Apontamentos sobre os Mitos Astecas

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Apontamentos sobre os Mitos Astecas1
Manoel Francisco da Silva
Sandra Rodrigues Eiterer
Alunos do Curso de Filosofia da UFJF.
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I – Introdução
Mircea Eliade, em seu livro Mito e Realidade, trata a temática do mito de um
ponto de vista estrutural. Trataremos dos mitos astecas (quatro sóis, criação do mundo e
criação do homem). A importância da mitologia asteca, entre outras, pré-colombianas, é
que ela nos proporciona sobremaneira, um referencial cultural para o pensamento latinoamericano.
Para o autor, mito é um fenômeno da cultura que conta uma história de um tempo
sagrado, mítico, de origem, onde os entes dessa história são sobrenaturais. Essa história é
verdadeira e ligada aos elementos sagrados da cultura; às vezes aparece como uma
1
Trabalho apresentado no Seminário de Temas Filosóficos, sob a orientação do Professor Ricardo Vélez
Rodríguez, no Departamento de Filosofia da UFJF, junho de 2007.
revelação primordial, como modelo da moral, que confere significado á existência humana.
É uma história de criação, dos primórdios, de início e fundamentação do cosmo, do mundo,
com a intervenção de entes sobrenaturais, que atuam de forma muitas vezes dramática. O
mito pode aparecer como uma revelação profética de um tempo futuro e sagrado, de uma
nova era revelada. Nas sociedades primitivas, o mito se encontra de forma viva e atua
diretamente no comportamento sócio-cultural nessas sociedades, no “contexto sócioreligioso original”2. Essa história, muitas vezes fantasiosa, mas significativa, revela uma
realidade vivida pelo homem, de forma alegórica. Reviver o mito na sua intenção original
é retornar ao tempo sagrado, é referência de conduta e do rito, ligado à tradição antiga ou
aos tempos dos antigos.
II – Os diferentes mitos
Conhecer os mitos é poder dominar determinado processo em que este é a base
explicativa, por isso, quem domina o mito, é aquele que conhece o processo do
acontecimento das coisas que foram relatadas no tempo sagrado. Recitar o mito em rituais
é como retornar ao tempo sagrado e faz com que as coisas aconteçam do modo narrado. É
o mago, o sacerdote ou o homem comum que procura, por exemplo ter uma boa colheita.
Quem conhece os mitos domina a natureza. Nesse sentido, os mitos possuem uma estrutura
que contêm características como: História dos atos e entes sobrenaturais; por ter uma
referência a uma realidade, possui um fundo de verdade mesmo que alegórica; dizem como
e porque as coisas existem de determinada maneira, o processo de vinda à existência e
estrutura das coisas; viver o mito é uma rememoração através de rituais sagrados. Viver o
mito é viver o tempo primordial. Entender os mitos é entender os modos de vida dos
homens de determinada cultura.
Os mitos podem ser cosmogônicos e de origem. A cosmogonia é a parte da história
mítica que narra o começo do mundo e desse modo a delimitação de como o mundo
chegou a determinado estado de coisas. A cosmogonia constitui-se no tempo mítico e, ao
recapitulá-la, chega-se a delinear a volta ao tempo mítico através de rituais ministrados
pelo líder religioso de uma determinada tribo. Os mitos de origem envolvem o tratamento
2
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1998.
do começo de cada coisa específica em determinada cultura, cada estado de coisas
específicas e sua evolução no tempo mítico.
Os mitos cosmogônicos e de origem são recitados, inclusive, nos processos de cura
de enfermidades dos doentes, que têm a necessidade de adentrarem ao tempo mítico para
se purificarem do que sofrem no momento da criação. A criação acontece novamente pela
invocação do xamã, que domina e conhece a cosmogonia, através do chamado de Deus,
que recria o mundo, para que o doente seja curado. Os mitos cosmogônicos e de origem são
recitados em vários momentos de perda da saúde, da mulher estéril, do velho moribundo,
enfermos físicos e psicológicos, como na tristeza, enfermos de guerra, etc. Os mitos
cosmogônicos e de origem são reiterados novamente na morte e depois desta, por ser uma
situação psicologicamente negativa e que deve ser ultrapassada, em que há uma nova
criação da vida através da rememoração, para que se continue a manutenção da vida
conforme as tradições dos antigos da tribo. Também, o mito de origem possui relevância
para os rituais de passagens das crianças e jovens da tribo em que a tradição é rememorada
para que não se perca os costumes. Os alimentos ingeridos pelo jovem remetem à
fertilidade da terra, portanto o período fértil, por exemplo, deve ser rememorado. No rito
de passagem, o jovem recita o mito cosmogônico de modo a justificar a sua saúde e
virilidade pelos meios dados pela mãe terra e que não deve ser esquecido. Cada ato dos
integrantes da tribo devem remeter ao mito de origem, que incita novamente a criação e a
manutenção da ordem do cosmo.
Recitar o mito é de extrema importância para a comunidade em um aspecto
coletivo. Este recitado coletivamente restaura o momento forte em que a vivência da
origem passa por todos os membros da comunidade. Geralmente realizados em locais
sagrados, específicos para o ritual. Eles envolvem, por exemplo, o momento em que a
fertilidade acontece em colheitas abundantes. Todo momento forte de rememoração
coletiva em locais especiais é seguido por uma seqüência temporal fraca, que marca o
intervalo entre uma rememoração e outra, mas que necessita de uma renovação periódica
pelos membros da comunidade.
A rememoração envolve vários momentos da criação do mundo, tais como a
“genealogia da família real, ou a história tribal, ou a história da origem das enfermidades e
dos remédios, e assim por diante.”3,, os mitos de origem estão ligados ao mito cosmogônico
num processo de prolongamento. Enquanto os mitos cosmogônicos se referem à origem do
mundo, portanto, da totalidade das coisas, os mitos de origem dão continuidade a essa
criação, criando e derivando tudo o que é posterior à criação suprema do mundo. Do mito
emerge o rito num aspecto de renovação daquele.
A renovação está relacionada com a reconstrução de um ciclo temporal, como
ocorre no princípio de um ano ou o início de um novo período e que varia de cultura para
cultura. O ciclo temporal novo, inevitavelmente, nos remete à questão de um início e de
um fim de um determinado ciclo, em que a aproximação do fim é a aproximação do caos;
enquanto que o início do ano é motivo de festa para uma comunidade, representada por
ritos sacerdotais, festas orgiásticas, sacrifícios de humanos e de animais entre outras
atividades tribais. O ciclo novo invoca a criação, a restauração ligada à recriação do
cosmo. Mas o começo do ciclo envolve, inevitavelmente, o fim de outro ciclo, o momento
da falta e do caos, onde as coisas acabam por se desfazer. Ao aproximar o fim de um ciclo,
análogo ao fim do mundo, o homem encarna um sentimento nostálgico, com uma mistura
de esperança na chegada de um novo tempo de bonança, ou o recomeço do ciclo assim
como era nos tempos primordiais. É necessário acabar para recomeçar. Assim, a reflexão
mítica chega a descrever o fim ou a escatologia. Os mitos do fim estão relacionados à
punição e o início de uma nova humanidade, eles proclamam, muitas vezes, uma volta á
pureza humana, beatitude, purificação dos atos injustos através de uma volta às origens no
tempo mítico:
“Em suma, esses mitos do fim do mundo, implicando mais ou menos
claramente a recriação de um novo universo, exprimem a mesma idéia
arcaica e extremamente difundida de “degradação” progressiva do
Cosmo, requerendo sua destruição e sua recriação periódicas. Desses
mitos de uma catástrofe final, que será ao mesmo tempo o sinal
anunciador da iminente recriação do Mundo(...)”4
III – Os Astecas
Os Astecas5 chegaram ao vale do México procedentes do noroeste. As sete tribos
Astecas, guiadas por vários sacerdotes e caudilhos, e seguindo os desígnios do deus
3
4
5
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1998.
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1998, pág 58
Enciclopédia Barsa – 1998 - vol.2 (p.136/139)
Huitzilopochrli - ao passar pela cidade de Tula e várias outras cidades estabeleceram-se
em Chapultepec, onde ficaram famosos pela agressividade e pela prática de cruéis
sacrifícios. Numa das ilhas do lago Texcoco “a visão de uma águia que comia uma
serpente lhes indicou o lugar onde deveriam construir sua nova capital, Tenochtitlan
'lugar onde se fazem os deuses', fundada em 1325”. Por um longo período, eles
passaram por situações instáveis, sendo submetidos a pagar impostos aos tepanecas de
Azcapotzalco, mas por causa da grande agressividade deste povo, Tenochtitlan uniu-se a
Texcoco e Tlacopan (Tríplice Aliança), estendendo seus domínios pela zona ocidental do
vale do México. Entre 1440 a 1469 foram consolidadas as conquistas anteriores e
empreendidas outras, 'guerras floridas' com a finalidade de fazer prisioneiros para
sacrifícios religiosos. Nos anos de 1480, além do econômico houve grande
desenvolvimento artístico e arquitetônico que já estavam em processo em décadas
anteriores. Em 1502, Montezuma continuou a política imperialista de seus precursores,
fortalecendo o poder monárquico, ocasião em que já havia grande descontentamento entre
os povos submetidos pela Tríplice Aliança. Em 1519, o império Asteca contava com uma
população de aproximadamente 6.000.000 de habitantes distribuídos numa superfície de
mais de 200.000 km2, ocasião em que fez contato com os conquistadores espanhóis que
foram amistosamente recebidos acreditando que Hernán Cortés era a encarnação do
deus Querzalcóatl. Em 1521, a capital foi dominada pelas forças espanholas de Cortés,
favorecendo a conquista de todo o império, que em 1534 passou a ser Vice-Reino da Nova
Espanha ou México. A base da economia se fundamentava na plantação de milho, pimenta,
feijão, dentre outros. Na política destaca-se a família patriarcal, com as suas formas de
ação e de dominação. Na cultura e na arte, destacam-se a escrita hieroglífica, entretanto, a
transmissão da cultura foi preferencialmente oral. No que concerne a educação podemos
perceber duas instituições, o 'telpochcalli' para os plebeus e o 'calmécac' para os nobres
(ensino rigoroso e disciplinado de história, religião, ofícios, treinamento militar, formação
moral...).
No âmbito religioso vemos uma teocracia e na visão cosmogônica eles
supunham viver na era do quinto sol (os quatro anteriores haviam acabado em catástrofes)
motivo ideológico para sustentar guerras a fim de capturar inimigos e sacrificá-los aos
deuses, objetivando proporcionar sangue para que o sol se mantivesse aceso, brilhando e
distribuindo vida pela Terra. O Panteão era o lugar onde o sincretismo (divindades de
variadas culturas) de tradição dualista que opunha deuses benfazejos aos destruidores, se
encontrava. A classe dirigente louvava suas divindades guerreiras, enquanto os
camponeses atribuíam a fertilidade ou as calamidades aos deuses agrícolas. Cada lugar,
cada profissão, agregava ao panteão asteca suas próprias divindades. Os membros do clero
(austeros e celibatários) procedentes das classes superiores estudavam a escrita e a
astrologia em suas próprias escolas, além de praticarem a mortificação e os cantos rituais.
Nos ofícios religiosos procedia-se o sacrifício de flores, animais e frequentemente de
humanos 'prisioneiros' e eventualmente 'voluntários'. Do exposto acima, fazemos uma
ligação com o mito da criação dos quatro sóis, como os deuses criaram o mundo e o
homem6.
IV – Os quatro sóis
Que representa os quatro 'sóis' Astecas? - Os Astecas acreditavam na existência
de quatro mundos ou quatro eras chamados 'sóis' que haviam existido antes de sua
existência. No primeiro mundo o sol estava quase em obscuridade e uns gigantes
poderosos, criados pelos deuses, recorriam a terra. Dois deuses irmãos Quetzalcóatl e
Tezcatlipoca, filhos dos primeiros criadores, começaram a discutir. Os dois queriam
iluminar a terra com sua luz e serem senhores da terra. Deste modo, começou uma luta
cósmica. Quetzalcóatl golpeou Tezcatlipoca com seu bastão e o precipitou no oceano, de
6
(Vélez, Ricardo. Seminário sobre a filosofia dos mitos e lendas indígenas, UFJF, 2004, pág. 23-25)
onde Tezcatlipoca emergiu na forma de um jaguar gigantesco e começou a devorar os
gigantes até acabar com todos eles. Assim acabou este sol da terra.
No segundo sol (sol de vento 'ar'), Quetzalcóatl criou uma raça de homens, mas
Tezcatlipoca os atacou, fez soprar fortes ventos 'ar' e quase logrou varrer todos eles da
terra. Os que caíram tiveram que transformar-se em macacos para poder adaptar-se ao
meio ambiente tão hostil e refugiar-se nas árvores da selva.
No terceiro sol (um sol de fogo), Quetzalcóatl originou uma explosão vulcânica de
tal magnitude que quase destruiu tudo com uma chuva de fogo. Para poder escapar para
bem longe, os sobreviventes se converteram em belas aves e mariposas.
No quarto sol (um sol de água), uma gigantesca inundação derrubou as montanhas
e o céu se rebelou contra a terra. Os habitantes do mundo se transformaram em peixes.
Um homem e uma mulher lograram sobreviver flutuando em um tronco. Graças a um
milho que havia guardado, puderam alimentar-se até que o nível das águas se
regularizasse. Quando desceram do tronco, capturaram muitos peixes e os colocaram em
uma fogueira para assá-los. Mas a fumaça chegou ao céu e irritou os deuses. Cheio de
ira, Tescatlipoca desceu à terra e cortou a cabeça de ambos e as colocou no extremo
oposto de seu corpo não lhes restando outra alternativa que caminhar sobre pés e mãos.
Ainda que não creias, este é o verdadeira origem dos cachorros!
Como foi criado o mundo? - Outro mito asteca, descreve a Tlaltecuhtli, a deusa da
terra, como uma besta cruel com várias bocas cheias de dentes afiados que tudo
devoravam. Quetzalcóatl e Tezcatlipoca observaram a Tlaltecutli quando cruzava o
oceano, enquanto buscava alimento com suas bocas famintas. Indignados com a presença
desse monstro repulsivo que acabava com toda a vida que eles criavam, decidiram destruílo.
Desceram
do céu, se transformaram em serpentes gigantescas e atacaram a
Tlaltecuhtli. Quetzalcóatl assou uma pata, Tezcatlipoca tomou a outra e seguiram em
direções opostas, partindo o monstro em dois. Com uma metade do corpo, Quetzalcóatl e
Tezcatlipoca criaram a terra, e com a outra metade, criaram o céu.
Os cabelos de Tleltecuhtli se tornaram flores, ervas e árvores dos bosques. A pele
da deusa se transformou em formosos campos; de seus olhos brotaram poços, mananciais
e se formaram cavernas; as bocas deram origem ao nascimento dos rios e o seu nariz
formou montanhas e vales.
Entretanto, para proporcionar aos homens os frutos e alimentos que os permitiram
subsistir, Tlaltecuhtli exigiu um pagamento de sangue: corações humanos. Por esta razão,
oferecer sacrifícios humanos a Tlaltecuhtli era, para os Astecas, um ritual obrigatório
posto que, se não praticá-lo de maneira regular, a deusa deixaria de produzir alimentos e
o povo morreria de fome.
Como os deuses enfim criaram os homens?
Depois de criar o mundo, os deuses decidiram criar os homens. Os demais deuses
ordenaram a Quetzacóatl a descer ao mundo inferior, o Mietlán, e recuperar os ossos dos
homens que haviam sido transformados em peixes. Mas neste lugar reinava
Mietlantecuhtli, quem lhe prometeu a Quetzalcóatl dar-lhe os ossos com a condição de
que levaria a cabo a tarefa que lhe indicara. Ordenou a Quetzalcóatl tomar uma concha
e soprar nela nas quatro direções de Mictlán. Mas o sabido Mietlantecuhtli lhe deu uma
concha que não tinha orifícios por onde soprar. Quetzalcóatl pediu aos insetos que
fizessem orifícios na concha, e as abelhas que entraram na concha criaram forte zumbido.
Depois que cumpriram o encargo, Quetzalcóatl tomou os ossos e saiu. No entanto,
Mietlantecuthtli intentou detê-lo de novo. Esta vez o deus de Mietlán ordenou a seus
súditos cavar um poço profundo. Enquanto que Quetzalcóatl seguia correndo, um pássaro
lhe tapou os olhos e o fez cair no poço. Os ossos escaparam de suas mãos e alguns se
quebraram ao cair. Esta é a razão porque os homens são de tamanhos diferentes, alguns
altos outros baixos. Quetzalcóatli saiu do poço e por fim logrou escapar de Mietlán. Ao
regressar com os demais deuses ele entregou os ossos a uma deusa velha e esta os moeu
até convertê-los num pó fino no qual os demais deuses verteram seu próprio sangue. Com
esta mescla, os deuses criaram os primeiros seres humanos.
VI - Bibliografia:
Astecas, da grandeza à tragédia. In: Revista História Viva – Ano IV – Nº 44.
CARDOSO, Ciro Flamarion. América pré–colombiana. São Paulo: Brasiliense. 1981.
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva. 2006.
LEHMANN, H. As civilizações pré-colombianas. São Paulo: Difusão Européia do Livro,
s/d.
VELEZ, Ricardo. R. - Apostila do seminário sobre a Filosofia dos mitos indígenas. Juiz
de Fora: UFJF - Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos, 2004.
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