João Paulo Avelas Nunes

Propaganda
Proposta de comunicação
Título: Judeus, anti-semitismo e “darwinismo social” durante a Primeira
República portuguesa
Jews, anti-semitism and “social darwinism” during the portuguese First
Republic
Resumo
Procura-se analisar a forma como em Portugal, nas primeiras décadas do século XX,
evoluíram o que se poderia designar como “a comunidade judaica”; as reacções sociais,
culturais e ideológicas perante indivíduos concretos ou perante os conceitos abstractos
de “judeu” e de “judaísmo”; as mundividências difusas e as ideologias sistémicas de
cariz “darwinista social” (ou “neodarwinista”). Consideram-se, ainda, as atitudes do
Estado e da “sociedade civil” relativamente a questões como o ideário e a presença da
Igreja e da “acção católica”, a liberdade religiosa, os níveis de discriminação de
cidadãos por razões de ordem religiosa ou étnica, as implicações internacionais das
posturas lusas face às comunidades comunidades judaicas.
Sobre a pouco rigorosamente designada “comunidade judaica lusa”, lembra-se a
existência de dois subuniversos no essencial diferentes e separados: os indivíduos e as
famílias que se assumiam como judeus e os “cripto-judeus” (ou “marranos”). Quanto
aos primeiros, descendentes de cidadãos de outros países vindos para — regressados a
— Portugal ao longo do século XIX e no início do século XX, implantaram-se
sobretudo em Lisboa. No que concerne aos “marranos”, resultaram da sobrevivência
parcelar de tradições judaicas após séculos, quer de discriminação e repressão
institucional, quer de segregação e hostilidade por parte da “sociedade civil”.
Mau grado a exiguidade, a precariedade e o elevado grau de integração dos
membros das pequenas comunidades judaicas — Portugal vivera, durante a Época
Moderna, uma “solução final do problema judaico”; durante o período liberal, um
esforço de abertura condicionada —, assistiu-se à presença de atitudes informais de
desconforto perante a sobrevivência dos núcleos de “marranos”; à emergencia de
manifestações culturais e ideológicas de anti-semitismo. Se as primeiras se dão, quase
exclusivamente, na esfera das “vivências do quotidiano”, as segundas ocorrem no
âmbito da produção científico-cultural (historiografia, antropologia, ensaísmo) e do
debate ideológico-político (enunciados programáticos, debates parlamentares,
jornalismo, acções de propaganda).
À semelhança do que ocorreu, pelo menos até ao fim da Segunda Guerra Mundial,
com a generalidade das elites e das “opiniões públicas” ocidentais ou ocidentalizadas,
também em Portugal se verificou o predomínio de concepções “darwinistas sociais”.
Cada sociedade resultaria da competição entre indivíduos com diferentes “capacidades
inatas” ou da “cooperação hierárquica” entre “órgãos” do “corpo social” que integravam
indivíduos com características e funções “intrinsecamente diferentes”. O “sistema
internacional” decorreria, por sua vez, do confronto ou, em sentido inverso, do
“relacionamento hierárquico” entre “Nações” — “povos” ou “raças” — “superiores,
intermédios e inferiores”. Pelo facto de não terem conseguido manter ou criar o seu
próprio Estado, os judeus seriam vistos como “raça inferior” e, ao mesmo tempo, como
“raça perigosa” (recusariam aceitar os valores e os poderes dos “países de
acolhimento”). A simbologia e os rituais cristãos reforçariam as leituras em causa nos
planos da cultura erudita, das culturas populares e da cultura de massas.
Reforçando atitudes político-institucionais herdadas da Monarquia Constitucional, a
Primeira República afirmou o propósito de diminuir o peso da Igreja, da “acção
católica” e do catolicismo no “Portugal metropolitano”; ampliou as condições de
exercício de outras práticas religiosas, de adopção de posturas agnósticas ou ateias;
tentou combater modalidades ainda sobreviventes de discriminação de cidadãos a partir
de critérios religiosos ou étnicos. No âmbito internacional, aceitou atribuir protecção
jurídica e diplomática a comunidades judaicas estabelecidas em diversas regiões do
mundo mediterrânico (invocou-se, para o efeito, a “origem portuguesa” de muitos dos
judeus sefarditas em causa); participou nos debates multilaterais sobre “o futuro dos
judeus” e acerca da eventual criação de um “Estado judaico” ou de “zonas preferenciais
de colonização judaica”.
Na transição para a Ditadura Militar e para o Estado Novo; numa Europa e num
Mundo em que se avolumaram os problemas, os receios e os ódios, reforçou-se a
tendência para a condenação e para a diabolização das minorias. Ao longo dos anos
trinta e quarenta assistiu-se, pois, em Portugal, ao crescimento de um anti-semitismo no
essencial retórico; à crítica da “permissividade intencional” da Primeira República
relativamente aos “ideários estrangeiros e malignos”, ao “peso excessivo” em sectores
estratégicos de “indivíduos de origem judaica”. Estabeleceram-se, igualmente, laços de
proximidade com mundividências e práticas de cariz segregacionista; relações de
apreciação moderadamente crítica de ideologias e políticas.
Currículo académico
Nasceu em Coimbra a 26 de Setembro de 1965.
Licenciado em História (Junho de 1987), Mestre em História Contemporânea de
Portugal (Outubro de 1993) e Doutor em História Contemporânea (Janeiro de
2006) pela Faculdade de Letras de Universidade de Coimbra (FLUC).
Professor Auxiliar de História Contemporânea na FLUC e Investigador do
Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra
(CEIS20 da UC).
Algumas publicações:
O CADC de Coimbra, a democracia cristã e os inícios do Estado Novo (19051934), Coimbra, FLUC, 1993 – em colaboração.
A história económica e social na FLUC (1911-1974). O historicismo neometódico: ascensão e queda de um paradigma historiográfico, Lisboa, IIE,
1995.
“As organizações de juventude e a memória histórica do Estado Novo (19341949)”, Anais/História [UAL], 1996/1997, p. 235-275.
“Portugal, Espanha, o volfrâmio e os beligerantes durante e após a Segunda
Guerra Mundial”, Revista Portuguesa de História, t. XXXIII, vol. II, 1999, p.
789-823.
“Volfrâmio português e ouro do Terceiro Reich durante a Segunda Guerra
Mundial (1938-1947)”, Vértice, II Série, nº 94, Março/Abril de 2000, p. 42-59.
“Tipologias de regimes políticos. Para uma leitura neo-moderna do Estado Novo
e do Nuevo Estado”, Revista Portuguesa de História, t. XXXIV, 2000, p. 305348.
“Funções da legislação no Estado Novo português (1926-1974)”, Estado, direito
e ética. Ensaios sobre questões da nossa época, BORGES FILHO, Nilson e
FILGUEIRAS, Fernando (org.), Juiz de Fora, Granbery Edições, 2007, p. 31-50.
“Celorico da Beira e a história contemporânea de Portugal”, Celorico da Beira
através da história, CARVALHO, Pedro e MARQUES, António Carlos (org.),
Celorico da Beira, CMCB, 2009, p. 111-124.
“A Segunda Guerra Mundial, o reforço e a unidade das oposições ao Estado
Novo (1941-1949)”, LOFF, Manuel e SIZA, Teresa (coord.), Resistência. Da
alternativa republicana à luta contra a ditadura (1891-1974). Catálogo, Lisboa,
CNCCR, 2010, p. 72-81.
O Estado Novo e o volfrâmio (1933-1947), Coimbra, IUC, 2010.
Coimbra, 10 de Maio de 2010
João Paulo Avelãs Nunes
(FLUC e CEIS20 da UC)
Download