http://dx.doi.org/10.5540/DINCON.2011.001.1.0066 259 INFLUÊNCIA DOS GASES ESTUFA NA DINÂMICA DO MODELO DAISYWORLD Flavio Maggessi Viola 1, Marcelo Amorim Savi 2 1 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPE – Departmento de Engenharia Mecânica, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPE – Departmento de Engenharia Mecânica, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected] Resumo: Este trabalho discute a modelagem matemática do aquecimento global, baseada no modelo Daisyworld que representa a regulação planetária através da interação entre a vida (populações de margaridas) e o ambiente (temperatura). O modelo proposto incorpora uma variável relacionada aos gases estufa. Simulações numéricas mostram diferentes cenários associados ao aquecimento global. Palavras-Chave: Daisyworld, dinâmica de biossistemas. aquecimento global, 1. INTRODUÇÃO Com o objetivo de representar o equilíbrio de um sistema climático, [1-3] descrevem o modelo Daisyworld (planeta das margaridas) para demonstrar que a regulação global do planeta pode ocorrer pela interação entre a vida e o ambiente. Daisyworld é um planeta imaginário semelhante ao planeta Terra, iluminado por um sol que aumenta a sua produção de calor à medida que envelhece. Sua atmosfera é transparente, não possui nuvens e também não existem gases estufa, com toda sua superfície fértil e poucos oceanos [4]. Sua população é composta de margaridas de diversas cores, e em um caso particular, brancas e pretas. Este modelo surgiu para testar a Teoria de Gaia que descreve que o sistema planetário se auto-regula pela interação da vida (populações) e o ambiente (temperatura). A primeira menção sobre Gaia ocorreu em um artigo publicado pelo cientista britânico James Lovelock, em 1972. Em 1983, foi desenvolvido o modelo original do Daisyworld apresentando as equações que governam o sistema [5]. Mais tarde, [4] propôs a existência de populações de margaridas de outras cores além das pretas e brancas do seu modelo original. Em [6] foram estudados os efeitos da evolução adaptativa do Daisyworld permitindo que as margaridas tivessem sua temperatura ótima de crescimento deslocada eliminando a capacidade homeostática do Daisyworld. Restrições nas condições ambientais foram propostas em [7]. Posteriormente, esses dois trabalhos foram consolidados em [8]. Através da introdução de uma fonte extra de competição às equações que descrevem a interação entre as espécies de margaridas, tenta-se constatar que a temperatura do planeta estará ainda numa faixa adequada para a vida [9]. Daisyworld foi também estudado segundo um modelo bidimensional com a introdução de uma curvatura na superfície buscando analisar o efeito na interação do meio ambiente caso houvesse a ocorrência de uma catástrofe [10]. Com base no modelo zero dimensional proposto em 1983 por James Lovelock, foi estudado um modelo unidimensional incorporando-se uma distribuição da radiação solar recebida e uma difusão de calor consistente com um planeta esférico [11]. Em [12] apresentou uma revisão geral da literatura associada ao Daisyworld, enfatizando suas principais características e suas diferentes abordagens para a análise, relatando a capacidade de descrever tanto os fenômenos locais quanto globais [13,14]. O fenômeno do aquecimento global pode ser investigado através de uma perspectiva dinâmica considerando duas abordagens: análise de séries temporais de temperatura [15] e modelagem matemática [16-17]. O modelo Daisyworld pode incorporar uma variável relacionada aos gases de efeito estufa possibilitando a análise do aquecimento global [16]. Em [17] considera-se a evolução do transiente de temperatura e a variabilidade climática considerando uma variação senoidal da luminosidade solar. Uma questão importante relacionada ao aquecimento global é a preocupação com a sua reversibilidade. Em outras palavras, é importante saber se a redução das emissões dos gases estufa é suficiente para fazer a temperatura do planeta, retornar a valores do passado. Neste trabalho, apresentam-se simulações numéricas que representam diferentes cenários da concentração dos gases estufa analisando o comportamento com o modelo proposto. 2. O MODELO MATEMÁTICO O primeiro passo da modelagem é a definição da vida, representada pelas margaridas, cuja evolução é descrita pela equação geral a seguir, onde i (i 1,2,...N ) representa a área coberta pela população das diferentes margaridas: (1) o ponto sobre a variável representa a derivada no tempo, é a variável da taxa de crescimento dependente da temperatura, é um parâmetro que representa a taxa de mortalidade e é a fração de área descoberta do planeta. As cores das margaridas definem a quantidade de absorção de energia e o equilíbrio entre as populações de margaridas pode controlar a temperatura do planeta. Uma 260 Influência dos gases estufa na dinâmica do modelo Daisyworld Flavio Maggessi Viola, Marcelo Amorim Savi. primeira abordagem a este modelo arquétipo é considerar apenas duas populações de margaridas: pretas, αb e brancas, αw. As Margaridas pretas absorvem mais energia, enquanto margaridas brancas absorvem menos energia. Com a finalidade de incorporar os gases estufa no Daisyworld, uma nova população é incluída na modelagem. A idéia é representar o aumento do albedo devido ao efeito desses gases, representados pela variável G. Nesse contexto, à inclusão do efeito estufa, variável G, tem um efeito semelhante às margaridas pretas. Portanto, o modelo proposto é escrito como no modo clássico, mas agora existe uma função que estabelece o histórico de gases de efeito estufa: (2) A variável é a fração de área descoberta do planeta representada por: temperatura média global, aproximando-se um pouco mais da situação real. (8) onde L (adimensional) é a luminosidade solar e S é a constante solar que estabelece a energia solar média, SL; σ é a constante de Stefan-Boltzmann, baseada na lei de StefanBoltzmann, que permite calcular a quantidade de radiação emitida a partir da temperatura do corpo negro [22], éa derivada da temperatura no tempo e c é uma medida da capacidade térmica média ou inércia térmica do planeta. Uma das principais diferenças entre as mudanças climáticas e a variabilidade climática é a persistência de condições anômalas. Para investigar o efeito da variabilidade climática no Daisyworld, assume-se que a luminosidade solar apresenta uma variação senoidal representada a seguir: (9) (3) Aqui, p representa a proporção de terra disponível para o crescimento das margaridas e N representa a biodiversidade relativa ao número de populações envolvidas no sistema. O albedo planetário médio do Daisyworld, A (adimensional), pode ser estimado a partir do albedo individual de cada população ( para as margaridas, para a terra nua e G para os gases de efeito estufa) por: Observe, que podendo descrever um crescimento linear, por exemplo, e o termo representa uma perturbação que pode ser associada com a variabilidade climática. A forma da função i é geralmente considerada como uma função simétrica tipo sino, que representa a taxa de crescimento das populações de margaridas, em função da temperatura local Ti: (4) As temperaturas locais de cada população e a temperatura da terra descoberta são dadas através de aproximações em transferência de calor [18,19]. A equação fornece o grau de conexão entre os conjuntos de margaridas e independe da introdução de um espaço explícito. As temperaturas locais das margaridas, da área descoberta do planeta e dos gases, respectivamente, e são, portanto, definidas como segue: (5) (6) (7) onde T é a temperatura média global do Daisyworld, e q é uma constante usada para calcular a temperatura local em função do albedo (uma medida do grau de isolamento entre as regiões da superfície do planeta [20]), que é equivalente a q’ = 20 utilizado em [5]. A equação diferencial implementada em [21] é utilizada, Equação 8. Assim, o modelo passa a apresentar características oscilatórias tanto no comportamento das populações de margaridas quanto na (10) onde Topt é a temperatura ótima, geralmente assumida como Topt = 295,5 °K = 22,5 °C. O parâmetro k representa o tamanho da parábola, sendo definido a fim de estabelecer as condições favoráveis à vida das populações, por exemplo, entre 5°C e 40°C, k=17,5. Para temperaturas abaixo de 5°C e acima de 40°C a taxa de crescimento é zero e para a temperatura 22,5 °C a taxa de crescimento é máxima [5]) Do mesmo modo, B altera estes valores de forma a representar diferentes características ambientais. O modelo original considera que o valor de B é constante e igual a 1. 3. SIMULAÇÕES NUMÉRICAS Para a simulação numérica do modelo Daisyworld aplica-se o método de integração Runge-Kutta de quarta ordem. Um estudo de convergência é feito comparando a diferença nos resultados simulados com diferentes passos. Os parâmetros assumidos para as simulações numéricas são os seguintes: q = 2,06×109 K4, = 5.67×10-8 W/m2 K4, S = 917 W/m2, c = 1000 J/m2Ks, = 0,75 (brancas), = 0,25 (pretas), = 0,5, = 0,25, L0 = 0,1, w = 0.01 e as condições iniciais: αb = αw = 0,01 e T = 280 K. 261 A fim de observar a capacidade de reversibilidade do fenômeno do aquecimento global e o comportamento da temperatura e das populações de margaridas, são feitas simulações variando os parâmetros de carga da luminosidade e dos gases estufa (G) e os resultados são apresentados nas Figuras 1-9 (sendo o painel esquerdo – evolução das populações e painel direito – evolução da temperatura). Na Figura 1, é constante e o gás cresce linearmente fazendo com que a temperatura permaneça estabilizada por um tempo e aumente quando o gás atinge um determinado valor. Na Figura 2, a estabilização do gás, partir de um determinado valor, faz com que a temperatura e as populações também permaneçam estabilizadas. Fig. 4. 0,75 Fig. 5. 0,75 Fig. 1. Fig. 2. e 0,0 ≤ G ≤ 0,8 ≤ 1,0 e 0,0 ≤ G ≤ 0,4 e estabiliza em 0,4 Na Figura 6, o gás inicialmente cresce linearmente por um determinado tempo, em seguida sofre uma redução e estabiliza em um determinado valor. A temperatura permanece estabilizada até um determinado valor do gás quando então começa aumentar. Enquanto o gás vai reduzindo a temperatura também vai reduzindo até que o gás estabiliza. Neste ponto a temperatura voltar a subir em função do aumento da luminosidade. e 0,0 ≤ G ≤ 0,4 e estabiliza em 0,4 Na Figura 3, Observa-se que com a luminosidade constante, devido à redução das emissões dos gases estufa a temperatura retorna ao patamar anterior e estabiliza, fazendo com que a dinâmica da temperatura e das populações acompanhem esse comportamento. Fig. 3. ≤ 1,0 e 0,0 ≤ G ≤ 0,8 Fig. 6. e G cresce de 0,0 a 0,8 e decresce a 0,4 e estabiliza em 0,4 Na Figura 7, o gás cresce linearmente até atingir um valor máximo e em seguida decresce até 0,0. Neste caso a temperatura inicialmente permanece estabilizada até um determinado valor do gás quando então começa aumentar. Enquanto o gás vai reduzindo a temperatura também vai reduzindo até que o gás atinja o valor 0,0. Neste momento, a temperatura e as populações voltam a oscilar até um determinado valor da luminosidade. A temperatura volta a subir em função do aumento da luminosidade. e G cresce de 0,0 a 0,8 e decresce a 0,4 e estabiliza em 0,4 Nas próximas simulações é considerada a luminosidade crescente, introduzindo um comportamento oscilatório na temperatura e nas populações. Na Figura 4, a temperatura permanece estabilizada por um tempo aumentando a partir de um determinado valor do gás. Na Figura 5, apesar da estabilização do gás a temperatura continua aumentando em função do aumento da luminosidade. Fig. 7. 0,75 ≤ 1,7 e G cresce de 0,0 a 0,8 e decresce a 0,0 e estabiliza em 0,0 262 Influência dos gases estufa na dinâmica do modelo Daisyworld Flavio Maggessi Viola, Marcelo Amorim Savi. 3. CONCLUSÕES Uma análise mais geral do Daisyworld foi realizada considerando o comportamento da luminosidade solar e dos gases estufa. Com isso pode-se observar a influência dessas variáveis na dinâmica do Daisyworld. Em geral, esses gases tendem a aumentar a temperatura do planeta, acelerando a morte das populações e diminuindo a capacidade de regulação global. Outro ponto importante é em relação à reversibilidade do fenômeno do aquecimento global. Simulações mostraram que mesmo a partir da redução e estabilização das emissões de gases de efeito estufa, a temperatura voltou a aumentar o seu valor, em função do aumento da luminosidade embora o gás tenha permanecido estabilizado em valores constantes. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer o suporte do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). 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