Universidade Federal de Uberlândia PROGRAD – Pró Reitoria de Graduação A VIDA DE GALILEU Bertholt Brecht CENA: Obs: cena com diálogos adaptados para fins da prova de Habilidades Específicas do Curso de Teatro/UFU Quarto de estudos de Galileu, em Pádua (ano de 1610). Galileu e um amigo, Sagredo, observam pelo telescópio os movimentos de alguns corpos celestes – as estrelas de Júpiter —, os quais contrariam as idéias de Ptolomeu, até então propaladas, de que os astros estavam pregados em esferas de cristal. Galileu - Olhe Júpiter (acerta o telescópio), junto dele estão quatro estrelas menores, que só se vêem pelo telescópio. Eu as vi na segunda-feira, mas não fiz muito caso de sua posição. Ontem, olhei outra vez. Eu jurava que todas as quatro tinham mudado de lugar. Eu tomei nota. Estão diferentes outra vez. O que é isso? Se eu vi quatro. (Agitado) Olhe você! Sagredo - Eu vejo três. Galileu - A quarta onde está? Olhe as tabelas. Vamos calcular o movimento que elas possam ter feito. Excitados, sentam-se e trabalham. O palco escurece, mas no horizonte continua-se a ver Júpiter e seus satélites. Quando o palco clareia, ainda estão sentados, usando capotes de inverno) Galileu - Está provado. A quarta só pode ter ido para trás de Júpiter, onde ela não é vista. Está aí uma estrela que tem outra girando à sua volta. Sagredo - Mas e a esfera de cristal, em que Júpiter está fixado? Galileu - De fato, onde é que ela ficou? Como pode Júpiter estar de fato fixado, se há estrelas girando em volta dele? Não há suporte no céu, não há ponto fixo no universo! É outro sol! Sagredo - Calma, você pensa depressa demais! Galileu - Que depressa nada! Acorda, rapaz! O que você está vendo nunca ninguém viu! Eles tinham razão. Sagredo - Quem? Os copernicanos? Galileu - E Giordano Bruno, o queimado-vivo, também! O mundo todo estava contra eles e eles tinham razão. Andrea, meu aprendiz, é que vai gostar. (Corre para a porta e grita pela governanta da casa e mãe de Andrea) Dona Sarti! Dona Sarti! Sagredo - Galileu, você precisa se acalmar! Universidade Federal de Uberlândia PROGRAD – Pró Reitoria de Graduação Galileu - Sagredo, você precisa se animar! Dona Sarti! Sagredo - (desvia o telescópio) Você quer parar de gritar como um louco? Galileu – Você quer parar de fazer cara de peixe morto, quando a verdade foi descoberta? Sagredo – Eu não estou fazendo cara de peixe morto, eu estou tremendo de medo de que seja mesmo verdade. Galileu – O quê? Sgredo – Mas você não tem um pouco de juízo? Não percebe a situação em que fica, se for verdade o que está vendo? Se você andar por aí gritando pelas feiras que a Terra é uma estrela e que não é o centro do universo? Galileu – Sim senhor, e que não é o universo enorme, com todas as suas estrelas, que gira em torno de nossa Terra, que é ínfima — o que, aliás, era de se imaginar. Sagredo – E que, portanto, só existem estrelas! E Deus, onde é que fica? Galileu – Eu sou teólogo? Eu sou matemático. Sagredo – Antes de tudo você é um homem, e eu pergunto: onde está Deus no teu sistema do mundo? Galileu – Em nós, ou em lugar algum. Sagredo – A mesma fala do queimado-vivo? Por isso ele foi queimado! Não faz dez anos! Galileu, eu sempre o conheci como um homem de juízo. Durante anos, seguindo a linha de Copérnico, você tem ensinado a centenas de alunos o sistema de Ptolomeu, adotado pela Igreja, confirmado pela Escritura e sobre o qual a Igreja repousa — mesmo o achando errado. Galileu – Porque eu não podia provar nada. Mas eu acredito no homem, e isso quer dizer que acredito na sua razão. Sem essa fé eu não teria força de sair da cama pela manhã. Sim senhor, eu acredito na força suave da razão. A longo prazo, os homens não lhe resistem, não agüentam. Ninguém se cala indefinidamente (deixa cair uma pedra de sua mão), se eu disser que a pedra que caiu não caiu. Não há homem capaz disso. A sedução do argumento é grande demais. Ela vence a maioria, todos, a longo prazo. Pensar é um dos maiores prazeres da raça humana.