PROJETO DE TESE DE DOUTORADO PARA O PPGCOM / UFF Linha de Pesquisa: Estéticas e Tecnologias da Comunicação Palavras-chave: cibercultura, indústria fonográfica, álbum de música Álbum de música 2.0: Remediações e a reconfiguração da indústria fonográfica Lucas Laender Waltenberg Niterói, setembro de 2011 Sumário 1. Dados identificadores do projeto................................ 1 2. Resumo........................................................................1 3. Introdução................................................................... 1 4. Tema e objetivos..........................................................5 5. Justificativa e relevância do tema............................... 7 6. Hipóteses..................................................................... 8 7. Fundamentação teórica................................................9 8. Metodologia................................................................ 18 9. Cronograma.................................................................19 10. Referências bibliográficas......................................... 19 11. Bibliografia............................................................... 22 1. Dados identificadores do projeto Título: Álbum de música 2.0: remediações e a reconfiguração da indústria fonográfica Autor: Lucas Laender Waltenberg Linha de Pesquisa: Estéticas e Tecnologias da Comunicação Palavras-chave: cibercultura; indústria fonográfica; álbum de música 2. Resumo Com a crise dos modelos de negócio tradicionais da indústria fonográfica e o crescente desuso dos suportes físicos musicais, como o CD ou LP, deu-se como certa a extinção do álbum enquanto um formato cultural. Em outra direção, pensamos que esse formato vem sofrendo reconfigurações que dialogam diretamente com as novas tecnologias da comunicação e da informação e com os novos suportes musicais e aparelhos de reprodução. Entendendo que o álbum ainda é um elemento central na cultura da música e precisa ser pensado não somente em termos econômicos, como estéticos, este projeto pretende discutir a reconfiguração do álbum de música na cibercultura, na direção de um álbum musical 2.0. Um formato atravessado pelas materialidades das novas mídias digitais, que mudam a natureza da própria maneira de conceber o álbum e inserem o ouvinte em dinâmicas participativas. 3. Introdução De todas as indústrias culturais, a da música foi uma das mais afetadas pelas novas tecnologias da comunicação e da informação (NTCIs) nos últimos anos (ALEXANDER, 2002; SÁ & DE MARCHI, 2003; HERSCHMANN & KISCHINHEVSKY, 2005; ANDERSON, 2006; DE MARCHI, 2005; 2006; SÁ, 2006a; 2006b; LEÃO & NAKANO, 2009; MORROW, 2009; SILVEIRA, 2009; STANGL & PAMPONET, 2009; HERSCHMANN, 2010). Queda na venda de CDs, ineficiência dos modelos de negócio mais tradicionais e o acesso a músicas gratuitamente via redes de compartilhamento na internet são alguns dos principais fatores que vêm obrigando o negócio da música a passar por uma profunda reconfiguração. Hoje, agentes da cadeia 1 produtiva da música começam a pensar em novas maneiras de lidar com a sua produção, explorando novos canais de circulação e tentando entender novos padrões de consumo integrados ao contexto atual. Um dos principais produtos da indústria fonográfica é o álbum de música. Das suas características, destacam-se a ordem pré-determinada das faixas, elementos gráficos, como fontes e imagens para compor a capa, contracapa, encarte e uma certa unidade sonora ou “continuidade lógica” (DANTAS, 2004; DE MARCHI, 2005; SÁ, 2006a; 2009; CARVALHO & RIOS, 2009; CHAGAS & SÁ, 2011). Ele circunscreve a criação dos músicos, é comercializado em lojas, físicas e online, e oferece ao público um trabalho acabado. Por ser um representante fundamental de um modelo em reconfiguração, acredita-se que o formato esteja ameaçado, pois com a desmaterialização1 da música o público preferiria adquirir somente uma ou duas músicas principais ao invés do álbum inteiro. Apesar das razões acima, inquieta-nos o fato de alguns artistas explorarem as novas tecnologias da comunicação e da informação – justamente aquelas que seriam responsáveis por decretar a morte do álbum – para criar uma nova forma de comunicar o formato. Assim, segue a apresentação de uma amostra do objeto que analisaremos. A artista islandesa Björk lançará em outubro de 2011 seu décimo álbum, “Biophilia”2. Além do lançamento mais tradicional, o álbum também poderá ser adquirido como aplicativo para os dispositivos iPad e iPhone. Nesse caso, o ouvinte faz o download gratuito do aplicativo-“mãe” “Biophilia”, que mostra uma galáxia com a qual podemos interagir com toques na tela do aparelho. As estrelas da galáxia correspondem aos dez aplicativos-músicas do álbum, que serão disponibilizados periodicamente e podem ser comprados em separado. Até agora, três músicas já foram lançadas dessa forma: “Virus”, “Crystalline” e “Cosmogony”. O aplicativo da primeira mostra células sendo atacadas por um vírus. Enquanto escuta a canção, o jogadorouvinte precisa impedir que a célula seja destruída pelo vírus, mas sem matá-lo, pois isso interrompe a execução da música. Cada aplicativo dialoga com o tema da canção e 1 Nesse caso, por desmaterialização, entende-se a digitalização das músicas em arquivos de áudio digital, como o mp3 que, dada a sua compressão, tem trânsito intenso e potencialmente irrestrito nas redes de compartilhamento 2 http://www.guardian.co.uk/culture/2011/may/28/bj-rks-biophilia 2 está em consonância com o conceito do álbum, inspirado pela relação entre natureza e tecnologia. Outro exemplo de artista que vem criando álbuns em diálogo com as NTCIs é o da banda Bluebrain3, que lançou o “The national mall” como um aplicativo de geolocalização para celular. O ouvinte faz o download do álbum-aplicativo, cujas músicas são executadas à medida que se passa por certos pontos do parque The Mall, localizado no centro de Washington. Já existe um novo projeto em andamento da mesma banda para lançar um produto parecido, dessa vez para o Central Park, de Nova Iorque. Moby, um nome importante da música eletrônica, lançou o último álbum, Destroyed4, em um website em parceria com os aplicativos Soundcloud, Instagram e Polymaps5. Acessando o endereço online, podemos escutar as músicas enquanto navegamos pelo mapa-múndi exibido. Segundo o artista, grande parte da inspiração para esse álbum veio das suas constantes viagens e reflexões em quartos de hotel ao redor do mundo e, com o site, o músico tentou trazer essa experiência para o ouvinte. No mapa exibido na página, cada ponto branco representa uma foto feita pelo artista nesses lugares. Os pontos pretos são fotos publicadas pelos próprios usuários através do aplicativo Instagram, usando a hashtag6 “#destroyed”. Dessa maneira, Moby não apenas atualiza a noção de álbum, como faz do próprio um ponto de convergência entre som, imagem e espaço. Em projeto ousado, a cantora e compositora Imogen Heap está preparando o seu quarto álbum, ainda sem título. O material estará completo em aproximadamente três anos, com cada música sendo lançada de três em três meses. Para compor as canções, a artista abriu o seu processo criativo, convidando os fãs para participarem ativamente 3 http://mashable.com/2011/05/27/the-national-mall/ 4 http://destroyed.moby.com/ 5 O Soundcloud (http://soundcloud.com) é uma plataforma online para distribuição de música e permite que músicos compartilhem suas produções na web. O Instagram (http://instagr.am) é um popular aplicativo para o iPhone que “turbina” as fotos feitas com o aparelho conferindo filtros que tentam traduzir uma estética vintage. Em seguida, os usuários podem enviar as imagens para seus perfis em sites de rede social como o Twitter ou o Facebook. Com o Polymaps (http://polymaps.org), podemos criar mapas interativos e dinâmicos para nossos sites. 6 No Twitter e outras plataformas similares, como o próprio Instagram, a hashtag é representada pelo símbolo “#”, que, ao ser adicionada à um termo, cria um parâmetro de busca para ele. Foi uma convenção criada pelo próprio Twitter para facilitar a busca de termos e assuntos populares no site de rede social. 3 através de crowdsourcing, processo definido como “um novo modelo de negócios com base na Web que subordina soluções criativas de uma rede distribuída de indivíduos através de uma chamada aberta de proposições” (HOWE apud AMARAL, 2010, p. 156). A criação de cada música começa com uma chamada pública, definindo como será o desenvolvimento daquela determinada faixa que, até a finalização, chama-se “heapsong#”. Para a produção de “heapsong1”, que começou no dia 14 de maio, Imogen pediu aos fãs que enviassem palavras, sons, imagens e vídeos. O público acompanhou o processo através de transmissões ao vivo da própria artista, que documentou tudo em seu website, que comporta outros hotsites, um para cada música. Por enquanto, só as faixas “Lifeline” (“heapsong1”) e “Propeller Seeds” (“heapsong2”) estão prontas, com seus videoclipes. No Brasil, ainda que timidamente, algumas bandas também utilizam os aplicativos de celular como suportes para comunicar o álbum. É o caso da banda independente de Brasília Móveis Coloniais de Acaju, cujo aplicativo pode ser adquirido gratuitamente na loja online da Apple. O software contem os dois álbuns da banda (com capa e letras), informações sobre os integrantes, agenda de shows, além de integração com os sites Twitter e YouTube. Esses são apenas alguns exemplos para entendermos como o álbum ainda é uma noção importante, mesmo na cibercultura. Afinal, tanto os artistas quanto a própria crítica fazem referências a ele, confirmando a legitimidade do formato apesar dos discursos que decretam sua “morte”. Nessa direção, alguns autores apontam para a permanência do álbum como fundamental na cultura musical contemporânea, mesmo que esteja articulado a novas práticas e contextos, como é o caso da comunidade do Orkut “Discografias”, onde o download do álbum inteiro, inclusive com arquivo de imagem da capa, era estimulado pelos milhares de membros participantes do grupo (CHAGAS & SÁ, 2011). Após esse mapeamento inicial, propomos conduzir a discussão através das perguntas: como o álbum musical é reconfigurado na cibercultura? E qual o papel das materialidades dos suportes na reconfiguração do álbum de música? Outras perguntas, secundárias, seriam: Esses exemplos seriam casos isolados ou parte de um sintoma muito maior que dialoga com toda a cultura do entretenimento na contemporaneidade? 4 E: que respostas e perguntas casos como esses trazem para a discussão sobre a reconfiguração da indústria fonográfica? 4. Tema e Objetivos Essa proposta de pesquisa é, na verdade, um desdobramento da minha dissertação de mestrado Cultura da música na era digital: Pato Fu e a reconfiguração da indústria fonográfica em tempos de participação. Nesse trabalho, investigamos a reconfiguração da indústria fonográfica à luz do conceito da “cultura participativa” (JENKINS, 2006, 2008), com estudo de caso da banda Pato Fu. Agora, propomos um aprofundamento do tema concentrando a análise no álbum de música. Como ele é um dos principais produtos da indústria fonográfica, a ideia é complexificar a discussão descolando-a de um caso específico e inseri-la num contexto mais amplo. Com os arquivos de áudio comprimido como o mp3, os protocolos de compartilhamento peer-to-peer (par-a-par ou p2p7), torrent8 etc., a transposição da música para o ambiente online e os novos aparelhos e dispositivos de reprodução sonora, argumenta-se que o álbum tem perdido espaço para dar lugar ao consumo individualizado de música. Acredita-se, portanto, que nesse cenário o consumo do álbum enquanto um produto fechado não faz mais sentido, uma vez que o público fruidor escolhe somente algumas músicas para ouvir, fora da ordem proposta, seja comprando-as em separado através de lojas virtuais como a iTunes Store, seja fazendo o download em softwares p2p. Em outra direção, argumentamos que o álbum não desapareceu. CDs ainda são produzidos e, nos últimos anos, o vinil ainda mostra sua força, sobrevivendo em prateleiras de colecionadores e em determinadas subculturas (SÁ 2009; HERSCHMANN, 2010). O álbum é um formato cultural construído através dos 7 As redes p2p contribuíram para a prática de compartilhar de músicas, pois permite que cada usuário “procure” no disco rígido de outros usuários o arquivo desejado. Cada computador é, então, tratado como um servidor que disponibiliza e recebe arquivos, dentre eles, o mp3. 8 BitTorrent é um protocolo de rede que permite ao usuário realizar downloads de arquivos, em geral, indexados em websites. Esse protocolo introduziu o conceito de partilhar o que já foi baixado, maximizando o desempenho e possibilitando altas taxas de transferência, mesmo com um número grande de usuários realizando downloads de um mesmo arquivo simultaneamente. Em outras palavras, quanto mais se compartilha (na linguagem do torrent, “semear”) um arquivo, mas rápido outras pessoas conseguem baixá-lo. Para mais informações, acessar http://pt.wikipedia.org/wiki/BitTorrent. 5 diversos suportes de gravação e reprodução sonora, do mercado e que, em determinados casos, comporta discursos artísticos e estéticos dos músicos. Nesse sentido, o álbum é uma noção que flutua entre esses polos reconfigurando-se à medida que são desenvolvidas novas técnicas de reprodução e armazenamento e surgem novos padrões de consumo musical. A fim de recortar termos importantes na discussão, recorremos a Dantas (2004), que discute suporte e formato conceitualmente. O primeiro seria a base onde é registrada a música, como o CD, o LP e o próprio mp3. Já o formato, é a “forma em ato, encarnada em seu corpo midiático” (p. 5), representada pela própria música ou, ainda, pelo próprio álbum. Sendo assim, ainda segundo o autor, o suporte CD ou o disco de vinil poderiam desaparecer, mas não o formato cultural “álbum”, que pode ser resgatado em outros suportes, como o mp3, indo em direção contrária de um quadro de autores que aponta a extinção da noção de álbum como consequência do desuso dos suportes físicos. Diante do exposto até aqui, este projeto de pesquisa tem como objetivos principais: a. trabalhar a noção de “álbum musical 2.0” a partir de uma perspectiva que contemple as reconfigurações pelas quais passa o formato “álbum” na cibercultura. b. problematizar o formato álbum através das materialidades engendradas nos suportes de gravação e reprodução sonora. E como objetivos secundários: a. percorrer historicamente a indústria fonográfica, identificando os elementos que definiram o álbum de música ao longo do século XX. b. entender como as novas maneiras de fazer a criação musical aproximam o público do processo criativo em dinâmicas participativas e concedem a ele um novo papel, mais ativo em relação a um momento anterior. c. partindo do pressuposto que a música popular massiva deve ser entendida na dicotomia entre arte e mercado, refletir como o álbum 6 musical é, ao mesmo tempo, um produto artístico e um produto mercadológico. Como parte do estudo, a proposta de pensar o “álbum musical 2.0” recortará os exemplos dentro de categorias que serão trabalhadas ao longo do desenvolvimento da pesquisa para enquadrá-los de forma sistemática nessa moldura mais ampla. 5. Justificativa e relevância do tema A música é um elemento fundamental na vida de muitas pessoas e é abordada em pesquisas acadêmicas em diferentes áreas: Antropologia, Musicologia, História e também na Comunicação, entre outras. Na Comunicação, uma série de estudos têm se concentrado nas reformulações dos modelos de negócio da indústria fonográfica. A discussão proposta aqui, não somente relaciona-se com esse debate, como pretende incorporar outras reflexões, como as novas estéticas do álbum de música e das materialidades dos suportes de gravação e reprodução musical. Como todo cenário em mudança, ainda existem muito mais perguntas do que repostas. Estudando de maneira profunda um de seus principais produtos à luz de novas práticas e tecnologias introduzidas pelas NTCIs, propomos um refinamento do debate acerca do tema. Assim, nossa discussão problematiza o cenário fonográfico atual, pois pretende um entendimento complexo e historicamente integrado, fugindo de determinismos e inserindo as novas dinâmicas na própria história da indústria fonográfica. Reconhecemos que, hoje, há um pequeno número de pesquisas que aborda a materialidade dos suportes musicais. Esse tipo de enfoque é importante porque nos afasta de perspectivas que olham para as novas mídias digitais como essencialmente novas ao invés de relacioná-las a uma história cultural. Afinal, para observar as transformações estéticas e na própria cadeia produtiva da música através das NTCIs, é preciso também considerar a materialidade do suporte e entender como ele afeta o formato “álbum”. Assim, nossa proposta vai em direção a uma série de estudos que pensam nas questões de materialidade, como Gumbrecht (2004), Felinto (2001; 2011), Felinto & Andrade (2005), Sá (2009; 2011), Chagas & Sá (2011). 7 Para finalizar, uma série de estudos se concentram na reconfiguração da indústria fonográfica a partir da economia política e da inadequação dos modelos de negócio tradicionais. Sá (2010) e Chagas & Sá (2010), são alguns dos poucos trabalhos que voltam seu olhar para a experiência estética na produção e consumo do álbum de música enquanto um formato cultural nos novos suportes. Nossa proposta, portanto, é entrar nesse debate, ainda em andamento, com mais perguntas e respostas. Portanto, o tema justifica-se e prova sua relevância por recortar, analisar e questionar novos modos de fazer na produção, na distribuição e na fruição musical, onde artistas e ouvintes parecem encontrar-se num meio do caminho e andar lado a lado por sonoridades e tecnologias. 6. Hipóteses Como principal hipótese, entendemos que o álbum ainda é um formato fundamental na cultura da música. De acordo com Chagas & Sá (2011), não podemos isolar as novas maneiras de escuta musical pela internet das antigas, “uma vez que o atual circuito de música promovido pela cibercultura não pode ser pensado exclusivamente em termos de ruptura com antigas tecnologias e seus usos, mas também a partir dos processos de reconfiguração (p. 110). Por isso mesmo, é importante pensar na reconfiguração do formato, incorporando as discussões de materialidade do suporte musical e das dinâmicas participativas nas NTCIs. Ao invés de ser um produto “fechado” e “imposto” pela indústria, o álbum musical pode convidar o consumidor a desenvolver o seu próprio caminhar enquanto navega pelas faixas, seja interagindo com elas através de aplicativos, seja produzindo conteúdo para compor as músicas. Assim, as categorias-chave que criam a noção de álbum a partir dos suportes precisam ser repensadas. Com os objetos empíricos, propõe-se justamente refletir sobre as rupturas e continuidades da noção de álbum musical. Por outro lado, nossa intenção é comprovar que os exemplos trazidos até aqui são parte de um sintoma que dialoga com toda a cultura do entretenimento atualmente, principalmente a partir de três tendências: a) músicos e produtores desenvolvem novas 8 maneiras de comunicar suas criações, uma vez que os canais usados para esse feito há alguns anos não parecem ter a mesma eficiência de antes; b) nessa busca, as experimentações estéticas nas NTCIs acabam por transformar a própria natureza da criação que, por fim, c) insere o consumidor de mídia no processo criativo ou em outras esferas as quais ele não tinha pleno acesso. Por isso, entendemos que a música ocupa uma posição bastante estratégica na cultura digital. Apesar de a indústria fonográfica ter sido muito afetada pelos novos padrões de consumo e de acesso às músicas por redes de compartilhamento, acreditamos que, através do uso das novas tecnologias, artistas e ouvintes ajudam a criar novos paradigmas para a cultura da música. Afinal, o álbum ainda é um produto-chave para determinado grupo de artistas, intérpretes e compositores. Na cibercultura, um grupo deles vai utilizar as NTCIs para criar e explorar as possibilidades criativas dos novos meios, trazendo o espectador para a esfera da produção, em obras mais abertas ou, como escreveu Lévy (1999), “obras-processo”. No caso, o álbum de música 2.0. 7. Fundamentação Teórica A discussão proposta insere-se principalmente nos campos da cibercultura, da economia política da indústria fonográfica e da materialidade da música. A multidisciplinaridade do quadro de autores sustentará a discussão a partir de um recorte estratégico que dê conta de nossas questões. Primeiramente, propomos inserir o tema no campo da cibercultura, por acreditar que ele dará conta de uma série de reflexões caras ao consumo e à produção de música nas NTCIs. O recorte no campo está de acordo com a proposta de SÁ & DE MARCHI (2003), pois entendemos que a cibercultura “remete primeiramente à noção de cultura, a partir da tradição interpretativa da antropologia” e, assim, compreendemos “o estudo da cibercultura como um contínuo e plural processo de inovação e reapropriação tecnológica, cujo desenvolvimento remonta ao diálogo com boa parte da história das tecnologias da informação e da comunicação” (2003, p. 49). Em referência à célebre frase de McLuhan (2002) – “o meio é a mensagem” – Bolter & Grusin (2000) apresentam o conceito “remediation” (remediação). Com os 9 autores, refletimos como as novas atualizações dos meios de comunicação sempre trazem consigo elementos dos antigos. O novo, portanto, é sempre algo que traz algo anterior em si, pois as novas mídias fazem exatamente os que suas predecessoras fizeram: se apresentam como versões repaginadas e melhoradas de outras mídias. Assim, a definição de “remediação” é justamente a “representação de um meio em outro”, e essa é uma característica definidora das novas mídias digitais (BOLTER & GRUSIN, 2000, p.49). Dessa forma, como proposto por Sá & De Marchi (2003), entendemos os usos “permitidos” pelas novas tecnologias como inscritos na cultura, na história e nas próprias tecnologias predecessoras. Assim, escapamos do determinismo tecnológico, que poderia polarizar a discussão. Bolter & Grusin (2000) ainda argumentam que “as novas mídias digitais não são agentes externos que vêm para corromper a cultura insuspeita. Elas emergem dos próprios contextos culturais e remodelam outras mídias, que são embutidas no mesmo contexto ou similar” 9 (2000, p. 19). Em seu seminal livro sobre cibercultura, Lévy (1999) comenta sobre a “falácia da substituição”, onde os novos gêneros, ou, nosso caso, os novos formatos do álbum e dos padrões de consumo musical, não se sobreporão aos anteriores, pois “a perspectiva da substituição negligencia a análise das práticas sociais efetivas e parece cega à abertura de novos planos de existência, que são acrescentados aos dispositivos anteriores ou os complexificam em vez de substituí-los.” (1999, p. 211), pois “é muito raro que um novo modo de comunicação ou de expressão suplante completamente os anteriores” (1999, p. 212). A economia política da indústria fonográfica nos permitirá olhar o álbum de música como uma noção construída historicamente ao longo das últimas décadas, em diferentes tecnologias, suportes e aparelhos de reprodução sonora. Antes cabe uma ressalva. A música a qual nos referimos aqui é a música popular massiva, definida por Janotti Jr. (2006) como ligada às expressões musicais surgidas no século XX e que se valeram do aparato midiático contemporâneo, ou seja, técnicas de produção, armazenamento e circulação tanto em suas condições de produção bem como 9 Tradução nossa para: “New digital media are not external agents that come to disrupt an unsuspecting culture. They emerge from within cultural contexts, and they refashion other media, which are embedded in the same or similar contexts”. 10 em suas condições de reconhecimento. Na verdade, em termos midiáticos, pode-se relacionar a configuração da música popular massiva ao desenvolvimento dos aparelhos de reprodução e gravação musical, o que envolve as lógicas mercadológicas da indústria fonográfica, os suportes de circulação das canções e os diferentes modos de execução e audição relacionados a essa estrutura (2006, p. 3). A invenção do fonógrafo por Thomas Edison e do gramofone por Émile Berliner fundou a base sobre a qual foi construída o negócio da música. No final do século XIX, ainda não existia uma indústria musical de fato. No entanto, é a invenção do disco de goma-laca usado no gramofone que torna possível o desenvolvimento de uma indústria em torno da música, uma vez que o suporte permitia a produção de cópias, ao contrário da folha de estanho usada no cilindro do fonógrafo (CHANAN, 1995). Desde então, diversos aprimoramentos tecnológicos nos suportes, nas técnicas de gravação e nos aparelhos reprodutores foram encaminhados, permitindo que o negócio criado em torno da música ficasse cada vez melhor estruturado. Para pensar a indústria fonográfica, Frith (2001) coloca a pergunta: “como fazer a música gerar dinheiro?”. Segundo o autor, a música popular massiva foi moldada pelos problemas de transformá-la em uma mercadoria e os desafios em adaptar práticas rentáveis a tecnologias que mudam constantemente. Chanan (1995) conta que, “economicamente, essa é uma história de repetidas expansões, recessões, regenerações e das transformações do negócio da música e seus mercados através do desenvolvimento de novas formas de consumo” (CHANAN, 1995, p. 8). Respondendo à sua própria pergunta, Frith (2001) afirma que para compreender a história da comoditização da música – a transformação de algo imaterial e etéreo em algo que possa ser trocado por dinheiro – é preciso entendê-la em termos de armazenamento e acesso10. Essa história, para o autor, é dividida em três partes e tratase de uma evolução das possibilidades de armazenamento; não é necessariamente uma história de substituições de práticas e tecnologias. A primeira grande revolução em termos de armazenamento musical foi a combinação entre notação e impressão. E esse é entendido como o embrião da indústria fonográfica (NEGUS, 1999, p.17). Aqui, a música passa a ser inscrita em uma partitura e esta pode ser reproduzida inúmeras vezes. É aqui que a música transforma-se em uma 10 Não há tradução oficial desse texto em português. Os termos no original são: storage e retrieval. 11 indústria de publicação, fazendo editoras se preocuparem com proteções legais e começarem a pensar em uma regulação de direitos autorais para a música. Um segundo grande desenvolvimento nos suportes de armazenamento reside nas tecnologias de gravação que permitem o acesso à música a partir de discos e cilindros. Nesse sentido, a música passa a ser consumida em casa como um bem e não como uma técnica. Há um efeito comercial imediato nessa nova configuração: o desenvolvimento de um novo setor industrial. De uma indústria de publicação, a música também passa a ser uma indústria de eletrodomésticos e eletrônicos com a manufatura de gramofones e gravações para os aparelhos, que é concomitante com o aumento potencial do públicoalvo. Além disso, a própria gravação passa a ser também uma fonte de renda que, antes, era obtida somente com a criação e a performance ao vivo. Finalmente, a terceira parte dessa história do armazenamento musical reside na tecnologia digital. Em primeiro lugar, o próprio autor nota que as práticas no âmbito digital foram moldadas pelas práticas analógicas, pois a tecnologia digital permitiu fazer mais rápido e facilmente o que já vinha sendo feito há algumas décadas. Por fim, Frith resume a indústria fonográfica em: - uma indústria de direitos (a rights industry), pois depende de regulamentações legais do que é a “posse” e faz o licenciamento de uma grande variedade de usos de trabalhos musicais; - uma indústria de publicações (a publishing industry), pois, apesar de levar esses trabalhos para o público, ela depende das criações de músicos e compositores; - uma indústria de talentos (a talent industry), pois depende do gerenciamento efetivo de seu elenco através de contratos e do desenvolvimento de um star system e - uma indústria de eletrônicos (an electronics industry) que depende do uso doméstico e público de uma diversidade de equipamentos. 11 Leão & Nakano (2009, p. 13) caracterizam a cadeia produtiva da música em quatro etapas: criação, produção, distribuição e divulgação, onde: - a criação envolve a busca de novos artistas, a criação da música propriamente dita e o desenvolvimento dos estilos musicais, incluindo também seu registro e as relações de direitos autorais; - a produção envolve o registro da música criada em algum suporte físico ou 11 Tradução nossa para: “- a rights industry, dependent on the legal regulation of the ownership and licensing of a great variety of uses of musical works; - a publishing industry, bringing those works to the public but itself dependent on the creativity of musicians and composers; - a talent industry, dependent on the effective management of those composers and musicians, through the use of contracts and the development of a star system; - an electronics industry, dependent on he public and domestic use of various kinds o equipment”. 12 digital, além de atividades de pós-produção, como mixagem e masterização; - a distribuição envolve os meios de levar a música produzida ao mercado consumidor, seja a distribuição física, por meio de cadeias de lojas e revendedores, ou virtual, por meio de sistemas de venda ou compartilhamento de músicas on-line e - a divulgação, que envolve os processos de divulgação visando à venda da música produzida, seja veiculando a música por meio de rádio, televisão e cinema, como também pelo desenvolvimento e exposição dos artistas e músicos na mídia ou pela realização de turnês e apresentações ao vivo. Essa discussão nos fornece pontos importantes para entendermos como se estabeleceu a indústria fonográfica. Atualmente, os downloads ilegais, a ineficiência dos modelos de negócio tradicionais e a consequente queda no rendimento com venda de música criou um problema estrutural para a indústria: por que pagar por algo que pode ser adquirido fácil e gratuitamente? Como apontado por uma série de autores e executivos da área, isso configuraria uma situação de “crise”. Entretanto, cada vez mais observam novos modelos de negócio e iniciativas que, criativamente, dialogam com as NTCIs, estabelecendo novos paradigmas na criação, produção, distribuição e consumo de música, pois segundo Stangl & Pamponet Filho (2009, p. 121), “a desmaterialização da forma de circulação da música transforma diretamente o modo como a percebemos e a produzimos”. O formato álbum foi severamente afetado nesse cenário. Necessariamente atrelado a um suporte, o álbum de música só pôde surgir com o disco de 33rpm, o LongPlay (LP), permitindo que mais faixas pudessem ser registradas de cada lado, ao contrário do disco de 45 rotações, que comportava somente uma faixa em cada face, suporte que deu origem à estética do single (CARVALHO & RIOS, 2009, p. 81), representada pelo “o consumo da música por unidade”. Posteriormente, a fita cassete e o CD também são exemplos de suportes que traduzem a estética do álbum, enquanto um produto consolidado (DE MARCHI, 2005; SÁ, 2006a). SÁ (2006a) defende que o LP configura uma nova concepção musical: “a do álbum como um produto 'fechado', com canções interligadas, com duração de cerca de quarenta minutos, com lado A e lado B; além do desenvolvimento de uma estética ligada às capas, um tipo de texto que apresenta o compositor etc.” (2006a, p. 8). Ainda segundo a autora, para os músicos e produtores, “o LP confirma a consolidação da noção de autoria e de obra de arte; e para os fãs, trata-se do ápice de uma história de culto, na qual, a noção de uma enciclopédia 13 musical ou de uma coleção ganha todo o seu sentido cultural” (2006, p. 9). Nessa direção, Rothenbulher & Peters (1997) refletem que o consumo dos álbuns nesses suportes fechados, como o LP e o CD, é convidativo à coleção - “algo que é perdido na música digitalmente gravada” (p. 243). Por outro lado, Straw (2009), pluraliza o debate ao problematizar essa noção de álbum no suporte CD, que “por ser leve e portátil, distancia a música da embalagem, anotações e design intencionados para garantir a integridade e o valor do CD como uma forma cultural distinta12” (2009, p. 82). Para nos aprofundarmos nas categorias que definem o álbum de música, recorremos ao conceito de “paratexto”, proposto por Gray (2010). O autor usa o termo para definir materiais que são produzidos e circulam em torno de um texto midiático. Gray foca sua análise nos filmes e programas televisivos, mas propomos desdobrar sua reflexão nos elementos periféricos que circundam a noção de álbum, pois também o entendemos como um texto midiático. Assim, a capa, as letras das músicas e os softwares que executam esses novos formatos de álbum nos dispositivos eletrônicos, por exemplo, são paratextos, ou seja, elementos que ajudam a entender o álbum enquanto um conjunto de relações entre elementos diversos. Carvalho & Rios (2009) entendem o álbum como uma imposição da indústria que, com as tecnologias de desmaterialização da música, se enfraquece, pois “as pessoas parecem não querer mais pagar por uma sequência de canções imposta previamente, como acontece em um CD”. (p. 76). A partir de Keightley, os autores falam que o CD é vendido como um “pacote de mercadorias”, ou seja, as músicas que vêm no suporte já são escolhidas previamente por uma gravadora, produtor ou artista. Portanto, os consumidores eram obrigados a pagar pelo produto fechado, mesmo que quisessem ouvir uma ou outra música específica. Condizente com o discurso acima, Bødker (2004) argumenta que esta forma particular de arranjo do álbum é parte de uma “estratégia de geração de lucros, de 'super-produção' no sentido de que ele 'força' as pessoas a comprarem mais músicas do que somente as faixas que eles realmente querem” 13 (2004, 12 Tradução nossa para: “ At the same time, the CD's physical lightness and easy portability detach music from the packaging, annotation and design intended to ensure the CD's value and integrity as a distinct cultural form”. 13 Tradução nossa para: “[The album as a commodity form] could also be argued that this particular form of bundling (of more or less discrete entities) is part of a profit-generating strategy of 'overproduction' 14 p. 7). O que está em jogo em nossa reflexão é uma “rearticulação de significados” (YOCHIM & BIDDINGER, 2008, p. 183). Uma vez que os parâmetros que definem um álbum de música são moldados pelo contexto histórico, social e tecnológico, precisamos pensar no cenário atual de reconfiguração da indústria fonográfica, seus modelos de negócio e suportes de produção, distribuição e reprodução musical, e quais as mudanças ocorrem na noção de álbum, uma vez que ele deve ser entendido em termos de mercado, estética e suporte. Retomando os exemplos enumerados anteriormente, ressaltamos um ponto em comum entre eles: a incorporação do ouvinte em um processo participativo. Lévy (1999) fala que as artes na cibercultura – e, aqui, incluímos a música – convidariam a participação do espectador não somente na construção do sentido, mas sim em uma “coprodução da obra, já que o 'espectador' é chamado a intervir diretamente na atualização (a materialização, a exibição, a edição, o desenrolar efetivo aqui e agora) de uma sequência de signos ou de acontecimentos” (1999, p. 136). Sendo assim, o autor elege algumas características das obras de arte “ciberculturais”. Elas evocariam a “participação ativa dos intérpretes, criação coletiva, obra-acontecimento, obra-processo, interconexão e mistura dos limites, obra emergente” (1999, p. 136). Théberge (1997, p. 252-253) fala do consumo participativo na música como interferências feitas pelos consumidores na esfera da produção ou da distribuição e cita a internet, por ela facilitar formas alternativas dos ouvintes consumirem e discutirem sobre música. Em diálogo com nossas questões, o autor ainda comenta a versão CD-i, uma espécie de CD “interativo”, do álbum “No World Order”, do músico Todd Rundgren, que permitia ao ouvintes manipular e rearranjar vários elementos das gravações, fazendo cair por terra a ideia de consumo “passivo”. Ainda pensando na questão da participação, Jenkins (2006) identifica três tendências que seriam responsáveis por dar corpo a essas práticas na cultura participativa: a) novas ferramentas e tecnologias permitem que os consumidores arquivem, anotem, se apropriem e façam circular conteúdo midiático; b) diversas subculturas promovem a produção midiática do tipo “faça-vocêmesmo” [DIY – Do It Yourself], um discurso que formata como consumidores in the sense that it 'forces' people to buy more music than the tracks they really want”. 15 organizam e preparam essas tecnologias; c) tendências econômicas favorecendo os conglomerados de mídia horizontalmente integrados encorajam o fluxo de imagens, ideias e narrativas através de múltiplos canais midiáticos que demandam espectadores e consumidores mais atentos e ativos14. (Jenkins, 2006, p. 135-136) De fato, a questão da participação em si não é inteiramente nova. Os Estudos Culturais de tradição britânica foram os primeiros a trazer um novo olhar para os produtos da cultura massiva e para a emergência juvenil, dando atenção ao consumo e às práticas de apropriação e criação de identidades na cultura de massa (ESCOSTEGUY, 2010). Porém, na cultura digital, há outras possibilidades de participação que se tornam mais visíveis e intensas, redefinindo processos e estratégias de produção, circulação e consumo de bens culturais. As mudanças que ocorrem são mais do que uma celebração a avanços tecnológicos; trata-se de uma nova lógica cultural (JENKINS, 2004; 2008), ressignificando papéis uma vez sólidos e bem definidos como o do produtor e do receptor de mídia, e dos canais tradicionais de circulação e distribuição de conteúdo midiático. Sobre as questões de materialidade, retomando McLuhan, Sá (2009, p. 55) argumenta que “todo ato de comunicação exige um suporte material que exerce influência sobre o conteúdo da mensagem”. Assim, podemos pensar nas rearticulações de sentido do álbum de música através de seus diferentes suportes – inclusive o mp3. Para aprofundarmos a discussão, recorremos a Felinto & Andrade (2005), que indicam um dos princípios fundamentais das materialidades da comunicação: “a ideia de que toda expressão de um sentido […] está profundamente determinada pelas circunstâncias materiais e históricas de sua realidade cotidiana, pelas materialidades que constituem seu mundo cultural” (2005, p. 79, grifo no original). Assim, pensando sobre a materialidade da música, Tia DeNora (2004) trabalha a noção de “affordance” (permissão), relacionando-a com as sensações e emoções que a música, enquanto estruturas rítmicas e sonoras, “permite” ao ouvinte experimentar. Nesse sentido, é interessante transpor a discussão iniciada pela autora para os novos 14 Tradução nossa para: “a) New tools and technologies enable consumers to archive, annotate, appropriate, and recirculate media content; b) a range of subcultre promote Do-It-Yourself (DIY) media production, a discourse that shapes how consumers have deplyed those technologies; and c) economic trends favoring the horizontally integrated media conglomerates encourage the flow of images, ideas, and narratives across multiple media channels and demand more active modes of spectatorship.” 16 suportes de produção e consumo musical através da pergunta: como eles “permitem” a extrapolação de limites historicamente construídos e a criação de novos parâmetros para pensarmos o álbum musical? A autora completa o argumento ao afirmar que “as questões mais interessantes que dizem respeito às implicações sociais dos artefatos (independente de serem tecnologias, discursos ou materiais estéticos como a música) focam no nível de interação onde articulações – links – entre humanos, cenas e ambientes são de fato produzidas, e onde quadros de ordem vêm a ser estabilizados e desestabilizados em tempo real” 15 (DENORA, 2004, p. 40). Bødker (2004) pensa nas mudanças da materialidade na música também a partir da noção de affordance, que aplica tanto para estruturas musicológicas quanto para as mídias (suportes) musicais. É entendido, portanto, que usos “permitidos” pelos suportes e tecnologias estão relacionados a um campo de uso contextual, o qual constitui e reconstitui “permissões” à medida que as trajetórias de uso se desenvolvem. Amarrando os pontos expostos anteriormente, Bødker (2004) ainda afirma que a ligação entre música e seu suporte material está desestabilizada, mas a música não está “descorporificada” - está sendo arrastada por diferentes dispositivos e aparelhos. Consoante com o quadro de autores apresentado, o autor ainda afirma que “qualquer (novo) meio surge de uma 'rede de convenções' na qual materiais físicos são, e transformam-se entrelaçados de diversas maneiras (GRACYK 1996, p. 69). As normas sedimentadas de um século de música analógica devem, necessariamente, constituir o principal pano de fundo das práticas emergentes (BØDKER, 2004, p. 4)” 16. Por fim, com Sterne (2010), pensamos também no álbum musical como um artefato cultural. Em seu estudo sobre o mp3 enquanto um artefato cultural, o autor argumenta que “um entendimento sólido das dimensões tecnológicas e estéticas do mp3 fornece um importante contexto para discussões das dimensões legais, econômicopolíticas e culturais do compartilhamento de arquivos” (p. 65). A partir de Langdon 15 Tradução nossa para: “The most interesting questions concerning the social implications of artefacts (wether these are technologies, utterances or aesthetic materials such as music) focus on the interactional level where articulations – links – between humans, scenes and enviroments are actually produced, and where frames of order come to be stabilized and destabilized in real time”. 16 Tradução nossa para: “Any (new) medium arises out of a 'network of conventions' in which physical materials are, and become, entwined in various ways (Gracyk, 1996, 69). The sedimented norms relating to a century of analogue music media thus necessarily constitute the main backdrop of emerging practices”. 17 Winner, Sterne afirma que artefatos tecnológicos “corporificam formas específicas de poder e autoridade” (WINNER apud STERNE, 2010, p. 64) e completa ao afirmar que o mp3 também é artefato cultural porque é “um conjunto cristalizado de relações sociais e materiais” (STERNE, 2010, p. 64). Esse formato de áudio digital está no centro da nossa discussão, pois é uma das principais formas de acesso à música nas novas tecnologias da comunicação e da informação. Dessa maneira, o álbum musical deve ser pensado em diálogo com os suportes e também com a noção de artefato cultural, definida como nos termos acima. 8. Metodologia Para consolidar a proposta de pesquisa, pensamos em uma metodologia que consiga abrigar as questões apresentadas e dar conta do contexto no qual está inserida a discussão. Em primeiro lugar, faz-se necessário um levantamento bibliográfico e mapeamento de conceitos-chave para sustentar as análises no campo da cibercultura, na economia política da indústria fonográfica e nas teorias da materialidade. Esse será o mapa que nos guiará nos próximos passos da pesquisa. Em etapa seguinte, faremos levantamento de objetos empíricos através do acompanhamento dos casos previamente mapeados neste projeto e da procura de novas iniciativas similares, de modo a comprovar nossa hipótese: o formato álbum, mesmo que esteja passando por reconfigurações, permanece como fundante da cultura da música. Ainda como parte da pesquisa empírica, conduziremos entrevistas com agenteschave da cadeia produtiva da indústria musical de modo a trazer para a discussão falas e problematizações apontadas por intérpretes, compositores, executivos, redes de distribuição, fãs de música, entre outros. Voltando para a bibliografia, faremos a revisão do material levantado até então, de modo a buscar atualizações e fazer análises das questões, casos analisados e entrevistas em um pano de fundo bibliográfico consistente para entender a reconfiguração do álbum de música na cibercultura, que denominamos, por ora, de “álbum musical 2.0”. 18 9. Cronograma Etapas do trabalho 2012 1º Sem 2º Sem 2013 1º Sem 2º Sem 2014 1º Sem 2º Sem 2015 1º Sem 2º Sem Levantamento bibliográfico Aprofundamento teórico Curso de disciplinas Entrega de monografias Exame de qualificação Participação em congressos Produção de artigos com fins de publicação Levantamento de material empírico Produção de entrevistas Análise do material empírico e entrevistas Estágio docência Doutorado sanduíche Revisão da fundamentação teórica Redação da tese Entrega da tese 10. Referências Bibliográficas ALEXANDER, Peter J. Peer-to-peer file sharing: the case of the music recording industry. 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