CAOS EM DINÂMICA DO SISTEMA SOLAR

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CAOS EM DINÂMICA DO SISTEMA
SOLAR
Othon Cabo Winter
Grupo de Dinâmica Orbital e Planetologia
DMA - UNESP - Campus de Guaratinguetá
[email protected]
1.
Introdução
Até a década de 1970 acreditava-se que o sistema solar era um sinônimo de ordem e regularidade, assim como a engrenagem de uma máquina mecânica. O movimento de rotação da Terra,
a translação da Terra ao redor do Sol, os movimento da Lua, dos outros planetas e de seus satélites, cometas, etc, tudo ocorrendo de maneira ordenada, previsível, seguindo uma sequência
que não muda com o tempo, seja este tempo quão longo for.
A visão dos astrônomos hoje em dia é diferente. Sabe-se que existe movimento caótico e
que nem tudo é tão regular quanto parece. Na realidade existe uma teoria matemática em
pleno desenvolvimento chamada de Teoria do Caos. Um fator importante nesta teoria é que
os sistemas dinâmicos considerados são determinísticos, ou seja, todas as forças atuando no
sistema são conhecidas e não existe qualquer componente randômica (aleatória), por isto é
comum ser utilizado o termo Caos Determinístico.
Uma definição básica para movimento caótico pode ser dada como:
“o movimento que é sensivelmente dependente das condições iniciais de modo que pequenas
variações nas condições iniciais (posição e velocidade) produzem um estado final drasticamente
diferente”.
Uma consequência desta definição é o fato de que numa região caótica duas órbitas inicialmente
próximas divergem exponencialmente uma da outra. Em função disto existe uma técnica numérica muito utilizada para verificar a característica (regular/caótica) de uma dada trajetória. Esta
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técnica resulta no cálculo do Máximo Expoente Característico de Liapunov, o qual expressa
a taxa de divergência de duas órbitas inicialmente próximas.
2.
Problema de 2-Corpos, 3-Corpos, N-Corpos
No século XVII, o inglês Isaac Newton mostrou que o movimento de um planeta sob a influência da atração gravitacional do Sol tem uma trajetória elíptica fixa (imutável com o tempo) e o
período deste movimento depende da distância média do planeta ao Sol (vide minicurso). Do
ponto de vista matemático, o que Newton fez foi mostrar que este problema, conhecido como
problema de 2-corpos, é integrável, ou seja, é possível se obter uma solução analítica completa deste problema. Assim sendo, quando se estuda um sistema dinâmico que corresponde
a um problema de 2-corpos pode-se prever qualquer configuração futura deste sistema com a
precisão que se queira e para qualquer instante de tempo.
O problema de 2-corpos é um problema “ideal”, pois na realidade o sistema solar é composto
de muito mais do que dois corpos, e cada um deles sofre atração gravitacional de todos os
outros corpos do sistema. No caso do movimento orbital da Terra, o Sol é quem domina, porém
os outros corpos perturbam este movimento de modo que a elipse resultante do problema de
2-corpos (Terra-Sol) não é fixa no espaço. Ela rotaciona à velocidade de aproximadamente 1,7
graus por século devido às perturbações dos outros planetas (principalmente Júpiter).
Do ponto de vista matemático, quando se considera o problema gravitacional de três ou mais
corpos ele não é integrável, a não ser em casos particulares onde são feitas aproximações
do problema. No final do século passado, o matemático francês Henry Poincaré estudou com
alguma profundidade o problema de 3-corpos e notou que algumas das soluções das equações
do movimento eram imprevisíveis. Poincaré não resolveu o problema de 3-corpos, mas ele
foi o primeiro a tomar conhecimento do comportamento complicado que poderia resultar da
interação gravitacional de apenas três corpos.
3.
Ressonâncias
Em seus estudos Poincaré percebeu que havia uma relação muito grande entre o fenômeno
de ressonância e a característica do movimento (regular/caótico, estabilidade/instabilidade). O
sistema solar é repleto de ressonâncias. A ressonância ocorre quando existe uma razão de
números inteiros entre dois períodos (ou frequências) do movimento, o que leva à repetição de
uma dada configuração. Por exemplo, o período orbital de Plutão é aproximadamente 3/2 do
período orbital de Netuno, o que cararcteriza uma ressonância 3:2 do tipo órbita-órbita.
Outro tipo de ressonância é a que envolve uma razão entre os períodos de rotação e de translação
de um mesmo corpo, denominada ressonância do tipo “spin-órbita”. No caso da Lua o período
de rotação (spin) coincide com o seu período orbital, tendo como consequência o fato da Lua
manter sempre a mesma face voltada para a Terra. Esta ressonância 1:1 do tipo spin-órbita
ocorre com quase todos os satélites planetários cujo período rotacional é conhecido.
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Figura 1 – Histograma que mostra a distribuição radial dos asteróides e a localização de algumas ressonâncias com Júpiter.
Um celeiro de ressonâncias no sistema solar é o cinturão principal de asteróides, localizado
entre as órbitas de Marte e Júpiter. Atualmente existem mais de 6000 objetos catalogados neste
cinturão, porém eles não estão distribuídos de maneira aleatória ou uniforme ao longo desta
região. Em 1867 o astrônomo americano Daniel Kirkwood já havia notado a existência de características marcantes na distribuição dos asteróides. Existem falhas no cinturão de asteróides
e elas ocorrem em localizações que correspondem a ressonâncias com Júpiter (veja diagrama
abaixo). Por exemplo, à distância de aproximadamente 2,5 unidades astronômicas, a qual corresponde à ressonância 3:1 com Júpiter, praticamente não existem asteróides.
4.
Caos no Sistema Solar
O grande passo para a introdução da teoria do caos em astronomia dinâmica ocorreu em 1981
quando o americano Jack Wisdom (estudante de doutorado na época) estudou através de computações numéricas o movimento de asteróides sob a influência da atração gravitacional do
Sol e de Júpiter. Ele verificou que asteróides em ressonância 3:1 com Júpiter poderiam sofrer
alterações drásticas em suas órbitas de maneira imprevisível, o que as caracteriza como órbitas caóticas. Wisdom mostrou também que estas órbitas cruzam a órbita de Marte de modo
que o asteróide possa eventualmente colidir ou ser desviado pelo planeta. Desta maneira então
foi apresentado o mecanismo que é comumente aceito para explicar a falha de Kirkwood na
ressonância 3:1.
A partir de então a visão de regularidade/estabilidade do sistema solar e de cada um de seus
elementos passou a ser questionada. Alguns outros exemplos de caos em dinâmica do sistema
solar são apresentados a seguir.
Numa espécie de continuação do trabalho citado acima, Wisdom mostrou que a órbita de alguns
asteróides em ressonância 3:1 com Júpiter poderiam atingir excentricidades altas o suficiente
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para cruzar a órbita da Terra. Este fato dá suporte a uma outra teoria onde é proposto que
alguns dos meteoritos encontrados na Terra são fragmentos de asteróides originários do cinturão
principal.
Uma outra figura importante nesta história é o francês Jacques Laskar, que em 1989 publicou
o resultado de sua integração numérica dos planetas do sistema solar por 200 milhões de anos.
O trabalho de Laskar mostrou que a órbita da Terra, bem como dos outros planetas interiores, é
caótica, e que um erro de apenas 15 metros na posição atual da Terra tornaria impossível prever
aonde a Terra estaria em sua órbita daqui a 100 milhões de anos.
Os movimentos de rotação de corpos do sistema solar também merece destaque dentre os exemplos aqui selecionados. Wisdom e colaboradores estudaram o movimento rotacional do satélite
de Saturno denominado Hipério, o qual possui um formato pouco esférico (175 km x 120 km
x 100 km), uma excentricidade orbital de 0.1 e um semi-eixo maior que o mantém em ressonância 4:3 com Titã (maior satélite de Saturno com 5150 km de diâmetro). O movimento
orbital de Hipério é bem regular, uma vez que a ressonância com Titã lhe assegura esta estabilidade. Todavia, estes pesquisadores mostraram que a relativamente alta excentricidade orbital e
o formato irregular de Hipério fazem com que seu movimento de rotação seja caótico. Através
de análise da curva de brilho de Hipério, obtida observacionalmente, foi confirmado que seu
movimento rotacional é caótico.
O último exemplo a ser descrito diz respeito à importância da Lua para nós aqui da Terra. O
ângulo que o eixo de rotação de um planeta faz com a direção perpendicular ao seu plano orbital
é chamado “obliquidade”. A atual obliquidade da Terra é 23,5 graus e isto é responsável pelas
estações do ano. Esta obliquidade não é fixa, ela varia ±1,3 graus numa escala de tempo de
centenas a milhares de anos. Estudos feitos por Laskar e colaboradores mostraram que devido
a influência da Lua o movimento do eixo de rotação da Terra é regular. Porém, sem a Lua
este movimento seria caótico e a obliquidade da Terra poderia variar de ±25 graus, o que teria
efeitos catastróficos na evolução da vida em nosso planeta.
Referências
Laskar, J. (1989). A numerical Experiment on the Chaotic Behaviour of the Solar System.
Nature, 338, 237-238.
Laskar, J., F. Joutel e P. Robutel (1993). Stabilization of the Earth’s Obliquity by the Moon.
Nature, 361, 615-617.
Murray, C. (1989). Is the Solar System Stable? New Scientist, 124, 60-63.
Peterson, I. (1993). Newton’s Clock - Chaos in the Solar System. W. H. Freeman and Company,
Nova Iorque. USA.
Wisdom J. (1987). Urey Prize Lecture: Chaotic Dynamics in the Solar System. Icarus, 72,
241-275.
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