MANIPULAÇÃO E VALIDAÇÃO DE REVESTIMENTO GASTRORRESISTENTE DE CÁPSULAS CONTENDO ÁCIDO ACETILSALICÍLICO Rocio, Karla Heloísa 1, Oliveira, Bárbara Augusta de Mont’ Serrat 1, Moreira, Mary Lucy 2, Silva, Taízia Dutra 2 RESUMO A via oral é a via de administração de medicamentos mais segura, mais conveniente e a maior parte dos medicamentos são administrados por ela. Cápsulas resistentes ao trato gastrintestinal são freqüentemente usadas com diversos propósitos. O revestimento se faz necessário quando as substâncias medicamentosas provocam irritação na mucosa gástrica, para prevenir o efeito emético e liberar o fármaco no intestino delgado e para que os mesmos não sofram interferência do suco gástrico. Neste trabalho foram manipuladas cápsulas gastrorresistententes contendo ácido acetilsalicílico (AAS), porque o mesmo pode provocar irritação na mucosa estomacal. As cápsulas desenvolvidas foram avaliadas segundo critérios de variação de peso, desintegração, resistência ácida e avaliação do perfil e cinética de liberação. Observou-se que as cápsulas revestidas com formol indicaram bons resultados quanto à desintegração e evidenciaram que a forma farmacêutica preservou as características físico-químicas do fármaco. No entanto, são recomendados mais estudos complementares para aperfeiçoamento e melhoramento da técnica. Palavras-chave: cápsula, ácido acetilsalicílico, gastrorresistente. ABSTRACT The oral route is via the drug delivery safer, convenient and most drugs are administered through it. Capsules resistant to the gastrointestinal tract are often used for several purposes. The coating is required when the drug substances cause irritation to the gastric mucosa to prevent the emetic effect and release the drug in the small intestine and that they do not suffer interference from the gastric juice. In this study we manipulated gastroresistententes capsules containing acetylsalicylic 1, Farmacêutica graduada pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais; 2. Professora do curso de Farmácia do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UnilesteMG. Email para correspondência - [email protected] acid (ASA), because it can irritate the stomach lining. The capsules were evaluated according to criteria developed for weight variation, disintegration, acid resistance and evaluation of the profile and release kinetics. It was observed that the formaldehyde coated capsules showed good results with regard to disintegration and demonstrated that the pharmaceutical form preserved the physico-chemical characteristics of the drug. However, further studies are recommended for further refinement and improvement of the technique. Keywords: capsule, acetylsalicylic acid gastro INTRODUÇÃO A ingestão oral é o método mais comumente utilizado para administrar os fármacos. Também é o mais seguro, conveniente e econômico. Suas desvantagens são a absorção limitada de alguns fármacos em função de suas características (por exemplo, hidrossolubilidade); vômitos causados pela irritação da mucosa gastrointestinal; destruição de alguns fármacos pelas enzimas digestivas ou pelo pH gástrico baixo; irregularidade na absorção ou propulsão na presença de alimentos ou outros fármacos; e necessidade de contar com a colaboração do paciente. Além disso, os fármacos presentes no trato gastrintestinal podem ser metabolizados por enzimas da flora ou mucosa intestinal ou do fígado, antes que possam alcançar a circulação sistêmica (BRUNTON, 2007). As maiores vantagens das cápsulas frente às demais formas farmacêuticas de administração oral são: melhor adesão ao tratamento por parte do paciente por mascararem sabor e gosto desagradáveis e ser de fácil deglutição; a infinidade de cores e impressões possíveis faz com que sejam mais atraentes e reduzam o risco de confusões e misturas por permitirem fácil diferenciação entre diferentes princípios ativos e dosagens; a redução de problemas de estabilidade por protegerem muitas drogas sensíveis a ação da luz, do ar e umidade; e em geral, requerem menor quantidade de excipientes e equipamentos, o que elimina algumas etapas de fabricação do medicamento e torna sua produção mais fácil, rápida, barata e possível de ser manipulada em farmácias magistrais (FERREIRA, 2006). Cápsulas resistentes ao trato gastrintestinal são freqüentemente usadas com diversos propósitos. Estas cápsulas promovem eficácia farmacológica ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.3, p46-54, abr/jul. 2012. e farmacocinética de substâncias que são instáveis em meio ácido ou protegem a mucosa gástrica de substâncias que provocam irritação, previnem o efeito emético e a degradação de fármacos ácido-lábeis, retardam a absorção do fármaco e/ou permitem que os mesmos sejam liberados em regiões mais distantes do intestino visando respostas terapêuticas melhores sem que sofram interferência do suco gástrico (SANTOS, 2005). Além desses propósitos, as cápsulas gastrorresistentes podem ser utilizadas com o objetivo de promover liberação entérica de um fármaco que tenha ação local, ou seja, no intestino. Devido a estes fatores que modificam a resposta terapêutica de um fármaco, as cápsulas gastrorresistentes passam por um processo de revestimento no seu invólucro ou no seu conteúdo para que sejam alteradas a velocidade e o lugar de liberação do princípio ativo (FLORENCE, ATTWOOD, 2003; LE HIR, 1997). Portanto, estas cápsulas também conhecidas como forma farmacêuticas de liberação entérica resistem sem alteração à faixa fisiológica de pH do estômago (pH 1,0 a 3,0) e, em contra-partida, desintegram-se facilmente no pH intestinal (pH 6,0 a 8,0), assim, liberando o fármaco veiculado. Entretanto, segundo Pina e colaboradores (1996) a dificuldade farmacotécnica para produção do revestimento externo das cápsulas é devido à natureza lisa, não porosa e não absortiva das mesmas, resultando na dificuldade de se obter estabilidade no revestimento. Uma revisão da literatura sobre o emprego do formaldeído em cápsulas de revestimento entérico demonstrou que os parâmetros mais importantes em gelatina-formaldeído reticulação são: a concentração de formaldeído e tempo de contato com o formaldeído, temperatura, umidade relativa e tempo de armazenamento (PINA, et al.,1996). Já a goma laca tem sido tradicionalmente usada como um material de revestimento entérico, uma vez que possui um mecanismo de dissolução dependente de pH. A formilação de cápsulas gelatinosas consiste na desnaturação da proteína representada pela gelatina, pela reação do formol com as funções amina primária da lisina e arginina que fazem parte da sua composição, formando ligações cruzadas entre os resíduos da gelatina (PINA et al., 1996). Devido à volatilidade, baixo custo, fácil acesso e a característica desnaturante do formol, ele foi o composto escolhido para o revestimento enterosolúvel. ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.3, p46-54, abr/jul. 2012. O tratamento das paredes das cápsulas gelatinosas duras por agentes desnaturantes tais como o formol, tem sido relatado por outros autores. Prista e colaboradores relatam que a princípio se utilizava as soluções de formaldeído bastante concentradas, mas foi observado que esta técnica originava um endurecimento interior dos invólucros gelatinosos; como conseqüência os respectivos tempos de desintegração eram inconstantes e, por vezes, bastante elevados o que in vivo poderia significar uma não desintegração das cápsulas a nível entérico afetando a biodisponibilidade e eficácia do fármaco veiculado (PRISTA et al, 1995). Por esse motivo foi utilizada uma soluções de formol menos concentradas, na forma de soluções alcoólicas contendo 10% de formaldeído. O ácido acetilsalicílico (AAS) é um fármaco do grupo dos antiinflamatórios não-esteroidais (AINE) utilizado como antiinflamatório, antipirético, analgésico (OGA, 2003). Seu principal efeito adverso ocorre no estômago, devido à inibição da COX-1 (SILVA, 2002) causando ação local irritante. Após a administração oral de comprimidos simples, o ácido acetilsalicílico é rápida e completamente absorvido pelo trato gastrintestinal. Durante e após a absorção, é convertido em ácido salicílico, seu principal metabólito ativo. Porém em virtude do revestimento gastrorresistente, o princípio ativo não é liberado no estômago, mas sim no meio alcalino do intestino. Portanto, em comparação com os comprimidos simples, a absorção do ácido acetilsalicílico é retardada em 3 a 6 horas após a administração dos comprimidos com revestimento entérico (ANVISA, 2006). Devido a esta propriedade irritante da mucosa gástrica do AAS, neste trabalho foram desenvolvidas e avaliadas cápsulas gastrorresistentes contendo este fármaco. METODOLOGIA Foi realizada uma pesquisa experimental (CERVO, BERVIAN, 2002), no qual foram manipulados três lotes com 100 cápsulas de ácido acetilsalicílico cada. No primeiro lote, as cápsulas foram revestidas com formol antes do seu preenchimento, no segundo, foram revestidas após já estarem preenchidas com o ácido ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.3, p46-54, abr/jul. 2012. acetilsalicílico e o terceiro lote foi utilizado como referência, e não foi realizado revestimento (TABELA 1). Tabela 1: Tipos de revestimentos realizados nas cápsulas de AAS LOTES TIPO DE REVESTIMENTO 1 Formol (antes do preenchimento) 2 Formol (cápsulas cheias) 3 Sem revestimento (referência) Fonte: Dados da pesquisa Como excipiente utilizado para completar o volume das cápsulas foi preparado o DILUCAP que é composto de estearato de magnésio, talco, amido, lauril sulfato de sódio, aerosil. Para o revestimento foi utilizado uma solução alcoólica de formaldeído a 10%, na qual as cápsulas foram imersas por 5 minutos e depois secas a temperatura ambiente. Após o preparo, foi verificado o peso médio (PM) e o desvio padrão das cápsulas preparadas. Para tal, pesou-se uma cápsula por vez, fez-se a somatória de todas e dividiu-se por 100. Isso foi feito para os três lotes e assim chegou-se no PM. Através do PM calculou-se o desvio padrão que poderia ser até 5% segundo a Farmacopéia Brasileira IV. O PM estabelece um indicador para a qualidade do processo de encapsulação do medicamento e verifica a eficiência do manipulador e a quantidade correta de pó no interior das cápsulas. Após a realização do PM é importante aplicar os cálculos de porcentagem de desvio em relação ao PM. Este último é um indicativo se houve um preenchimento uniforme das cápsulas. Calculouse a porcentagem de desvio, por meio da fórmula: PM ___________________100% PM (peso individual) ______X% de desvio Na segunda etapa, procedeu-se a validação do revestimento. Dos lotes preparados foram utilizadas 25 cápsulas de cada e, colocadas separadamente, em três béqueres contendo 50 ml de HCl 0,1 M cada, em banho-maria a 37° por uma hora. Logo após 60 minutos as cápsulas foram retiradas de cada béquer e ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.3, p46-54, abr/jul. 2012. colocadas em béqueres contendo NaOH 0,1 M por 30 minutos. A desintegração, que é o tempo determinado para que as cápsulas se desfaçam foi observada. RESULTADOS E DISCUSSÃO Algumas das cápsulas revestidas com formol apresentaram, inicialmente, aparência quebradiça, opaca, frágil e algumas continham rachaduras que as anulavam para o teste de validação e foi preciso ser retiradas e descartadas das demais. Estas foram 30 das 100 cápsulas. Os resultados para peso médio estão descritos na TABELA 2. Tabela 2: Cálculo do desvio padrão com resultado de: LOTES PESO MÉDIO (g) DESVIO EM RELAÇÃO AO PM (5%) 1 0, 315 2 0, 245 3 0, 280 0,300 – 0,330 0, 232 - 0, 257 0, 266 - 0, 294 Fonte: Dados da pesquisa Através do cálculo do PM obtive no 1º lote um PM igual a 0, 315 e foi calculado o desvio padrão deste que poderia ser de até 5% para tal. O procedimento também foi realizado para o lote 2 que teve um PM igual a 0, 245 e para o 3º lote com PM igual a 0, 280. De acordo com o cálculo da porcentagem do DP foi indicado que os 3 lotes foram aprovados segundo o limite especificado pela Farmacopéia Brasileira IV. Na 2ª etapa, foi verificado a gastroresistência sendo que após 30 minutos as cápsulas de referência (lote 3) começaram a desintegrar-se em meio ácido. Ambos os lotes 1 e 2, não se desintegraram no mesmo meio após 30 minutos, o que nos indicou que o formol proporcionou o efeito desejado. Na 3ª etapa os lotes 1 e 2 foram imersos em meio mais básico (NaOH 0,1 M). Após 15 minutos imersas neste meio as cápsulas começaram a se desintegrar, como o esperado TABELA 3. ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.3, p46-54, abr/jul. 2012. Tabela 3: Tempo de desintegração das cápsulas AAS em meio básico (NaOH) LOTES TEMPO DE DESINTEGRAÇÃO (NaOH 0,1 M) 1 Início: 15 min 2 Início: 15 min Fonte: Dados da pesquisa Foram observadas as cápsulas no meio básico durante 30 minutos e a primeira cápsula teve início de desintegração em 15 minutos e quando totalizado os 30 minutos todas as cápsulas se encontravam desintegradas e com o seu conteúdo liberado no meio que simulava o meio intestinal. O revestimento dos lotes 1 e 2 foram validados, pois não liberam o conteúdo em meio ácido que mimetiza o estômago. Segundo um estudo de Santos, Guterres e Bergold et. al. (2007) no qual prepararam-se cápsulas gastrorresistentes de diclofenaco de sódio revestidas manualmente com formol 2,5% em álcool 96%, todos os lotes foram reprovados, pois não obedeceram aos requisitos para a etapa básica. Comparando-se, o revestimento entérico, com etanol a 75% com o de etanol a 96%, observou-se, que quando foi empregado um teor alcoólico menor, não houve alteração no revestimento. Outro teste foi realizado, este com cápsulas gastrorresistentes por Eudragit ® L100 7% no qual foi comparado o perfil de dissolução do diclofenaco de sódio em cápsulas revestidas por máquina com quatro camadas de revestimento e manualmente com duas camadas. Para ambos os métodos de revestimento nenhuma cápsula liberou mais que 10% de diclofenaco de sódio no meio ácido. Já para o meio entérico, das cápsulas revestidas na máquina, nenhuma liberou menos que 75% de diclofenaco de sódio, sendo a média dissolvida, no final dos 45 minutos igual a 91,4%, ficando os lotes aprovados. No trabalho de Santos (2005), as cápsulas revestidas com formol, apresentaram boa aparência, mas não deram bons resultados no teste de dissolução. Em contrapartida, no presente estudo utilizou-se o formol em uma concentração de 10% e álcool a 70% em cápsulas contendo AAS e o revestimento obedeceu aos requisitos da etapa básica, passando no teste. ________________________________________________________________________________ Farmácia & Ciência, v.3, p46-54, abr/jul. 2012. Os lotes 1 e 2 foram aprovados, pois obedeceram aos requisitos do teste de desintegração. Mesmo estes recebendo revestimento de forma diferente, ambos foram favoráveis e não liberaram conteúdo no meio estomacal. Portanto, todos os lotes revestidos com formol apresentaram resultados satisfatórios. CONCLUSÃO O formol pode ser utilizado como revestimento enterosolúvel de cápsulas gastroresistentes de ácido acetilsalicílico, com eficácia semelhante em cápsulas revestidas antes e depois do preenchimento. Pode-se concluir a viabilidade da obtenção magistral de cápsulas de liberação entérica com relativa estabilidade, no entanto, é imprescindível a verificação da qualidade de cada formulação ou lote preparado através da realização do teste de desintegração e/ou, preferencialmente do teste de dissolução. Portanto, são recomendados mais estudos complementares para aperfeiçoamento e melhoramento da técnica apresentada neste trabalho. REFERÊNCIAS BRASIL. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2006 – Disponível em: <http://bulario.bvs.br/index.php.> BRUNTON, L. L.; LAZO, J. S.; PARKER, K. L. Goodman & Gilman: As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 11a ed. Rio de Janeiro: Mcgraw-Hill Interamericana, 2007. CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia Científica. 5. ed. São Paulo: Pretice Hall, p. 68-69, 2002. FARMACOPÉIA brasileira. 4. ed. São Paulo: Atheneu, 1988. Pt. 1, Cap. 5. FERREIRA, A. 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