Relação médico-paciente e técnicas de entrevista

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Relação médico-paciente
e técnicas de entrevista
O
relacionamento entre médico e paciente está no centro da
prática da medicina. Tem importância máxima para os médicos e deve ser avaliado em todos os casos. Os pacientes esperam, tanto quanto a cura, um bom relacionamento e costumam
ser tolerantes para com as limitações terapêuticas da medicina
quando há respeito mútuo entre ambas as partes. Portanto, é tarefa de todos os clínicos considerar a natureza do relacionamento, os fatores em si mesmos e em seus pacientes que influenciam
o relacionamento e a maneira de se obter sintonia.
A sintonia refere-se a um sentimento espontâneo e consciente
de resposta que promove o desenvolvimento de um relacionamento terapêutico construtivo. Implica entendimento e confiança entre o médico e o paciente. Havendo sintonia, os pacientes se
sentem aceitos, com seus recursos e limitações. Freqüentemente,
o médico é a única pessoa de quem dispõem para falar sobre coisas que não podem contar a mais ninguém. A maioria dos pacientes confia que seus médicos mantêm segredo, e essa confiança não pode ser traída. Os pacientes que sentem que alguém os
conhece, compreende e aceita encontram nessa pessoa uma fonte
de força. “O segredo para cuidar de um paciente é ter consideração por ele”, disse Francis Peabody (1881-1927), que foi uma
talentosa professora, clínica e pesquisadora.
O fato de os pacientes se sentirem satisfeitos ou não com suas
visitas ao médico é influenciado mais por fatores interpessoais – a
percepção de que o médico é preocupado, atencioso e compreensivo – do que por competência técnica. Isto é verdadeiro para
pacientes cujo propósito ao consultar o médico é receber medicação ou ser submetido a um procedimento. A medicina é um esforço intensamente humano e pessoal, e o próprio relacionamento médico-paciente torna-se parte do processo terapêutico.
A auto-reflexão e a compreensão são necessárias para transformar o relacionamento entre médico e paciente em uma força
positiva. Os médicos devem ter empatia para com seus pacientes,
mas não a ponto de assumir seus problemas ou fantasiar que podem ser seus salvadores. Devem ser capazes de deixar os problemas dos pacientes para trás quando saem do consultório ou do
hospital e não devem considerá-los como substitutos para intimidades ou relacionamentos que possam estar faltando em suas
vidas pessoais. De outra forma, estariam prejudicando a tentativa
de ajudar pessoas doentes, que necessitam de simpatia e entendimento, e não de sentimentalismo e envolvimento exagerado.
Às vezes, os médicos têm propensão a ser defensivos, em parte com boas razões. Muitos já foram processados, agredidos ou
até assassinados porque não deram a determinados pacientes a
satisfação que estes desejavam. Conseqüentemente, alguns podem adotar uma postura defensiva para com todos os pacientes.
Embora essa rigidez crie uma imagem de perfeição e eficiência,
muitas vezes é inadequada. É necessário que haja flexibilidade
para responder à interação sutil entre médico e paciente, permitindo uma certa tolerância para a incerteza presente na situação
clínica de contato com cada paciente. Os médicos devem aprender a aceitar que, embora possam desejar controlar tudo no cuidado de um paciente, esse desejo pode nunca ser totalmente realizado. Em certas situações, não se pode curar a doença, e não se
pode impedir a morte, não importa o quão consciente, competente ou cuidadoso o médico seja. Os profissionais também devem evitar questões colaterais que considerem difíceis de lidar
devido a suas sensibilidades, tendências ou peculiaridades, especialmente quando essas questões são importantes para o paciente.
O MODELO BIOPSICOSSOCIAL
Em 1977, George Engel, da Universidade de Rochester, publicou um artigo seminal que articulou o modelo biopsicossocial da
doença, enfatizando uma abordagem integrada do comportamento
humano e da doença. O sistema biológico refere-se aos substratos anatômicos, estruturais e moleculares da doença e a seus efeitos sobre o funcionamento biológico dos pacientes. O sistema
psicológico refere-se aos efeitos de fatores psicodinâmicos, da motivação e da personalidade na experiência e na reação à doença. E
o sistema social examina influências culturais, ambientais e familiares na expressão e na experiência da doença. Engel postulou
que cada sistema afeta e é afetado pelos outros. O modelo não
trata a doença médica como um resultado direto da constituição
psicológica ou sociocultural de uma pessoa, mas promove um
entendimento mais abrangente da doença e do tratamento.
Um exemplo notável do conceito de modelo biopsicossocial
foi um estudo de 1971 sobre a relação entre morte súbita e fatores psicológicos. Após investigar 170 casos de morte súbita ao
longo de seis anos, Engel observou que doenças graves ou mesmo
a morte podem estar associadas a estresse ou a traumas psicológicos. Entre os eventos desencadeadores potenciais que listou estão
a morte de um amigo íntimo, o luto, reações a datas comemorativas, a perda da auto-estima, perigo ou ameaças pessoais, o vazio
após o fim da ameaça e reencontros ou triunfos.
16
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Para além do modelo biopsicossocial
Desde que o artigo de Engel foi publicado, a importância do
modelo biopsicossocial foi reconhecida e reafirmada, a ponto de
tornar-se uma forma de catecismo na educação médica – repetida incessantemente, mas cada vez mais distante da forma como
se pratica a medicina no mundo real. Embora as variáveis psicológicas e sociais sejam inquestionavelmente importantes na medicina, sua importância proporcional varia, dependendo da pessoa e
de suas circunstâncias médicas. Condições crônicas como hipertensão ou diabete são afetadas por inúmeros aspectos da personalidade e
do ambiente social. Contudo, o tratamento de curto prazo de uma
infecção aguda pode não ser. Como o modelo biopsicossocial não
oferece orientação de quando e quais fatores psicossociais são importantes, os médicos ficam com a impressão de que devem saber tudo
sobre cada paciente – obviamente impossível, fazendo com que retornem a uma abordagem biomédica, concentrando-se na patologia
física e no uso de intervenções biológicas e físicas.
O modelo biopsicossocial proporciona uma estrutura conceitual para lidar com informações desencontradas e serve como um
lembrete de que pode haver questões importantes por trás do
puramente biológico. Todavia, não é um molde para a prática da
medicina ou para tratar pacientes individuais. Não pode substituir
um relacionamento entre o médico e o paciente que reflita afeto,
uma preocupação genuína e confiança mútua. Por exemplo, tentar
evocar um entendimento biopsicossocial da doença fora desse relacionamento que transmite compreensão, aceitação e confiança pode
ser mais destrutivo do que proveitoso, como no caso a seguir:
Um profissional liberal de 45 anos, diagnosticado recentemente com hepatite C e cirrose moderada, foi encaminhado por seu
médico ao serviço de transplantes de um grande hospital de ensino
para avaliação para transplante de fígado. Após esperar mais de
uma hora, foi entrevistado primeiramente por um coordenador
financeiro, que perguntou detalhes sobre seguros e finanças. A seguir, foi levado a uma sala e colocado diante de três pessoas que
não conhecia: um médico especialista em transplantes, um enfermeiro e um assistente social psiquiátrico. O médico começou a ler
uma série de questões escritas, raramente olhando acima de sua
prancheta para fazer contato visual. Enquanto o paciente respondia, ele tomava notas. As questões tornaram-se cada vez mais pessoais, variando de “Você é casado? Tem filhos? Qual é a sua ocupação?” até “Você bebe? Já bebeu? Usa drogas injetáveis? Qual é a sua
orientação sexual?”. O paciente ficou cada vez mais desconfortável
e defensivo e, subseqüentemente, inscreveu-se em outro centro de transplantes, apesar da ótima reputação nacional do primeiro centro.
Espiritualidade
O papel da espiritualidade e da religião na doença e na saúde adquiriu
supremacia nos últimos anos, com algumas pessoas sugerindo que elas
se tornem parte do modelo biopsicossocial. Existem evidências de que
crenças religiosas fortes, tendências espirituais, orações e atos de devoção têm influências positivas sobre a saúde mental e física da pessoa.
Essas questões são melhor compreendidas por teólogos do que por médicos. Contudo, estes devem estar cientes da espiritualidade na vida de
seus pacientes e ser sensíveis às suas crenças religiosas. Em certos casos,
as crenças podem impedir o tratamento médico, como a recusa, por alguns grupos religiosos, de aceitar transfusões de sangue. Porém, na maioria
dos casos, ao tratar pacientes com convicções religiosas firmes, um médico
sensato apreciará a colaboração do orientador espiritual.
COMPORTAMENTO DE DOENÇA
A expressão comportamento de doença descreve as reações do
paciente à experiência de estar doente. Certos aspectos desse
comportamento às vezes são chamados de papel de doente, o
qual a sociedade atribui às pessoas que estão doentes. O papel
de doente pode incluir ser liberado de responsabilidades e a
expectativa de receber ajuda para melhorar. O comportamento de doença e o papel de doente são afetados pelas experiências anteriores da pessoa com doenças e por suas crenças culturais sobre elas. É preciso avaliar a influência da cultura ao
relatar e manifestar sintomas. Para alguns transtornos, isso varia
entre as culturas, ao passo que, para outros, a maneira como a
pessoa lida com o transtorno pode determinar a forma como a
condição se apresenta. A relação da doença com processos familiares, classe social e identidade étnica também é importante. As atitudes das pessoas e das culturas em relação à dependência e ao desamparo influenciam muito o fato de se e como
a pessoa pede ajuda, assim como fatores psicológicos, como o
tipo de personalidade e o significado pessoal que se atribui ao
fato de estar doente. Os indivíduos reagem à doença de diferentes maneiras, as quais dependem de seus modos habituais
de pensar, sentir e se comportar. Alguns experimentam a doença
como uma perda avassaladora, outros enxergam nela um desafio a superar ou uma punição que merecem. A Tabela 1-1 lista
áreas essenciais que devem ser abordadas para se avaliar o comportamento de doença e questões úteis para fazer a avaliação.
MODELOS DE INTERAÇÃO ENTRE
MÉDICO E PACIENTE
As interações entre o médico e seu paciente – as perguntas que o
paciente faz, a maneira como notícias são transmitidas e reco-
TABELA 1-1 Avaliação individual do comportamento de doença
Episódios anteriores de doenças, especialmente as de gravidade normal (congênitas, cálculo renal, cirurgias)
Grau cultural de estoicismo
Crenças culturais quanto ao problema específico
Significado ou crenças pessoais sobre o problema específico
Questões específicas para evocar o modelo explicativo do paciente:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
Como você chama seu problema? Que nome ele tem?
O que você acha que causou o problema?
Por que você acha que ele começou neste determinado momento?
O que a doença faz com você?
O que mais teme com relação à doença?
Quais os principais problemas que sua doença lhe causou?
Quais os resultados mais importantes que você espera ter com o
tratamento?
8. O que você já fez para tratar a doença?
Cortesia de Mack Lipkin Jr., M.D.
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
mendações de tratamento são feitas – podem assumir formas variadas. É importante pensar sobre o relacionamento para formular “modelos” de interação. Todavia, esses conceitos são fluidos.
Um médico talentoso e sensível usará abordagens diferentes com
pacientes diferentes e, de fato, poderá usar abordagens diferentes
com o mesmo paciente à medida que o tempo passar e as circunstâncias médicas mudarem.
1. O modelo paternalista. Em um relacionamento paternalista entre
médico e paciente, supõe-se que o primeiro saiba o que é melhor. O
médico deve receitar um tratamento, e espera-se que o paciente o
cumpra sem questionar. Além disso, o médico pode decidir ocultar
informações quando acreditar que isso servirá aos melhores interesses do paciente. Neste modelo, também chamado de “modelo autocrático”, o profissional faz a maioria das perguntas e geralmente domina a consulta.
Existem circunstâncias em que uma abordagem paternalista é desejável. Em situações de emergência, o médico deve assumir o controle e
tomar decisões que possam salvar a vida do paciente sem muita deliberação. Além disso, alguns pacientes sentem-se sobrepujados por suas
doenças e ficam confortáveis com um médico que assuma o controle.
Porém, de um modo geral, a abordagem paternalista tem o risco de
provocar conflitos de valores. Um obstetra paternalista, por exemplo,
pode insistir em raquianestesia para o parto quando a paciente deseja o
parto natural.
2. O modelo informativo. O médico, neste modelo, fornece informações. Todos os dados disponíveis são apresentados, mas a escolha é
do paciente. Por exemplo, o médico pode citar uma estatística de sobrevivência em cinco anos para vários tratamentos para câncer de mama e
esperar, sem sugerir nada ou interferir, que as mulheres decidam. Este
modelo pode ser apropriado para certas consultas temporárias, quando
não existe um relacionamento estabelecido, e o paciente retornará ao
tratamento regular com um médico conhecido. Em outros casos, essa
abordagem puramente informativa pode ser percebida pelo paciente
como fria e descuidada, pois tende a considerar os pacientes como irrealisticamente autônomos.
3. O modelo interpretativo. Médicos que já conhecem seus pacientes
melhor e entendem parte das circunstâncias de suas vidas, famílias, seus
valores, esperanças e aspirações são mais capazes de fazer recomendações que levem em conta as características peculiares de cada paciente.
Existe um sentido de tomada de decisões compartilhada quando o médico apresenta alternativas e as discute para encontrar, com a participação do paciente, a mais adequada para aquela situação em particular. O
médico, neste modelo, não se exime da responsabilidade por tomar decisões, mas é flexível e está disposto a considerar críticas e sugestões
alternativas.
4. O modelo deliberativo. O médico, neste modelo, atua como um
amigo ou orientador do paciente, não apenas apresentando informações, mas defendendo ativamente determinada linha de ação. A abordagem deliberativa costuma ser usada por profissionais que esperam modificar comportamentos destrutivos, por exemplo, para fazer seu paciente
parar de fumar ou perder peso.
Esses modelos são apenas guias para pensar sobre o relacionamento entre médico e paciente. Nenhum deles é intrinsecamente
superior aos outros, e o médico pode usar abordagens de todos os
quatro para lidar com um paciente durante uma consulta indivi-
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
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dual. É mais provável que surjam dificuldades não com o uso de
um ou outro modelo, mas com o médico que está rigidamente
fixo em uma estratégia e não é capaz de mudá-la, mesmo quando
isso é indicado ou desejável. Além disso, os modelos não descrevem a presença ou ausência de afeto interpessoal. É inteiramente
possível que os pacientes vejam um médico paternalista ou autocrático como alguém pessoal, carinhoso e preocupado. De fato,
uma imagem comum do médico da cidade pequena ou do interior no começo do século XX era a de um homem (raramente
uma mulher) totalmente comprometido com o bem-estar de seus
pacientes, que aparecia no meio da noite e sentava à cabeceira da
cama segurando a mão do paciente, que era convidado para o
almoço do domingo e que esperava que suas instruções fossem
seguidas exatamente e sem questionamentos (Fig. 1-1).
TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA
Médicos e pacientes podem ter visões divergentes, distorcidas e
irrealistas uns sobre os outros, sobre o que acontece durante um
encontro clínico e sobre aquilo que o paciente tem o direito de
esperar. A transferência e a contratransferência são termos originados na teoria psicanalítica. Tratam-se de construtos puramente
hipotéticos, mas já se mostraram extremamente úteis como princípios organizadores para explicar certas ocorrências no relacionamento entre médico e paciente que podem ser problemáticas e
atrapalhar o cuidado adequado.
A transferência descreve o processo em que os pacientes
inconscientemente atribuem a seus médicos certos aspectos
de relacionamentos passados importantes, especialmente com
seus pais. Um paciente pode considerar o médico frio, rígido,
crítico, ameaçador, sedutor, carinhoso ou estimulante, não por
causa de algo que este disse ou fez, mas porque essa foi a sua
experiência no passado. O resíduo da experiência leva o paciente a “transferir”, de forma involuntária, o sentimento do
relacionamento passado para o médico. A transferência pode
ser positiva ou negativa e pode alternar – às vezes de forma
abrupta – entre os dois tipos. Muitos médicos ficam confusos
quando um paciente agradável, cooperativo e admirador de
repente, e sem nenhuma razão visível, fica enraivecido e rompe o relacionamento ou o ameaça com um processo judicial.
Em muitos aspectos, o papel do psiquiatra difere do papel
de um médico não-psiquiatra; ainda assim, muitos pacientes
esperam o mesmo de ambos os profissionais. As reações de
transferência podem ser mais fortes com psiquiatras por diversas razões. Por exemplo, em uma psicoterapia intensiva e
orientada para o insight, o encorajamento de sentimentos de
transferência é parte integral do tratamento. Em alguns tipos
de terapia, o psiquiatra é mais ou menos neutro. Quanto mais
neutro é ou quanto menos informações o paciente obtém sobre
o psiquiatra, mais fantasias e preocupações mobiliza e projeta
sobre o médico por transferência. Quando isso acontece, o
psiquiatra pode ajudá-lo a entender como essas fantasias e preocupações afetam todos os relacionamentos importantes em sua
vida. Embora um médico não-psiquiatra não use atitudes de
transferência dessa forma intensiva, um entendimento sólido
do poder e das manifestações de transferência é necessário para
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COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
FIGURA 1-1 Quadro de Sir Luke Fildes de um médico tratando uma
criança doente. O pai, preocupado, está de pé ao fundo, e a mãe
está chorando com a cabeça enterrada em seu braço sobre a
mesa. (Com permissão de The New
York Academy of Medicine Library,
Nova York, NY.)
a obtenção de resultados satisfatórios com o tratamento em
qualquer relacionamento com os pacientes.
As palavras e os atos dos médicos têm um poder que vai muito além do lugar-comum, devido à sua autoridade única e à dependência dos pacientes em relação a eles. O modo como determinado médico se comporta e interage tem efeito direto sobre as
reações emocionais e mesmo físicas do paciente. Por exemplo,
um indivíduo tinha pressão alta sempre que era examinado por
um médico que considerava frio, insensível e sério, mas apresentava pressão normal quando atendido por um que considerava
afetuoso, compreensivo e solidário.
Os próprios médicos não são imunes a percepções distorcidas
do relacionamento com os pacientes. Quando atribuem inconscientemente aos pacientes motivos e características que vêm de
seus relacionamentos passados, o processo é chamado de contratransferência. Esta pode assumir a forma de sentimentos negativos e perturbadores, mas também abrange reações desproporcionalmente positivas, idealizadas e até erotizadas. Assim como os
pacientes têm expectativas em relação aos médicos – por exemplo, de competência, objetividade, conforto e alívio –, estes muitas vezes têm expectativas inconscientes ou ocultas em relação
aos pacientes. Em geral, estes são considerados “bons” se a gravidade que expressam para seus sintomas está correlacionada com
algum transtorno biológico diagnosticável, se aderem e não criticam o tratamento, se têm controle emocional e se são gratos. Se
tais expectativas não são cumpridas, mesmo que isso ocorra devido a necessidades inconscientes e irreais por parte do médico, o
paciente pode ser culpado e considerado desagradável, intratável
ou “difícil”.
O médico que efetivamente detesta um paciente pode não
ter sucesso ao lidar com ele. A emoção produz uma emoção
contrária. Por exemplo, se o médico é hostil, o paciente se
torna mais hostil. O médico então fica ainda mais bravo, e o
relacionamento se deteriora rapidamente. Se este consegue su-
perar tais emoções e lidar com o paciente ressentido com equanimidade, o relacionamento interpessoal pode mudar, de um
antagonismo mútuo e declarado para, pelo menos, um pouco
de aceitação e respeito relutante. Dominar essas emoções envolve ser capaz de bloquear reações intensas de contratransferência e explorar a natureza do relacionamento de forma menos emotiva. Afinal, o paciente precisa do médico, e a hostilidade faz com que a ajuda necessária não ocorra. Se consegue
entender que o antagonismo do paciente, de certa forma, é
defensivo ou autoprotetor e provavelmente reflete temores de
desrespeito, abuso ou decepção por transferência, o médico
pode ficar menos irritado e sentir mais empatia.
As respostas dos pacientes a seus médicos não são invariavelmente causadas pela transferência e podem basear-se na interação real entre eles. Uma mulher que fica brava com o médico por
deixá-la esperando, por cancelar consultas e por não lembrar de
partes importantes de sua história está reagindo à realidade de
seu tratamento e não está, necessariamente, manifestando transferência. Os médicos devem estar cientes do poder de distorção e
perturbação da transferência, mas não devem usá-la como desculpa para não considerar o relacionamento verdadeiro e os efeitos que seus atos têm sobre os pacientes.
A ENTREVISTA EFETIVA
Uma das ferramentas mais importantes do médico é a capacidade de entrevistar de forma efetiva. Por meio de uma entrevista
habilidosa, pode reunir os dados necessários para entender e tratar o paciente, além de aumentar a compreensão deste e sua adesão às orientações prescritas.
Muitos fatores influenciam o conteúdo e o curso da entrevista. A personalidade e o estilo de caráter dos pacientes influenciam de forma significativa as reações e o contexto emo-
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
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TABELA 1-2 Três funções da entrevista médica
Funções
Objetivos
Habilidades
I. Determinar a natureza do
problema
1. Capacitar o clínico para estabelecer
um diagnóstico ou recomendar outros procedimentos, sugerir uma linha de tratamento e prever a natureza da doença
1. Base de conhecimento acerca de doenças, transtornos, problemas e hipóteses clínicas de domínios conceituais múltiplos:
biomédico, sociocultural, psicodinâmico e comportamental
2. Capacidade de obter dados dos domínios conceituais anteriores (encorajar o paciente a contar sua história; organizar
o fluxo da entrevista, a forma das questões, a caracterização
dos sintomas, o exame do estado mental)
3. Capacidade de perceber dados de fontes múltiplas (história,
exame do estado mental, respostas subjetivas do médico ao
paciente, pistas não-verbais, escutar em níveis múltiplos)
4. Gerar e testar hipóteses
5. Desenvolver um relacionamento terapêutico (função II)
II. Desenvolver e manter um
relacionamento terapêutico
1. Disposição do paciente para fornecer informações diagnósticas
2. Alívio de distúrbios físicos e transtornos psicológicos
3. Disposição para aceitar um plano de
tratamento ou processo de negociação
4. Satisfação do paciente
5. Satisfação do médico
1. Definir a natureza do relacionamento
2. Permitir que o paciente conte sua história
3. Ouvir, apoiar e tolerar a expressão de sentimentos dolorosos do paciente
4. Interesse apropriado e genuíno, empatia, apoio e entendimento cognitivo
5. Lidar com as preocupações comuns do paciente em relação
a embaraço, vergonha e humilhação
6. Evocar a perspectiva do paciente
7. Determinar a natureza do problema
8. Comunicar informações e recomendar tratamento (função III)
III. Comunicar informações e
implementar um plano de tratamento
1. Compreensão da doença pelo paciente
2. Compreensão dos procedimentos
diagnósticos pelo paciente
3. Compreensão de possibilidades de
tratamento pelo paciente
4. Consenso entre médico e paciente
em relação aos itens 1 a 3
5. Consentimento informado
6. Melhora dos mecanismos de enfrentamento
7. Mudanças no estilo de vida
1. Determinar a natureza do problema (função I)
2. Desenvolver um relacionamento terapêutico (função II)
3. Estabelecer as diferenças em perspectiva entre médico e
paciente
4. Estratégias educativas
5. Negociações clínicas para resolução de conflitos
Reimpressa com permissão de Lazare A, Bird J, Lipkin M Jr, Putnam S. Three functions of the medical interview: An integrative conceptual framework. In: Lipkin Jr
M, Putnam S, Lazare A, eds. The Medical Interview. New York: Springer; 1989:103.
cional em que as entrevistas ocorrem. Várias situações clínicas
– incluindo o fato de os pacientes serem atendidos no hospital, em uma clínica psiquiátrica, em uma sala de emergência
ou em ambulatório – moldam as perguntas e as recomendações feitas. Fatores técnicos como interrupções por telefonemas, uso de um intérprete, anotações e a própria doença do
paciente (se está em um estágio agudo ou em remissão) influenciam o conteúdo e o processo da entrevista. O estilo, as
experiências e as orientações teóricas dos entrevistadores também têm impacto significativo. Até mesmo o momento de usar
interjeições como “ahã” pode influenciar quando os pacientes
falam e o que dizem ou deixam de dizer, pois eles tentam inconscientemente seguir as pistas que o médico proporciona.
Entrevistas psiquiátricas e entrevistas
médico-cirúrgicas
Mack Lipkin Jr. descreveu três funções das entrevistas médicas: determinar a natureza do problema, desenvolver e manter um relacionamento
terapêutico, e comunicar informações e implementar um plano de tra-
tamento (Tab. 1-2). Essas funções são exatamente as mesmas das entrevistas psiquiátricas e cirúrgicas. Também universais são os mecanismos
de enfrentamento predominantes, tanto adaptativos quanto mal-adaptativos. Tais mecanismos incluem reações como ansiedade, depressão,
regressão, negação, raiva e dependência (Tab. 1-3). Os médicos devem
prever, reconhecer e abordar essas reações para que os tratamentos e as
intervenções sejam efetivos.
As entrevistas psiquiátricas têm dois objetivos técnicos principais: (1) reconhecer os determinantes psicológicos do comportamento
e (2) classificar os sintomas. Esses objetivos são refletidos em dois
estilos de entrevista: o estilo orientado para o insight, ou psicodinâmico, e o estilo orientado para os sintomas, ou descritivo. A entrevista orientada para o insight tenta evocar conflitos, ansiedades e defesas inconscientes. A abordagem orientada para os sintomas enfatiza
a classificação das queixas de disfunções dos pacientes, conforme
definidas por categorias diagnósticas específicas. As abordagens não
são mutuamente excludentes e, na verdade, podem ser compatíveis.
Um diagnóstico pode ser descrito precisamente evocando-se detalhes como sintomas, curso da doença e história familiar, bem como
compreendendo-se a personalidade, a história evolutiva e os conflitos inconscientes do paciente.
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COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 1-3 Reações previsíveis a doenças
Intrapsíquicas
Clínicas
Auto-imagem reduzida → perda → luto
Ameaça à homeostase → medo
Falta de cuidado pessoal → desamparo,
desesperança
Sensação de perda do controle →
vergonha (culpa)
Ansiedade ou depressão
Negação da ansiedade
Depressão
Barganhas e culpa
Regressão
Isolamento
Dependência
Raiva
Aceitação
Cortesia de Mack Lipkin Jr., M.D.
Os pacientes psiquiátricos muitas vezes devem lutar contra problemas e
pressões diferentes daqueles de indivíduos que não têm transtornos psiquiátricos. Esses problemas incluem o estigma ligado a ser um paciente psiquiátrico (é mais aceitável ter um problema médico ou cirúrgico do que um
problema mental), dificuldades de comunicação devido a transtornos do
pensamento, excentricidades de comportamento e limitações do discernimento e do julgamento que podem dificultar a adesão ao tratamento.
Como esses pacientes em geral consideram difícil descrever completamente
o que está acontecendo, os médicos devem estar preparados para obter informações de outras fontes. Familiares, amigos e cônjuges proporcionam
dados cruciais, como a história psiquiátrica, a resposta a medicamentos e
fatores precipitantes, que os pacientes podem não conseguir relatar.
Os pacientes psiquiátricos podem não tolerar o formato da entrevista tradicional, especialmente nos estágios agudos do transtorno. Por exemplo, um paciente agitado ou depressivo talvez não consiga ficar sentado por 30 a 45 minutos de discussão ou interrogatório. Nesses casos, os médicos devem estar preparados para conduzir
diversas interações breves, pelo tempo que o paciente tolerar, interrompendo e retornando quando este parecer apto a continuar.
O médico deve estar particularmente preparado para usar seu poder de
observação com pacientes psiquiátricos que não possam se comunicar bem
de forma verbal. Suas observações específicas devem incluir a aparência, o
comportamento e a linguagem corporal do paciente, além da maneira como
esses fatores proporcionam pistas diagnósticas. Segundo as Diretrizes para a
avaliação psiquiátrica de adultos, a ferramenta de avaliação dos psiquiatras “é
a entrevista cara a cara com o paciente: avaliações baseadas unicamente na
revisão de prontuários e entrevistas com familiares e amigos do paciente são
inerentemente limitadas”.
Todos os médicos que tratam pacientes psiquiátricos devem estar
familiarizados com essas diretrizes (Tab. 1-4), pois muitos médicos nãopsiquiatras atendem esse tipo de população. Estudos mostram que cerca de 60% de todos os pacientes com transtornos mentais consultam
um médico não-psiquiatra durante um período de seis meses, e é
duas vezes mais provável que eles consultem um clínico geral do que
outros pacientes. Os médicos não-psiquiatras devem conhecer os problemas especiais de pacientes psiquiátricos e as técnicas específicas
usadas para tratá-los.
Sintonia
Estabelecer uma sintonia é o primeiro passo na entrevista psiquiátrica, e os entrevistadores muitas vezes usam suas próprias
TABELA 1-4 Resumo das diretrizes da APA para avaliação
psiquiátrica
I. Introdução
A. Avaliação psiquiátrica geral
B. Avaliação de emergências
C. Entrevista clínica
D. Outras entrevistas
II. Local da avaliação clínica
A. Cenário interno
B. Cenário externo
C. Cenários médicos gerais
D. Outros cenários
III. Domínios da avaliação clínica
A. Razão para avaliação
B. História da doença atual
C. História psiquiátrica passada
D. História médica geral
E. História de abuso de substâncias
F. História evolutiva psicossocial (história pessoal)
G. História social
H. História ocupacional
I. História familiar
J. Revisão de sistemas
K. Exame físico
L. Exame do estado mental
M. Avaliação funcional
N. Teste diagnóstico
O. Informações derivadas do processo de entrevista
IV. Processo de avaliação
A. Métodos para obter informações
B. O processo de avaliação
V. Considerações especiais
A. Interações com fontes pagadoras e seus agentes
B. O processo de avaliação
VI. Processo evolutivo
Adaptada de American Psychiatric Association. Practice guidelines for psychiatric
evaluation of adults. Am J Psychiatry. 1995;152(11 suppl):66.
respostas empáticas para facilitar o desenvolvimento de sintonia. Ekkehard e Sieglinde Othmer definiram seis estratégias
para desenvolvê-la: (1) deixar os pacientes à vontade; (2) identificar a dor e expressar solidariedade; (3) avaliar o insight dos
pacientes e tornar-se seu aliado; (4) demonstrar conhecimento; (5) estabelecer autoridade como médico e terapeuta; e (6)
equilibrar os papéis de ouvinte empático, especialista e autoridade. Como parte de um recurso para aumentar a sintonia,
Othmer e Othmer desenvolveram uma lista (Tab. 1-5) que
ajuda os entrevistadores a reconhecer problemas e aperfeiçoar
suas habilidades nesse sentido.
Em uma pesquisa com 700 pacientes, estes concordaram
substancialmente com o fato de que os médicos devem ter o
tempo necessário ou inclinação para ouvir e considerar os sentimentos dos pacientes, de que os mesmos não têm conhecimento suficiente dos problemas emocionais e da origem socioeconômica das famílias dos pacientes e, além disso, de que os
médicos aumentam o medo dos pacientes dando explicações
em linguagem técnica.
O fracasso dos médicos em estabelecer uma boa sintonia com
os pacientes explica grande parte da falta de efetividade dos tratamentos. A sintonia demanda entendimento e confiança entre
médico e paciente. Fatores psicossociais e econômicos exercem
uma influência profunda nas relações humanas, e os médicos
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
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TABELA 1-5 Lista de verificação para clínicos
A lista de verificação a seguir permite que o clínico avalie suas habilidades para estabelecer e manter sintonia com o paciente. Ela ajuda a
detectar e eliminar pontos fracos em entrevistas que fracassaram de algum modo significativo. Cada item é avaliado como “sim”, “não” ou
“não se aplica”.
Sim
Não
N/A
1. Deixei o paciente à vontade.
______
______
______
2. Reconheci seu estado de espírito.
______
______
______
3. Abordei seus problemas.
______
______
______
4. Ajudei-o a interessar-se.
______
______
______
5. Ajudei-o a superar a desconfiança.
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6. Limitei sua intrusão.
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7. Estimulei sua produção verbal.
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8. Limitei suas divagações.
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9. Entendi seu sofrimento.
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10. Expressei empatia para com seu sofrimento.
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11. Sintonizei-me com seu afeto.
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12. Abordei seu afeto.
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13. Tive consciência de seu nível de insight.
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14. Assumi seu ponto de vista sobre a doença.
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15. Tive percepção clara dos objetivos terapêuticos e declarados do tratamento.
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16. Apresentei o objetivo do tratamento para o paciente.
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17. Comuniquei-lhe que estou familiarizado com sua doença.
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18. Minhas perguntas convenceram-no de que estou familiarizado com os sintomas do transtorno. ______
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19. Deixei claro para o paciente que ele não está sozinho com a doença.
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20. Expressei minha intenção de ajudá-lo.
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21. O paciente percebeu o meu conhecimento.
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22. Respeitou minha autoridade.
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23. Pareceu totalmente cooperativo.
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24. Reconheci sua postura para com a doença.
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25. O paciente conseguiu enxergar a doença com distanciamento.
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26. Apresentou-se como alguém que sofre e precisa da atenção de outras pessoas.
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27. Apresentou-se como um paciente muito importante.
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28. Competiu comigo por autoridade.
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29. Foi submisso.
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30. Ajustei meu papel ao papel do paciente.
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31. O paciente agradeceu-me e marcou outra consulta.
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Reimpressa com permissão de Othmer E, Othmer SC. The Clinical Interview Using DSM-IV. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1994.
devem ter o máximo de compreensão possível acerca das subculturas dos pacientes. Diferenças em status social, intelectual e educacional podem interferir de forma decisiva na sintonia.
Uma avaliação das pressões sociais no começo da vida dos
pacientes ajuda os psiquiatras a entendê-los melhor. As reações emocionais, saudáveis ou doentias, são o resultado da interação constante entre forças biológicas, sociológicas e psicológicas. Cada problema deixa uma marca de sua influência e
continua a se manifestar no decorrer da vida, em proporção à
intensidade de seu efeito e à suscetibilidade da pessoa envolvida. Estresses e pressões devem ser determinados ao máximo
possível. O elemento significativo pode não ser o problema
em si, mas a reação da pessoa a ele.
Começando a entrevista
A maneira como o médico começa uma entrevista proporciona uma primeira impressão poderosa para os pacientes, e a
forma como ele principia a comunicação pode afetar o desenvolvimento da entrevista. Os pacientes muitas vezes ficam
ansiosos em seu primeiro encontro com o médico, sentindose vulneráveis e intimidados. Um médico que consegue estabelecer sintonia rapidamente, deixar o paciente à vontade e
demonstrar respeito está no caminho certo para conduzir uma
troca de informações produtiva. Essa troca é fundamental para
fazer um diagnóstico correto e estabelecer objetivos para o tratamento.
Todos os médicos devem assegurar-se inicialmente de que
sabem o nome do paciente e de que este sabe seu nome. Eles
devem se apresentar às pessoas que acompanham o paciente e
verificar se ele deseja que alguma delas esteja presente durante a
entrevista inicial. Isso pode ser permitido, mas o médico também
deve conversar com o paciente em particular para determinar se
há algo que ele queira lhe dizer, mas relutou em falar na frente da
outra pessoa.
Os pacientes têm o direito de saber a posição e o status profissional das pessoas envolvidas em seu cuidado. Por exemplo, estudantes de medicina devem se apresentar como tal, e não como
médicos, e os médicos devem deixar claro se são consultores (chamados para examinar o paciente), se estão substituindo outro médico ou se estão envolvidos na entrevista para ensinar estudantes,
em vez de tratar o paciente.
Após a apresentação e outras avaliações iniciais, um comentário útil e apropriado para iniciar é: “Você pode me falar dos motivos que o trazem aqui hoje?” ou “Fale-me sobre os problemas
que está tendo”. Continuar com um segundo comentário, como:
“Que outros problemas você está tendo?”, em geral evoca infor-
22
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
mações que o paciente reluta em fornecer inicialmente, indicando também que o médico está interessado em ouvir tudo o que
ele tiver para dizer.
Uma abordagem menos diretiva é perguntar ao paciente: “De
onde devemos partir?” ou “Por onde você prefere começar?”. Se o
paciente foi indicado por outro médico, os comentários iniciais
podem deixar claro que o novo médico já sabe algo sobre o paciente. Por exemplo, pode-se dizer: “Seu médico falou um pouco
do que o está incomodando, mas eu gostaria de ouvi-lo, com suas
próprias palavras, dizer o que você está sentindo”.
A maioria dos pacientes não fala livremente, a menos que
tenha privacidade e certeza de que sua conversa não está sendo
ouvida por outras pessoas. Os médicos devem se certificar, no
começo da entrevista, de que fatores como privacidade, silêncio e
ausência de interrupções sejam garantidos para transmitir aos
pacientes que o que eles dizem é importante e merece ser considerado com seriedade.
Às vezes, o paciente fica assustado no começo da entrevista e
pode não desejar responder perguntas. Se esse parecer ser o caso,
o médico pode comentar essa impressão diretamente, de forma
cortês e solidária, e encorajar o paciente a falar sobre seus sentimentos com relação à entrevista em si. O primeiro passo para
entender e reduzir a ansiedade do paciente é reconhecer que ela
existe. Um exemplo do que pode ser dito é: “Não há como não
notar que você parece estar ansioso falando comigo. Há alguma
coisa que eu possa fazer ou alguma resposta que possa lhe dar que
facilite as coisas?” ou “Sei que falar com um médico pode ser
assustador, especialmente com um que você não conhece, mas eu
gostaria de tornar isso o mais confortável possível para você. Existe
alguma coisa que esteja dificultando que você fale comigo e que
você possa explicar?”.
Outra questão inicial importante é: “Por que agora?”. O médico deve esclarecer por que o paciente escolheu aquele momento para procurar ajuda. A razão pode ser tão simples quanto a de
que foi a primeira hora disponível. Porém, muitas vezes, as pessoas procuram médicos como resultado de eventos específicos
com muito estresse. Esses eventos estressantes podem ser considerados precipitantes e normalmente contribuem de maneira significativa para os problemas atuais dos pacientes. Exemplos incluem perdas reais ou simbólicas, como mortes e separações, eventos marcantes (p. ex., aniversários e datas comemorativas) e mudanças físicas, como a presença ou a intensificação de sintomas.
Os médicos que não estão cientes desses momentos de estresse na
vida das pessoas podem não ver temores ocultos e questões capazes de comprometer o cuidado e o bem-estar do paciente.
A entrevista propriamente dita
Na entrevista propriamente dita, os médicos descobrem em detalhe o que está incomodando os pacientes. Eles devem fazê-lo de
um modo sistemático, que facilite a identificação de problemas
relevantes no contexto de uma aliança de trabalho empática e
contínua.
O conteúdo da entrevista é literalmente o que é dito pelo médico e pelo paciente: os temas discutidos, os assuntos mencionados. O processo é o que ocorre de forma não-verbal entre ambos,
ou seja, o que está acontecendo na entrevista abaixo da superfície. O processo envolve sentimentos e reações que não são reconhecidos ou conscientes. Os pacientes podem usar linguagem
corporal para manifestar sentimentos que não conseguem expressar verbalmente, por exemplo, um paciente que apresenta um
comportamento aparentemente calmo mantém os punhos cerrados ou manipula um lenço ou tecido nervosamente. Esses indivíduos podem trocar o tema da entrevista, de um assunto que provoque ansiedade para um tópico neutro, sem notar que estão fazendo isso. Podem retornar repetidamente para determinado tópico, independentemente do rumo que a entrevista pareça estar
tomando. Comentários triviais e a princípio casuais podem revelar preocupações subjacentes sérias, como: “A propósito, um vizinho meu disse que conhece uma pessoa com os mesmos sintomas que meu filho, e essa pessoa está com câncer”.
Técnicas específicas. A Tabela 1-6 lista algumas técnicas de
entrevista comuns.
O ato de entrevistar um paciente envolve um equilíbrio fino entre permitir que sua história
se desdobre livremente e obter os dados necessários para o diagnóstico e o tratamento. A maioria dos especialistas concorda que,
em uma entrevista ideal, o entrevistador começa com um questionamento amplo e aberto, continua tornando-se mais específico e conclui com um questionamento detalhado e direto.
A primeira parte da entrevista geralmente é mais aberta, no
sentido de que os médicos permitem que os pacientes falem o
máximo possível em suas próprias palavras. Uma pergunta fechada ou diretiva é aquela que solicita informações específicas e possibilita poucas opções de resposta. Um número excessivo de perguntas fechadas, em especial na primeira parte da entrevista, pode
restringir as respostas do paciente. Às vezes, são necessárias perguntas diretivas para obter dados importantes, mas, quando usadas em excesso, o paciente pode pensar que somente deve fornecer informações em resposta ao questionamento direto do médico. Um exemplo de pergunta aberta é: “Você pode me falar mais
PERGUNTAS ABERTAS E FECHADAS.
TABELA 1-6 Técnicas de entrevista comuns
1. Estabeleça uma sintonia o mais cedo possível na entrevista.
2. Determine a principal queixa do paciente.
3. Use a queixa principal para desenvolver um diagnóstico diferencial provisório.
4. Exclua ou confirme as diversas possibilidades diagnósticas, usando perguntas focadas e detalhadas.
5. Esclareça comentários vagos ou obscuros com persistência suficiente para determinar a resposta à pergunta.
6. Deixe que o paciente fale livremente para observar o quanto seus
pensamentos estão conectados.
7. Use uma combinação de perguntas abertas e fechadas.
8. Não tenha medo de falar sobre temas que você ou o paciente
possa considerar difíceis ou embaraçosos.
9. Fale sobre pensamentos suicidas.
10. Dê ao paciente a chance de fazer perguntas ao final da entrevista.
11. Conclua a entrevista inicial transmitindo um sentido de confiança
e, se possível, de esperança.
Reimpressa com permissão de Andreasen NC, Black DW. Introductory Textbook of Psychiatry. Washington, DC: American Psychiatric Association Press;
1991.
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
sobre isso?”. Uma pergunta fechada seria: “Há quanto tempo você
está tomando essa medicação?”.
As perguntas fechadas podem ser efetivas para gerar respostas
rápidas e específicas sobre um tema claramente delineado. São
efetivas para evocar informações sobre a ausência de certos sintomas (p. ex., alucinações auditivas ou pensamentos suicidas). Elas
também já se mostraram importantes para avaliar fatores como
freqüência, gravidade e duração de sintomas. A Tabela 1-7 sintetiza alguns dos prós e contras de perguntas abertas e fechadas.
REFLEXÃO.
Nesta técnica, o médico repete, de maneira solidária,
algo que o paciente já disse. A reflexão tem dois objetivos: assegurar ao médico que ele entendeu corretamente o que o paciente
está tentando dizer e mostrar a este que o médico está percebendo o que está sendo dito. Trata-se de uma resposta empática, visando a mostrar ao paciente que o médico está ouvindo suas queixas e respondendo a elas. Por exemplo, se o paciente está falando
sobre o medo de morrer e os efeitos de falar sobre isso com sua
família, o médico pode dizer: “Parece que você está preocupado
em se tornar um peso para sua família”. Essa reflexão não é uma
repetição exata do que o paciente disse, mas uma paráfrase que
indica que o sentido essencial foi percebido.
FACILITAÇÃO.
Os médicos ajudam os pacientes a continuar a entrevista proporcionando pistas verbais e não-verbais que os encorajam a continuar falando. Sacudir a cabeça, inclinar-se na cadeira e dizer: “Sim, e depois...?” ou “Ahã, continue” são exemplos de
facilitação.
SILÊNCIO.
O silêncio pode ser usado de muitas maneiras em conversas normais, inclusive para indicar reprovação ou desinteresse.
Todavia, na relação médico-paciente, o silêncio pode ser construtivo e, em certas situações, permitir que os pacientes pensem,
chorem ou apenas passem um tempo em um ambiente solidário
e acolhedor, no qual o médico deixa claro que nem todos os momentos precisam ser preenchidos com conversa.
CONFRONTAÇÃO.
Esta técnica visa a mostrar ao paciente algo que
o médico julga que o primeiro não está percebendo, não está
entendendo ou está negando de alguma forma. A confrontação
deve ser feita de forma habilidosa, de modo a não deixar o paciente
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
23
hostil e defensivo. Ela pretende ajudar o paciente a enfrentar suas
necessidades de forma direta, mas respeitosa. Por exemplo, alguém que acaba de cometer um gesto suicida, mas que diz ao
médico que não foi sério, pode ser confrontado com a afirmação:
“Isso que você fez pode não o ter matado, mas mostra que você
está com problemas sérios e que precisa de ajuda para não tentar
o suicídio novamente”.
CLARIFICAÇÃO. Na clarificação, o médico tenta obter detalhes do
paciente sobre coisas que este disse anteriormente. Por exemplo,
pode-se dizer: “Você está se sentindo deprimido. Quando você
fica mais deprimido?”.
INTERPRETAÇÃO.
Esta técnica é usada com mais freqüência quando o médico diz algo sobre o comportamento ou o raciocínio do
paciente que este não havia notado. O recurso baseia-se na escuta
atenta de temas e padrões subjacentes da história do paciente. As
interpretações normalmente ajudam a esclarecer inter-relações que
o paciente pode não enxergar. A técnica é sofisticada e geralmente deve ser usada somente após o médico ter estabelecido a sintonia com o paciente e ter uma noção razoável do que certas interrelações significam. Por exemplo, o médico pode dizer: “Ao falar
do quanto está bravo por sua família não ser solidária, parece que
você também está dizendo que teme que eu não o apóie. O que
acha disso?”.
RESUMO.
Periodicamente durante a entrevista, o médico pode
dispor de um tempo e resumir brevemente o que o paciente disse
até o momento. Isso garante a ambos que o médico ouviu as
informações apresentadas. Por exemplo, o médico pode dizer:
“Certo, só quero garantir que entendi tudo até aqui”.
EXPLICAÇÃO .
Os médicos explicam os planos de tratamento
aos pacientes em uma linguagem compreensível e permitem
que estes respondam e façam perguntas. Por exemplo, pode-se
dizer: “É essencial que você venha para o hospital agora devido à gravidade da sua doença. Você será internado pela emergência, e estarei lá para fazer os arranjos necessários. Receberá
uma pequena dose de medicamento, que o deixará sonolento.
O medicamento se chama lorazepam, e a dose será de 0,25 mg. Irei
vê-lo cedo pela manhã, e revisaremos os procedimentos neces-
TABELA 1-7 Prós e contras de perguntas abertas e fechadas
Aspecto
Perguntas amplas e abertas
Perguntas restritas e fechadas
Genuinidade
Alta
Produzem formulações espontâneas.
Baixa
Podem levar a respostas que não sejam reproduzíveis.
Baixa
A intenção da questão é vaga.
Baixa
Elaborações circunstanciais.
Baixa
O paciente seleciona o tema.
Varia
A maioria dos pacientes prefere se expressar
livremente, outros se sentem retraídos e
inseguros.
Baixa
Induzem o paciente.
Alta
Foco limitado, mas podem sugerir respostas.
Alta
A intenção da questão é clara.
Alta
Podem induzir respostas do tipo sim ou não.
Alta
O entrevistador seleciona o tema.
Varia
Alguns apreciam verificações claras, outros
detestam ser pressionados a responder
sim ou não.
Confiabilidade
Precisão
Eficiência em termos de tempo
Abrangência diagnóstica
Aceitação pelo paciente
Reimpressa com permissão de Othmer E, Othmer SC. The Clinical Interview Using DSM-IV. Washington, DC: American Psychiatric Press; 1994.
24
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
sários antes de fazer qualquer coisa. Quais são suas dúvidas?
Sei que deve ter algumas”.
TRANSIÇÃO.
Esta técnica permite que os médicos transmitam a
idéia de que já foram obtidas informações suficientes sobre determinado tema. Suas palavras encorajam os pacientes a passar para
outro tema. Por exemplo, o médico pode dizer: “Você já me deu
uma boa idéia dessa época da sua vida. Quem sabe pode me falar
um pouco de uma época anterior”.
AUTO- REVELAÇÃO .
A auto-revelação discreta e limitada pode
ser útil em certas ocasiões, sendo que o médico deve sentir-se
à vontade e comunicar uma sensação de conforto. A transmissão dessa sensação pode incluir responder às perguntas do
paciente sobre estado civil ou procedência do médico. Contudo, o profissional que pratica a auto-revelação em excesso está
usando o paciente para gratificar necessidades frustradas em
sua própria vida e está abusando do papel de médico. Se pensa
que uma certa informação ajudará o paciente a se sentir mais à
vontade, pode decidir se a deve revelar. A decisão depende de
determinar se a informação ajudará no cuidado do paciente
ou é relevante. Mesmo que o médico decida que a auto-revelação não se justifica, deve ter cuidado para não fazer o paciente
se sentir inoportuno por perguntar. Por exemplo, pode dizer:
“De bom grado lhe direi se sou casado ou não, mas primeiro
vamos falar um pouco sobre por que você quer saber isso. Desse
modo, terei mais informações sobre quem você é e quais são
suas preocupações em relação a mim e ao meu envolvimento
no seu tratamento”. Não tome as perguntas dos pacientes ao
pé da letra. Muitas delas, especialmente as pessoais, transmitem não apenas uma curiosidade natural, mas também preocupações ocultas que não devem ser ignoradas.
REFORÇO POSITIVO.
Esta técnica permite que o paciente se sinta
confortável em dizer algo ao médico, mesmo sobre coisas como a
não-adesão ao tratamento. Encorajá-lo a sentir que o médico não
está bravo com o que ele tem a dizer facilita uma troca aberta. Por
exemplo, o médico pode dizer: “Gostaria que você dissesse por
que parou de tomar a medicação. Pode me contar qual foi o problema?”.
Um psiquiatra experiente, em resposta a pacientes que tinham
medo de revelar material “chocante” na entrevista inicial, respondia da seguinte maneira: “Em todos esses anos de trabalho, acho
que nunca ouvi nada que tenha me chocado. Aliás, seria interessante ouvir algo que pudesse me chocar”. A aceitação implícita de
tudo o que é humano tende a deixar os pacientes à vontade.
TRANQÜILIZAÇÃO.
A tranqüilização honesta do paciente pode aumentar a confiança no médico e a adesão e ser experimentada
como uma resposta empática. Porém, se não for verdadeira, significa essencialmente mentir ao paciente, e isso pode atrapalhar a
confiança e a adesão ao tratamento. Normalmente, a falsa tranqüilização parte de um desejo de fazer o paciente sentir-se melhor, mas, quando este descobre que o médico não disse a verdade, provavelmente não aceitará nem acreditará em uma tranqüilização verdadeira. Por exemplo, um paciente com doença terminal pergunta: “Vou ficar bem, doutor?”, e o médico responde: “É
claro que vai ficar bem, está tudo bem”. Um exemplo de tranqüilização honesta é: “Vou fazer o possível para que você fique bem,
e isto envolve você saber tudo o que sei sobre o que está acontecendo. Nós dois sabemos que o que você tem é grave. Gostaria de
saber exatamente o que você pensa que está acontecendo e de
esclarecer suas dúvidas”. O paciente talvez consiga abrir-se sobre
o medo de morrer.
CONSELHOS .
Em muitas situações, não apenas é aceitável, mas
desejável que os médicos dêem conselhos aos pacientes. Para
serem percebidos como empáticos, em vez de inadequados ou
intrusivos, os conselhos somente devem ser dados após permitir que os pacientes falem livremente sobre seus problemas, de
modo a obter uma base de informações adequada para fazer
sugestões. Às vezes, após o médico ter escutado com atenção,
fica claro que, de fato, o paciente não deseja conselhos, e sim
uma escuta objetiva, solidária e neutra. Conselhos precipitados podem levar o paciente a achar que o médico não está
realmente escutando, mas está respondendo por ansiedade ou
segundo a crença de que sabe mais do que o paciente sobre o
que deve ser feito em determinada situação. Em um exemplo
de conselho precipitado, o paciente diz: “Não consigo tomar
essa medicação. Isso está me incomodando”. E o médico responde: “Está bem, você pode parar com ela, vou receitar outra
coisa”. Uma resposta mais adequada seria: “Sinto muito. Digame o que o está incomodando com a medicação, e posso ter
uma noção melhor do que fazer para que você se sinta confortável”. Em outro exemplo, o paciente diz: “Tenho me sentido
realmente deprimido ultimamente”. E o médico responde:
“Bem, nesse caso, acho que é importante você sair e fazer coisas divertidas, como ir ao cinema ou dar uma caminhada no
parque”. Neste caso, uma resposta mais útil e apropriada poderia ser: “Diga-me o que você quer dizer com ‘deprimido’”.
TERMINANDO A ENTREVISTA .
Espera-se que o paciente saia da
entrevista sentindo-se compreendido e respeitado e acreditando que todas as informações pertinentes e importantes foram
transmitidas para um ouvinte informado e empático. Para essa
finalidade, o médico deve dar chance para que o paciente faça
perguntas e saiba o máximo sobre os planos futuros. O médico deve agradecer ao paciente por compartilhar as informações necessárias, afirmando que as informações transmitidas
foram úteis para esclarecer os próximos passos. Qualquer receita de medicação deve ser explicada de forma clara e simples, certificando-se de que o paciente entendeu a receita e
como deve tomar a medicação. O médico deve marcar a próxima consulta ou encaminhar a outro médico, explicando ao
paciente como obter ajuda rapidamente se isso se fizer necessário antes da próxima consulta.
ADESÃO
A adesão é o grau em que o paciente executa as recomendações
clínicas do médico que o está tratando. Exemplos incluem comparecer a consultas, começar e concluir programas de tratamento, tomar medicamentos corretamente e seguir mudanças recomendadas em comportamento ou dieta.
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
O comportamento de adesão depende da situação clínica específica, da natureza da doença e do programa de tratamento. De
um modo geral, cerca de um terço de todos os pacientes adere ao
tratamento, um terço adere a determinados aspectos do mesmo,
e um terço nunca adere. Um número geral, derivado de diversos
estudos, indica que 54% dos pacientes aderem ao tratamento em
um dado momento. Um estudo verificou que até 50% daqueles
com hipertensão não aderem ao tratamento e que os que o fazem
abandonam o tratamento dentro de um ano.
Na tentativa de entender por que uma porcentagem tão alta
de pacientes não adere regularmente ao tratamento, os pesquisadores investigaram diversas variáveis. Por exemplo, a maior complexidade do regime, juntamente com um número maior de
mudanças comportamentais exigidas, parece estar associada à falta
de adesão. Porém, não existe associação clara entre adesão e sexo,
estado civil, raça, religião, status socioeconômico, inteligência ou
nível educacional do paciente. Os casos psiquiátricos, todavia,
apresentam um grau maior de comportamento de não-adesão do
que os pacientes médicos. A adesão aumenta quando os médicos
têm características como entusiasmo e uma atitude não-punitiva.
Médicos mais velhos e experientes, quantidade de tempo conversando com os pacientes, menos tempo na sala de espera e maior
freqüência de consultas também estão associados a taxas altas de
comprometimento.
A relação médico-paciente é um dos fatores mais importantes
nas questões relacionadas à adesão. Quando ambos têm prioridades e crenças contrastantes, estilos de comunicação diversos (incluindo uma compreensão diferente das orientações médicas) e
expectativas médicas incongruentes, a adesão diminui. Ela pode
aumentar quando os médicos explicam o valor de determinado
resultado do tratamento e enfatizam que seguir as recomendações implicará tal propósito. Além disso, se os pacientes souberem os nomes de cada medicamento que estão tomando, também podem se sentir mais envolvidos.
Um fator bastante significativo na adesão parece ser os sentimentos subjetivos de perturbação ou doença dos pacientes, em
oposição às estimativas médicas objetivas acerca da condição e da
terapia necessária. Aqueles que acreditam estar doentes tendem a
apresentar maior adesão. Pacientes assintomáticos, como os casos
de hipertensão, têm um risco maior de não se comprometerem
com o tratamento do que os que apresentam sintomas.
Quando existem problemas de comunicação, a adesão é menor. Quando uma comunicação efetiva ocorre juntamente com a
supervisão atenta do paciente e com um senso subjetivo de satisfação porque o médico cumpriu com suas expectativas, a adesão
aumenta. Estudos mostraram que a falta de comprometimento
está associada a médicos percebidos como antagônicos e hostis.
Também está associada à atitude de solicitar informações do
paciente sem dar alguma forma de retorno ou explicar um diagnóstico ou a causa dos sintomas. Os médicos que têm consciência dos sistemas de crenças, sentimentos e hábitos de seus pacientes e que os envolvem no estabelecimento do regime de tratamento aumentam os comportamentos de adesão.
A falta de adesão à medicação tem muitas causas. O médico deve explorar as razões para tanto, em vez de supor que o
paciente não está cooperando. Algumas razões comuns para a
falta de adesão são listadas na Tabela 1-8. Outras estratégias
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
25
para aumentá-la incluem solicitar que os pacientes descrevam
o que acreditam estar errado com eles e o que deve ser feito,
quais pensam ser as razões para as recomendações do médico e
o que consideram riscos e benefícios de seguir o tratamento
receitado. Erros comuns são não tomar a medicação pelo tempo adequado ou na quantidade recomendada a cada dia. É
mais provável que não haja adesão se os pacientes precisarem
tomar mais de três tipos de medicamentos em um mesmo dia
ou se as doses forem divididas em mais de quatro vezes ao dia.
Pessoas mais idosas e aquelas com dificuldade para ver e ouvir
podem ler ou interpretar as instruções incorretamente. Nesses
casos, é aconselhável solicitar que o paciente leia as recomendações e perguntar se tem alguma dúvida, depois pedir que o
mesmo explique especificamente e em que quantidade a medicação deve ser tomada.
Há casos em que, em vez de cometer erros, os pacientes mudam deliberadamente o regime de tratamento, por exemplo, não
comparecendo às consultas ou tomando a medicação de um modo
diferente do recomendado. Nessas situações, que podem envolver pressões contrárias da família e do trabalho, o médico deve
negociar um acordo com o paciente. Eles podem especificar juntos o que esperam de cada um. Implícitas nessa abordagem
estão as noções de que o contrato pode ser renegociado e de
que o paciente e o médico podem fazer sugestões para aumentar a adesão.
QUESTÕES ESPECÍFICAS DA PSIQUIATRIA
Honorários
Antes que os clínicos possam estabelecer um relacionamento contínuo com os pacientes, precisam abordar determinadas questões.
Por exemplo, devem discutir abertamente o pagamento de honorários. Discutir questões relacionadas a honorários no princípio
da interação pode minimizar mal-entendidos posteriores. A maioria dos pacientes tem seguro médico por meio de organizações de
manutenção da saúde (HMOs) ou Medicare. As HMOs pagam
as consultas médicas integralmente ou em parte, mas apenas se o
médico estiver cadastrado no plano do paciente. Alguns planos
oferecem pagamentos parciais mesmo que o médico não seja cadastrado (i.e., é considerado de “fora da rede”). Isso deve ser esclarecido, ou o paciente talvez tenha de pagar do próprio bolso, o
que pode não estar disposto ou ser incapaz de fazer. (Ver o Capítulo 60 para uma discussão sobre os sistemas de prestação de serviços de saúde.)
Sigilo
Os psiquiatras devem discutir o nível e as limitações do sigilo,
de modo que os pacientes sejam esclarecidos em relação ao
que pode ou não permanecer confidencial. Assim como os
médicos devem respeitar o sigilo por razões legais e éticas, o
mesmo pode ser quebrado em situações específicas. Por exemplo, se o paciente deixar claro que pretende agredir alguém, o
médico tem a responsabilidade de notificar a possível vítima.
26
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
TABELA 1-8 Razões comuns para a falta de adesão à medicação
1. As instruções são dadas de forma inadequada, ou o paciente as
compreende de maneira incompleta.
Exemplo: Uma mulher de 34 anos sofrendo o primeiro episódio
de depressão maior recebe uma receita de paroxetina 20 mg/
dia. Responde bem, com resolução completa dos sintomas em
quatro semanas. Duas semanas depois, sentindo-se de volta
ao normal, pára de tomar a medicação. Três semanas depois,
sofre uma recaída.
Comentário: A mulher não entendeu (talvez não tenha sido bem
explicado) que seria necessário continuar a medicação por vários meses após a recuperação total para minimizar o risco de
recaída.
2. O paciente pode considerar os efeitos colaterais intoleráveis.
Exemplo: Um homem de 20 anos recebe um diagnóstico provisório de esquizofrenia quando começa a ter alucinações auditivas. É tratado com haloperidol 5 mg, duas vezes por dia. As
alucinações passam, mas ele começa a experimentar disfunção erétil e interrompe a medicação sem contar a ninguém.
Comentário: Os efeitos colaterais e as toxicidades potenciais
sempre devem ser revisados com os pacientes antes de começar a medicação. Também é importante encorajá-los a discutir com o médico quaisquer experiências físicas e reassegurar que não é necessário agüentar os efeitos colaterais,
pois existem medicamentos alternativos que podem ser experimentados.
3. Os sintomas psiquiátricos interferem no tratamento.
Exemplo: Uma mulher de 41 anos com um diagnóstico de esquizofrenia paranóide é admitida em uma unidade de internação
com o delírio de que está sendo envenenada por uma força
alienígena. É tratada com risperidona 2 mg/dia e liberada após
uma semana. Pára de tomar a medicação no dia da alta, acreditando que também é um veneno e faz parte da trama para
prejudicá-la.
Comentário: O clínico deve estar alerta para a possibilidade de
que os sintomas interfiram no tratamento, estabelecendo o máximo possível um relacionamento de confiança e investigando
a possibilidade dessa interferência (“Você às vezes teme que
eu também possa desejar feri-lo?”). Se forem receitados medicamentos, as doses devem ser suficientes para trazer benefícios.
4. Os pacientes gostam de seus sintomas e não desejam ser tratados.
Exemplo: Um homem de 37 anos com transtorno bipolar, controlado com lítio por dois anos, começa a se sentir um pouco eufó-
rico, mais enérgico e mais sociável do que o normal. Interrompe o lítio porque sente que este o deixa um pouco lento. Em
duas semanas, apresenta um episódio maníaco completo.
Comentário: A psicoeducação faz parte do processo terapêutico
contínuo, e pode levar um certo tempo para ser inteiramente
realizada. A adesão é alcançada mais facilmente quando se
estabelece um relacionamento colaborativo sólido, quando o
médico é receptivo para com a experiência subjetiva que o paciente tem da doença e do tratamento e quando este compreende que sintomas levemente agradáveis podem se tornar destrutivos e muito incômodos se tratados de forma inadequada.
5. As vidas de certos pacientes são tão caóticas e desorganizadas
que é difícil obter adesão sem monitoramento rígido e acompanhamento .
Exemplo: Uma mulher sem-teto de 47 anos, com um diagnóstico
de esquizofrenia indiferenciada crônica, foi tratada em uma sala
de emergência, recebeu uma receita para um mês de antipsicótico e deveria retornar à clínica em um mês. Após ser liberada, viveu em uma série de albergues e abrigos de igrejas. Suas
sacolas com os cartões da Medicaid e da Medicare, a receita e
os cartões com os horários das consultas foram roubadas. A
mulher não conseguiu lembrar a data ou o local das consultas.
Comentário: A ausência de um acompanhamento próximo e estruturado para essa paciente quase determina o fracasso do
tratamento. Supervisores de casos individuais são importantes, embora às vezes o número de casos atribuídos a cada um
seja excessivo.
6. Os pacientes param de tomar a medicação porque não conseguem
pagar por ela.
Exemplo: Um homem idoso que vivia com uma renda fixa modesta consultou devido à fadiga. A médica diagnosticou depressão e receitou um ISRS relativamente novo. Quando o
homem foi comprar o remédio na farmácia, ficou sabendo que
o suprimento para um mês custaria 300 dólares. Não comprou o medicamento e ficou envergonhado em contar o motivo para a médica.
Comentário: O custo dos medicamentos raramente é levado em
conta nas decisões relacionadas à receita. Isso é particularmente importante para pacientes que usam a Medicare, por
exemplo, pois atualmente não há benefícios para pacientes externos. As drogas genéricas sempre são mais baratas do que seus
equivalentes de marca. Porém, quando uma droga é nova e ainda
está sob patente, pode não haver alternativas de baixo custo.
Outras questões relacionadas ao sigilo incluem quem tem acesso ao prontuário médico, informações requisitadas por companhias de seguros (que podem ser amplas) e o grau em que o
caso do paciente será usado para propósitos de ensino. Em
todas essas situações, o paciente deve dar permissão para o uso
de seus prontuários médicos. (Ver o Capítulo 58 para uma
discussão sobre o sigilo.)
uma prática estabelecida, e na qual o residente deve apresentar narrativas literais de toda a sessão de terapia (anotações do processo) para
o supervisor. Se um paciente estiver curioso quanto ao nível de experiência do médico que o está tratando, deve-se responder honestamente e não enganá-lo. Se o médico não tiver formação na área e o
paciente descobrir isso mais adiante, o relacionamento entre os dois
pode se tornar impraticável.
Supervisão
Consultas perdidas e duração das sessões
Evidentemente, é necessário que médicos em treinamento tenham
supervisão de profissionais experientes. Essa prática é norma em grandes hospitais de ensino, e a maioria dos pacientes está ciente disso.
Quando os novos médicos recebem supervisão dos mais experientes,
os pacientes devem saber disso desde o começo. É particularmente
importante informá-los em se tratando da consulta em psiquiatria,
na qual a supervisão de casos individuais de psicoterapia é rotina e
Os pacientes devem ser informados sobre as políticas para consultas perdidas e duração das sessões. Os psiquiatras normalmente atendem em blocos regulares de tempo, variando de 15
a 45 minutos. Ao final desse tempo, esperam que os pacientes
aceitem o fato de que a sessão acabou. Médicos não-psiquiatras podem marcar sessões de maneira um pouco diferente,
preparando 30 minutos a uma hora para uma consulta inicial
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
e talvez marcando consultas de 15 a 20 minutos para o retorno. Psiquiatras que estão tratando indivíduos internos psicóticos podem determinar que o paciente não é capaz de tolerar
uma sessão prolongada e decidir atendê-lo em uma série de
sessões de 10 minutos ao longo da semana. Sejam quais forem
as políticas, os pacientes devem estar cientes delas para prevenir mal-entendidos.
O mesmo pode ser dito sobre as sessões perdidas. Alguns
médicos solicitam que os pacientes avisem com 24 horas de antecedência para evitar serem cobrados pelo não-comparecimento.
Outros cobram por sessões perdidas, independentemente de haver notificação prévia. Outros ainda decidem cada caso em particular ou usam a regra de 24 horas, mas fazem exceções quando
são justificáveis. Alguns médicos dizem que, se receberem notificação e conseguirem preencher o horário, não cobrarão pela ausência. Outros, ainda, não cobram por nenhuma sessão perdida.
A escolha é própria do médico, mas os pacientes devem saber
com antecedência para decidir se devem aceitar a política do médico ou escolher outro profissional.
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
27
rados de que, independentemente do que ocorrer no curso de
determinada relação médico-paciente, o tratamento não será interrompido.
Uma situação complexa surge quando o médico adoece e torna-se incapaz de continuar a cuidar de seus pacientes. Quando se
sabe com antecedência que precisará interromper a terapia, podem ser feitos arranjos claros de encaminhamento para outros
profissionais. Embora existam argumentos a favor e contra os
médicos revelarem suas doenças para os pacientes, parece melhor errar ao lado da verdade. As informações devem ser transmitidas da maneira mais calma e sutil possível. O motivo pelo
qual se deve dizer a verdade é que os pacientes fantasiam razões sobre por que o médico parou de atendê-los e podem
temer que eles próprios fizeram o médico abandonar o tratamento. A falta de honestidade nessa situação também encoraja a visão de que estar doente é vergonhoso ou assustador e
que os médicos incapazes de lidar com as próprias doenças
não devem esperar que os pacientes consigam fazê-lo. Porém,
não é papel destes cuidar de seus médicos. As informações dadas
não devem transmitir a idéia de que a doença do médico é um
peso para o paciente.
Disponibilidade do médico
Quais são as obrigações do médico em relação à sua disponibilidade entre as consultas marcadas? Será sua incumbência estar disponível as 24 horas do dia? Quando o paciente inicia um contrato para receber atendimento de determinado médico, este é responsável por apresentar uma alternativa de atendimento de emergência fora das consultas marcadas. Os pacientes devem ser informados sobre qual é essa alternativa, se um telefone de emergência ou um médico substituto. Caso o médico se ausente por
um período de tempo, é necessária a substituição por outro, e os
pacientes devem ser informados sobre como podem encontrá-lo.
Devem saber que seu médico estará disponível entre as sessões
para responder questões urgentes e que consultas adicionais podem ser marcadas se necessárias.
Todavia, dentro desses parâmetros, os médicos devem tomar
suas próprias decisões sobre a sua disponibilidade para cada paciente. Em certos casos, podem ter de impor limites firmes para
atendimento entre as sessões. Por exemplo, pacientes que telefonam repetidamente a qualquer momento com preocupações que
podem ser melhor abordadas nas consultas marcadas devem ser
desencorajados, de forma respeitosa, porém firme, a ligar sem
necessidade. Podem ser reassegurados de que todas as suas preocupações serão abordadas e que, se não houver tempo suficiente
durante a consulta regular, é possível marcar outro horário, mas
que questões que não sejam emergenciais deverão esperar até a
próxima sessão.
Seguimento
Muitos eventos podem perturbar a continuidade da relação médico-paciente. Alguns deles são rotineiros (p. ex., residentes que
terminam seu treinamento e mudam para outro hospital); outros
são imprevisíveis (p. ex., quando o médico adoece e não pode
continuar o acompanhamento). Os pacientes devem ser assegu-
Pacientes problemáticos e situações de
entrevista especiais
Quase todos os médicos tratam pacientes ditos problemáticos, não por causa de sua doença, mas porque entram em disputas de poder, são exigentes ou não cooperam. Sentir raiva e
ressentimento para com pacientes assim é uma qualidade humana natural, assim como tentar limitar o tempo gasto com
eles e esperar de forma secreta (ou explícita) que procurem
outro médico. Embora essas reações sejam compreensíveis, provavelmente tornam uma situação ruim ainda pior e interferem na missão principal do médico – proporcionar o melhor
cuidado possível. Entender alguns dos medos e conflitos ocultos que moldam o comportamento dos pacientes difíceis ajuda o médico a desenvolver paciência e maior compaixão e torna mais fácil proporcionar intervenções que sejam sólidas do
ponto de vista médico. Nessas situações especiais, as técnicas
de entrevista devem ser variadas, conforme as reações da personalidade do paciente, o tipo e gravidade da doença e o objetivo da entrevista, podendo-se usar graus variados de permissividade e direcionamento. Para pacientes diferentes, indicamse abordagens diferentes, e a estratégia para um mesmo paciente
pode ser alterada quando necessário.
Pacientes histriônicos. Os pacientes histriônicos têm um
estilo dramático, emotivo e impressionante. Podem ser sedutores
para com seus médicos e outras pessoas, por necessidade de serem tranqüilizados e por medo de que não sejam levados a sério,
a menos que se sintam sexualmente desejáveis. Muitas vezes, passam uma impressão de ser excessivamente emotivos e galanteadores. O médico deve ser calmo, tranqüilizador e acolhedor para
com tais indivíduos. A maioria deles não deseja realmente seduzir o médico, mas desconhece outras formas de obter a atenção
de que necessita.
28
COMPÊNDIO
DE PSIQUIATRIA
Pacientes dependentes. Alguns parecem necessitar de uma
quantidade excessiva de atenção e, ainda assim, nunca parecem
tranqüilos. Esses são os pacientes que provavelmente darão telefonemas repetidos entre sessões marcadas e exigirão consideração
especial. O médico deve ser firme ao estabelecer limites, enquanto tranqüiliza o paciente de que suas necessidades estão sendo
levadas a sério e tratadas de maneira profissional.
Pacientes exigentes. Têm dificuldade para protelar gratificações e exigem que seu desconforto seja eliminado imediatamente. Frustram-se facilmente e podem se tornar petulantes ou
até zangados e hostis se não obtiverem imediatamente o que desejam. Podem cometer um ato autodestrutivo e impulsivo se forem contrariados e são manipuladores, vivendo em busca de atenção. Contudo, por trás de seu comportamento superficial, talvez
estejam sentindo medo de que nunca tenham o que necessitam
dos outros e, portanto, pensam que devem agir dessa forma
inadequadamente agressiva. Podem ser um tanto difíceis para
qualquer médico tratar. É necessário ser firme com esses pacientes desde o começo e definir claramente o que é um comportamento aceitável ou inaceitável. Casos assim devem ser
tratados com respeito e atenção, mas também devem ser confrontados por seu comportamento, para que aprendam a ser
responsáveis por seus atos.
Pacientes narcisistas. Os pacientes narcisistas agem como
se fossem superiores a todos ao seu redor, incluindo o médico.
Manifestam uma grande necessidade de parecer perfeitos e desprezam pessoas que julgam limitadas. Podem ser rudes, impulsivos, arrogantes e exigentes. Em princípio, são capazes até de idealizar o médico, pela necessidade de que este seja tão perfeito quanto
eles próprios acham que são, mas a idealização pode logo se converter em desdém ao descobrirem que o médico é humano. Por
trás de sua superfície arrogante, os pacientes narcisistas sentem-se
desesperadamente inadequados e temem que os outros os enxerguem como são.
Pacientes desconfiados. Algumas pessoas, em geral aquelas que têm personalidade paranóide, apresentam uma desconfiança crônica e profundamente arraigada de que os demais desejam prejudicá-las. Elas interpretam eventos neutros como evidências de uma conspiração. São críticas e evasivas, às vezes chamadas de “colecionadores de mágoas”, pois tendem a culpar outras pessoas por todas as coisas ruins que ocorrem em suas vidas.
São extremamente desconfiadas e podem questionar tudo o que
o médico fizer ou disser. Este deve tentar manter uma abordagem
respeitosa, porém um pouco mais formal e distante com esses
pacientes, pois expressões de afeto normalmente aumentam as
desconfianças. É necessário explicar em detalhes cada decisão e
procedimento planejado e tentar responder de forma não-defensiva à desconfiança do paciente.
Pacientes isolados. Os pacientes isolados e solitários não parecem necessitar ou querer muito contato com outras pessoas. O
contato íntimo com o médico é visto de forma negativa, e eles
prefeririam cuidar de si mesmos sozinhos, sem a ajuda de terceiros, se fosse possível. Alguns pacientes isolados podem receber o
diagnóstico de transtorno da personalidade esquizóide. Estes são
retraídos, absortos em um mundo de fantasia e incapazes de falar
sobre seus sentimentos. O médico deve tratá-los com o máximo
respeito por sua privacidade e não esperar que respondam às suas
preocupações.
Pacientes obsessivos. Os pacientes obsessivos são organizados, pontuais e tão preocupados com detalhes que muitas vezes
não enxergam o quadro mais amplo. Costumam parecer pouco
emotivos, até indiferentes, em especial quando confrontados com
alguma coisa que os perturbe ou assuste. Têm uma grande necessidade de estar no controle de tudo o que ocorre em suas vidas e
podem lutar contra o seu médico sempre que sentirem que este
está impondo alguma decisão. No fundo, esses indivíduos temem
perder o controle e ficar impotentes e dependentes. Os médicos
devem tentar incluí-los em seu próprio cuidado e tratamento o
máximo possível. Devem explicar em minúcias o que está acontecendo e o que está sendo planejado, garantindo que o paciente
pode fazer escolhas para seu próprio benefício.
Pacientes queixosos que recusam ajuda. Alguns pacientes parecem se comunicar apenas após uma longa ladainha
de queixas e frustrações. Tendem a culpar os outros secretamente
por todos os seus problemas e fazer as pessoas se sentirem culpadas por não agirem ou não se preocuparem o suficiente. Podem
ser incapazes de expressar sentimentos de raiva diretamente e,
assim, manifestá-los de forma indireta ou passiva, atrasando-se
para consultas ou não pagando os honorários no momento certo.
Muitas vezes, podem considerar que fazem grandes sacrifícios pessoais. Quando alguém oferece ajuda, respondem dizendo: “Sim,
mas...”. Os médicos devem levar as queixas desses pacientes a
sério, mas sem encorajar o papel de doente. É necessário impor
limites firmes com relação à disponibilidade do médico. Ao mesmo tempo, pode-se oferecer a tranqüilidade de consultas freqüentes e regulares. O médico deve se envolver com seus familiares,
pois a família lida com o estilo difícil do paciente todos os dias e
pode se sentir frustrada, culpada e brava.
Pacientes manipuladores. Estes são descritos na terminologia psiquiátrica como portadores de traços de personalidade antisocial. Não parecem sentir culpa e, de fato, podem não ter consciência do que representa esse sentimento. Podem ser superficialmente cativantes, inteligentes e socialmente competentes, mas
essas são imagens que aperfeiçoaram ao longo dos anos de prática. Tais pacientes, muitas vezes, têm história de atos criminosos e
escapam por meio de mentiras e manipulação. Com freqüência,
simulam doenças – ou seja, fingem estar doentes conscientemente para obter algum objetivo específico, como seguro ou acesso a
narcóticos. Quando estão realmente doentes, deve-se tratá-los com
respeito, mas com um sentido de vigilância elevado. Se tiverem
história de violência, o médico pode se sentir ameaçado e deve
procurar auxílio sem constrangimento, não se considerando na
obrigação de atendê-los sozinho. Deve haver limites firmes ao
seu comportamento (p. ex., nenhuma droga pode ser trazida ao
hospital), e as conseqüências de transgressões devem ser especificadas e cumpridas. Se forem descobertos comportamentos inadequados, esses pacientes devem ser confrontados diretamente e
RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E
responsabilizados por seus atos. Eles costumam mentir, mas acreditar em suas mentiras não representa um fracasso profissional.
Os psiquiatras são treinados para identificar, entender e tratar
psicopatologias, e não para funcionar como detectores de mentiras. Enquanto um certo nível de desconfiança é essencial na prática da psiquiatria, clínicos determinados a nunca serem enganados abordarão os pacientes com suspeitas tão exageradas que o
seu trabalho terapêutico pode se tornar impossível.
Pacientes com culturas e origens diversas. Diferenças
de etnia, nacionalidade e religião e outras diferenças culturais significativas entre médico e paciente podem limitar a comunicação
e levar a mal-entendidos. Essas diferenças podem afetar a maneira como as pessoas se apresentam aos médicos, os tipos de sintomas e seu entendimento acerca das causas de doenças e da necessidade de tratamento. As diferenças culturais também podem interferir no estabelecimento da sintonia. O uso de honoríficos, o
nível de contato visual direto considerado adequado e apertos de
mão entre homens e mulheres, por exemplo, podem desencaminhar psiquiatras desavisados. O médico deve proceder com humildade e respeito, especialmente quando a origem do paciente
não lhe é familiar. Fazer perguntas sobre as diferenças é melhor
do que fazer suposições. Os pacientes não se sentirão ofendidos
quando o médico perguntar: “Será que entendi isso da forma
como você colocou?”.
Problemas adicionais surgem quando o médico e o paciente
falam línguas diferentes. Se for necessário um tradutor, é melhor
usar uma terceira pessoa que não esteja envolvida na relação, que
o paciente não conheça. Valer-se de parentes e amigos para traduzir pode limitar as coisas que o paciente se sentiria à vontade
para dizer e, inevitavelmente, causar distorções no relato. Os tradutores devem ser instruídos a traduzir literalmente o que o paciente disser – uma tarefa difícil até para os mais experientes tradutores profissionais. Muitos iniciantes tentarão impor organização e
significados a afirmações desorganizadas e sem sentido do paciente,
e algumas palavras e expressões não têm tradução.
TÉCNICAS DE ENTREVISTA
29
TABELA 1-9 Características e qualidades do médico,
conforme descritas por William S. Osler, M.D., em Aequanimitas
Imperturbabilidade
Presença de espírito
Discernimento claro
Tolerancia à
frustração
Paciência infinita
Caridade para com
outras pessoas
Busca da verdade
absoluta
Compostura
Bravura
Tenacidade
Idealismo
Equanimidade
Capacidade de manter calma e estabilidade
extremas
Autocontrole em situações de emergência ou
embaraçosas, para poder dizer ou fazer o
que for necessário
Capacidade de ter uma opinião informada inteligível e livre de ambigüidade
Capacidade de permanecer firme e de lidar
com insegurança e insatisfação
Capacidade ilimitada de suportar a dor ou as
dificuldades com calma
Ser generoso e prestativo, especialmente para
com os que têm necessidades e sofrimento
Investigar os fatos e procurar a realidade
Calma no pensar, na conduta e na aparência
Capacidade de enfrentar ou suportar eventos
com coragem
Ser persistente para alcançar um objetivo ou
aderir a algo de valor
Formar padrões e ideais e viver sob sua influência
Capacidade de lidar com situações estressantes com um temperamento tranqüilo e sereno
dade, humor e bondade. William Osler, médico e professor, discutiu em seu livro Aequanimitas as características e qualidades do
médico, que são resumidas na Tabela 1-9. Tratam-se de ideais
que devem ser perseguidos, mas que raramente são alcançados.
Os médicos (e outros provedores de serviços de saúde) precisam
ser tolerantes com relação aos limites daquilo que podem realizar
de forma realista e honesta.
REFERÊNCIAS
PRESSÕES SOBRE O MÉDICO
Além da vasta quantidade de conhecimento e das habilidades
necessárias para a prática da medicina, o médico também deve
desenvolver a capacidade de equilibrar uma preocupação solidária com uma objetividade impassível, a vontade de aliviar a dor
com a capacidade de tomar decisões dolorosas, e o desejo de curar
e controlar com a aceitação das limitações humanas. Aprender a
coordenar esses aspectos inter-relacionados do papel do médico é
essencial para lidar de forma produtiva com um trabalho cotidiano que envolve doenças, dor, tristeza, sofrimento e morte. A falta
de equilíbrio pode fazer o médico sentir-se saturado e deprimido.
Uma sensação de inutilidade e fracasso pode começar a permear
sua atitude, abrindo espaço para frustração e raiva com a profissão, com os pacientes e consigo mesmo. Muitas das pessoas atraídas para o campo da medicina são perfeccionistas, exigentes consigo mesmas e atentas a detalhes. Essas qualidades podem ser adaptativas – de fato, provavelmente são necessárias –, mas devem ser
equilibradas com doses saudáveis de autoconhecimento, humil-
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