MORUS UTOPIA E RENASCIMENTO e-ISSN 2447-0996 v. 11, n. 1, 2016 Revista MORUS – Utopia e Renascimento, 11, v. 1, n.. 1, 2016 Dossiê: “Traduções brasileiras de obras do Renascimento” (parte I) ISBN 2447-0996 Editor Carlos Eduardo Ornelas Berriel Coeditores Ana Cláudia Romano Ribeiro e Helvio Moraes Conselho Editorial Andrea Battistini – Università di Bologna (Itália) Antonio Edimilson M. Rodrigues - UERJ/PUC-RJ/UFF (Brasil) Arrigo Colombo – Università di Lecce (Itália) Bronislaw Baczko – Université de Genève (Suíça) Carlos Antonio Leite Brandão – UFMG (Brasil) Claude-Gilbert Dubois – Université Michel de Montaigne – Bordeaux 3 (França) Claudio De Boni – Università di Firenze (Itália) Cosimo Quarta – Università di Lecce (Itália) Edgar S. De Decca – UNICAMP (Brasil) Fátima Vieira – Universidade do Porto (Portugal) Francisco José Calazans Falcon UFRJ/UFF/PUC-RJ (Brasil) Frank Lestringant – Université Paris IV-Sorbonne (França) Hilário Franco Junior – USP (Brasil) Jacyntho Lins Brandão – UFMG (Brasil) Jean-Michel Racault – Université de la Réunion (França) Laura Schram Pighi – Università di Bologna (Itália) Leandro Karnal – UNICAMP (Brasil) Lyman Tower Sargent – University of Missouri (EUA)/Royal Holloway and Bedford New College, University of London (Inglaterra) Nadia Minerva – Università di Bologna (Itália) Peter Kuon – Universidade de Salzburg (Áustria) Raymond Trousson – Université Libre de Bruxelles (Bélgica) Vita Fortunati – Università di Bologna (Itália) Projeto gráfico original Paula Almozara ([email protected]) (dos números 1 a 8) Capa e coordenação geral Ana Cláudia Romano Ribeiro. Na capa, ilustração dos Songes drolatiques de Pantagruel, François Desprez, Paris, 1564. Organizadores deste número Ana Cláudia Romano Ribeiro e Helvio Moraes Equipe de revisão Bruna Pereira Caixeta, Helvio Moraes, Lucas de Souza Guimarães, Julia Ciasca Brandão, Milene Baldo Endereço para correspondência Rua Antonio Carlos Micoli, 341 Bairro Village Campinas CEP 13085-733 Campinas – SP Brasil Site www.revistamorus.com.br SUMÁRIO Editorial 5 Dossiê: “Traduções brasileiras de obras do Renascimento” (parte I) Os desafios do Quarto livro de Rabelais. Pensando teoria e prática da tradução 15 Élide Valarini Oliver As rimas de Guido Cavalcanti: uma introdução 31 José Clemente Pozzenato Tradução e sonoridade: o caso do eremita de Ariosto 41 Pedro Garcez Ghirardi Lachrimae, tears, lágrimas: a poesia nas canções de John Dowland 53 Guilherme Gontijo Flores Gesta grayorum, uma proto-Nova Atlântida: apresentação e tradução 61 Versão bilíngue Helvio Moraes Notas sobre uma tentativa de tradução do De origine vita Dantis de Boccaccio 91 Pedro Falleiros Heise Por uma nova tradução da Utopia 101 Márcio Meirelles Gouvêa Junior A Carta ao Conselho de Índias, de Vasco de Quiroga 111 Versão bilíngue Geraldo Witeze Júnior Pareceres sobre o ordenamento militar (Giribizi d’ordinanza), Nicolau Maquiavel 131 Luís Falcão “One text to rule them all”: a tradução prismática de Sir Thomas More para o 157 português Régis Augustus Bars Closel Avulsos Tradução e ritmo: rêver les vers de Lucrécio 181 Rodrigo Tadeu Gonçalves Ficção utópica (anti) gay em línguas inglesa e românicas: uma visão geral 199 Mariano Martín Rodríguez MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 1, 2016 Hermes Trimegistos no imaginário do Renascimento 231 Filipe Alberto da Silva Métodos de análise da utopia: observações críticas 247 Silvia Rota Ghibaudi Tradução de Carlos Eduardo O. Berriel e Helvio Moraes Resenha Quando la fantascienza è donna, de Eleonora Federici 261 Elena Colombo MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 1, 2016 Editorial Da vontade de ter uma visão conjunta de traduções para o português brasileiro de textos renascentistas, bem como dos estudos escritos pelos tradutores destes mesmos textos, nasceu o dossiê do décimo primeiro volume da revista MORUS – Utopia e Renascimento, publicado em duas partes, uma em cada número do presente volume. Evidentemente, trata-se de uma pequena amostra dos textos do Renascimento que se tem traduzido em nosso país e da reflexão tanto acerca do modo de traduzi-los quanto do próprio sentido dos textos traduzidos – uma amostra, porém significativa, abrangendo neste número 1 obras escritas em um longo período que vai do florentino Guido Cavalcanti (1250-1300) ao inglês Francis Bacon (1561-1626), passando por Giovanni Boccaccio, Nicolau Maquiavel, Vasco de Quiroga, Ludovico Ariosto, Thomas More, François Rabelais, Anthony Munday, Henry Chettle, Thomas Dekker, Thomas Heywood e William Shakespeare. Eis os autores das obras em foco na primeira parte do dossiê “Traduções brasileiras de obras do Renascimento” cujos textos disponibilizamos em versão bilíngue, enriquecidos de apresentações e notas explicativas. Frontispício da edição francesa Frontispício da edição brasileira do Quarto Livro do Quarto Livro 5 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 1, 2016 Quarto Livro, cap. VII: Comment Pantagruel passa les Isles de Tohu et Bohu et de l’estrange mort de Bringuenaril les avaleurs de moulins à vent (microfilme disponível em gallica.fr) MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 1, 2016 6 O dossiê começa com um artigo da poeta e professora de literatura brasileira e comparada na Universidade da Califórnia, Santa Barbara, Élide Valarini Oliver, que traduziu o Terceiro e o Quarto livro dos Fatos e Ditos Heroicos do Bom Pantagruel, de Rabelais e é autora do estudo Rabelais e Joyce. Três leituras menipeias. Tendo por objeto o Quarto livro, “texto limite”, segundo a tradutora, o artigo articula teoria e prática da tradução dialogando com as ideias de Horácio, Cervantes, Borges, Eco e Haroldo de Campos, entre outros. No plano conceitual, a autora revisita a falsa dicotomia fidelidade/transcriação, o essencial papel da hermenêutica da leitura e da escrita e questões de ética autoral; no plano da prática tradutória, ela apresenta e discute suas soluções para problemas pontuais de tradução.. Em seguida, José Clemente Pozenato, romancista, professor aposentado de Literatura de Língua Portuguesa e de Literatura Italiana na Universidade de Caxias do Sul e tradutor do Cancioneiro de Francesco Petrarca, traduz o fundamental poema de Guido Cavalcanti, Donna me prega. Situando-o em seu contexto de escrita, Pozenato o insere no ambiente político e cultural da Florença do século XIII, relacionando-o com a poesia siciliana, provençal e bolonhesa, e também com o aristotelismo então ressurgente na dupla perspectiva tomista e averroísta. Pedro Garcez Guirardi, professor titular aposentado de Literatura Italiana da Universidade de São Paulo, tradutor do Orlando furioso (escrito há quinhentos anos) revela, em seu artigo, a estrutura sonora da língua de Ariosto, elegendo as passagens em que aparecem figuras eremíticas, tão frequentes no poema ariostesco. Guirardi discute a frequente alusão a esta figura religiosa solitária, analisa sua ambiguidade, relacionandoa “ao ideal de renovação” da sociedade de que faz parte o poeta de Ferrara e “à insuficiência de suas concretizações” para então apresentar o texto original, sua identidade entre plano temático e plano sonoro e sua realização em português brasileiro. Pouco traduzidas e pouco estudadas no mundo lusófono, quatro canções do compositor, alaudista e cantor inglês John Dowland são vertidas para o português em tradução poética por Guilherme Gontijo Flores, visando à performance com a mesma melodia do original. Poeta, tradutor e professor na Universidade Federal do Paraná, Flores também traduziu, entre outras obras, A anatomia da melancolia, de Robert Burton, e as Elegias de Sexto Propércio. Diversas traduções de autores antigos e do Renascimento, entre outros, são regularmente publicadas no blog e revista escamandro, por ele coeditado. 7 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 1, 2016 The First Book of Ayres de John Dowland Acima, tablatura para alaúde MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 1, 2016 8 As Gesta grayorum (“Façanhas de Gray’s Inn”), são neste número apresentadas em tradução bilíngue por Helvio Moraes, professor de Literatura na Universidade do Estado de Mato Grosso e coeditor das revista MORUS – Utopia e Renascimento. Neste texto de juventude, de caráter utópico, publicado postumamente em 1627, estreitamente vinculado ao gênero dos espelhos de príncipes, Francis Bacon apresenta a um monarca fictício várias opiniões acerca dos fins de um Estado. Moraes tem se dedicado à tradução de textos renascentistas, notadamente a obras de Francesco Patrizi da Cherso como A cidade feliz e Dez diálogos da História. Pedro Falleiros Heise, professor de Língua e Literatura Latina da Universidade Federal de São Paulo e estudioso de Dante, apresenta uma das complexidades da primeira biografia do autor da Divina Comédia, De origine vita Dantis (ou Tratatello), de Boccaccio: a presença do cursus, de que o autor do Decameron se serviu em suas obras latinas e vernáculas. Partindo do preceito de Walter Benjamin, para quem uma tradução nunca deve encobrir totalmente o original, Heise reflete sobre a importância de se preservar os períodos boccaccianos tais como eles se apresentam, inclusive quando longos e ritmados por um ou mais tipos de cursus. No campo dos estudos renascimentais, Heise publicou ainda introdução e notas para uma versão quinhentista dos Triunfos de Petrarca. No ano em que se comemoram os quinhentos anos de publicação da Utopia, de Thomas More, não poderia faltar um artigo sobre sua nova tradução, feita a partir do texto latino por Márcio Meirelles Gouvêa Júnior. Cuidadoso ao preservar as estruturas sintáticas do texto latino, o tradutor optou por uma solução tão pertinente quanto bela, buscando reproduzir o sabor da prosa dos relatos de viagem do Renascimento. Para a Coleção Clássica, da editora Autêntica, ele também organizou e traduziu as Medeias Latinas, as Geórgicas, de Virgílio, os Centões Virgilianos e o Apêndice Virgiliano. O selo mexicano reproduzido na página seguinte representa a estreita relação entre Vasco de Quiroga e Thomas More, De fato, o futuro bispo de Michoacán foi um dos primeiros leitores da Utopia a tê-la como fonte de inspiração para a execução de projetos concretos: levou consigo para os Novo Mundo um exemplar anotado da obra moreana, que o teria inspirado a criar longevos pueblos exclusivos para índios. Sua Carta al Consejo de Indias, de 1531, que menciona o projeto de construção destes povoados, é aqui apresentada em versão bilíngue. O tradutor, Geraldo Witeze Junior, professor de História no Instituto Federal de Goiás e anteriormente indigenista na Fundação Nacional do Índio, traz à luz um documento importante para a compreensão do período colonial e para a reflexão sobre o conceito de utopia. 9 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 1, 2016 Frontispício da 1ª edição da Utopia de Thomas More. Basileia: Dieryck Martens, 1516 Edição da Utopia traduzida diretamente do latim por Márcio Meirelles Gouvêa Júnior Belo Horizonte: Autêntica, 2017 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 1, 2016 10 Em seguida lemos os Giribizi d’ordinanza (“Pareceres sobre o ordenamento militar”), de Maquiavel, em versão bilíngue, na tradução de Luís Falcão, professor de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense e autor de Maquiavel, Montesquieu e Madison: uma tradição republicana em duas perspectivas. Nos Giribizi o leitor poderá perceber tanto características do Maquiavel secretário da república quanto do escritor político exilado de Florença. A primeira parte do dossiê se encerra com um artigo de Régis Augustus Bars Closel acerca de sua tradução da peça Sir Thomas More, de autoria de diversos dramaturgos – Anthony Munday, Henry Chettle, Thomas Dekker, Thomas Heywood, e William Shakespeare – e anotada por um copista e por um censor. O tradutor concebe este trabalho de passagem de uma língua a outra como uma “tradução prismática”, ou seja, uma tradução que considera e deixa visíveis as marcas das diversas etapas da confecção desta obra, bem como dos modos de interação entre os vários agentes desta história. O dossiê “Traduções brasileiras de obras do Renascimento” continua no segundo número do volume 11 da revista MORUS, com textos inéditos e/ou estudos acerca de obras de Francesco Petrarca, Ambroise Paré, Thomas More, Lawrence Humphrey (autor de uma arte de traduzir renascimentista), Leonardo Bruni, Angelo Claudio Tolomei, Giordano Bruno e Shakespeare, entre outros. A seção de artigos avulsos se inicia com um artigo que dialoga com os textos do dossiê temático, “Tradução e ritmo, rêver les vers de Lucrécio”, de Rodrigo Tadeu Gonçalves, professor de Língua e Literatura Latina na Universidade Federal do Paraná e autor de Performative Plautus: Sophistics, Metatheater and Translation. Este tradutor discute os princípios de suas traduções rítmicas que buscam emular os ritmos dos versos antigos em português brasileiro e apresenta quatro trechos de sua versão em hexâmetros datílicos para o De rerum natura, de Lucrécio, poema tão importante para tantos autores do Renascimento: os versos iniciais, o elogio a Empédocles, a crítica ao conceito de homeomeria de Anaxágoras e a abertura do livro III, um hino a Epicuro. O segundo artigo da seção de avulsos tem autoria de Mariano Martin Rodriguez, tradutor na Comissão Europeia, em Bruxelas, e estudioso da ficção científica, utópica e especulativa na Espanha e na Europa, além de organizador de edições críticas de ficções especulativos e utópicas espanholas. Ele se dedica a percorrer panorâmica e criticamente um tema pouco explorado pela crítica, as utopias (anti)gays em língua 11 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 1, 2016 inglesa e nas línguas românicas, discutindo o que parece ser uma constante na literatura utópica e distópica: a descrição negativa de sociedades imaginárias onde a homossexualidade masculina é norma. No penúltimo artigo da revista, Filipe Alberto da Silva, doutorando em História de Arte pela Universidade Nova de Lisboa, examina o alcance da figura de Hermes Trismegistos no imaginário do Renascimento italiano, além de buscar perceber sua influência na obra do humanista português Francisco de Holanda. Por postumamente fim, e em republicamos português um importante artigo a respeito dos métodos de Berinus, romance em prosa francês do século XIV análise da utopia, de autoria de Silvia Rota Ghibaudi, professora emérita de História das Doutrinas Políticas junto à Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Torino e autora de tantos volumes, entre eles, L'utopia e l'utopismo. A autora discute aqui um método comum de análise dos mais variados tipos de utopia, assumindo que estudá-las implica em “entrar nos problemas históricos direta ou indiretamente confrontados, esclarecer o contexto no qual nasce e toma forma, ilustrar suas conclusões em relação aos debates contemporâneos”. Fechamos o volume 11, número 1, da revista MORUS com uma resenha de Elena Colombo sobre o livro Quando la fantascienza è donna. Dalle utopie femminili del secolo XIX all’età contemporânea, de Eleonora Federici. Neste livro, a autora analisa a presença feminina na criação e publicação de obras de ficção científica, interrogando-se sobre as especificidades da autoria feminina neste gênero. Boa leitura! Ana Cláudia Romano Ribeiro Coeditora MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 1, 2016 12 Fac-símile da página escrita pela “Mão D” (Shakespeare), da peça Sir Thomas More 13 MORUS – Utopia e Renascimento, v. 11, n. 1, 2016