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OS TRÊS PROBLEMAS CLÁSSICOS DA ANTIGUIDADE
Mauri Cunha do Nascimento – [email protected]
Hércules de Araújo Feitosa – [email protected]
Vínculo institucional:
Professores do Departamento de Matemática / Faculdade de Ciências – UNESP/Bauru
Titulação: Ambos doutores
Endereço para correspondência:
Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01
Vargem Limpa
Cep: 17033-360 - Bauru – SP
Telefone: (14) 3103-6086
OS TRÊS PROBLEMAS CLÁSSICOS DA ANTIGUIDADE
Mauri Cunha do Nascimento
Professor Assistente Doutor
Departamento de Matemática/FC/UNESP/Bauru
[email protected]
Hércules de Araújo Feitosa Nascimento
Professor Assistente Doutor
Departamento de Matemática/FC/UNESP/Bauru
[email protected]
Resumo
Este artigo trata dos três problemas clássicos da antiguidade, a saber, os problemas
da duplicação do cubo, da trissecção do ângulo e da quadratura do círculo. São abordados
os aspectos históricos e a teoria matemática que possibilitou uma resposta aos problemas.
Em nosso contato com alunos e professores do ensino médio observamos que eles nem
sempre sabem que os métodos existentes para algumas construções fornecem resultados
aproximados, não sendo possível um método que forneça resultado exato. Com a utilização
de softwares de Geometria Dinâmica, é possível realizar essas construções no computador e
verificar o quanto aproximado são os resultados.
Palavras-chave: Geometria, construção com régua e compasso, equação polinomial.
Abstract
This article deals with the three classic problems of the antiquity, namely, the
problems to double a cube, to trisect of an arbitrary angle and to square a circle. The
historical aspects and the mathematical theory are boarded and a reply to the problems is
made possible. In our contact with pupils and professors of average or basic education we
observe that nor always they know that the existing methods are approached methods, not
existed an accurate method for such constructions. With the use of software of Dynamic
Geometry, it is possible to carry through such constructions in the computer and to
calculate the error of these methods.
Keywords: Geometry, rule and compass construction, polynomial equation
Introdução
A Matemática Grega era uma Matemática essencialmente geométrica. Tudo era
pensado em termos de Geometria, sendo o conceito de número associado ao conceito de
comprimento de segmento. Construir um número era então, construir um segmento, cujo
comprimento era exatamente esse número. Para a soma, a diferença, o produto e a divisão
de dois números existiam métodos geométricos de construção, a partir de retas e
circunferências. Tais construções ficaram conhecidas como construções por régua e
compasso. Assim, a partir da unidade, eram construídos os números naturais e os números
fracionários. Alguns números irracionais também podiam ser construídos como, por
exemplo, a raiz quadrada de 2, que é a hipotenusa do triângulo retângulo com catetos de
medida 1.
Os Problemas Clássicos
Alguns problemas a respeito de construção por régua e compasso não puderam ser
resolvidos pelos gregos. Os três mais famosos foram ‘a quadratura do círculo’ (construir
um quadrado com área igual à de um círculo dado), ‘a duplicação do cubo’ (construir um
cubo cujo volume é o dobro do volume de um cubo dado) e ‘a trissecção do ângulo’
(construir um ângulo cuja medida é 1/3 da medida de um ângulo dado).
Figura 1: quadratura do círculo, duplicação do cubo e trissecção do ângulo
Uma lenda
Durante o quinto século A.C., Atenas foi assolada por uma peste que dizimou um
quarto de sua população. Uma delegação foi então enviada ao oráculo de Apolo, em Delfos,
com a missão de perguntar como combater a epidemia. Diante da pergunta, o oráculo
respondeu que o altar cúbico de Apolo deveria ser duplicado. Em vista da resposta do
oráculo, foi construído um altar cujas dimensões foram dobradas, mas mesmo assim, a
peste continuou. No caso, foi construído um cubo, cuja aresta era o dobro da aresta do cubo
original, ou seja, o volume do cubo original foi multiplicado por oito.
Os problemas clássicos permaneceram insolúveis por muito tempo, em torno de
2.200 anos, nada se podendo afirmar sobre as possibilidades de tais construções, apesar dos
esforços para resolvê-los. Somente a partir dos trabalhos deixados por Évariste Galois
(1811-1832), tais problemas foram finalmente resolvidos.
Galois
Évariste Galois, jovem nascido em uma aldeia nas proximidades de Paris viveu no
início do século XIX, período em que a França vivia um clima de turbulência política que
culminaria na Revolução Francesa. Foi um entusiasta do movimento, além de manter
também uma paixão pela Matemática, o que o levou a tentar resolver a questão da
resolubilidade de equações polinomiais por meio de radicais, ou seja, tentar decidir se dada
uma equação polinomial, suas raízes podem ser expressas através de radicais, isto é, através
de raízes de números envolvendo os coeficientes das equações.
Na escola, Galois já mostrava grande interesse pela Matemática. Apesar disso, seus
trabalhos eram medíocres e ele era considerado um excêntrico por seus professores. Tentou
entrar na École Polytecnique por duas vezes e foi recusado. Galois ingressou na École
Normale com o propósito de preparar-se para ensinar, continuando também suas pesquisas
na Matemática. Aos 17 anos, entregou seus resultados a Cauchy para que os apresentasse à
Académie des Sciences. Cauchy considerou que parte de seus resultados estava
contemplado em um trabalho de Abel e o aconselhou a reformular o trabalho e apresentar
novamente. Seguindo o conselho de Cauchy, em 1830 apresentou seu trabalho a Fourier
para um concurso na Acadèmie. Fourier levou o artigo para casa, morreu logo em seguida e
o manuscrito se perdeu. Tentou apresentar novamente seu trabalho à Acadèmie através de
Poisson que o devolveu com a observação que o trabalho era incompreensível.
Naquela época a França vivia uma efervescência política e Galois, influenciado por
idéias liberais acaba por aderir à causa republicana. Uma carta sua criticando o
conservadorismo do diretor da École Normale acabou resultando em sua expulsão. Em
1831, foi preso por ter feito uma manifestação que foi interpretada como uma ameaça à
vida do rei Louiz Philippe, tendo sido solto logo em seguida. Foi preso novamente poucos
meses depois e condenado a 6 meses de prisão por vestir indevidamente uniforme militar.
Algum tempo depois, por causa de uma mulher, foi desafiado a um duelo, não o recusando
em nome de um código de honra. Na noite anterior ao duelo, Galois escreveu uma carta a
um amigo descrevendo suas pesquisas na Matemática. Pediu ao amigo que a publicasse, o
que aconteceu no mesmo ano. O duelo ocorreu na manhã do dia 30 de maio de 1832.
Galois recebeu um tiro, falecendo na manhã seguinte. Seu funeral foi acompanhado por
milhares de revolucionários. Ao morrer, Galois tinha apenas 20 anos de idade.
Os trabalhos de Galois respondiam à questão de resolubilidade de equações
polinomiais por meio de radicais. Além disso, foi também uma ferramenta importante para
dar uma resposta aos problemas clássicos gregos. A partir do conceito de extensão de
corpos, foi possível obter resultados que garantiam a impossibilidade de algumas
construções por meio de régua (sem marcas) e compasso.
Resolubilidade por meio de radicais
Para uma equação de grau 1, ax+b = 0, a solução é dada por x = -b/a.
Para uma equação de grau 2, ax2 + bx + c = 0, suas raízes são obtidas pela fórmula
x=
− b ± b 2 − 4ac
, uma contribuição da matemática árabe.
2a
Matemáticos italianos, no período do final do século XV e início do século XVI,
mostraram que uma equação de grau 3 poderia ser modificada e expressa numa das formas
x3 + px = q, x3 = px + q e x3 + q = px, onde p e q são números positivos. Naquela época, não
se trabalhavam com números negativos. Também se obteve um método para reduzir uma
equação do quarto grau para uma equação de grau 3.
Assim, para encontrar as raízes de uma equação de grau 3 ou 4, basta encontrar as
soluções da equação x3 + px + q = 0, para p e q números reais. Considerando x = z –
obtém-se a equação z3 –
(z3)2 + qz3 –
p
,
3z
p3
+ q = 0 que, multiplicada por z3, resulta em
3
27z
p3
= 0, e esta é uma equação de grau 2 na variável z3, podendo então ser
27
resolvida por meio de radicais.
Apesar de Niels Henrik Abel (1802-1829) ter mostrado que nem sempre era
possível encontrar as raízes de uma equação de grau 5 por meio de radicais, não ficaram
estabelecidas as condições para encontrar tais raízes. Somente nos trabalhos deixados por
Galois, e que foram anunciados por Joseph Liouville (1809 - 1882) em 1843, os polinômios
resolúveis por meio de radicais foram caracterizados através de propriedades de grupos de
automorfismos de um corpo.
Números construtíveis
Um número α é dito construtível se é possível construir um segmento de medida α,
utilizando somente régua (sem marcas) e compasso. Se α e β são números construtíveis
então α + β, αβ e 1/α (caso α≠0) também são construtíveis. Se α é construtível, considerase -α também um número construtível. Assim, partindo da unidade, é possível construir
qualquer número fracionário.
O processo de construção, por meio de régua e compasso, do ponto de vista da
Geometria Analítica, consiste em:
a) traçar retas que unem pontos já construídos;
b) traçar circunferências com centros e raios também construídos;
c) obter os pontos de interseções de reta com reta, reta com circunferência e
circunferência com circunferência, determinando as coordenadas desses novos pontos.
Isso significa trabalhar com sistemas de equações do tipo ax + by + c = 0 e (x–x0)2 + (y-y0)2
= r2, cujas soluções são raízes de equações de graus um ou dois. A partir desta observação,
prova-se que se o número α é construtível então α é raiz de um polinômio irredutível f(x)
com coeficientes racionais, e o grau de f(x) é igual a 2n. Isso também nos garante que se α
é raiz de um polinômio irredutível, cujo grau não é uma potência de 2, então α não é
construtível.
Um número α é denominado algébrico se α é raiz de um polinômio com
coeficientes racionais. Caso contrário α é denominado transcendente. Assim, se α é um
número transcendente então α não é um número construtível.
Exemplos.
2 é construtível, pois é a hipotenusa do triângulo retângulo com
1) O número
catetos medindo 1 unidade. Note que
2) O número
3
garantir que
2 é raiz do polinômio f(x) = x2 – 2.
2 é raiz do polinômio irredutível f(x) = x3 – 2. Isso é suficiente para
3
2 não é raiz de um polinômio irredutível de grau 2n (veja, por
exemplo, o livro do A. Gonçalves ou do I. Kaplansky, da bibliografia). Assim,
3
2
não é construtível.
3) O número π não é construtível pois π é transcendente, logo,
pois, caso contrário, π =
π não é construtível
π π seria construtível.
4) O número cos(20o) não é construtível, pois 1/2 = cos(60o) = cos(3×20o) = 4cos3(20o)
– 3cos(20o), logo, 1 = 8cos3(20o) – 3×2cos(20o). Tomando u = 2cos(20o), temos que
u3 – 3u – 1 = 0. Assim, u é raiz do polinômio irredutível f(x) = x3 – 3x – 1, ou seja,
u não é raiz de um polinômio irredutível de grau 2n. Logo, 2cos(20o) não é
construtível, portanto cos(20o) não é construtível.
Resposta aos problemas clássicos.
1) Quadratura do círculo. Dado um círculo de raio r=1, construir o lado x do quadrado cuja
área é igual à do círculo. A área do círculo é A = πr2 = π, logo, x2 = π, ou seja, x = π , que
não é construtível. Assim, não é possível construir x e, portanto, não é possível construir o
quadrado.
2) Duplicação do cubo. Para um cubo de aresta 1, seu volume é igual a 1. A aresta do cubo
de volume 2 deve medir
3
2 que não é construtível.
3) Trissecção do ângulo. Dado um ângulo de 60o, se fosse possível construir um ângulo de
20o, seria possível construir cos(20o), o que já vimos não ser possível. Assim, não é
possível fazer a trissecção do ângulo de 60o por meio de régua e compasso.
Existem métodos aproximados em textos de Desenho Geométrico para as
construções acima. Seria interessante, ao apresentar tais construções aos alunos, pedir para
que eles realizem essas construções com um programa de Geometria Dinâmica para
verificar a diferença entre os resultados obtidos e os esperados.
Como podemos observar, problemas de enunciados simples nem sempre têm uma
solução simples. Para resolver os Problemas Clássicos foram necessários mais de 2.000
anos, e o desenvolvimento de uma ferramenta matemática um tanto sofisticada em oposição
à simplicidade dos enunciados.
Bibliografia
BOYER, C. B. História da Matemática. São Paulo: Editora Edgar Blucher Ltda, 1974.
GONÇALVES, A. Introdução à Álgebra. Projeto Euclides. Rio de Janeiro: SBM, 1979.
GARDING, L. Encontro com a Matemática. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1981.
KAPLANSKY, I. Introdução à Teoria de Galois. Notas de Matemática no 13. Rio de
Janeiro: IMPA, 1958.
MARMO, C. Curso de Desenho. Livro 3, São Paulo: Editora Moderna, 1964.
http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/history/BiogIndex.html.
22/05/2002
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