Proposta de comunicação Título: Judeus, anti-semitismo e “darwinismo social” durante a Primeira República portuguesa Jews, anti-semitism and “social darwinism” during the portuguese First Republic Resumo Procura-se analisar a forma como em Portugal, nas primeiras décadas do século XX, evoluíram o que se poderia designar como “a comunidade judaica”; as reacções sociais, culturais e ideológicas perante indivíduos concretos ou perante os conceitos abstractos de “judeu” e de “judaísmo”; as mundividências difusas e as ideologias sistémicas de cariz “darwinista social” (ou “neodarwinista”). Consideram-se, ainda, as atitudes do Estado e da “sociedade civil” relativamente a questões como o ideário e a presença da Igreja e da “acção católica”, a liberdade religiosa, os níveis de discriminação de cidadãos por razões de ordem religiosa ou étnica, as implicações internacionais das posturas lusas face às comunidades comunidades judaicas. Sobre a pouco rigorosamente designada “comunidade judaica lusa”, lembra-se a existência de dois subuniversos no essencial diferentes e separados: os indivíduos e as famílias que se assumiam como judeus e os “cripto-judeus” (ou “marranos”). Quanto aos primeiros, descendentes de cidadãos de outros países vindos para — regressados a — Portugal ao longo do século XIX e no início do século XX, implantaram-se sobretudo em Lisboa. No que concerne aos “marranos”, resultaram da sobrevivência parcelar de tradições judaicas após séculos, quer de discriminação e repressão institucional, quer de segregação e hostilidade por parte da “sociedade civil”. Mau grado a exiguidade, a precariedade e o elevado grau de integração dos membros das pequenas comunidades judaicas — Portugal vivera, durante a Época Moderna, uma “solução final do problema judaico”; durante o período liberal, um esforço de abertura condicionada —, assistiu-se à presença de atitudes informais de desconforto perante a sobrevivência dos núcleos de “marranos”; à emergencia de manifestações culturais e ideológicas de anti-semitismo. Se as primeiras se dão, quase exclusivamente, na esfera das “vivências do quotidiano”, as segundas ocorrem no âmbito da produção científico-cultural (historiografia, antropologia, ensaísmo) e do debate ideológico-político (enunciados programáticos, debates parlamentares, jornalismo, acções de propaganda). À semelhança do que ocorreu, pelo menos até ao fim da Segunda Guerra Mundial, com a generalidade das elites e das “opiniões públicas” ocidentais ou ocidentalizadas, também em Portugal se verificou o predomínio de concepções “darwinistas sociais”. Cada sociedade resultaria da competição entre indivíduos com diferentes “capacidades inatas” ou da “cooperação hierárquica” entre “órgãos” do “corpo social” que integravam indivíduos com características e funções “intrinsecamente diferentes”. O “sistema internacional” decorreria, por sua vez, do confronto ou, em sentido inverso, do “relacionamento hierárquico” entre “Nações” — “povos” ou “raças” — “superiores, intermédios e inferiores”. Pelo facto de não terem conseguido manter ou criar o seu próprio Estado, os judeus seriam vistos como “raça inferior” e, ao mesmo tempo, como “raça perigosa” (recusariam aceitar os valores e os poderes dos “países de acolhimento”). A simbologia e os rituais cristãos reforçariam as leituras em causa nos planos da cultura erudita, das culturas populares e da cultura de massas. Reforçando atitudes político-institucionais herdadas da Monarquia Constitucional, a Primeira República afirmou o propósito de diminuir o peso da Igreja, da “acção católica” e do catolicismo no “Portugal metropolitano”; ampliou as condições de exercício de outras práticas religiosas, de adopção de posturas agnósticas ou ateias; tentou combater modalidades ainda sobreviventes de discriminação de cidadãos a partir de critérios religiosos ou étnicos. No âmbito internacional, aceitou atribuir protecção jurídica e diplomática a comunidades judaicas estabelecidas em diversas regiões do mundo mediterrânico (invocou-se, para o efeito, a “origem portuguesa” de muitos dos judeus sefarditas em causa); participou nos debates multilaterais sobre “o futuro dos judeus” e acerca da eventual criação de um “Estado judaico” ou de “zonas preferenciais de colonização judaica”. Na transição para a Ditadura Militar e para o Estado Novo; numa Europa e num Mundo em que se avolumaram os problemas, os receios e os ódios, reforçou-se a tendência para a condenação e para a diabolização das minorias. Ao longo dos anos trinta e quarenta assistiu-se, pois, em Portugal, ao crescimento de um anti-semitismo no essencial retórico; à crítica da “permissividade intencional” da Primeira República relativamente aos “ideários estrangeiros e malignos”, ao “peso excessivo” em sectores estratégicos de “indivíduos de origem judaica”. Estabeleceram-se, igualmente, laços de proximidade com mundividências e práticas de cariz segregacionista; relações de apreciação moderadamente crítica de ideologias e políticas. Currículo académico Nasceu em Coimbra a 26 de Setembro de 1965. Licenciado em História (Junho de 1987), Mestre em História Contemporânea de Portugal (Outubro de 1993) e Doutor em História Contemporânea (Janeiro de 2006) pela Faculdade de Letras de Universidade de Coimbra (FLUC). Professor Auxiliar de História Contemporânea na FLUC e Investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra (CEIS20 da UC). Algumas publicações: O CADC de Coimbra, a democracia cristã e os inícios do Estado Novo (19051934), Coimbra, FLUC, 1993 – em colaboração. A história económica e social na FLUC (1911-1974). O historicismo neometódico: ascensão e queda de um paradigma historiográfico, Lisboa, IIE, 1995. “As organizações de juventude e a memória histórica do Estado Novo (19341949)”, Anais/História [UAL], 1996/1997, p. 235-275. “Portugal, Espanha, o volfrâmio e os beligerantes durante e após a Segunda Guerra Mundial”, Revista Portuguesa de História, t. XXXIII, vol. II, 1999, p. 789-823. “Volfrâmio português e ouro do Terceiro Reich durante a Segunda Guerra Mundial (1938-1947)”, Vértice, II Série, nº 94, Março/Abril de 2000, p. 42-59. “Tipologias de regimes políticos. Para uma leitura neo-moderna do Estado Novo e do Nuevo Estado”, Revista Portuguesa de História, t. XXXIV, 2000, p. 305348. “Funções da legislação no Estado Novo português (1926-1974)”, Estado, direito e ética. Ensaios sobre questões da nossa época, BORGES FILHO, Nilson e FILGUEIRAS, Fernando (org.), Juiz de Fora, Granbery Edições, 2007, p. 31-50. “Celorico da Beira e a história contemporânea de Portugal”, Celorico da Beira através da história, CARVALHO, Pedro e MARQUES, António Carlos (org.), Celorico da Beira, CMCB, 2009, p. 111-124. “A Segunda Guerra Mundial, o reforço e a unidade das oposições ao Estado Novo (1941-1949)”, LOFF, Manuel e SIZA, Teresa (coord.), Resistência. Da alternativa republicana à luta contra a ditadura (1891-1974). Catálogo, Lisboa, CNCCR, 2010, p. 72-81. O Estado Novo e o volfrâmio (1933-1947), Coimbra, IUC, 2010. Coimbra, 10 de Maio de 2010 João Paulo Avelãs Nunes (FLUC e CEIS20 da UC)