1 A REFORMA PROTESTANTE E AS UNIVERSIDADES ALEMÃS – CONTINUIDADE E MUDANÇA DA IDADE MÉDIA AOS TEMPOS MODERNOS (POR VOLTA DE 1350 – 1648) PROF. DR. PETER JOHANN MAINKA, UEM/DFE Sem dúvida, a história das universidades (alemãs) desde a Idade Média participa tanto na história geral do Estado e sociedade e nas suas rupturas profundas - como por exemplo a Reforma (1517), a Paz de Westfália no fim da Guerra dos Trinta Anos (1648), a Revolução Alemã (1847/48), o estabelecimento do Segundo Império Alemão (1870/71) e as duas Guerras Mundiais (1914/18 e 1939/45) - como na história das idéias e as suas mudanças fundamentais - como por exemplo a Escolástica, o Humanismo, o Iluminismo ou o Historicismo. Contudo, a periodização especifica dos 650 anos da história universitária na Alemanha – e para além dela - é diferente e pode ser dividida segundo Peter Moraw, um historiador alemão e especialista na Idade Média, em três períodos.1 Estes três períodos são: 1. o período pré-clássico (1348 – 1809/10, quando a universidade de Berlim foi fundada);2 2. o período clássico (1809/10 – 1960/70); 3. o período pós-clássico (desde 1960/70, caracterizado pelo fenômeno das universidades de massa). Em seguida deve-se tratar especialmente do período pré-clássico, que abrange pelo menos 450 anos, ou seja, aproximadamente 70 % de toda a história universitária no Império RomanoGermânico. O objetivo principal será, comparar as 17 universidades da Idade Média com as 17 estabelecidas depois da Reforma Protestante até a Paz de Westfália, ou seja, na época do “Confessionalismo” (1517 – 1648), caracterizada por uma tendência profundamente religiosoconfissional como pela gênese de três confissões lado ao lado, a saber a católica, a luterana e a calvinista,3 em lugar da unidade da cristandade anterior, especialmente a partir da questão da fundação e legitimação das universidades pela autorização papal e/ou imperial. Houve continuidade para além da ruptura de 1500, que manifestava-se exemplarmente na Reforma Protestante – totalmente no sentido de Peter Moraw - ou preponderaram mudanças, que 1 Cf. MORAW: Aspekte, esp. p. 7-23. Pelo ministro e filósofo Guilherme de Humboldt (1767 – 1835), que estabeleceu esta universidadetotalmente no espírito do “Neo-Humanismo”, cf. BORSCHE: Humboldt. 3 Para o processo fundamental da “confissionaliazação”, isto é da gênese das confissões, no Império, um processo fundamental no sentido da “modernizacão” de Estado e sociedade, cf. esp. SCHMIDT, Heinrich Richard: Konfessionalisierung. – Para a história de todo os territórios no Império durante o período do “Confessionalismo”, cf. SCHINDLING/ZIEGLER (Org.): Territorien. 2 2 necessitam sujeitar a história das universidades à periodização comum, que marca uma incisão épocal por volta de 1500? As primeiras universidades nasceram no decorrer do século XII no Sul (Bolonha)4 e no Oeste (Paris)5 da Europa, tornando-se os exemplos modelares para quase todas as seguintes quanto à constituição, organização e estrutura. As origens das universidades européias nem sempre são muito claras:6 Alguns historiadores destacam, apesar de todas as explicações materiais possíveis, os interesses intelectuais e científicos, que criaram a universidade como nova instituição para as suas atividades, outros acentuam a importância da sociedade, que produziu quase ao mesmo tempo diversas formas de conviver em corporações, por exemplo na vida econômica (corporações dos artesãos, comerciantes e atacadistas), eclesiástica (ordens) e também no ensino superior e os terceiros, finalmente, deduzem as universidades do passado, por exemplo das escolas monásticas, catedrais e/ou das instituições educacionais do mundo árabe e/ou bizantino. Hoje em dia a maioria dos historiadores considera uma combinação das diferentes teorias de gênese a mais provável e, com isso, a universidade “o produto e a formadora da sociedade”7. As universidades mais antigas (século XII) nasceram como uniões livres de professores e acadêmicos (“magistri et scholares”), sem nenhum documento oficial (por exemplo: Bolonha, Paris, Oxford, Cambridge), e adquiriram os seus direitos pela prática e pelo uso (“universitates ex consuetudine”). Mais tarde, porém, os seus privilégios foram reconhecidos oficialmente pelo Papado e/ou pelo Império, ou seja, pelas duas instituições universais agindo acima das nações ou, pelo menos, pretendendo isso: Dessa maneira a Bula papal “Parens scientiarum” de 1231 legitimou a universidade de Paris.8 As condições jurídicas dessas primeiras universidades serviram mais tarde de modelo para autorização das outras - seja pelo Papado, seja pelo Império. Em oposição a esse modo de gênese, as universidades depois de 1200 foram na maioria fundadas conscientemente por fundadores, ou seja, pelas autoridades seculares (príncipes, municípios), que outorgaram um decreto ou efetuaram um ato jurídico (“universitates ex privilegio”). Para dar às suas fundações maior legitimidade, estes fundadores eram fortemente interessados por uma 4 Cf. RÜTHING (Ed.): Universität, p. 32-47 (algumas fontes primárias em Latim sobre a gênese). Cf. RÜTHING (Ed.): Universität, p. 9-31 (algumas fontes primárias em Latim sobre a gênese). 6 Cf. RUEGG, Walter, in: RUEGG (Ed.): Geschichte I, p. 27-32; VERGER, Jacques, in: RUEGG (Ed.): Geschichte I, p. 58-65 e MÜLLER: Geschichte, p. 9. 7 Segundo RUEGG, in: RUEGG (Ed.): Geschichte I, p. 27-32, esp. p. 27 com o título: “A universidade como produto ou formadora da sociedade”; cf. também MÜLLER: Geschichte, p. 9. 8 Cf. RÜTHING (Ed.): Universität, p. 22-25. 5 3 autorização papal e/ou imperial. Desse tipo foram por exemplo as universidades de Salamanca (1222), Nápoles (1224) e Toulose (1229).9 Por quê, portanto, os privilégios papais e/ou imperiais tinham tão grande importância no processo de constituição das universidades pré-clássicas? A autorização de um ou dos dois poderes universais garantia a validade dos títulos acadêmicos internacionalmente e conferia a licença para ensinar em todas as outras universidades (“licentia ubique docendi”). Além disso aumentava a reputação das universidades e lhes assegurava, finalmente, uma certa autonomia frente aos domínios locais, regionais e também dos próprios fundadores pela concessão de uma justiça própria, liberdades e imunidades. Por causa da grande importância da questão da legitimação formal naquele período, até – segundo Peter Moraw - uma definição da universidade é possível através do critério da autorização pelo Papado e/ou Império: “Universidade é, o que é reconhecido como universidade.”10 A proporção das forças entre os dois poderes universais e os verdadeiros fundadores das universidades, isto é as autoridades seculares, mudou-se significativamente no decorrer da Idade Média – um desenvolvimento que tinha grandes efeitos para as universidades e também para sua autonomia. Na primeira fase a importância e a influência do Papado e da igreja nas universidades nascentes não podem ser sobrestimados, pois na Idade Média, escola, educação e ensino estavam estreitamente, quase exclusivamente, relacionado com as instituições eclesiásticas.11 Elas determinavam os conteúdos de ensino e os supervisionavam, ocupavam com o chanceler o mais alto ofício na organização da universidade ao lado do reitor, apresentavam a maioria dos professores e acadêmicos, forneciam com a vida monástica o modelo dominante para a convivência do pessoal universitário e financiavam as universidades pela transferência de benefícios, canonicatos, prédios e rendas. Além disso o Papado autorizava as universidades e aperfeiçoava dessa maneira a fundação delas. Com isso, consequentemente, a influência eclesiástica esforçava-se nitidamente nas novas instituições de ensino superior, pois o Papado 9 Para esses dois tipos de universidade, cf; MÜLLER: Geschichte, p. 11s. - Cf. VERGER, in: RUEGG (Ed.): Geschichte I, p. 56ss: Nesses dois casos pode ser difícil determinar o ano exato em que uma universidade começou a funcionar, pois a data da criação, com ou sem um decreto de fundação pelas autoridades seculares, não é necessariamente idêntica com a data da autorização pelo Papado e/ou Império. O início real do ensino, finalmente, pôde ser por sua vez mais tarde, como na universidade de Toulose, fundada oficialmente em 1229, de fato em atividade somente depois de 1260. Por causa disso há freqüentemente também diferentes datas de fundação na literatura de apoio. 10 MORAW: Aspekte, p. 11. 4 estava especialmente interessado 1. numa fundamentação racional da doutrina católica, 2. num fortalecimento do poder papal e 3. na formação do pessoal necessário para isso.12 Por outro lado, contudo, a influência do Papado e da igreja garantiam uma certa proteção contra os interesses políticos das autoridades seculares locais e regionais.13 No século XIII os papas privilegiaram cerca de 10 universidades, nos séculos XIV e XV até 35 de cada vez.14 Ao lado do Papado, também o Império, o poder secular universal, pretendeu a autorização das universidades. Já o imperador Frederico I. (1122 - 1190), o Barba Ruiva, tinha conferido em 1158 na “Authentica Habita”15, na “Lei fundamental das liberdades acadêmicas”16 aos professores e acadêmicos em Bolonha importantes privilégios, e em 1224 o seu neto, Frederico II (1194 – 1250) privilegiou a sua fundação em Nápoles.17 Mas naquele tempo a autorização imperial nunca teve a mesma importância que o privilégio papal. Os imperadores estavam limitados aos territórios do Império e nunca fizeram uma política tão ambiciosa, e tão conseqüente nessa área como os papas. Além disso após a morte do imperador Henrique VI (1197) e nas décadas seguintes ao fim da dinastia dos “Hohenstaufos” (1254), quando não havia imperadores de reconhecimento geral, o Império encontrava-se muito mais fragilizado. No decorrer da Idade Média, porém, a autorização das universidades pelo Papado perdeu permanentemente em importância, já com o grande cisma papal do século XIV (1378 – 1417)18, que questionava o reconhecimento universal dos títulos acadêmicos conferidos e, com isso, um sinal principal da instituição de universidade, então com o fortalecimento sucessivo dos poderes seculares, como por exemplo nos reinos da França, Inglaterra e Espanha, onde os reis soberanos privilegiavam as suas universidades, e, finalmente, com a Reforma, isto é com a rompimento da cristandade oriental, quando o privilégio imperial tornava-se sempre mais importante para a legitimação oficial das universidades no Império Romano-Germânico, especialmente nos países luteranos e calvinistas. Mas a autorização papal nunca acabou totalmente. 11 Cf. LE GOFF: Intelectuais, p. 60s., mesmo que ele cite exemplos contrários, e ELLWEIN: Universität, p. 24-28. Cf. RUEGG, in: RUEGG (Ed.): Geschichte I, p. 33. 13 Cf. LE GOFF: Intelectuais, p. 61ss. 14 Cf. MÜLLER, Geschichte, p. 13. 15 Imprimido in: RÜTHING (Ed.): Universität, p. 34. 16 RUEGG, in: RUEGG (Ed.): Geschichte I, p. 32. 17 Cf. NARDI, Paolo, in: RUEGG (Ed.): Geschichte I, p. 91-96. 18 Cf. NARDI, in: RUEGG (Ed.): Geschichte I, p. 102ss. 12 5 Mas nenhum dos dois poderes universais, nem o Papado nem o Império, puderam conservar a sua influência nas universidades; foram as autoridades seculares, contudo, que desde 1200 fundavam quase todas as universidades e as influenciavam sempre mais politicamente e economicamente.19 Essas condições gerais estavam válidas, quando a idéia universitária, desenvolvida e também primeiramente realizada nos países do Sul e do Oeste da Europa, foi transferida em meados do século XIV à Europa Central, isto é, ao Império Romano-Germânico e, com isso, também à Alemanha. As razões principais para que os países na Europa Central participavam somente com um atraso tão grande, foram por um lado a falta de fundamentos econômicos e culturais, ou seja, da urbanização e, por outro lado, a desunião do Império em uma multiplicidade de territórios.20 Apesar dessas circunstâncias desfavoráveis ao todo 17 universidades foram estabelecidas no Império entre 1348, quando nasceu em Praga a primeira universidade, e a véspera da Reforma. São as seguintes: 1347/48 Praga; 1365 Viena/Áustria; 1385 Heidelberg; 1388 Colônia; (1379)/1392 Erfurt; 1409 Lípsia; 1419 Rostock; 1425 Leuven/Flandres; 1456 Greifswald; 1456/57 Freiburg/Breisgau; 1459/60 Basiléia; (1459)/1472 Ingolstadt; (1453)/1474 Trier; 1476 Mainz; 1476/77 Tübingen; 1498/1506 Frankfurt/Oder e 1502 Wittenberg, sendo que as duas últimas já pertencem ao contexto da Reforma.21 Mas esse processo de propagação de universidades era evidentemente ligada com uma perda clara quanto à qualidade do ensino. Segunda uma metáfora de Moraw as universidades alemãs ficavam em baixo dos dois andares do sistema universitário na Europa, enquanto as da Itália e França estavam em cima, uma relação que não se alteraria até mais adiante nos Tempos Modernos.22 Quais foram os interesses principais das autoridades seculares para tomar a iniciativa de fundar uma universidade no seu território? Com a extensão e alargamento das suas atividades e responsabilidades devido ao enfraquecimento dos dois poderes universais “o estado prémoderno” nascente precisava também de mais pessoal bem qualificado, principalmente nas áreas de administração, justiça, conservação da memória coletiva, isto é nos arquivos, e, especialmente 19 Cf. NARDI, in: RUEGG (Ed.): Geschichte I, P. 96-102. Cf. MÜLLER: Geschichte, p. 12. 21 Cf. as listas e os mapas in: VERGER, in: RUEGG (Ed.): Geschichte I, p. 70-78 e MÜLLER: Geschichte, p. 12; mas na literatura de apoio encontram-se freqüentemente, como já mencionei acima na nota 8, diferentes datas de nascimento; já entre os dois autores há divergências, um terceiro cita de novo aoutras, cf. MEUTHEN: 15. Jahrhundert, p. 91: 1386 Heidelberg; (1379) 1389/92 Erfurt; 1455 Freiburg/Breisgau; (1455) 1473 Trier. – A universidade de Würzburg foi fundada à primeira vez em 1402, mas acabou já até 1413; a segunda fundação aconteceu em 1575/82, então totalmente no sentido da “Contra’Reforma. 20 6 nos municípios, no ensino médio e superior. Por essas razões as autoridades seculares na Alemanha estavam fortemente interessadas em estabelecer as suas próprias instituições de ensino superior, para formar um número suficiente de universitários, que poderiam ocupar os cargos de direção no Estado e na sociedade.23 A universidade de Basiléia, fundada em 1459/60, por exemplo, formou a maioria dos futuros sacerdotes, juristas, médicos, escreventes e professores na própria cidade, na sua vizinhança e nos cantões da Confederação suíça.24 A necessidade de instruir as futuros elites do país em uma universidade nacional aumentou a partir da Reforma, quando ao particularismo político na Alemanha foi acrescentado um particularismo religioso. Ao lado da confissão católica, primeiramente a confissão luterana recebeu reconhecimento geral e com os mesmos direitos pela Paz religiosa de Augsburgo (1555) e, mais tarde, pela Paz de Westfália (1648), bem como a confissão calvinista. Por causa destas confissões diferentes ja não havia intercâmbio os países do Império Romano-Germânico. Consequentemente universidades protestantes nasciam, mais tarde rigorosamente distinguidas entre luteranas e calvinistas. Entre as 17 universidades estabelecidas na época do “Confessionalismo” (1517 – 1648) no Império Romano-Germaânico foram 9 protestantes, a saber: 1527 Marburg; 1544 Königsberg/Prússia Oriental; 1558 Jena; 1566/1621 Strassburg; 1574/76 Helmstedt; 1578/1622 Altdorf; 1607 Giessen; 1620/23 Rinteln; e 1632/33 Kassel e 8 católicas: 1549 Dillingen; 1570 Olmütz/Boêmia; 1575/82 Würzburg; 1586 Graz/Áustria ; 1615 Paderborn; 1620/25 Salzburg; 1629/32-1633 Osnabrück e 1648 Bamberg.25 As fundações protestantes, freqüentemente financiadas diretamente pelos fundadores através das posses secularizadas da igreja ou de mosteiros, serviram principalmente à formação de sacerdotes protestantes e uma nova elite confessional para todas as áreas do Estado e da sociedade. O vínculo estreito desde o princípio entre os fundadores e as suas universidades, diferentemente das condições anteriores fora da Alemanha, aumentou a partir da Reforma e reforçou uma outra tendência, também existente desde a fundação da universidade de Praga em 1347/48, “a primeira 22 Cf. MORAW: Einheit, p. 24. Cf. ELLWEIN: Geschichte, p. 29-34, esp. p. 29. 24 Cf. SIEBER: Die Universität Basel, esp. p. 70ss. E SCHWINGES: Europäische Studenten. 25 Cf. FRIJHOFF, Willem, in: RUEGG (Ed.): Geschichte II, p. 53-102, esp. 81-99 (listas e mapas) e MÜLLER: Geschichte, p. 55 e 57. Também para as fundações depois da Reforma existem indicações diferentes na literatura de apoio, cf. por exemplo BAUMGART: Universitäten (às vezes com outras datas de nascimento). 23 7 universidade nacional”26. Desde logo um processo de nacionalização, ou seja, de regionalização e, com isso, também de limitação começava, como o exemplo do Hesse pode demonstrar. A primeira universidade protestante na Alemanha foi fundada no ano de 1527 em Marburg pelo Conde [Landgraf] Felipe de Hesse (1504 – 1567), um dos mais importantes lideres políticos da Reforma, que sempre estava esforçando-se por uma coesão das direções diferentes, que nasciam dentro do “Protestantismo” nascente. Depois da morte do Conde Felipe de Hesse foi distribuído entre os herdeiros confissionalmente diferentes.. Em seguida no espaço pequeno do Hesse, em uma região no centro da Alemanha, desunida territorialmente, algumas novas universidades, mudando às vezes a sua confissão foram fundadas: Em suplemento de Marburg (1527) as universidades em Rinteln (1620/23) e Kassel (1632/33) (todas pela dinastia calvinista de HesseKassel) e em Giessen (pela dinastia luterana de Hesse-Darmstadt); aí nascia também a “Hohe Schule” [= Alta Escola] calvinista de Herborn. 1584, uma maneira de “quase-universidade” para os calvinistas.27 Cada um dos territórios quase-soberanos no Império Romano-Germânico esforçou-se por estabelecer a sua própria universidade estadual, orientada nas fronteiras territoriais e confissionais - em oposição à “universalidade”, à totalidade de todos os professores e acadêmicos pretendida anteriormente, quando as primeiras universidades na Europa tinham nascido. A autorização das universidades alemãs pelo Papado depois da Reforma perdeu, claramente, importância. Enquanto a cúria papal em Roma teve quase nenhum espaço para negociações com estados protestantes,28 a autorização pelo Império Romano-Germânico tornou-se mais importante, especialmente para os fundadores luteranos e calvinistas, até o fim do Império Romano-Germânico na virada de 1800. Mas o objetivo ideal dos fundadores de universidades também depois da Reforma, seja dos católicos, seja dos protestantes, era uma autorização pelos dois poderes universais. Dessa maneira o príncipe Frederico, o Sábio, da Saxônia (1463 – 1525), o protetor posterior de Martinho Lutero (1483 – 1546) tentava pertinazmente acrescentar ao privilégio imperial (1502) também o do Papado (1503 e 1507). Sem nenhum problema o príncipe eclesiástico Júlio Echter de Mespelbrunn (1545 – 1617), o bispo de Würzburg, pedia, os dois documentos em 1575, obviamente em primeiro lugar ao imperador, em segundo lugar ao papa, 26 Cf. LE GOFF: Intelectuais, p. 106-109 e p. 111s. Cf. BAUMGART: Universitäten, p. 154. 28 Os papas renunciaram totalmente naquele tempo do “Confessionalismo” todos os acordos políticos entre os católicos e os protestantes, como p. ex. a Paz religiosa de Augsburgo em 1555 ou a Paz de Westfália de 1648. 27 8 para sua universidade ser estabelecida e aberta em 158229, exatamente no mesmo ano, em que ele iniciava a sua política decisiva e exemplar de Contra-Reforma.30 A outorgação de um privilégio imperial naqueles tempos dependia das condições políticas respectivas, isto é, se o imperador, naquele tempo sempre um representante da dinastia católica dos Habsburgos, via vantagens políticas para si mesmo ou não. Assim sendo, também a universidade protestante de Marburg pôde receber – depois de duas tentativas inúteis em 1531 e 1535 – em 1541, quase 15 anos depois da sua fundação, um privilégio imperial completamente válido, isto é incluindo também o direito a conferir títulos acadêmicos na faculdade de teologia (protestante). Por quê o Conde Felipe recebeu então o privilégio imperial desejado? Principalmente por razões políticos, porque o Conde Felipe, um dos dois capitães da protestante e anti-imperial “Liga de Esmalcalde”, acusado e ameaçado pela pena capital por causa da bigamia, tinha alheado-se dos seus aliados e se aproximado politicamente do imperador Carlos V (1500 – 1558, imperador 1519 – 1556), um católico convicto. Mesmo que as já existentes universidades pudessem ser reformadas no sentido calvinisto, dependente da confissão das suas autoridades seculares, como por exemplo a de Heidelberg, Basiléia ou Marburg, novas universidades calvinistas nunca receberam o privilégio imperial até 1648, quando a confissão calvinista foi oficialmente reconhecida no Império. Assim a “Alta Escola” de Herborn, fundada em 1584 pelo Conde calvinista João VI de Nassau-Dillenburg (1536 – 1606), um irmão do mais famoso Guilherme de Orange [Oranien] ((1533 – 1684), lugar-tenente nos Países-Baixos, ficava um “Gymnasium illustre” [= ginásio ilustre] sem a qualidade universitária. Com a Reforma, a Renovação católica e a Contra-Reforma, isto é com a gênese de confissões diferentes, a importância e influência das autoridades seculares como fundadores das universidades aumentaram, pois elas cuidaram da salvação de seus súditos assumirando também a responsabilidade pela igreja em seus territórios. “O estado pré-moderno” nascente passou a estender o seu poder e a fortalecer o seu governo em todas as áreas, e também no ensino superior, por exemplo pela determinação da confissão, ou seja, da “fé correta”, dos professores, acadêmicos e funcionários das universidades: O Príncipe eclesiástico Júlio Echter de Würzburg, por exemplo, obrigou todos os membros da sua universidade a aceitar fé católica com base nos decretos do “Concílio de Trento” (1545 - 1563) como, da mesma maneira, o Duque Júlio de 29 Cf. também para o parágrafo seguinte BAUMGART: Universitäten, p. 152-156. Para Júlio Echter e a sua fundação em 1575/82, cf. recentemente esp. os dois artigos de Peter BAUMGART (p. 1533) e Winfried MÜLLER (p. 72-84) in: WITTELSBACH UND UNTERFRANKEN. 30 9 Braunschweig-Wolfenbüttel (1568 – 1589) fez com que todo o pessoal universitário da Universidade de Helmstedt, fundada ao mesmo tempo (1574/76), aceitacem os fundamentos das confissões protestantes.31 Quando nós abrangemos o nascimento da idéia universitária, a propagação das universidades na Europa, especialmente no Império Romano-Germânico e na Alemanha, a importância da autorização papal e/ou imperial e das autoridades seculares como fundadores e, finalmente, os efeitos e as repercussões da Reforma Protestante no desenvolvimento universitário, podemos concluir em um balanço no sentido de continuidade e mudança: 1. Somente na primeira fase, quando as universidades, construidas com base em diversas raízes do passado e resultando em uma certa situação histórica, foram verdadeiras uniões de professores e acadêmicos, feitas independentemente; o espaço da autonomia era relativamente grande – em oposição ao tempo depois de 1200, quando as autoridades seculares fundavam a maioria das universidades. 2. Pela autorização papal (ou imperial), que poderia ser considerado um dos mais importantes critérios para definir a universidade, essa nova instituição caiu mais e mais na dependência da igreja e do Papado. 3. A idéia universitária propagava-se dos países mais desenvolvidos no Sul e Oeste em direção ao Leste e Norte da Europa e veio em meados do século XIV ao Império Romano-Germânico e à Alemanha. 4. Enquanto na Idade Média o Papado como poder universal eclesiástico perdia importância, especialmente depois do grande cisma, e mesmo que a autorização das universidades ou por reis soberanos ou – como especialmente na Alemanha - pelo Império como o poder universal secular se tornasse sempre mais importante, foram as autoridades seculares, ou seja, os próprios fundadores os verdadeiros vencedores desse desenvolvimento, porque eles podiam aumentar a sua influência nitidamente. 5. Contudo, a autorização pelo Papado (de universidades católicas) e especialmente Império (das católicas e protestantes) permanecia importante também depois da Reforma Protestante até o fim do século XVIII, mas era ligada mais fortemente à expectativas concretas (ContraReforma) ou às negociações políticas (vantagens a favor do Império). 31 Cf. BAUMGART: Universitäten, p. 155ss . 10 6. Por causa da grande importância e influência das autoridades seculares e da necessidade crescente do estado pré-moderno de pessoal bem qualificado as universidades no Império Romano-Germânico eram caracterizadas desde o princípio por uma tendência forte de nacionalização, regionalização e limitação - apesar de todas as relações européias dentro do Humanismo e da sociedade dos eruditos.32 7. A Reforma Protestante, aumentando o poder dos governos territoriais tanto pela responsabilidade da salvação dos súditos como pelo direito de dispor das posses eclesiásticas secularizadas, reforçou, com isso, a influência dos fundadores considerávelmente e também o processo da “territorialização” no Império então confessionalmente dividida. A Reforma Protestante iniciando o período do “Confessionalismo”, que inclui também a Renovação católica e a Contra-Reforma, não apresentou, portanto, uma ruptura profunda na história das universidades alemãs. Ela reforçou somente tendências, que já tinham existidas na Idade Média e as mudou e modificou, sem causar uma “mudança (fundamental) de paradigma”, no sentido de Thomas Kuhn.33 Esse resultado, confirmado também pela análise tanto da organização e estrutura das universidades34 como do seu ensino35, que não pode ser exposto nesse lugar, dá razão, afinal, a Peter Moraw e à sua periodização a respeito da história universitária na Alemanha, que não se adapta, obviamente, na divisão da história geral. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • FONTES PRIMÁRIAS RÜTHING, Heinrich (Ed.): Die mittelalterliche Universität [= A universidade medieval]. Introduzido e composto pelo H. R. (Historische Texte: Mittelalter. Vol. 16), München: Vandenhoek & Ruprecht 1973. • LITERATURA DE APOIO BAUMGART, Peter: Die deutschen Universitäten im Zeichen des Konfessionalismus [= As universidades alemãs sob o signo do “Confessionalismo”], in: PATSCHKOVSKY/RABE (Org,.), p. 147-168. 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MÜLLER: Geschichte, p. 26-30 e ELLWEIN: Universität, p. 34-38: O ensino limita-se freqüentemente, ante e depois da Reforma, ou seja, apesar da invasão do humanismo nas universidades a ditar de poucos textos. 33 11 Le GOFF. Jacques: Os intelectuais na Idade Média. 4a edição, São Paulo: Editora brasiliense 1994 (original em francês 1957). MEUTHEN, Erich: Das 15. Jahrhundert [= O Século XV] (Oldenbourg Grundriss der Geschichte. Vol. 9), 2a edição. München: R. Oldenbourg Verlag 1984. MORAW, Peter: Aspekte und Dimensionen älterer deutscher Universitätsgeschichte [= Aspectos e dimensões da história mais antiga das universidades], in: ACADEMIA GISSENSIS. Beiträge zur älteren Giessener Universitätsgeschichte. [= A. G. Contribuições para a história mais antiga da Universidade de Giessen]. Zum 375jährigen Jubiläum dargebracht vom Historischen Institut der Justus-Liebig-Universität Giessen. Ed. De Peter MORAW e Volker PRESS, Marburg: N. G. Elwert Verlag 1982, p. 1-45. MORAW, Peter: Einheit und Vielfalt der Universität im alten Europa [= Unidade e variedade das universidades na Europa antiga], in: PATSCHKOVSKY/RABE (Org.), p. 11-27. MÜLLER, Rainer A.: Geschichte der Universität. Von der mittelalterlichen Universitas zur deutschen Hochschule [= A história da universidade. Da universitas medieval ao instituto de ensino superior alemão], München: Verlag Georg D. W. Callwey (Hamburg: Nikol Verlagsvertretungen Gmb) 1990 (1996). PATSCHKOVSKY, Alexander/Horst RABE (Org.): Die Universität in Alteuropa [= A universidade na Europa Antiga], Konstanz: Univeersitätsverlag 1994 – com uma multiplicidade de artigos relacionados ao tema. RUEGG, Walter (Ed.): Geschichte der Universität in Europa [= História da universidade na Europa]. Vol. I: Mittelalter [= Idade Média] e Vol. II: Von der Reformation bis zur Französischen Revolution [= Da Reforma à Revolução Francesa] (1500 – 1800), München: C. H. Beck 1993 (tradução para o português). SCHINDLING, Anton/Walter ZIEGLER (Org.): Die Territorien des Reichs im Zeitalter der Reformation und Konfessionalisierung. Land und Konfession 1500 – 1650 [= Os territórios do Império na era da Reforma e confessionalização. Pais e confissão] 7 Vols. (Katholisches Leben und Kirchenreform im Zeitalter der Glaubensspaltung. Vol. 49-53, 56, 57), Münster: Aschendorff 1989-1997. SCHMIDT, Heinrich Richard: Konfessionalisierung im 16. Jahrhundert [= Confessionalização no século XVI] (Enzyklopädie deutscher Geschichte. Vol. 22), München: R. Oldenbourg Verlag 1992. SCHWINGES, Rainer Christoph: Europäische Studenten des späten Mittelalters [= Acadêmicos europeus na Baixa Idade Média], in: PATSCHKOVSKY/RABE (Org.), p. 129-146. SIEBER, Marc: Die Universität Basel nach Einführung der Reformation [= A universidade de Basiléia depois da introdução da Reforma], in: PATSCHKOVSKY/RABE (Org.), p. 69-83. WITTELSBACH UND BAYERN. Vorträge des Symposions 50 Jahre Freunde Mainfränkischer Geschichte. Ed. de Ernst-Günter KRENIG (Mainfränkische Studien. Vol. 65), Würzburg: Freunde Mainfränkischer Kunst und Geschichte 1999.