Audição na Comissão Parlamentar de Educação e Ciência da Assembleia da República 2 de Junho de 2008 «A VIOLÊNCIA NA ESCOLA PORTUGUESA: COMO SUPERÁ-LA» Em nome da UGT saúdo a Comissão Parlamentar de Educação e Ciência da Assembleia da República por continuar a promover iniciativas em torno de uma questão tão complexa quanto preocupante como é a da violência na Escola portuguesa, que se mantém, silenciosamente, na ordem do dia. Congratulo-me duplamente, já que me associo também como professora. Não há sociedade humana que possa prescindir da educação, primeiro para subsistir, depois para se desenvolver e afirmar. Ora, a Escola é a instituição mais apropriada para promover a educação. Todavia, a Escola vive uma crise indisfarçável, silenciosa, sendo a violência um dos elementos dessa crise. A violência na Escola contamina e destrói. Urge, pois, superá-la. A violência é a pressão excessiva e ilegítima sobre a vontade livre do outro até ao esmagamento dessa vontade. É, no limite, a opressão do outro pela imposição duma vontade alheia. Configura-se, pois, como uma ofensa aos direitos humanos, negando a liberdade e dignidade do ofendido. É um atentado à convivência democrática. A violência é inaceitável! A violência na Escola portuguesa tem diversas origens: na Sociedade (parte significativa da violência na Escola é transportada da família para esta e a multiculturalidade da Sociedade e da Escola não está a ser bem gerida, com reflexos profundos no ambiente escolar); na Família (a família portuguesa atravessa uma crise profunda, com causas e origens complexas, a qual se repercute nas crianças e jovens e em geral na família enquanto sujeito colectivo); nos gangues externos (mais ou menos organizados, eles existem, desigualmente distribuídos pelo País, muito agressivos e desestabilizadores da paz escolar); nos gangues internos (também existem, em escalões etários diversos, do género masculino ou feminino, representando agentes patogénicos instalados e actuantes nas próprias Escolas). São várias as formas de violência em meio escolar: a física, a psicológica, a moral, a sexual, a religiosa, a económica, a pedagógica, ou até, a didáctica Para um clima de violência na Escola contribuem vários agentes: os próprios professores (por vezes); os alunos (hoje, em número infelizmente cada vez maior); os pais (com alguma frequência); os trabalhadores não docentes (raramente); alguns agentes externos (tipificáveis, com realce para marginais ligados ao tráfico de droga); alguma comunicação social (por via de programas ou reportagens que transmite). E causas da violência na Escola? Algumas são bem caras à UGT: o desemprego (muito elevado, gerador de tensões a todos os níveis da sociedade, com reflexos sérios na Escola); a pobreza (tem alastrado, com todas as consequências que arrasta e, neste momento, um fenómeno grave em Portugal); a desorganização sociopolítica (as soluções sociais e políticas não estão a responder aos problemas e o próprio espectro partidário aparece a um número elevado de cidadãos como algo desajustado); a desorganização do sistema educativo (o discurso formal das reformas não coincide com o discurso da realidade educativa sobre a qual cai desde há décadas uma catadupa de reformas ou pseudo-reformas que não curam os males reais e têm criado novos males reais); algumas formas de organização escolar (desadequadas às novas realidades); a acção de parte da comunicação social (conhece mal a educação e vive da exploração de incidentes e acidentes sem ir ao fundo das questões). Na verdade, todos somos um pouco responsáveis pela situação, porque ainda não fomos capazes de eliminar o problema da violência na Escola. Vejamos: todos nós (desta ou daquela maneira, em maior ou menor medida); as famílias (quando confundem educar os filhos com “apaparicar” os filhos e grande número delas vive em situação demissionária há muito tempo, incapazes de relacionar liberdade com responsabilidade, direito com dever, autoridade com autonomia); algumas organizações parentais (quando estimulam os piores vícios das famílias e encorajam uma atitude geral de hostilidade para com os docentes); o Ministério da Educação (cujas responsabilidades são directas e máximas); a Administração Educativa (que devia ser, e em grande parte não tem sido, técnica e não política); os órgãos directivos da Escola (quando se demitem das suas responsabilidades se confrontados com situações graves de violência escolar); os trabalhadores não docentes (que sabemos encontrarem-se em situação profissional difícil, mas que não podem pactuar com comportamentos que configuram muitas vezes situações de crime); os professores (que têm sido quase exclusivamente as vitimas, revelando muitas vezes um medo de qualquer modo inaceitável em democracia e, por isso, se têm deixado tornar cúmplices da violência); os alunos (que em casos identificados e em outros ocultados se têm comportado como insubordinados, irrespeitosos e destituídos de um mínimo de civismo, transformando a Escola e a sala de aula em espaços de selva); e em última instância, o sistema político institucional, que envolve a Assembleia da República, os Governos, os Partidos políticos e os Sindicatos (sempre que não olham de frente para o problema, quando revelam não possuir a consciência do papel crucial da educação para a saúde global e democrática da sociedade portuguesa e dos portugueses, ou para a eficácia que urge para garantir o progresso, a liberdade, a justiça social e a independência de Portugal, num mundo globalizado em que a concorrência é feroz e o conhecimento é cada dia mais o próprio ar que se respira). Daí também a saudação a esta iniciativa. A UGT e os seus Sindicatos não cruzarão os braços e, como sempre, querem contribuir para a construção das soluções. Nessa medida, propomos alguns meios de superação do problema, que são: • Uma nova reorganização paradigmática da Escola, fazendo dela uma instituição inclusiva de verdadeira aprendizagem e de criatividade cultural, onde há lugar para todos e cada um e que proporcione o sucesso educativo de todos. É isso que a escola tem de ser. • Uma racionalização curricular orientada fundamentalmente para a formação da pessoa humana, que é o cerne da cidadania. A obesidade curricular existente, esfomeada como uma ténia, não pára de crescer. As actividades de enriquecimento curricular não são extracurriculares, são muitas vezes disciplinas, instrumentos de crescimento da patologia curricular vigente. • O “sucesso escolar” foi tratado preferencialmente desde o início como um mero sucesso estatístico. Foi, pelo meio, sucesso administrativo. Nunca foi, nem quis ser, nem consegue ser, sucesso educativo. O que tem interessado é “passar” e dar esses números aos diversos consumidores de estatísticas, incluindo a comunicação social. Exige-se a morte do sucesso estatístico e a construção do sucesso educativo. • Exige-se o estado promotor de condições da educação universal dos portugueses bem sucedida. Que se leve à prática uma política de autonomia das Escolas: que o Governo defina as políticas e forneça as respectivas orientações gerais; que essas políticas sejam realizadas nas escolas pelos profissionais de educação, como as políticas de saúde devem ser realizadas pelos médicos. No diploma da Administração das Escolas, a Autonomia não pode ser uma mera intenção normativa, devendo converter-se numa realidade vivida em pleno pela comunidade educativa. • É imperativo que a mudança de política educativa assuma o propósito de promover a rápida e profunda dignificação dos professores, reveja para o efeito o Estatuto da Carreira Docente e o acesso a “professor titular”. • Também é imperativo, promover a revisão do Estatuto do Aluno, no sentido que se exprime neste documento. • Concomitantemente, para que a actuação seja sistémica, é imperativo e urgente, aprovar e publicar o Estatuto dos Pais e Encarregados de Educação, para clarificar de vez o palco onde os actores educativos representam cada um o seu papel. Comissão Permanente da UGT (Maria Emília Apolinário)