois são princípios gerais que governam, ao mesmo tempo, a nossa concepção e a nossa percepção da realidade sensível. • IMAGINAÇÃO: produz esquemas dos conceitos e síntese das intuições. Esquema das categorias de quantidade Esquema das categorias de qualidade Esquema das categorias de relação Esquema das categorias de modalidade Tabela dos juízos e categorias Juízos (quanto à forma) 1. Quantidade: universal: “Todo homem é mortal.” particular: “Algum homem é mortal.” singular: “Sócrates é mortal.” 2. Qualidade: afirmativo: “Todo homem é mortal.” negativo: “Não é o caso que Sócrates é mortal.” limitativo: “Sócrates não é mortal.” Categorias unidade pluralidade totalidade realidade negação limitação 3. Relação: categórico: “Sócrates é mortal.” hipotético: “Se...então...” disjuntivo: “ou...ou...” substância e acidente causalidade e dependência comunidade e interação 4. Modalidade: problemático: “É possível que...” assertório: “Sócrates é mortal.” apodítico: “É necessário que...” possibilidade existência e inexistência necessidade e contingência Fonte: Marcondes, 1998. • Os juízos e categorias são as formas mais básicas e gerais de formulação de nosso pensamento. A tabela apresenta uma espécie de “mapa” de nossas possibilidades de pensar. • Três faculdades envolvidas na produção do conhecimento: SENSIBILIDADE: possibilita que o conhecimento se inicie por meio de intuições. ENTENDIMENTO: julga e dá unidade aos fenômenos. RAZÃO: pretende uma unidade total e definitiva.. • “[...] todo conhecimento humano começa com intuições, eleva-se até conceitos e termina com ideias.” SENSIBILIDADE RAZÃO ENTENDIMENTO 1º nível do conhecimento A construção do conhecimento, numa primeira fase - sensibilidade ou receptividade – é feita através desta faculdade que está “equipada” com as intuições puras do espaço e do tempo. Podemos organizar os fenómenos em percepções. A este nível do conhecimento podemos chamar nível da intuição. Percepções Espaço Sensibilidade Tempo Fenômenos Númeno = “coisa em si” 1º nível: Conhecimento sensível 2º nível do conhecimento Numa segunda etapa - a do entendimento - os fenômenos estabelecem relações entre si, organizando as percepções correspondentes, por meio da faculdade da imaginação. Em sentido próprio só nesse momento podemos falar de conhecimento, pois só aqui os objetos são pensados. Esse conhecimento será constituído por um conjunto de juízos sintéticos a priori que se identificam, na prática, com o conhecimento científico. 2º nível: Conhecimento Científico Juízos sintéticos a priori Qualidade Quantidade Entendimento Relação Modalidade Conceitos puros Percepções Percepções Espaço Sensibilidade Fenômenos Númeno = “coisa em si” Tempo 1º nível: Conhecimento sensível A razão Pensar Ideais reguladores Alma Deus Mundo Razão Conceitos racionais Juízos sintéticos a priori Esse edifício não ficaria completo se Kant não pensasse num nível superior completamente metafísico constituído, não por conhecimentos, mas por um conjunto de ideias reguladoras do qual faz parte a faculdade da razão. Esquema do processo de conhecimento em Kant Pensar Ideais reguladores Alma Deus Mundo Razão Conceitos racionais Juízos sintéticos a priori 2º nível: Conhecimento Científico Entendimento Qualidade Quantidade Causalidade Conceitos puros Relação Modalidade Percepções Conhecer Espaço Sensibilidade Intuições Sensíveis Fenômenos Númeno = “coisa em si” Tempo 1º nível: Conhecimento Sensível • A razão jamais se refere imediatamente à experiência ou a qualquer objeto, mas ao entendimento, para dar unidade aos conhecimentos por meio de conceitos; pode ter um uso lógico, teórico ou especulativo. 3ª PARTE DA CRÍTICA DA RAZÃO PURA: DIALÉTICA TRANSCENDENTAL • Uso especulativo da razão, em que esta não produz conhecimento porque não se remete a objetos de uma experiência possível. • A razão, ao buscar o absoluto, o universal, chega à ideia de três espécies: Deus, cosmo, alma. DIALÉTICA TRANSCENDENTAL • Deus, o cosmo e a alma não podem ser objetos de experiência espaço-temporal; são, portanto, transcendentes e não tem relação com o conhecimento (crítica aos metafísicos). • Há coisas que podemos pensar, mas não conhecer. • Assim, só é conhecimento verdadeiro aquele que podemos verificar por meio daquilo que é dado na experiência criticada e controlada. Considerações finais • No Prefácio à segunda edição da Crítica da razão pura (1787), Kant formula a metáfora da revolução copernicana na filosofia que pretende empreender. Assim como Copérnico teria invertido o modelo tradicional de cosmo em que o Sol girava em torno da Terra, do mesmo modo, na relação de conhecimento, não é o sujeito que se orienta pelo objeto (o real), mas o objeto que é determinado pelo sujeito. • Desse modo, é o mundo que gira ao redor do sujeito, isto é, que é construído ativamente, de modo teórico, pelo sujeito. Não é possível, para Kant, conhecer a coisa em-si. • Esse novo padrão de conhecimento elimina duas categorias que eram fundamentais no padrão grecomedieval: as categorias da essência e da totalidade. Considerações finais • Kant afirma que não podemos conhecer a essência (o númeno), mas apenas a aparência (o fenômeno). • O que chamamos de real é produzido pelo sujeito cognoscente (sensibilidade e organização intelectual do material que é fornecido ao sujeito cognoscente). • Kant supera tanto o empirismo quanto o racionalismo. O conhecimento não é simplesmente a coleta de dados a partir dos quais e sobre os quais a razão trabalharia. A própria razão, partindo de suas estruturas (as formas de sensibilidade e as categorias do entendimento) produz interrogações e elabora hipóteses. Serão os dados coletados pelos sentidos que terão a tarefa de corroborar ou não as hipóteses. MÉTODO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO Considerações finais • A cada uma destas coisas, sensibilidade, entendimento e razão, Kant atribui uma disciplina própria. Para a sensibilidade chama de Estética Transcendental, para o entendimento chama de Analítica Transcendental, e para a Razão chama de Dialética Transcendental. Cada uma dessas disciplinas tem como base de desenvolvimento uma forma ou método de conhecimento; Matemática para a sensibilidade, a Física para o entendimento e a Metafísica para a razão (pura). REFERÊNCIAS ANDERY, M. A. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 3. ed. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo; São Paulo: EDUC, 1988. BONACCINI, J. A. Sobre o projeto kantiano de uma filosofia transcendental. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 27, p. 211-232, 2013. CHÂTELET, F. Uma história da razão: entrevistas com Émile Noël. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. KANT, I. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, 2005. MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. TONET, I. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013.