Revisão Abortamento de causa aloimune: diagnóstico e tratamento Alloimmune abortion: diagnosis and treatment Patrick Bellelis1 Mário Henrique Burlacchini de Carvalho2 Marcelo Zugaib1 Palavras-chave Aborto habitual Isoanticorpos Terapia Keywords Abortion, habitual Isoantibodies Therapy Resumo Abortamento espontâneo recorrente (AER) é definido, usualmente, como a perda de três ou mais gestações, até a 20ª semana de gravidez, e afeta aproximadamente 5% dos casais. Em boa parte dos casos, a causa é desconhecida e muitas hipóteses foram levantadas, dentre elas, a imunológica. Diversos trabalhos vêm tentando mostrar a fisiopatologia da causa aloimune e seu possível diagnóstico e tratamento. Apesar de não haver, até hoje, a liberação por parte de instituições de saúde, como a Food and Drug Administration (FDA) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os tratamentos são oferecidos em diversas clínicas ao redor do mundo. Por meio do levantamento dos últimos artigos acerca do assunto, foi possível observar que um método diagnóstico específico que detecte a perda gestacional precoce imune mediada e um método confiável que determine quais mulheres se beneficiariam da manipulação do sistema imune materno são urgentes. Para estabelecer definitivamente ou avaliar a eficácia de qualquer suposto tratamento para o AER, são necessários novos estudos randomizados, com adequado número de amostra. Abstract Recurrent spontaneous abortion (RSA) is usually defined as three or more consecutive pregnancy losses prior to the 20th week of gestation, and affects approximately 5% of the couples. The etiology of recurrent spontaneous abortion is often unclear and may be multifactorial. However, the majority of cases of RSA remain unexplained and some studies have been attempting to associate it with autoimmune and alloimmune antibodies. Although until today there is no release by health institutions such as Food and Drug Administration (FDA) and Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), these treatments are offered at various clinics around the world. Through the survey of recent articles on this subject, it was possible to see that a specific diagnostic method to detect the early pregnancy loss immune mediated as well as a reliable method to determine which women would benefit from the manipulation of the maternal immune system are more than necessary. To definitively establish or evaluate the effectiveness of any treatment for RSA, further randomized studies with adequate number of sample are needed. Ex-residente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo (SP), Brasil Médico assistente responsável pelo Setor de Aborto Habitual e Diretor do Ambulatório da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de medicina da USP – São Paulo (SP), Brasil 3 Professor titular da Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP – São Paulo (SP), Brasil 1 2 Bellelis P, Carvalho MHB, Zugaib M Introdução O abortamento espontâneo recorrente (AER) é definido, usualmente, como a perda de três ou mais gestações e comumente refere-se àqueles até a vigésima semana de gestação. Esse limite é arbitrário e não leva em consideração potenciais causas de óbito fetal na primeira metade da gestação. Com o desenvolvimento ultrassonográfico, foi possível um método mais relevante de classificação, considerando-se a presença ou não de um embrião vivo.1, 2 O AER afeta aproximadamente 5% dos casais férteis e pode ser classificado em primário e secundário, sendo o primário o caso do casal que não tem filhos vivos e secundário aquele em que houve ao menos uma gestação com sucesso, independentemente do número de abortos. A literatura demonstra que a chance de uma nova perda gestacional é de aproximadamente 24% após duas perdas, 30% após três perdas e 40% após quatro perdas consecutivas.3 Em boa parte dos casos, a causa é desconhecida4-6 e diversas hipóteses foram levantadas e publicadas. Dentre elas, podemos citar: a cromossômica, a genética, a anatômica, a endocrinológica, as anomalias placentárias, as infecções, o tabagismo, o etilismo, a exposição a fatores ambientais como mercúrio, óxido de etileno e radiações ionizantes e os fatores psicológicos. Além disso, certamente, as causas autoimunes e aloimunes exercem papel muito importante nas hipóteses imunológicas.1 A relação imunológica entre o feto e a mãe é uma comunicação bidirecional e determinada, de um lado, pela apresentação antigênica fetal e, de outro, pelo reconhecimento e reação a esses antígenos pelo sistema imune materno, o que é fundamental para a continuidade da gestação.1 Os mecanismos que impedem que as mães desenvolvam as respostas imunológicas essenciais para a manutenção da gravidez foram podem ser, total ou parcialmente, devido às causas aloimunes, e sua fisiologia ainda é pouco clara. Diversos possíveis fatores alogênicos foram sugeridos e investigados. Os primeiros estudos realizados sugeriam que a compatibilidade dos antígenos humanos leucocitários (HLA) dos casais, a ausência de anticorpos leucocitotóxicos ou a ausência de anticorpos maternos bloqueadores estavam relacionados ao AER.7, 8 Rai e Regan, em 2006, publicaram uma revisão que questionava a hipótese de que altos níveis séricos de células NK poderiam estar relacionados ao AER. Na realidade, os autores demonstraram que tais pacientes têm um aumento nos níveis de células NK na mucosa uterina, contribuindo para que elas tenham uma resposta imune do tipo Th-1 ao invés da Th-2, ocasionando uma rejeição maior do produto conceptual.9 262 FEMINA | Maio 2009 | vol 37 | nº 5 Mais recentemente, modelos experimentais de abortamento focaram o local de implantação placentária e mostraram que o sucesso da gravidez depende da inibição de mediadores inflamatórios locais. Proteínas inibitórias de complemento, linfócitos T maternos reguladores, enzimas catabolizadoras de triptofano e citocinas imunorreguladoras parecem estar relacionados à imunotolerância na interface materno-fetal.2, 10, 11 Como o mecanismo de AER de causa aloimune ainda não foi bem esclarecido, diversos tratamentos imunológicos têm sido defendidos por diferentes investigadores, que se baseiam na evidência de que transfusões sanguíneas seriadas diminuem a probabilidade de rejeição de aloenxertos.12 Com base em modelos animais de transplante de órgãos, a imunização com linfócitos paternos foi proposta como um tratamento para o abortamento de causa aloimune. Contudo, essa extrapolação não deveria ser feita devido às diferenças entre as espécies, seja na questão endócrina, imunológica ou reprodutiva.10 A imunização passiva com imunoglobulinas intravenosas (IVIg) durante a gestação também foi postulada. Esse tratamento foi baseado na possibilidade de que o efeito terapêutico da IVIg seria a mediação de um downregulation sistêmico das células NK, diminuindo sua atividade no sítio placentário e permitindo, assim, a continuidade da gravidez.1 Como referidos tratamentos têm sido oferecidos por muitos centros médicos no Brasil e no mundo, embora sua eficácia ainda seja controversa, tivemos por objetivo, nesta revisão, levantar os resultados da literatura em relação ao diagnóstico e tratamento da aloimunidade como causa de abortamento de repetição. Revisão da literatura Diagnóstico O termo aloimunidade refere-se às diferenças imunológicas entre indivíduos da mesma espécie. Em 1966, Clarke e Kirby formularam a hipótese de que a disparidade antigênica maternofetal fosse benéfica para o desenvolvimento do embrião e, até hoje, não se sabe ao certo qual o seu papel no desenvolvimento da interface materno-fetal.13 Em 1998, Barini et al.14 publicaram um protocolo de investigação e tratamento, baseando-se na hipótese de que a aloimunidade seria uma das principais causas de AER. A pesquisa do fator aloimune se fez por meio da tipagem HLA do casal, da cultura mista de linfócitos com identificação de fator inibidor no soro materno e na resposta celular materna contra linfócitos do parceiro, tratados com mitomicina (CML), e da reação de prova cruzada por microlinfocitotoxicidade (PC). Considerou-se causa Abortamento de causa aloimune: diagnóstico e tratamento aloimune quando, em CML, a capacidade do soro da paciente em inibir a resposta autóloga aos linfócitos do parceiro foi menor que 50% e/ou quando a prova cruzada entre o soro da paciente e os linfócitos do parceiro foi negativa.14 A reação de prova cruzada por microlinfotoxicidade é um teste utilizado para rastrear reatividade humoral pré-gestacional contra células do parceiro na concepção. Células periféricas da mulher são incubadas com soro do parceiro e coradas para detecção de viabilidade celular. Anticorpos contra moléculas do sistema de histocompatibilidade principal (MHC) das células do parceiro ocasionam citotoxicidade dessas últimas. O teste é feito por quatro variantes. Em paralelo, o soro da mulher é incubado com suas células, o que permite detecção de autorreatividade e de reatividade não específicas.15 Em 2000, Ramhorst et al., em estudo sobre o uso da imunoterapia para o AER, usaram como método diagnóstico de aloimunidade a tipagem de HLA tipo II e a cultura mista de linfócitos. Contudo, o valor utilizado foi de 30% e não se usou a prova cruzada com linfócitos do parceiro.16 Apesar das disparidades entre os diversos trabalhos encontrados na literatura, parece que a CML, descrita primeiramente por Kwak em 1992, é o principal método diagnóstico. A pessoa é diagnosticada como portadora de AER de causa aloimune quando o exame se mostra negativo (menor que 50%).17,18 Além disso, muitos dos trabalhos que advogam o uso da imunoterapia no tratamento de AER também usam a CML e a PC como parâmetros, durante o tratamento, para monitorar e mensurar a produção de linfócitos mistos bloqueadores (MLRBf), determinando, desse modo, o sucesso da aloimunoterapia e escolhendo o momento certo para que o casal tente uma nova gravidez.1,11,16 O uso dos MLR-Bfs como parâmetro no monitoramento da resposta à terapia é justificado pela observação, em diversos trabalhos, de que a concentração sérica desses linfócitos é maior em pacientes que evoluem com gestação normal do que naquelas que fazem parte do grupo de abortamento recorrente.1,11,16 longe de ser esclarecida. A hipótese, com seu advento, é que a imunoterapia transformaria a resposta imunológica Th1 (agressora) em Th2 (protetora), fazendo com que a gestação pudesse evoluir até o final. Proposto inicialmente por Wegman et al., a gestação normal em humanos é considerada um fenômeno Th2dominante. A resposta Th1 poderia ser responsável por evocar a rejeição contra a interface fetoplacentária.1,9,14,16 Pandey et al., em 2005, realizaram uma revisão com as possíveis técnicas de tratamento de AER de causa aloimune. Os dois principais tipos citados foram: a terapia intravenosa com imunoglobulina (IVIg) e a imunização com linfócitos paternos.1 O princípio básico do uso da IVIg é a neutralização do efeito citotóxico produzido pelo sistema imune materno contra o feto. Entretanto, alguns estudos demonstraram que a IVIg suprime passivamente a atividade de anticorpos antifosfolípedes, diminui a função das células B, altera o funcionamento das células T, diminui a atividade de monócitos de células NK e a produção de citocinas e, ainda, a ativação do complemento.19-20 Mowbray et al. publicaram os primeiros resultados de um grande estudo, avaliando a imunização materna com linfócitos paternos para mulheres com AER. Tratou-se de um estudo duplo-cego pareado, com dois grupos, sendo que um deles recebeu o concentrado de linfócitos paternos purificados e o Grupo Controle, uma solução placebo. Observou-se melhora estatisticamente significativa dos resultados reprodutivos no grupo imunizado com células do parceiro, cuja taxa de sucesso de gravidez foi de 77% (17/22), diante dos 37% (10/27) no Grupo Controle.21 A literatura, porém, registra resultados divergentes a respeito da eficácia da imunoterapia. Em 1994, um estudo de metanálise sobre a imunoterapia com linfócitos do parceiro concluiu que essa abordagem terapêutica beneficiaria de 8 a 10% das mulheres tratadas.22 Em 2005, Barini23 definiu parâmetros ideais para a imunoterapia com linfócitos paternos, como se pode observar na Tabela 1. Tratamento A identificação das causas ou dos fatores associados ao aborto recorrente, bem como sua terapêutica, tem sido tema controverso. Há quem sugira que não há terapêutica específica necessária além do seguimento minucioso e suporte emocional. Outros sugerem a existência de fatores imunológicos tão importantes quanto, ou até mais, do que aqueles tradicionalmente referidos como determinantes do aborto recorrente.2,10 A controvérsia a respeito da eficácia da imunoterapia no tratamento dos abortos recorrentes de causa imunológica está Tabela 1 - Parâmetros para imunoterapia em abortamento de repetição • • • • Presença de mais de dois antígenos semelhantes na tipagem HLA do casal. Ausência de anticorpos leucocitotóxicos detectados por microlinfotoxocidade e/ou menos do que 30% de células B e T com anticorpos anti-HLA aderidos em sua superfície, detectados pela citometria de fluxo. Baixa resposta proliferativa materna em CML diante dos linfócitos paternos, mas não dos de doador. Ausência de “fatores bloqueadores” em CML. Fonte: modificada de Barini et al.23 FEMINA | Maio 2009 | vol 37 | nº 5 263 Bellelis P, Carvalho MHB, Zugaib M Vários regimes têm sido propostos para a imunização com linfócitos paternos ou de doadores. Alguns autores aconselham o uso da via intravenosa, outros, a associação das vias intravenosa, subcutânea e intradérmica. Também o número de imunizações e o intervalo entre cada uma delas variam de autor para autor. O regime estabelecido na Reproductive Imunology Clinics da Chicago Medical School inclui duas imunizações com quatro a seis semanas de intervalo, e reavaliação da produção de anticorpos antileucocitários quatro semanas depois. Se eles forem positivos, o casal está em condições de tentar nova gravidez.23 Ramhorst et al., em estudo com 92 casais, dentre os quais 79 tinham antecedente de abortamento primário e 13 de abortamento secundário, com um número de 2 a 5 abortos prévios e com um Grupo Controle de 37 casais, todos sem qualquer tratamento prévio, obtiveram uma taxa de gravidez com nascidos vivos de 89% após a imunização com linfócitos paternos. Esse número não foi estatisticamente significativo se comparado às pacientes que não foram imunizadas. Em valores absolutos, houve diferença de 17% de nascidos vivos. Nesse trabalho, ainda se levantou a hipótese de o grande sucesso do Grupo Controle (72%) ser devido ao pequeno número de indivíduos incluídos no follow-up. Podemos contestar, ainda, o fato de terem sido incluídos casos com apenas dois abortamentos prévios, o que não é classicamente definido como abortamento de repetição. Desse modo, se subtrairmos tais pacientes, a diferença ficaria ainda menor, tanto em valores absolutos quanto na avaliação estatística.16 Com uma taxa de sucesso de 90,9%, um grupo japonês publicou, em 2003, estudo prospectivo com 53 casais com AER e relatou indícios de resposta favorável ao uso da imunoterapia no tratamento. Todos os casais selecionados possuíam três ou mais abortos prévios e foram divididos em três grupos: o Grupo 1, com indivíduos que receberam concentrado de linfócitos paternos; o Grupo 2, composto por sujeitos que não receberam o concentrado porque possuíam PC positiva; e o Grupo 3, com indivíduos que não receberam o concentrado por escolha do casal (Grupo Controle). Levando-se em consideração a taxa de 18,2% do Grupo Controle, nosso grupo de pesquisa parece crer que o uso da imunização com linfócitos paternos em pacientes com ERA, sem outra causa diagnosticada, e com CML e/ou PC positivas para o fator aloimune é uma boa alternativa para o tratamento. Embora acreditem que a ativação da resposta imune humoral materna, facilitando o reconhecimento de antígenos fetais, seja de fundamental importância para o sucesso da gestação e que essa ativação poderia ser alcançada pelo uso da imunoterapia e, ainda, devido ao fato de o estudo não ter sido duplo-cego ran- 264 FEMINA | Maio 2009 | vol 37 | nº 5 domizado, os autores concluem que essa técnica ainda está sob avaliação e que estudos maiores deverão ser realizados.11 Com resultados ainda mais controversos, o estudo REMIS, o maior realizado até o momento, publicado por Ober et al. em 1999, mostrou que o uso da imunização com linfócitos paternos não melhorou as taxas de gravidez em pacientes com diagnóstico de fator aloimune, e as pacientes do Grupo Controle tiveram índices de gravidez maiores. Em estudo multicêntrico com duração de cinco anos em centros dos Estados Unidos e Canadá, foram avaliadas 183 mulheres com ERA, randomizadas entre os dois grupos. As taxas de gravidez foram de 36% no grupo de estudo e de 48% no Grupo Controle, sendo que 65% delas tiveram gestações que evoluíram até o termo. Observou-se, ainda, maior taxa de abortamento e idade gestacional de perda no grupo que foi imunizado com linfócitos paternos. Desse modo, pela falta de benefícios, o grupo opta por não recomendar esse tratamento e enfatiza que não deveria ser oferecido às pacientes com AER.10 Em revisão realizada em 2007 pela Cochrane Library, com o objetivo de avaliar os diversos estudos publicados a respeito do uso das diferentes AER de causa aloimune e os tipos de tratamento que poderiam levar a uma melhora nas taxas de gravidez com sucesso, pôde-se concluir que nenhum dos tratamentos oferecidos, atualmente, promove aumento significativo da taxa de nascidos vivos. Além dos altos preços dessas terapias, o dano psicológico associado a falsas expectativas é algo irreparável. Tais procedimentos não deveriam ser oferecidos a pacientes com ERA. Da mesma forma, o uso dos testes imunológicos que vinham sendo advogados para o uso dessas terapias também deveria ser abandonado.2 Em recente revisão, Gonçalves mostrou que o sistema imune certamente está relacionado ao processo reprodutivo. Entretanto, nosso desconhecimento ainda é grande e documentado todos os dias como fator de infertilidade “sem causa aparente”. Concluise que o exame de diagnóstico ainda precisa ser desenvolvido e que os tratamentos atualmente disponíveis são extremamente controversos.6 Riscos O uso dessas técnicas de imunização possui os mesmos riscos de qualquer outro tipo de transfusão sanguínea, assim como a possibilidade de transmissão de vírus como o da imunodeficiência humana (HIV), Epstein-Barr, hepatites e citomegalovírus. Reações são incomuns, mas podem incluir dormência e eritema no local da injeção, além da sensibilização de células sanguíneas e doenças autoimunes.1,10,24 Bux et al. mostraram, ainda, a possibilidade de aloimunização materna contra granulócitos, aumentando o risco de ocorrência de neutropenia autoimune neonatal.25 Abortamento de causa aloimune: diagnóstico e tratamento Efeitos adversos na gestação são raros, mas podem incluir retardo de crescimento fetal, descolamento prematuro de placenta, acretismo placentário, oligo-hidrâmnio, pré-eclâmpsia, parto prematuro, anomalias renais, trissomia do 21º e do 13º cromossomos, e um caso incomum de imunodeficiência. O estudo REMIS de 1999 demonstrou que mulheres submetidas ao tratamento com linfócitos têm mais chance de novos abortamentos subsequentes.10,24 Em uma revisão de 2006, foi levantada a hipótese de que a imunização com linfócitos paternos pudesse aumentar o risco de alguns tipos de cânceres. Os autores fazem tal relato com base em estudos sobre transplante de órgãos. Entretanto, o risco para o desenvolvimento de patologias malignas após um transplante se deve ao longo período de imunossupressão necessário para esses procedimentos ou, em casos excepcionais, do fato de o órgão transplantado já estar acometido por algum câncer; nunca foi provado que isso seja devido à aloimunidade do transplante. Um dos critérios de exclusão para doação de órgãos ou sangue é a presença de algum câncer, pois, desse modo, evita-se a transmissão de células malignas. Não há nenhum relato sobre a transmissão de células malignas de um indivíduo previamente sadio.24 Conclusões A partir dos estudos levantados, ainda não é possível afirmar se a aloimunidade é realmente uma causa de aborta- mento de repetição. O entendimento de sua patofisiologia é muito escasso, havendo uma necessidade de estudos mais completos e mais bem desenhados para que haja uma melhor compreensão. Um método diagnóstico específico para detectar/diagnosticar a perda gestacional precoce imune-mediada e um método confiável que determine quais mulheres se beneficiariam da manipulação do sistema imune materno são urgentes. Atualmente, não se sabe exatamente quantas dessas perdas são anembrionárias ou conceptos cromossomicamente anormais, anomalias estruturais ou anatomias e quantas são realmente embrionárias. Muitas das perdas ainda ocorrem devido às ainda indefinidas anomalias genéticas subcromossômicas que prejudicam o desenvolvimento inicial do concepto. Novas técnicas moleculares deveriam ser direcionadas para um melhor entendimento dos fatores responsáveis pelo sucesso da gravidez, assim como para sua perda. Para estabelecer definitivamente ou avaliar a eficácia de qualquer suposto tratamento para o AER, são necessários novos estudos randomizados e com adequado número de amostra, e que deveriam ser realizados em centros de pesquisa com expertise nesse problema. Novas terapêuticas deveriam ser testadas somente com protocolos rigorosos. Tais estudos ainda deveriam avaliar e determinar, a longo prazo, as complicações com relação à mãe e ao recém-nascido. Leituras suplementares 1. Pandey MK, Rani R, Agrawal S. An update in recurrent spontaneous abortion. Arch Gynecol Obstet. 2005;272(2):95-108. 2. Porter TF, LaCoursiere Y, Scott JR. Immunotherapy for recurrent miscarriage (Cochrane Review). The Cochrane Library, Issue 3, 2007. Oxford: Update Software. 3. Regan L, Braude PR, Trembath PL. Influence of past reproductive performance on risk of spontaneous abortion. BMJ. 1989;299(6698):541-5. 4. Tho TP, Byrd JR, McDonough PG. Etiologies and subsequent reproductive performance of 100 couples with recurrent abortion. Fertil Steril. 1979;32(4): 389-95. 5. Harger JH, Archer DF, Marchese SG, Muracca-Clemens M, Garver KL. Etiology of recurrent pregnancy losses and outcome of subsequent pregnancies. Obstet Gynecol. 1983;62(5):574-81. 6. Gonçalves SP. 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