Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. Volume 4, Número 4, Ano 4, Julho 2011 Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia ISSN 1983-3946 ARISTÓTELES: POIÊSIS MIMÉTICA E O APARECIMENTO DA PHYSIS Patrício Câmara Araújo* RESUMO: O presente artigo tem como finalidade apresentar a categoria de poíêsis em Aristóteles e em que medida esta se torna mímesis. Para a realização deste texto considerei uma pesquisa bibliográfica e análise exegética, considerando os textos que abordam esta perspectiva aristotélica. A relevância deste tema reside na ampliação das categorias estéticas da filosofia clássica, bem como na medida em que contribui para um amadurecimento da construção filosófica acerca do “fazer poético” em Aristóteles. Neste sentido, a produção da arte se mostra correlacionada à imitação no ínterim de manifestação da natureza ordenada pelo logos. A atitude estética na realização das obras de arte sai em direção a um mostrar do mundo por meio da reprodução do mundo na arte, em unidade com a realização do homem na práxis, enquanto ação de auto-realização. PALAVRAS-CHAVE: Mímêsis, Physis, Poíêsis, Phrônesis ABSTRACT: This article aims to present the category of poiesis in Aristotle and to what extent this becomes mimesis. To accomplish this considered a literature text and exegetical analysis, considering the texts that address this Aristotelian perspective. The importance of this matter lies in expanding the aesthetic categories of classical philosophy, as well as it contributes to building a mature philosophical about the "poetic" in Aristotle. In this sense, the production of art is correlated to the imitation of the interim nature of the demonstration ordered by logos. The aesthetic attitude in carrying out works of art to ward a show in the world through the reproduction of the art world, in unity with the creation of man in praxis, while the action of self-realization. KEY-WORDS: Mímêsis, Physis, Poíêsis, Phrônesis 1. INTRODUÇÃO A poíêsis ocupa um lugar privilegiado dentro do cenário da filosofia da arte. Não obstante, esquadrinhar os múltiplos enredos deste conceito na tecitura do pensamento aristotélico, se mostra em dois vértices, o da abordagem filosófica e outra do fazer poético. Assim, dentro da concepção aristotélica acerca da poíêsis, esta se mostra vinculada à ordem da factibilidade, no poético, aquele que produz. Não há como desconsiderar o significado da poíêsis fora do cenário do mundo grego que a partir da cosmovisão dos pré-socráticos desenhou uma odisséia do pensamento em direção ao princípio último da physis, substrato orgânico da existência do cosmo, ou seja, “natureza”. A partir desta compreensão não se dava a separação que o mundo contemporâneo concebe entre natureza e cultura. * Pós-graduando em Filosofia - Universidade Federal do Maranhão - UFMA 33 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. Volume 4, Número 4, Ano 4, Julho 2011 Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia ISSN 1983-3946 Aquela com os homens, animais, plantas e as estrutura geográficas, e esta com os produtos construídos pela ação humana. No sentido do ser da Hélade platônico-aristotélica, encontramos uma consciência teorética que insere o homem como mais um ente dentro desta estrutura do ser. O que em nosso tempo se diferencia na medida em que o homem reificado no âmbito de uma transcendentalidade kantiana se encontra não como copartícipe junto aos outros entes do mesmo sentido, mas se encontra separado como promotor de significado, o que se efetiva em uma era da consciência tecnológica. Então no hemisfério epistemológico da Grécia socrática, a concepção do mundo, enquanto physis segue as coordenadas de uma manifestação da physis por meio dos produtos do homem. Este com seus produtos e “criações” estão inseridos nesta totalidade ordenada pelo lógos, a physis. Neste contexto não há distinção entre natureza e cultura. Assim, o mundo grego reside na physis ordenada pelo lógos. Ao produzir, o homem o faz como poíêsis, sendo que a partir deste agir poiético o homem revela a verdade da physis, que é mundo, ser. Mas qual sentido do ser? Este sentido do mundo; e qual o sentido do mundo grego? Este é a physis. Mas o homem só poderá apreender o sentido da physis, e, portanto, de sua existência, encontrando-os nos produtos do fazer poiético. A obra poética se define pelo seu sentido, por isso, só podemos apreender o sentido funcional pelo sentido da obra poética. O seu sentido vige no instituir mundo. O mundo é o sentido da physis, manifestado no poeta enquanto poeta. No poema do poeta, a physis se revela em seu sentido. O que é o sentido da physis? Só podemos falar de sentido como eclosão de mundo pelo vigor da poiesis nos poemas dos poetas. A eclosão de mundo na obra dos poetas é o real se manifestando como Linguagem, verdade e caminho. É o ethos do real. A palavra revelando o mundo é o real se manifestando como Logos (CASTRO, 1998, p.11-12). Assim, se para os grego a verdade é physis a sua verdade é aletheía, o não oculto; desta forma a visibilidade mostra as coisas verdadeiras, logo, a arte enquanto fazer poiético manifesta as coisas que são verdadeiras por aparecerem e aparecem como realidade, como physis. Assim, o que se manifesta como poíêsis é physis. Diante disto a obra poiética ao dar visibilidade à physis se caracteriza 34 como verdadeira e, portanto, real, manifesta o mundo que é sentido da physis. Isto Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. Volume 4, Número 4, Ano 4, Julho 2011 Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia ISSN 1983-3946 se dá como manifestação do conteúdo, mundo, por meio da forma, poíêsis que se torna a unidade entre a causa eficiente e final aristotélicas, isto na medida em que encontra no poeta o compositor de um poema que encontra sua funcionalidade em mostrar a physis. Sem este caminho de desvelamento a physis não se mostraria e, portanto não seria aletheía, verdade. 2. O SENTIDO DE POÍÊSIS Diante do exposto, o que vem a ser a poíêsis, fazer, produção, realização, operação, enfim, qual o sentido destacável para que se compreenda a poiética? Para isto se faz relevante a identificação de termos em grego que apresentem a similitude de sentido com este fazer da poíêsis. Palavras como prásseei, 3ª pessoa do singular da voz ativa do presente do indicativo, que significa prática, referindo-se a um realizar. O termo ergôn, na segunda declinação do singular do caso acusativo, que significa obra, trabalho, indicando atitude, ação. E práksis, que significa ação, como atitude. Um elemento etimológico relevante está na partícula silábica que traz a descarga exegética de atitude, ação, movimento, algo que se lança para a realização, veja as palavras, pólis, com o sentido de espaço de ações políticas, porismos, produção de lucro, poreúô, ir em direção a. Sófocles em o Rei Édipo apresenta a palavra poikilôdos, que de acordo com Freire (1991) significa variado canto, enquanto atitude musical. Ora, a unidade silábica alude à produção, realização, atitude, mas em sua variação lingüística adquire um significado de pluralidade como polléô, vários, assim como o termo apresentado anteriormente. Isto alude à formação etimológica da palavra poíêsis, que enquanto manifestação da physis¸ mostra uma ação de facticidade, exposição, realização, mostrar, possibilitando a existência da physis como concretude. Não obstante, nesta abertura se pluraliza tornando-se devir e variação, deixando a unidade explodir em multiplicidade (unidade) iêsis (múltiplo). Assim, na poíêsis conteúdo (unidade) e forma (multiplicidade) se imbricam em uma realização, a arte. Tal conteúdo é a mímesis que tem seu conteúdo no mithos. Na 35 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. Volume 4, Número 4, Ano 4, Julho 2011 Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia ISSN 1983-3946 sua obra “Metáfora Viva” Paul Ricoeur comenta em seu prefácio sobre a descoberta de Aristóteles acerca da poíesis e diz: Assim, a obra é conduzida a seu tema mais importante: a saber, que a metáfora é o processo retórico pelo qual o discurso libera o poder que algumas ficções tem de redescrever a realidade. Ligando desta maneira ficção e redescrição, restituímos sua plenitude de sentido à descoberta de Aristóteles, na Poética,de que a poíesis da linguagem procede da conexão entre mithos e mímesis. (RICOEUR, 2000, p. 14). A poíêsis em sua ousía, substância, se caracteriza como a unidade entre forma e conteúdo, esta se configura como instrumento pelo qual a mímesis se manifesta, como a linguagem nos mitos, como a eikôn, imagem nas estátuas. Tratase da physis, em sua representação concreta em produtos da poíêsis Tal leitura considera a poíêsis como realizadora de produtos e não confundida com estes, esta é a voz dos poetas. Mas por meio de um olhar filosófico chegamos a considerar a identidade entre ser e fazer nesta poíêsis, que caracteriza a perspectiva ontológica da metafísica, que visa um fazer como saber sobre o ser. O ser se efetivando na poesia aparece em sua multiplicidade metafórica. O que diagnostica a diferença entre o discurso filosófico e o discurso poético, uma vez que aquele visa uma univocidade do ser em meio a seu mosaico de significações. Desta forma, o sentido filosófico busca uma extensão de sentido regulada e não inédita, ao contrário do discurso poético. O ser tem uma polissemia regulada, que se diferencia da polissemia predicativa da analogia. [...] O discurso filosófico instaura-se como guardião vigilante das extensões de sentido reguladas, sobre o fundo das quais se destacam as extensões de sentidos inéditas do discurso poético. Que não há nenhum ponto em comum entre a equivocidade regulada do ser e a metáfora poética, a acusação lançada por Aristóteles á intenção de Platão atesta-o indiretamente [...] (RICOEUR, 2000, p. 396). Assim, falar de unidade é reportar-se à filosofia e diferenciá-la do poético. Neste sentido a pioiêsis, enquanto uma ciência produtiva, não se coaduna com a perspectiva lógica teórética de Aristóteles, antes se mostra em uma ação que expressa de maneira concreta a univocidade do ser no produto, que comporta a unidade entre a forma inserida por uma causa eficiente e o conteúdo que se constitui como o ser, ousía da mímesis. 36 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. Volume 4, Número 4, Ano 4, Julho 2011 Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia ISSN 1983-3946 3. A CONCEPÇÃO DE PHRÓNESIS Phrónesis, enquanto sabedoria prática está ligada a uma concepção do agir em Aristóteles. Este visa sair da contemplação do Bem platônico formal em direção à uma norma existencial da práxis em sua “realidade realíssima” (ontôs ón). Sua proposta reside em eIiminar a aporia cíclica acerca da práxis, ação que visa o aperfeiçoamento virtuoso do agente, pensada e a realizada. Neste ínterim, [...] Tal é justamente a areté, que esplende como norma viva no varão virtuoso. Assim, sendo embora a virtude moral um meio-termo entre extremos, e sendo a phrónesis, como primeira virtude dianoética, uma virtude da razão calculadora (to logistikón), a concepção aristotélica não situa a virtude moral na mediania estática e circunspeta [...] (VAZ, 1993, p. 107-108). Ora, a práxis se diferencia da poíêsis, mesmo considerando o caráter atitudinal, daquela, exposto. Mas, a diferença está no telos que anima estas ações, a práxis busca a perfeição do agente enquanto a poíêsis, a perfeição da obra. Logo, enquanto a práxis se eleva à theoría (contemplação de totalidade) a, manifestando o esplendor de sua enérgeia (“força” imanente) e a força de sua areté (excelência). E no núcleo de sua abordagem acerca da práxis, Aristóteles insere a phrónesis, sabedoria de atitude, como agir espiritual do homem. Mas, com a revolução galileana, a poíêsis atrai para o seu campo gravitacional a práxis, e a reduz a um esvaziamento conceitual. Percebemos que, Aristóteles observava com agudeza que, no processo da poíêsis, o princípio do movimento permanece todo no sujeito não sendo, como tal, comunicado à obra. A capturação da práxis pela esfera da poíêsis e sua submissão às regras da téchnê tem, como conseqüência, o desaparecimento do conceito de enérgeia, fim imanente e perfeição do ato. Este esgota seu dinamismo no movimento transiente da produção da obra ad extra. É ainda uma conseqüência dessa homologia que passa a vigorar entre práxis e a téchne, a extensão do meio-termo matemático, segundo a proporção aritimética (katà tén arithmetikèn analogían) que prevalece na relação entre as coisas (prágmatos méson), à condição de medida da práxis.( VAZ, 1993, p.110111). Diante disto, a ação se rende aos domínios do fazer que não tem implicações imanentes no homem para aperfeiçoá-lo, antes se mostra como 37 movimento no homem que visa o objeto. Isto no fazer do poeta, mas não cabe ao Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. Volume 4, Número 4, Ano 4, Julho 2011 Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia ISSN 1983-3946 público, que em sua passividade experimenta o prazer trágico da poesia que se mostra por meio de um conteúdo mítico. Assim, neste âmbito se diagnostica um aperfeiçoamento didáticomoralista na medida em que propõe temor e compaixão, em uma kathársis, que enquanto “purificação”, conduz o expectador entre agonias e “piedades”, redescobrir as camadas idílicas de sua existência. Ao encontro de si enquanto mortal. Logo este saber prático nasce desta experiência estética. De uma oferta da poíesis, que pela obra realiza o humano no homem. O que mostra a otimização aristotélica do fazer poético diferente do olhar pernicioso da textualidade platônica, que via nos exemplos trágicos de enganos e erros, uma possível corrupção para a pólis. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ora, ao falar de poíesis enfoquei o aspecto mimético desta no espaço fenomênico da arte. Para além de um mero fazer, esta se apresenta enquanto produção que por meio da unidade entre mythos, ações dos deuses em uma narrativa, e lexis, expressão lingüística de caráter morfológico, constitui-se a mímesis, como “imitação” que poieticamente reproduz os feitos promotores de catarse no antrôpos, homem da pólis. Desta forma a mímesis é a essência da poíesis, que partindo da unidade imitativa mostra a sua produção na multiplicidade das artes, em um jogo unitário entre forma e conteúdo. Ora o telos, finalidade, deste fazer, visa não a theoría, enquanto contemplação que tem a finalidade em si, mas a produção da obra, enquanto finalidade para fora de si. Aristóteles, portanto ao falar sobre poíêsis, não desconsidera seus efeitos na promoção da existência humana. Vê na sabedoria, enquanto phonêsis, uma virtude dianoética que não se reduz ás contemplações eidéticas da leitura platônica, antes se efetiva em algo que contém as ações e a imitação, em um jogo narrativo que é operado por uma representação como obra. Neste fazer não se separa a forma do conteúdo, com se a natureza fosse o supremo modelo ao qual a obra deve se equiparar. Mas, este fazer volta-se 38 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. Volume 4, Número 4, Ano 4, Julho 2011 Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia ISSN 1983-3946 à produção que em sua forma se entrelaça com seu conteúdo e provoca no homem a identificação com o que encontra. [...] O sensível está, na arte, para o espírito, mas o objeto da arte não é, como na ciência, a idéia, a essência, a natureza íntima deste sensível. Por isso a obra de arte, embora apresente aparências sensíveis, não precisa existir verdadeiramente sensível, não precisa existir verdadeiramente sensível e concreta, ser animada por uma vida natural, e deverá até evitar este terreno se quiser satisfazer interesses espirituais e despojar-se de todo desejo (HEGEL, 1996, p. 57). Neste sentido não se fala de mera reprodução no realizar de uma obra de arte. Antes, a questão aborda uma espiritualidade marcante para algo que contém o sensível, mas que o supera. Por isto, sem redução ao exterior “Importa, por conseguinte, aplicar os maiores esforços no embelezamento da linguagem, mas só nas partes desprovidas de ação, de caracteres e de pensamento: uma elocução deslumbrante ofuscaria caracteres e pensamento”. (ARISTÓTELES, 1973, p. 467). 39 Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software http://www.foxitsoftware.com For evaluation only. Volume 4, Número 4, Ano 4, Julho 2011 Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia ISSN 1983-3946 REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. POÉTICA. IN: Coleção os Pensadores. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo: Victor Civita, 1973. BELO, Fernando. Leituras de Aristóteles e de Nietzsche. A Poética sobre a Verdade e a Mentira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. CASTRO, Manuel Antônio de. Poética e Poíêsis:A questão da interpretação. Disponível em: http://www.odialetico.hd1.com.br/literatura/critica/poetica.html>. Acesso em: 20/05/2011. DESTRÉE, Pierre. Aristóteles, e o prazer ‘próprio’ da tragédia. IN: AISTHE: Revista de estética do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Filosofia, v.3, n. 4, [...] 2009. FREIRE, ANTÓNIO. Selecta Grega. 6ª ed. Braga: Livraria Apostolado da Imprensa, 1991. HEGEL, G. W. F. Curso de Estética: O Belo na Arte. 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