Os fundos do século

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26/02/2015 ­ 05:00
Os fundos do século
Por Luciana Seabra
José Tovar, da ARX: investidores deveriam ter um pouco mais de paciência
O retorno tem recompensado o risco no século XXI, ao menos para um grupo de fundos. Em tempos de apego a
produtos conservadores, um estudo do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (GVcef)
mostra que os seis fundos mais rentáveis do século investem em ações. A lista dos 20 que mais entregaram retorno
desde 2000, incluídas apenas as carteiras abertas para receber novos cotistas, tem ao todo nove fundos de ações,
oito multimercados, dois de renda fixa e um DI.
Participaram do levantamento somente as carteiras ativas desde o último dia de 1999 até 2014. Foram excluídos
fundos imobiliários, de direitos creditórios e de capital protegido. O mérito começa em fazer parte do rol. Da lista
de mil fundos abertos que a FGV acompanha, 129 existem desde o começo do século e fizeram parte do ranking.
Três gestoras ligadas a banco dominam a lista, cada uma com três fundos: Bradesco, Itaú e HSBC.
Que o retorno passado não é garantia de ganho futuro não é novidade, diz William Eid, coordenador do GVcef.
Mas é um bom guia, defende. "Que outra informação você tem?", questiona. E o período mais longo alivia os
vieses, já que os resultados de curto prazo tendem a ser muito dominados por sorte e azar, ao invés de mérito, diz
Pedro Cezar de Andrade, sócio da IP Capital Partners.
Chama a atenção na lista o número de fundos classificados como de dividendos. A estratégia caracteriza três dos
dez fundos mais rentáveis do século, inclusive o dono da medalha de ouro, gerido pela ARX Investimentos. A
carteira da gestora carioca rendeu 1.713% no período, contra 605% do Certificado de Depósito Interfinanceiro
(CDI), referencial para aplicações conservadoras, e 193% do Ibovespa.
A filosofia de investimento do fundo da ARX é preservação de capital, segundo José Alberto Tovar, no comando da
gestora carioca. "Os investidores ficam tentando mudar o tempo inteiro, enquanto eles deveriam ter um horizonte
mais longo, um pouco mais de paciência", diz, acrescentando que, em curtos períodos, gestoras boas podem ter
desempenho medíocre, o que torna avaliações de curto prazo enganosas.
No século XXI, o giro médio anual do fundo de ações da ARX foi de somente 30% da carteira. A busca é por
companhias com forte geração de caixa, sem grande competição no segmento e que se beneficiam do ciclo
econômico. Dentre os grandes acertos da gestão no século está a aposta no IPO (oferta pública inicial) da Natura,
com base na expectativa de crescimento no consumo das classes B, C e D. No momento, a ARX tem buscado
empresas que se beneficiam da apreciação do dólar contra o real.
O destaque da estratégia de dividendos tem a ver com o contexto econômico do século, diz Rodrigo Noel,
especialista de portfólio da gestora do Itaú. Pela própria natureza, as boas pagadoras de proventos são empresas
mais maduras, que já passaram pela parte do ciclo de maior alavancagem e investimento. "Elas tendem a sofrer
menos em períodos de maior turbulência e também tendem a se beneficiar menos em períodos de grande euforia",
afirma. Como a turbulência caracterizou a maior parte do século, a estratégia foi vencedora. A euforia, lembra
Noel, concentrou­se em curtos períodos, como o iniciado em 2004 e interrompido pela crise em 2008, e a
recuperação em 2009.
O século continua e a estratégia de dividendos ainda tende a contribuir com o portfólio, na opinião do especialista
do Itaú. O juro alto, a expectativa de crescimento baixo e o aperto fiscal que se desenham no cenário hoje não
formam um céu de brigadeiro para ações. "A estratégia de dividendos é uma maneira de manter o investimento
em renda variável, porém com perfil mais conservador", diz Noel.
Do ponto de vista de processos, um objetivo que a gestora do Itaú perseguiu ao longo dos últimos anos e que
diferencia os produtos da casa, na opinião de Noel, é garantir que cada gestor fique concentrado em um tipo de
ativo e estratégia e que faça somente gestão, sem gastar tempo com execução de operações, por exemplo.
A medalha de prata do século XXI fica também com um fundo de ações, mas concentrado em ações de pouca
liquidez, as "small caps". "Compramos hoje a 'blue chip' de amanhã", resume Milton Cabral Filho, gestor da
carteira da Bradesco Asset Managment (Bram). Um exemplo foi Kroton, hoje a maior companhia de educação do
mundo, que entrou no fundo quando ainda engatinhava.
Os movimentos de consolidação, comuns em economias emergentes como a brasileira, têm sido uma importante
fonte de ganho para esse tipo de carteira, diz Cabral Filho, que também captou retorno quando a Vale comprou a
Fosfertil.
O Bradesco tem ainda dois fundos na lista ­ um que busca superar o
IBrX, dentre os mais antigos da casa, e um multimercado juros e
moedas, que carrega posições estruturais. Em suma, os fundos
vencedores do Bradesco têm algo em comum: o horizonte de longo
prazo. "As decisões são tomadas olhando um pouco mais para frente.
O fundo até aguenta um período de perda maior, mas no longo prazo
consegue agregar valor", diz Daniel Marcondes Campanini, gestor do
multimercado. São fundos que conseguem esperar as posições
maturarem, amparados em investidores com uma postura mais longeva, sem a ansiedade de curto prazo.
"Não temos preocupação em acompanhar índices no curto prazo. Não é por causa de uma notícia que vamos
realocar o portfólio", afirma, na mesma toada dos outros gestores da lista, Frederico Sampaio, diretor de renda
variável da Franklin Templeton. O fundo da casa, o terceiro mais rentável do século, nasceu em 99 como uma
carteira fechada, focada em buscar empresas com potencial de melhora na governança, mas tornou­se um fundo
fundamentalista aberto em 2006, com cerca de 20 empresas selecionadas a dedo.
Sampaio rememora os mitos da virada do século. "Alguns acadêmicos diziam que nossa bolsa ia acabar, que o
mundo teria apenas três bolsas, uma em cada continente", lembra. Não aconteceu. E algumas empresas fizeram a
alegria dos cotistas do fundo da Franklin Templeton, como Weg, Marcopolo e Randon. Mais recentemente,
garantiram ganhos Amil, BB Seguridade e Estácio ­ posição importante com a qual o fundo surfou o período de
graça do segmento de educação. No setor, as mudanças nos incentivos governamentais não esgotam o poder de
sedução das empresas, na opinião de Sampaio. "Há um certo exagero nas projeções. As ações chegaram a
precificar que não teria mais Fies", diz, em referência ao Fundo de Financiamento Estudantil.
Na IP Capital Partners, um grupo seleto, de 40 empresas brasileiras pinçadas dentre as 300 listadas, faz
revezamento no portfólio, que costuma ficar concentrado em 15 a 20 nomes. A gestora busca bons negócios,
comandados por pessoas excepcionais, o que inclui não só a busca pelo retorno, mas também o fator ético, a
certeza de que os sócios não estão interessados em expropriar valor apenas para eles.
Dentre os casos que geraram mais retorno para o IP Participações no século estão Itaúsa, Odontoprev, Totvs,
Ambev, Lojas Renner e Panvel. Em 2012, a casa transformou a antiga carteira em um fundo de BDRs, para poder
incluir os recibos de ações de companhias estrangeiras negociados no Brasil. Hoje 40% do patrimônio investido
no fundo está alocado no exterior. As ações de companhias estrangeiras, como Google, Apple e Microsoft, também
agregaram retorno.
A decisão de aplicar fora, hoje tão em voga, foi uma decisão nada convencional em 2012 e que garantiu a
preservação de capital. Um dos mantras da IP é "para chegar primeiro, primeiro é preciso chegar", conta Andrade,
sócio da casa. E dentre os processos que garantem a perenidade está a regra de que todos os sócios tenham pelo
menos 60% do próprio capital aplicado em fundos da gestora. E, quem decide sair, leva ao menos 2,5 anos para
conseguir tirar todo o dinheiro das carteiras, enquanto um cliente saca tudo em menos de 90 dias.
No mundo da renda fixa, o destaque do século fica com o HSBC. E a fonte principal do retorno extra foi ir além dos
títulos do governo, incluindo crédito privado nos portfólios, conta Alcindo Canto, presidente da gestora do banco
no Brasil. E há oportunidade à vista no segmento, segundo ele. "Em cenários como o que passamos agora, com
risco de crescimento negativo, as empresas vão ter que pagar um pouco mais de prêmio", afirma Canto.
É claro que o risco também cresce e é preciso ter mais critério na seleção. A equipe de renda variável, estratégia
menos demandada pelos investidores brasileiros, entra de forma ativa no trabalho de avaliar a dívida das
companhias, conta Canto. O HSBC tem tradição no segmento. Dos R$ 90 bilhões sob gestão hoje no Brasil, R$ 25
bilhões estão em crédito privado. O time de quatro analistas de crédito trabalha junto há mais de 15 anos.
Por curiosidade, se fossem considerados também os fundos fechados para novos cotistas, a lista da FGV ganharia
um novo primeiro colocado. O Tempo Capital, gerido pelo discreto Paulo Bodin desde meados da década de 90 em
um pequeno escritório no Rio, entregou nada menos do que 3.021% no período. E também exigiu paciência dos
cotistas. O desempenho no século variou de ganho de 67% em 2003 a prejuízo de 13% em 2011.
A grande lição do estudo, para Eid, do GVcef, é que os modelos matemáticos e as fórmulas mágicas não têm vez
na gestão, o valor está nas pessoas. Mesmo fora da lista, o desempenho do Tempo e também do Verde, que
entregou 2.291% no século sob os olhos de Luis Stuhlberger, reforçam a tese.
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