ID: 54478818 21-06-2014 Tiragem: 34107 Pág: 18 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 27,50 x 30,75 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1 “O único motor de crescimento da economia é a criação de empresas” Ilian Mihov Reitor do Insead acredita que Portugal pode conseguir, um dia, crescer 10% ao ano e defende que a consolidação era inevitável e só possível de duas maneiras: ou a dolorosa, ou a mais demorada NUNO FERREIRA SANTOS Entrevista Ana Rute Silva O búlgaro Ilian Mihov, de 47 anos, assumiu a liderança do Insead há oito meses, depois de quatro anos a assumir o cargo de reitor de forma interina. Numa conversa em Lisboa, à margem da conferência anual de líderes da prestigiada escola de gestão — onde se prestou homenagem a António Borges — defendeu que o crescimento da economia portuguesa pode ser acelerado pela criação de novos negócios. Quanto ao ensino da gestão, registou mudanças no perfil de alunos nos últimos anos: cada vez mais focados no empreendedorismo. Assumiu o cargo de reitor do Insead há cerca de oito meses. Como está a correr a experiência? Tive duas surpresas. A primeira foi a rede de antigos alunos. É absolutamente espantosa a quantidade de pessoas que o Insead tem espalhadas pelo mundo e o quão longe essas pessoas chegaram. A segunda surpresa teve a ver com a história da escola. Não pensamos nisso muito, mas o Insead criou muitas disrupções na educação da gestão. Criámos o primeiro programa de formação com a duração de um ano, o primeiro MBA da Europa e desde o primeiro dia quisemos ser uma escola internacional. Agora, todos perguntam o que vamos fazer a seguir [risos]. Quais são, agora, as prioridades do Insead? Um dos meus grandes objectivos de futuro é criar uma comunidade de aprendizagem global, ligando os antigos alunos à escola, baseada na excelência académica que, por sua vez, está suportada em três factores: o ensino da excelência e da qualidade, a aprendizagem da inovação e a investigação de excelência. Queremos que a escola continue a ser disruptiva e temos de criar um ambiente com uma operação muito eficiente. Uma das oportunidades que identificámos é a digitalização da educação. Refere-se ao ensino online? Sim, mas não só. Estamos a trabalhar em algo que iremos anunciar no final do ano lectivo. Gravamos parte da aula, cerca de dez minutos, os alunos vêem o vídeo e nas aulas há apenas a discussão. Levamos parte da experiência para fora da sala. Qual é o perfil actual dos gestores que frequentam os programas? Houve mudanças? A maior mudança tem a ver com aquilo que os executivos querem fazer, os seus objectivos. É um fenómeno global e há uma viragem muito forte em direcção ao empreendedorismo. Querem criar a sua própria empresa, mesmo os que trabalham em consultoria. Muitos deles acabam por avançar. Portugal tem algum peso para o Insead? É um mercado muito importante. Tem sido uma grande fonte de estudantes e alguns dos nossos alunos mais proeminentes são portugueses, como o António Horta Osório (Lloyds Banking). Nos últimos anos, Portugal passou por um período difícil e notámos uma quebra, mas muitos dos alunos querem fazer coisas, são muito criativos e inovadores. Quando vai a crise acabar? Acho que os tempos difíceis ficaram para trás. Os dados mais recentes mostram um crescimento suportado pelas exportações e é isso que queremos. Há três anos discutíamos a saída do euro, sobretudo a propósito da Grécia, mas não é isso que aumenta as exportações. Muitos países depreciaram a moeda e continuam com um défice comercial. A solução é mudar a estrutura da economia e garantir que seja mais competitiva. Parece que Portugal está no caminho certo. O que pensa sobre a forma como as autoridades europeias e o FMI lidaram com a crise nos países periféricos da zona euro? É uma pergunta muito difícil. A verdade é que foi preciso avançar com uma correcção orçamental nestes países. Durante mais de uma década, a Grécia pediu emprestado e algum dia tinha de parar e pagar a dívida. A consolidação orçamental tinha de acontecer. Pode é questionar-se se aconteceu da melhor forma. No caso de Portugal, penso que o Governo está a fazer o que é correcto. Nestes casos, não há muitas maneiras de o fazer: ou da forma mais dolorosa, ou da forma mais demorada. É preciso “Prometemos muito em termos de benefícios de saúde e reforma, mas isso não é sustentável. Temos de ajustar” cortar nas despesas e penso que em termos globais — não se trata apenas de Portugal, Espanha, Itália ou Grécia — é preciso perceber que vivemos além das nossas possibilidades. Prometemos muito em termos de benefícios de saúde e reforma, mas não é sustentável. Temos de ajustar. E foi preciso esperar pela crise para resolver o problema? Ninguém quer ser o mau da fita, aquele que implementa as medidas duras. O que é mau. Os resultados macroeconómicos até podem ter evoluções positivas, mas essa realidade demora até ter reflexos na vida das pessoas. Compreendo isso perfeitamente. Quando pensamos no que será a mudança, estamos a falar de um crescimento de 2 a 3% ao ano. A nível individual, isso não é nada. Ouvimos alguém dizer que começámos a crescer, mas é a este nível, com pequenos passos. E as pessoas, claro, desiludem-se. Leva tempo. Não acredito que Portugal cresça 10%. O que é preciso para que cresça a esse nível? A primeira coisa que os Governos devem reconhecer é que o único motor de crescimento a longo prazo é a criação de empresas. Sem empresas, não há empregos. Por isso, criar um ambiente que facilite o nascimento de novos negócios é fundamental. Em Portugal, há pessoas muito inovadoras e criativas, não é uma sociedade fechada. Mas com a crise muitos portugueses qualificados deixaram o país. Se houver oportunidades, se os ajudarmos, eles ficam. Um antigo aluno francês decidiu criar a sua empresa no Brasil. As boas condições locais podem travar a fuga de cérebros. Que papel desempenhou António Borges na sua carreira? Para ser honesto, quando fiz o meu doutoramento em Economia em Princeton, não conhecia o Insead. Recebi um telefone para uma entrevista e pensava que era o gabinete francês de estatísticas [risos]. Quando me encontrei com o António, garantiu-me condições para fazer investigação académica. Desde os anos 1970 que o Insead quer investir na investigação, mas tem sido difícil. O modelo da escola na altura não o permitia e o António foi o primeiro a dizer: temos de apostar na investigação. A criação do campus de Singapura foi a maior iniciativa de António Borges enquanto reitor? Ele mudou muitas coisas, colocou a escola num nível verdadeiramente global. A aposta na investigação foi o seu maior contributo. O campus de Singapura também foi importante. E ele percebeu que uma escola de sucesso não pode sobreviver sem angariação de fundos. Fomos a primeira escola fora dos EUA a fazer uma campanha. com Sérgio Aníbal