Da Revolução Mexicana à Ortodoxia Neoliberal: Um Estudo de Caso sobre a História Econômica Mexicana1 Gabriel de Ferreira Lopes Lira ([email protected]) Larissa Fernandes Catão ([email protected]) Lucas Ribeiro de Belmont Fonseca ([email protected]) Maíra Leite Villarim Dias ([email protected]) Nathalia Maira Martins Lira ([email protected])2 Universidade Federal da Paraíba RESUMO Em cerca de um século, o México evoluiu de uma economia agroexportadora com uma indústria incipiente para um pujante centro comercial; passou por momentos revolucionários e por reformas neoliberais segundo o mercado internacional. Tido hoje como um modelo para os países em desenvolvimento, o México é uma promessa para o futuro e pode ser um farol para os demais emergentes, pois se encontra em uma situação vantajosa: simultaneamente é um dos maiores países latinos e divide a América do Norte com as únicas potências do continente; é sincronicamente um dos pilares da integração latino-americana, a exemplo da CELAC, e daquela alinhada aos EUA, como a Aliança do Pacífico e o NAFTA. O México tanto tem a aprender com os seus vizinhos como a ensinar-nos que possibilidades a América Latina pode aproveitar em busca da industrialização. Para isso, precisamos entender a História mexicana desde a sua Revolução até o período crítico de 2008 e o que o futuro guarda para esse emblemático país. O presente trabalho é dividido em dois capítulos: o primeiro com um enfoque histórico, onde a Revolução Mexicana, a Crise de 1929, a Guerra Fria e a Crise da Tequila são destacadas, eventos de extrema importância para o entendimento da atual conjuntura socioeconômica do México; no segundo capítulo, buscar-se-á analisar a economia e as relações comerciais mexicanas, expondo os principais parceiros, como os EUA e a União Europeia. Além disso, o processo de integração regional do México será salientado, estabelecendo um maior enfoque nas relações com o NAFTA. Palavras-chave: México; neoliberalismo; desenvolvimento. 1 Trabajo presentado en el Quinto Congreso Uruguayo de Ciencia Política, “¿Qué ciencia política para qué democracia?”, Asociación Uruguaya de Ciencia Política, 7-10 de octubre de 2014 2 Os autores deste artigo são graduandos em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 1. MÉXICO NO SÉCULO XX No alvorecer do século XX, o México vivia uma situação comum a todos os países latino-americanos, na qual uma elite política oligárquica e latifundiária mantinha o controle do aparelho do Estado através da repressão e do autoritarismo e fomentava o liberalismo econômico, a fim de, em conluio com o capital estrangeiro, exportar as matérias-primas produzidas nas fazendas dos grandes produtores rurais. (Womack Jr. 2012) De acordo com Eduardo Galeano, em seu livro “Veias abertas da América Latina”, mesmo depois da independência política dos países latino-americanos, as relações Colônia-Metrópole permaneceram, visto que não houve um processo de independência econômica. Na realidade, a emancipação política favoreceu as Metrópoles europeias, que já haviam desenvolvido sua indústria. “A independência abriu completamente as portas à livre concorrência da indústria já desenvolvida da Europa” (Galeano, 2012, p. 196) O Governo de Porfírio Díaz foi responsável por abrir a economia mexicana ao investimento externo, concedendo-lhe grande atuação na economia nacional, nos setores ferroviário, agrícola, bancário, petrolífero e industrial. Dessa forma, as fontes de renda nacional foram alijadas, e as propriedades rurais pertencentes a comunidades tradicionais foram incorporadas aos latifúndios agroexportadores, gerando um êxodo rural em direção às cidades e crises de desabastecimento, o que fez com que os preços inflacionassem. A nascente indústria mexicana não tinha capacidade de absorver a mão de obra vinda do campo, fazendo com que esses ex-camponeses se aglomerassem nas cidades sem emprego, terra ou renda. Como resultante do projeto econômico de aliança ao capital estrangeiro, concentração de renda, desemprego, miséria e desigualdade foram consequências quase naturais, visto que a classe política dominante não tinha o menor vínculo com as demandas das camadas populares. Além disso, é válido ressaltar que a intensidade com que tais elementos ocorreram foi maior na América Latina, uma vez que, segundo Galeano, com o processo de liberalização, as indústrias nacionais tiveram suas relevâncias reduzidas. As indústrias que, em certo momento, ensaiaram algum impulso, foram talhadas. “O norte e o sul enfrentavam dois mundos opostos, dois tempos diferentes historicamente, duas antagônicas concepções de destino nacional.” (Galeano, 2012, p. 225) A insatisfação com a condução política e econômica de Porfírio Díaz permitiu que setores da burguesia nacional não representada, do proletariado explorado e do campesinato revoltoso o retirassem do poder e colocassem Francisco Madero em seu lugar. Liderando os exércitos de camponeses ao Norte e ao Sul, estavam respectivamente Pancho Villa e Emiliano Zapata, os quais apoiaram Madero a princípio. No entanto, as elites mexicanas que se haviam unido em torno de Madero temiam que os anseios revolucionários do campo se voltassem contra eles, enquanto Villa e Zapata perceberam que apenas mudar o governante não traria as mudanças necessárias para o povo; era preciso transformar o sistema, e assim houve a primeira ruptura da Revolução. Madero, contudo, não conseguiu estabilizar o seu controle sobre o país e foi assassinado por um de seus generais, Victoriano Huerta, com a proposta de retomada do Porfiriato. Huerta também foi incapaz de dominar as revoltas domésticas e foi derrubado pelo revolucionário Carranza, também questionado pelos líderes camponeses Villa e Zapata, por ter exigido a entrega das armas e declarado o fim da Revolução. As etapas posteriores da Revolução Mexicana se resumiram a um embate entre as forças federais de Carranza e Obregón e os revolucionários camponeses de Villa e Zapata, em uma guerra civil marcante da História latino-americana. O conflito só teve fim, quando os Estados Unidos, com claros interesses econômicos no México, resolveram intervir e apoiar o exército de Carranza. Isso colocou as tropas de Villa contra os estadunidenses, chegando a um confronto direto em território estrangeiro e levando à invasão do México pelos EUA em busca da captura de Pancho Villa. Enquanto isso, Carranza procurou aliar-se a Zapata contra a invasão americana e prometeu-lhe a distribuição de terras aos campesinos, mas o encontro entre os dois serviu apenas de pretexto para a realização de uma emboscada que resultou na morte de Zapata. Obregón, até então, aliado de Carranza, viu o assassinato de Zapata como uma traição à Revolução, levantou-se contra o Governo e declarou-se Presidente. Com a morte de Zapata, de Carranza e posteriormente de Villa, Obregón conseguiu a estabilidade do México e autorizou algumas das reformas pedidas pelo povo mexicano e garantidas pela Constituição de 1917, findando a Revolução Mexicana, mas sem que seus objetivos fossem alcançados completamente, como a reforma agrária. Anos depois, a favorável situação em que se inseria a economia global se encontrava ameaçada pela grande depressão que assolaria a economia global entre os anos de 1929 e 1934 e que talvez tenha sido a mais profunda recessão econômica já vivenciada até os dias atuais. Seu anúncio se deu ainda em 1928, com uma queda generalizada nos preços dos insumos agrícolas no mercado internacional. Contudo, o fator mais marcante foi a crise financeira resultante da quebra da Bolsa de Nova Iorque, onde se negociavam as ações das grandes companhias. A repatriação de capitais norte-americanos, associada à repentina redução das importações pelos Estados Unidos, repercutiu fortemente na Europa, gerando uma crise industrial e financeira nunca antes vista, além do aumento nas taxas de desemprego. Tal problema é recorrente no capitalismo e foi observado por Carlos Eduardo Martins, que recorreu a outros autores, como Theotônio Dos Santos, Orlando Caputo e Ruy Mauro Marini, para explicar que O capital estrangeiro somente tem altas de reinvestimentos em uma região se as pressões competitivas lhe impuserem isso. Do contrário, esse capital prefere elevar suas taxas de lucro e repatriar-se, remunerando seus proprietários não residentes. Os países dependentes, ao possuírem estruturas econômicas subordinas ao capital estrangeiro e de baixa competitividade, tendem a ter fluxos de capital negativo com o exterior 3. (Martins, 2011, p. 327) Assim, tem-se que uma das principais consequências da depressão, a médio e a longo prazo, foi uma intensificação generalizada da prática de intervenções e do planejamento estatal da economia, visto que “o poder do Estado tem sido usado com frequência para resgatar empresas ou evitar fracassos financeiros” (Harvey, 2008, p. 83). Isso passou a vigorar não somente nos Estados Unidos, mas também nos países europeus e latino-americanos. Nesse contexto, é importante destacar os efeitos da crise na América Latina, cuja base produtiva era basicamente agroexportadora, com um incipiente grau de industrialização. A região sofreu com a retração nos investimentos estrangeiros e a redução das exportações de matérias-primas, acarretando a queda da renda e do emprego, mais agravadas em países cujo setor minerador era relevante, como o México, o Chile e a Bolívia. Atílio Boron afirmou ser primordial para o desenvolvimento que o país construa seu mercado interno, visando a não permanecer tão vulnerável às mudanças no mercado externo. “Nenhum país tem crescido nem tem se desenvolvido sobre a base do crescimento das exportações” (Boron, 2010, p. 70) Assim, notam-se diversas reações na região. Países como o Equador, a Venezuela e quase toda a América Central e o Caribe fizeram nada ou muito pouco, mantendo-se 3 Como era o caso do México e outros países da América Latina. atrelados ao dólar, somente modificando sua forma de ação de governo e de política econômica muito depois dos demais. Enquanto isso, outros como o México, o Brasil, a Argentina, o Chile e a Colômbia reagiram mais rápido. De acordo com Cano, Seja por revoluções, golpes ou eleições, mudaram radicalmente a condução política e econômica de seus países: abandonaram o padrão-ouro e o livre câmbio; instituíram fortes controles de câmbio e de comércio exterior; elevaram tarifas; desvalorizaram o câmbio, praticaram moratórias na dívida externa, etc. Acima de tudo, deram início à construção de um estado intervencionista, de uma embrionária política de desenvolvimento, da formação de quadros técnicos na burocracia estatal e do sistema de planejamento. Dessa forma, todos avançaram, industrializando e urbanizando nossos países (Cano, 2009, p. 605) No desenrolar da Segunda Grande Guerra e nos anos seguintes, o México deteve como interesse primordial o progresso de sua indústria. No México, assim como os demais países citados, o que ocorreu foi o processo de substituição de importações, caracterizado pelo aumento da produção interna e diminuição das suas importações. Desse modo, os países também adotam políticas protecionistas. A lógica do processo é primeiramente produzir bens de consumo não duráveis, a posteriori, passar para a produção de bens intermediários e de consumos duráveis, para, finalmente, chegar aos bens de capital. Como afirmou Eric Hobsbawm, Os Estados mais ambiciosos [...] exigiam o fim do atraso agrário através da industrialização sistemática, fosse com base no modelo soviético de planejamento centralizado, fosse pela substituição de importação. Ambos de modos diferentes, dependiam da ação e controle dos Estados [...] queriam eles próprio controlar e desenvolver seus recursos naturais (Hobsbawm, 2012, p. 343). A economia mexicana desdobrou-se no fomento da indústria de petróleo, na nacionalização das firmas de mineração e no desenvolvimento da infraestrutura. A substituição de importações fez com que uma sociedade predominantemente agrária ganhasse ares de sociedade industrial e deu forças para o estabelecimento dos espaços urbanos-industriais. Contudo, o modelo não se concretizou por completo, por diversas circunstâncias; entre elas, está o fato de que a produção agrícola, que era considerada peça chave, entrou em crise, na década de 60. Outro momento marcante no cenário internacional foi a Guerra Fria. Após duas grandes guerras, o mundo encontrava-se dividido entre os chamados Primeiro Mundo, Segundo Mundo e Terceiro Mundo. Nesse período também, foi instaurada uma nova ordem internacional. O mundo estava ideologicamente dividido entre o lado dos Estados Unidos e o da União Soviética. Ambos detinham armamentos nucleares, e existia um medo generalizado de outra guerra de proporções tão grandes. Contudo, destaca-se que o próprio nome “Guerra Fria” deve-se ao fato de que nenhum único tiro foi disparado. Houve apenas disputas indiretas entre os dois Estados à procura de um predomínio militar, político e ideológico. Entre os países do considerado Terceiro Mundo, encontrava-se o México. Este não deteve um papel marcante na Guerra Fria, entretanto foi afetado nos âmbitos social, econômico e político. Isso se deve, em parte, ao fato de que, nesse intervalo, os países do Terceiro Mundo tiveram que se submeter, nesses campos, ao lado capitalista ou ao socialista. Entre as escolhas apresentadas, o México ofereceu apoio aos capitalistas. Devido a esse apoio ao bloco capitalista, o México conseguiu consolidar, manter e até intensificar suas relações diplomáticas com diversos Estados, apesar de fechar-se adentrando no processo de substituição de importações, como anteriormente explicitado. Destaca-se que, durante os anos 70, o Estado mexicano conseguiu obter crescimento econômico notável – superior ao da América Latina no mesmo período –, como apresenta a Tabela 1 (vide anexos), embora a economia internacional já apresentasse indícios de crise. Contudo, houve déficit na balança de pagamentos em virtude da redução das exportações nacionais e da elevação das suas dívidas externas, derivada da necessidade de efetuar empréstimos no exterior, para financiar o déficit, o que teve relação com os dois choques do petróleo, em 1973 e 1979. Estes foram grandes contribuições para a crise que iria eclodir posteriormente e também para a instabilidade da economia do país. Outro agravante foi provocado pela política cambial existente, a qual não é considerada adequada. Ocorreu uma revalorização do peso mexicano, o que resultou no aumento das importações e prejudicou a capacidade de competição com outros países. O México elevou mais o seu déficit, ao realizar o pagamento dos juros da dívida. Toda essa situação fez com o que o país entrasse em uma crise financeira e decretasse sua moratória em 1982. “Houve um momento de verdadeiro pânico no início da década de 1980, quando, começando com o México, os grandes devedores latino-americanos não mais puderam pagar” (Hobsbawm, 2012, p. 412). A reação do governo foi desvalorizar o peso mexicano, diminuir os gastos nacionais e elevar o controle das suas importações. Com o fim da Guerra Fria, somado à crise das dívidas, passou-se a disseminar a ideia de que era necessária uma política econômica baseada na busca pela estabilidade e aberta ao investimento estrangeiro. Assim, diversos países em desenvolvimento, que ainda se encontravam repleto de dívidas e queriam aliviar-se de algumas de suas pesadas obrigações financeiras, “não tiveram outra opção além da de se entregar aos braços acolhedores, porém severos, do Consenso de Washington” (Naím, 1999, p. 4). Para isso, deveriam realizar um pacote de reformas em suas economias, baseadas, principalmente, na liberalização dos mercados. O Consenso de Washington tornou-se extremamente popular. Recebeu esse nome em 1989, por John Williamson, e consistia em uma relação de pontos necessários para a reforma: Disciplina fiscal; priorização do gasto em saúde e educação; realização de uma reforma tributária; estabelecimento de taxas de juros positivas; apreciação e fixação do câmbio para torna-lo competitivo; desmonte das barreiras tarifárias e paratarifárias para estabelecer políticas comerciais liberais; abertura à inversão estrangeira; privatização das empresas públicas; ampla desregulamentação da econômica; e proteção à propriedade privada (Martins, 2011, p 318-319) O nome deve-se ao fato de que parecia haver um consenso a respeito de que essas medidas eram necessárias, para mudar a situação dos países em desenvolvimento. Vale salientar que o Consenso de Washington contou com o apoio de instituições como o FMI e o Banco Mundial, os quais passaram a realizar seus empréstimos apenas mediante a implantação das reformas. Essa imposição apresentou resultados, pois, de acordo com David Harvey, “como o grau de neoliberalização estava sendo cada vez mais considerado pelo FMI e pelo Banco Mundial uma medida de bom clima de negócios, houve um incrível aumento da pressão sobre todos os Estados para que adotassem reformas neoliberais” (Harvey, 2008, p. 100). Apesar de todas as excelentes promessas, muitas vezes, os resultados passaram longe delas, gerando efeitos desastrosos em alguns países. Atílio Boron é um crítico do neoliberalismo e do Consenso De Washington e assegurou: Seu fracasso é evidente em toda parte [...] Ali onde se impôs fracassou em promover o crescimento econômico. E se a sua capacidade de gerar um padrão de crescimento autossustentável foi mínima, as consequências sociais de sua hegemonia foram desastrosas em todos os países, sem exceção. Produziu sociedades mais desiguais, com mais iniquidades, com maiores índices de exclusão social e marginalidade” (Boron, 2010, p. 49). Esse foi o caso do México. O país vislumbrou, no Consenso de Washington, a melhor forma, para alavancar sua economia, e assim pôs, em prática, suas recomendações. No início do ano de 1994, houve a oficialização do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte). “O Nafta havia sido a confirmação final de que as reformas de mercado funcionam e possibilitam um país pobre a iniciar sua caminhada para juntar-se ao grupo dos países mais desenvolvidos”. (Naím, 1999, p. 5). No mesmo dia da criação do NAFTA, 1º de janeiro, houve um protesto liderado pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional no estado de Chiapas, para resistir à privatização das áreas incorporadas no sistema ejido – direito à terra e a seu uso coletivo assegurado aos indígenas na constituição de 1917 – realizada pelo Presidente Salinas. Tal revolta surpreendeu o Presidente Carlos Salinas e todos aqueles que se beneficiavam com as reformas pró-mercado do México. Foi um fato importante, pois corroborou a ideia de que todas as reformas macroeconômicas executadas não levariam o México à prosperidade e que poderiam encontrar resistência de parte da população. O Consenso de Washington não adicionou um mecanismo, para que os países em desenvolvimento que estavam abrindo sua economia naquele momento não sofressem consequências negativas da globalização, principalmente, presentes no âmbito financeiro. Por conta disso, os anos 90 assistiram a diversas crises financeiras nesses países. Diversos elementos foram incorporados na explicação das crises desses países: as expectativas autorrealizáveis dos investidores residentes e nãoresidentes; a influência de um espectro mais amplo de fundamentos, que condicionam a decisão de desvalorizar ou não dos governos, como fragilidade do sistema bancário, o papel das variáveis externas, sobretudo a política monetária dos países desenvolvidos; e o efeito contágio (Prates, 2005, p. 366-367). O peso mexicano fora atrelado ao dólar, contudo, devido ao aumento da inflação, houve uma valorização gradativa da moeda do país, chegando a uma supervalorização. Assim, a abertura do mercado com a moeda sobrevalorizada gerou um aumento expressivo das importações em comparação com as exportações, causando déficits na balança em conta corrente. Para sanar os desequilíbrios comerciais, muitos dólares tiveram que ser comprados pelo Banco Central, e o mercado de títulos foi aberto para os investidores externos. A possibilidade de desvalorizar o câmbio, para reverter o quadro, foi inicialmente descartada pelo Governo, visto que poderia gerar uma perda de confiança dos investidores ou mesmo do povo mexicano. Além disso, “a fragilidade do sistema bancário, expressa no volume expressivo de créditos em atraso e liquidação nos portfólios dos bancos, teria impedido a autoridade monetária de praticar uma política monetária restritiva, a qual teria evitado a evasão das reservas ao longo de 1994”. (Prates, 2005, p. 368). Tal fragilidade do sistema bancário deve-se ao processo de liberalização e de assimilação dos fluxos de capitais. Apesar das escolhas iniciais, em dezembro de 1994, a situação tornou-se insustentável, a paridade com o dólar deixou de existir, o peso passou a flutuar e logo caiu drasticamente. Com a desvalorização, os capitais fugiram mais intensamente e quem se prejudicou foram os cidadãos do México. Veio então, cumulativamente, o desmoronamento brutal do “mercado financeiro emergente”, [...] abrindo, em menos de um mês, uma recessão que foi se aprofundando a cada mês. O ano de 1995 registrou uma queda de 5% no PIB e uma taxa de inflação de quase 50%. O desemprego alcançou 25% da população ativa, enquanto os salários sofreram uma perda do poder aquisitivo de ordem de 55%, e mais de dois milhões e meios de pessoas caíram abaixo do limite de “pobreza extrema”. (Chesnais, 1996, p. 31) A crise foi, na realidade, uma crise de liquidez do México, escassez das reservas do Banco Central. Esperava-se que o Governo não teria condições de cumprir com seus compromissos financeiros, e assim ocorreu o ataque especulativo. “A moratória unilateral do México marcou o início de uma nova fase na atuação do FMI para impedir que a crise mexicana contagiasse outros países da América Latina e acabasse abalando o sistema financeiro dos países desenvolvidos, especialmente o setor bancário dos EUA.” (Assis, 2001, p. 2) Contudo, os esforços financeiros não foram suficientes, e, graças ao “comportamento de manada” intensificado por um contexto de globalização, a crise mexicana contagiou outros países em desenvolvimento, principalmente devido ao desencadeamento de desconfiança com relação a todo o mercado emergente. Esse processo recebeu o nome de “Efeito Tequila”. “A Crise da Tequila que atingiu o México em 1995, por exemplo, espalhou-se de maneira quase imediata, com efeitos devastadores no Brasil e na Argentina, mas suas reverberações também foram sentidas, em algum grau, no Chile, nas Filipinas, na Tailândia e na Polônia” (Harvey, 2008, p. 105) 2. RELAÇÕES COMERCIAIS MEXICANAS O “Efeito Tequila” se deu na época em que o México aderiu ao NAFTA. Apesar dos entraves causados pelos efeitos da crise, o México se manteve no NAFTA e posteriormente obteve ganhos, ainda que em restritas vertentes econômicas e sociais. O acordo configura-se como uma zona de livre comércio, o qual, em um prazo de 15 anos, previa a eliminação das tarifas alfandegárias entre os países membros: o Canadá, os Estados Unidos e o México. “O acordo significa a integração dos mercados desses países, que, em 1993, representavam um PIB de aproximadamente US$ 7 trilhões e uma população de quase 400 milhões de habitantes”. (Moreira, 2004, p. 25) Pode-se observar o aumento expressivo das exportações entre os membros do NAFTA, entre 1993 e 1999, conforme o Gráfico 1 (vide anexo). É importante destacar que o bloco não tinha o objetivo de aprofundar as relações nos âmbitos social e institucional, mas se restringia a uma maior liberalização das economias dos membros. Com isso, os fluxos comerciais tenderam a aumentar, mormente, em direção ao México, já que a produção local pode ser considerada menos competitiva, quando comparada aos EUA e ao Canadá. O NAFTA representou, para os Estados Unidos, a criação de mecanismos de proteção aos investimentos feitos pelas empresas estadunidenses no México e a utilização pelas empresas americanas de mão de obra abundante e com baixos salários, assim como a maior fiscalização da imigração e do tráfico de drogas na fronteira mexicana. Para o México, ainda são incertas as consequências desse acordo, porém um dos fatos inegáveis é a expansão considerável do seu comércio exterior com os Estados Unidos. (Moreira, 2004, p. 27) O Acordo de Livre Comércio da América do Norte trouxe grandes expectativas ao Estado mexicano, principalmente, pela oportunidade de recuperação econômica do país que sofria com os efeitos da “Crise da Tequila”. O NAFTA, assim como a ajuda financeira e os ajustes feitos pelo Governo mexicano, pode ter sido responsável pela recuperação da economia mexicana nos anos seguintes. Esse acordo, além de aumentar o comércio entre seus membros, facilitou o fluxo de investimentos, principalmente no setor de serviços. (Moreira, 2004, p. 34) No início do bloco, era possível observar que os membros possuíam interesses distintos, sobretudo, os EUA e o México. O Estado mexicano procurava, na tentativa de integração do NAFTA, uma maior liberalização de seu mercado e consequentemente uma maior participação na divisão internacional do trabalho, ajudando a redução dos déficits econômicos e sociais (Niemeyer e Costa, 2012). Os EUA, por sua vez, procuravam a redução dos custos de sua produção por meio da instalação de linhas de produção no México, obtendo mão de obra mais barata. Os efeitos proporcionados pela tentativa de integração de cunho neoliberal, na economia mexicana, foram diversos. Juntamente com o controle da inflação e com a desvalorização cambial, foi possível dar maior estabilidade macroeconômica ao país. Conforme pode ser observado na Tabela 2 (vide anexo), o país tornou-se mais estável após o ano de 1996. Os fluxos comerciais da economia mexicana têm sido altamente influenciados pelo NAFTA e por acordos pontuais com demais blocos pelo mundo, conforme demonstrado na Tabela 3 (vide anexo). O saldo da balança comercial mexicana com a zona do NAFTA salta de US$ -3.283 milhões para US$13.057 milhões entre 1994 e 1995, o que demostra a influência do bloco sobre os fluxos comerciais mexicanos. Apesar da evolução das exportações, principalmente com o NAFTA, é possível observar o saldo negativo corrente na balança comercial do México. Isso ocorre, acima de tudo, devido à pauta de exportações, cujos termos de troca têm-se deteriorado ao longo do tempo. O país passou de um grande exportador de petróleo nos anos 80 – 60% de suas exportações – para exportador de manufaturas. A participação do petróleo caiu para 10% em 2000 (UNCTAD, 2007, p. 71). Nesse contexto, vale salientar que os principais importadores de manufaturados mexicanos são os Estados Unidos. Embora se possa argumentar que os efeitos da liberalização econômica, nas últimas três décadas, tenham sido majoritariamente positivos para o México, crescem preocupações com questões como desemprego, deslocamento social, desigualdade de renda, exploração de trabalhadores e degradação ambiental. Ao utilizar a análise de David Harvey para o caso do México, é possível afirmar que aceitar tal regime neoliberal no país, com livre comércio intensificado pela existência do NAFTA, “equivale a aceitar que a única alternativa é viver sob um regime de interminável acumulação do capital e de crescimento econômico quaisquer que sejam as consequências sociais, ecológicas ou políticas” (Harvey, 2008) O PIB e o PIB per capita no período 1988-1997 foram relativamente baixos, se comparado a períodos de crescimento anteriores. O crescimento foi de 2,6% e 1,1% respectivamente. Os efeitos da integração neoliberal do NAFTA foram refletidos na sociedade: o desemprego cresceu, o salário real diminuiu, a pobreza acentuou, e a distribuição de renda piorou. (Freitas, 2008) Isso pode ser observado, especificamente, na questão de fábricas maquiladoras, as principais produtoras dos manufaturados mexicanos, que consistem em empresas estadunidenses que se instalam na fronteira entre os dois países em busca de mão de obra barata e de maiores incentivos fiscais. Essas indústrias têm sido as principais exportadoras do México, além de importarem boa parte dos insumos para a produção. Os EUA fornecem até 50% de todos os insumos para as maquiladoras do México e empresas de montagem, o que representa mais de US$ 41 bilhões em vendas anuais (U.S. Embassy – Mexico City, 2013a). Nesse contexto, torna-se imprescindível destacar o papel das relações entre México e Estados Unidos, países intimamente ligados - política, econômica, demográfica e geograficamente. Além de compartilharem uma fronteira marítima e terrestre na América do Norte, os países assinaram diversos tratados bilaterais, como a Compra Gadsden4, e multilaterais, como o NAFTA. Ainda, a questão demográfica é de suma importância, visto que o México é a maior fonte de imigrantes para os Estados Unidos. Embora suscitem diferenças entre os Estados em questão, temáticas relativas à imigração ilegal e ao tráfico de drogas e de armas de fogo vêm, cada vez mais, fomentando a cooperação entre os países. Em se tratando do âmbito econômico, os Estados Unidos são os maiores parceiros comerciais do México. Este, por sua vez, é o 3º maior parceiro dos EUA, ficando atrás apenas do Canadá e da China. É relevante apontar que, desde 1994, as exportações do México para os EUA têm-se mantido em um patamar de 78% a 88%, conforme demonstrado no Gráfico 2 (vide anexo), o que revela a importância do comércio entre ambos os países. De acordo com o U.S. Census Bureau, em 2012, os EUA exportaram para o México US$ 216 bilhões em mercadorias – um aumento de 9% em relação a 2011, e de 4 Em 1853, os EUA compraram do México uma área de aproximadamente 77.770 km2, atualmente situada no sul dos estados do Arizona e Novo México 31,9%, a 2010, conforme o Gráfico 3 (vide anexo), As importações mexicanas para os EUA, por sua vez, corresponderam a US$277,5 bilhões – 5% a mais que em 2011 e 20% a mais que em 2010. Ainda em 2012, cerca de 77,5% de todas as exportações mexicanas foram para os Estados Unidos. Nesse mesmo ano, quase 50% de tudo que o México importou veio dos EUA, enquanto apenas 15% vieram da China e 11% da União Europeia. Com isso, pode-se observar que o comércio entre ambos os países é vital para suas respectivas economias. Desde a implementação do NAFTA em 1994 até 2011, as exportações dos EUA para o México cresceram cerca de 330%, enquanto as exportações mexicanas para os EUA cresceram aproximadamente 485%, de acordo com a Tabela 4 (vide anexo). Isso, mais uma vez, demonstra o impacto que o bloco teve nas economias de ambos os países. Do mesmo modo, a parceria estratégica com o Canadá, outro membro do NAFTA, é de grande relevância para a análise da pauta comercial mexicana. O avanço do comércio bilateral, as frequentes reuniões parlamentares, além da cooperação regional e internacional em importantes foros, são fatores que tornaram os dois países relevantes parceiros estratégicos. A maior parte do comércio mexicano ocorre com os seus parceiros comerciais preferenciais, entre os quais se encontra o Canadá. Nos dias de hoje, mais de 2500 empresas canadenses atuam em território mexicano. Ademais, o Estado do México situa-se entre um dos países prioritários na Export Development Canada, que é uma agência de crédito à exportação que opera desenvolvendo o comércio do Canadá. De acordo com dados da Organização Mundial do Comércio, no ano de 2010, até o mês de agosto, 67,5% do comércio do país foi com o Canadá e com os Estados Unidos. O Estado canadense é também aqui evidenciado, visto que, por exemplo, no ano de 2011, foi o terceiro maior parceiro comercial do México – como consta na Tabela 5 (vide anexo). A União Europeia é um bloco que também detém um acordo de livre comércio com o México, o qual entrou em vigor no ano de 2000 - para mercadorias - e no ano de 2001 - para serviços. O objetivo desse tratado é estabelecer uma liberalização preferencial e bilateral do comércio de produtos exportados e serviços. Atualmente, a União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do México, ficando atrás somente dos Estados Unidos. Ela é também a terceira maior fonte de importações, depois dos Estados Unidos e da China. Tais constatações tendem a ser mais sólidas, uma vez que as importações e exportações entre o Estado mexicano e a União Europeia crescem cada vez mais (vide Gráficos 4, 5 e 6, em anexo). Os produtos primordiais exportados da UE para o México são as máquinas e os equipamentos elétricos, produtos minerais, equipamentos de transporte e produtos minerais. Em termos de exportações de serviços advindos da UE para o México, encontram-se, principalmente, o transporte marítimo, as viagens, o transporte aéreo e os serviços de informação e de computação. Por fim, é relevante analisar a relação comercial do México com a maior potência econômica da América Latina, o Brasil. Por serem os dois principais países da região no quesito econômico, as oportunidades existentes para integração são imensas, mas ainda pouco aproveitadas. De acordo com o Gráfico 7 (vide anexo), que mostra os principais destinos das exportações do México nos anos de 2005 e 2010, o Brasil correspondia inicialmente a apenas 0,42% e apresenta um aumento para 1,27%. E no Gráfico 8 (vide anexo), que exibe as principais origens das importações do México nos dois mesmos períodos, o Brasil representava 2,37% e decresce para 1,44%. Analisando tais dados, evidencia-se uma maior quantidade de trocas comerciais do México com países da Ásia e da União Europeia do que com a América Latina, especificamente, o Brasil. Uma das explicações para isso é a carência de acordos de integração econômica entre os dois países, e, como já supracitado, essas parcerias são significativas para o comércio mexicano e para seus empresários. Entre os poucos acordos existentes, encontra-se, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o Acordo de Complementação Econômica nº 53, que foi firmado em 2002, entre ambos os países, e se refere ao estabelecimento de preferências tarifárias fixas para aproximadamente oitocentos produtos. Além disso, assinaram, no mesmo ano, o Acordo de Complementação Econômica nº 55, que é voltado para a regulação e para a intensificação do comércio de automóveis. Ainda assim, o fluxo comercial poderia aumentar consideravelmente, se mais compromissos fossem firmados. “Contudo há forte resistência de alguns setores da economia mexicana, especialmente os relacionados às atividades agrícolas, os quais percebem o Brasil como um produtor tradicionalmente muito eficiente, de custos baixos e com grandes volumes.” (APEX Brasil, 2012, p. 10). De fato, a relação comercial entre esses dois países latinos é marcada pela predominância de saldos positivos para o Brasil, como mostra o Gráfico 9 (vide anexo), chegando a alcançar, no ano de 2004, um superávit relativo de quase 70%. A partir daí, passou a declinar um pouco devido ao crescimento das compras de produtos mexicanos pelo Brasil, contudo, ainda assim, o saldo comercial relativo foi positivo, com exceção dos anos de 2009 e 2010, os quais apresentaram déficits relativos para o Brasil. Os principais produtos exportados do Brasil para o México são as fabricações de automóveis, caminhonetas e utilitários, seguidos de peças e acessórios para veículos e automotores, que juntos somaram 35,2 % das exportações em 2010, de acordo com a Tabela 6 (vide anexo). Já a Tabela 7 (vide anexo) apresenta os principais produtos importados pelo Brasil do México. Em primeiro lugar, com 33,9% de participação nas importações totais, em 2010, também se encontrava a fabricação de automóveis, caminhonetas e utilitários, seguida da fabricação de produtos químicos orgânicos, com 8,53%. Ao analisar as Tabelas 6 e 7 (vide anexo), é possível perceber que o comércio entre os dois países é fundamentalmente de produtos manufaturados, e nota-se que são produtos similares. Sendo assim, exportam e importam produtos dos mesmos setores. Com a percepção do subaproveitamento do potencial da relação entre Brasil e México, os Presidentes Dilma Rousseff e Enrique Peña Nieto, reunidos em janeiro de 2013, na Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (CELAC), assentaram a promoção de uma maior aproximação entre os empresariados dos dois países. No encontro, “os chefes de Estado concordaram em explorar janelas de oportunidade para estreitar os laços econômicos e comerciais, de tal forma que ambas as nações sigam um caminho comum de desenvolvimento”. (BRASIL E MÉXICO....2013) 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Neoliberalismo, crise de 2008 e alternativas póscrise Após o boom do comércio internacional durante a década de 90, alavancado pelo que se considerava a era da Pax Americana, poucos previam que, em poucos anos, a maior potência do globo entraria em recessão e atrairia grande parte do mundo desenvolvido para a decadência socioeconômica, mas foi isso o que aconteceu em fins de 2008, quando o banco estadunidense Lehman Brothers declarou o seu colapso. “A fenomenal crise desencadeada nos EUA pelas hipotecas sub-prime está começando a demonstrar onde reside realmente a falha geológica do sistema financeiro internacional, e não é precisamente no Terceiro Mundo onde ela se situa.” (Boron, 2010, p. 56) A reestruturação econômica que acontecera décadas atrás, sintetizada pelos ideais do Consenso de Washington, apenas agravou os efeitos de uma crise que poderia ter sido evitada, caso os Estados tivessem se libertado das amarras neoliberais enquanto havia tempo. Em especial, a desregulação financeira, a primazia da ganância individual em detrimento do bem-estar coletivo e a conexão do sistema bancário como resultado da financeirização do capital foram determinantes, para que a crise se espalhasse em pouco tempo e tivesse efeito sobre a Europa, por exemplo. É interessante notar como a teoria e a prática se coadunam, ao analisarmos o que David Harvey escreveu em 2003, isto é, antes da crise: As crises financeiras que precedem tão frequentemente a invasão predatória de economias estatais inteiras por potências financeiras superiores costumam se caracterizar por desequilíbrios econômicos crônicos. Os sinais característicos são déficits orçamentários internos que disparam e se tornam incontroláveis, uma crise do balanço de pagamentos, rápida depreciação da moeda, instabilidades na valorização dos ativos internos (por exemplo, nos mercados imobiliários e financeiros), inflação crescente, aumento do desemprego acompanhado de queda no nível dos salários e fuga de capitais. Entre esses sete indicadores principais, os Estados Unidos têm hoje a distinção de uma alta taxa nos três primeiros e sérias preocupações com o quarto. A atual ‘recuperação sem empregos’ e a estagnação do nível de salários sugerem problemas incipientes com o sexto. (Harvey, p. 203, 2008) Ao ver o que é defendido por Harvey em “Neoliberalismo: história e implicações”, é inegável que a defesa das finanças tenha-se tornado o objetivo e própria razão de ser do Estado atual, seja pelo resgate aos investidores à beira do abismo – como a estatização da General Motors – ou pela ação repressiva às parcelas da sociedade que saíram prejudicadas com a crise, em especial, as classes mais baixas. O abandono às camadas populares é ainda mais visível, quando levamos em consideração que cerca de dez trilhões de dólares já foram gastos “para salvar bancos da crise”, enquanto o combate à fome, ao desemprego e à pobreza é marginalizado nas discussões de políticas públicas. De acordo com Harvey, “são as pessoas comuns que sofrem, padecem inanição e mesmo morrem durante crises do capitalismo” (Harvey, 2008) Tendo em vista o grau de interdependência entre as economias mexicana e estadunidense, não se poderia esperar, portanto, que o México conseguisse escapar dos efeitos nefastos da crise de 2008. Após a implementação do NAFTA e a adoção da cartilha neoliberal como guia de ação governamental, os efeitos sobre a economia e a sociedade mexicanas foram imediatos e, muitas vezes, assemelham-se ao que ocorreu alhures, onde o neoliberalismo também foi imposto pelas exigências do Fundo Monetário Internacional e do establishment financeiro internacional: perda de emprego, repressão policial, aumento da desigualdade de renda, degradação ambiental, migração rural forçada, flexibilização dos direitos sociais, fragmentação do poder de atuação estatal. (Hogenboom, 1998) No México, a assinatura do NAFTA fez com que o comércio intrarregional alcançasse patamares extraordinários e deu fôlego à instalação de empresas multinacionais na fronteira com os Estados Unidos, gerando, ainda que insuficientes, emprego e renda. (Toledo, 2003) Contudo, teve como resultado inerente o aumento da dependência em relação aos Estados Unidos nos mais diversos aspectos, retirando do próprio Estado mexicano a sua capacidade de ação soberana frente à iniciativa privada. (Soria, 2007) Uma vez que a crise de 2008 teve início, tornou-se, para o México, impossível fugir das suas consequências negativas, em distinção ao que ocorria ao Sul, onde o Brasil e seus vizinhos, assim como as novas potências emergentes, tornaram-se a força locomotora da economia e do comércio internacionais. (Reyno, 2005) Por outro lado, ainda que o México, tenha avançado no processo de internacionalização de sua atividade comercial -traduzida pela assinatura de trinta e um acordos de livre-comércio- a participação dos Estados Unidos no total das importações vindas do México é de 90%, das quais 80% são de produtos manufaturados, o que torna a economia mexicana extremamente vulnerável aos ciclos de expansão e reversão da economia norte-americana. (Guimarães apud Camargo, 2004). Talvez isso seja explicado pelos diferentes caminhos políticos seguidos pelos países da América do Sul e pelo México (Taddei, 2002). Embora as manifestações de insatisfação tenham sido generalizadas por toda América Latina, no período de adaptação aos ditames neoliberais – a exemplo da Argentina, da Bolívia e do próprio México –, nem todos os países conseguiram romper com a ortodoxia neoliberal pela via das urnas, e mesmo alguns daqueles países em que partidos de esquerda tenham ascendido ao poder não foram capazes de quebrar a hegemonia neoliberal, como o Brasil (Oliveira, 2004). Na Venezuela, por outro ângulo, o advento do bolivarianismo ceifou as raízes do imperialismo estadunidense que usufruíam as riquezas naturais do país, embora a elite nacional tenha tentado, em aliança com o capital financeiro internacional, retirar Hugo Chávez pelo uso da força, da ruptura democrática e do autoritarismo. Las reformas de mercado y las adaptaciones normativas o institucionales que se han llevado a cabo en la región afectan no sólo a la posición y a la reputación internacional de los gobiernos de América Latina sino también a las condiciones de vida y trabajo de sus ciudadanos. Sin embargo, hoy en día éstos últimos son los principales críticos de estas adaptaciones y compromisos. Ante el aumento del desempleo, la creciente pobreza, la ampliación de las desigualdades y la baja de las rentas reales en muchos países de la región, cada vez más ciudadanos ponen en entredicho los costes económicos y sociales de las reformas adoptadas durante los diez últimos años. Estos ciudadanos están representados por nuevos dirigentes políticos que aun sin predicar una vuelta a las medidas populistas de los años setenta, rechazan la rigidez del marco de intervención impuesto por el mercado y hace énfasis en el coste humano de las políticas económicas adoptadas últimamente. (Alain, 2005) O caso particular do México não pode ser arrolado entre aqueles em que os protestos anti-neoliberais tiveram respaldo na ascensão de partidos populares de esquerda ao poder, tendo em vista a proximidade – geográfica, comercial, política – com os Estados Unidos e a força com que as diretrizes ortodoxas neoliberais se arraigaram na elite do país. (CLACSO, 2001) Para ter mais clareza sobre como o Estado mexicano comporta-se frente às circunstâncias nacionais e internacionais, saber como a elite trata essas questões é essencial, visto que, desde a Revolução Mexicana, a consolidação do Partido Revolucionário Institucional, representante da classe burguesa nacional, foi responsável por atender às demandas dos capitalistas nativos e por absorver as reivindicações populares, seja pela via populista ou pelo autoritarismo antidemocrático. (Womack Jr., 1970). O padrão de ações tomadas pelo Governo “revolucionário” era guiado pelo favorecimento da burguesia mexicana, ainda que medidas como a nacionalização do petróleo tenham certo apelo popular. A aliança entre o Estado e a iniciativa privada gerou crescimento econômico e concentração de renda, cujos efeitos são notáveis até hoje, e desviou a Revolução de parte de seu intento inicial, como o combate à desigualdade. Quando analisamos que aspectos da Revolução se mantêm nos dias atuais, como ela influencia a política mexicana contemporânea e quais as perspectivas futuras tomadas em comparação com o passado revolucionário, não se pode ser otimista, afinal, nesse caso, otimismo se aproxima da utopia. A volta do PRI ao poder, em tempos recentes, trouxe indubitavelmente mudanças significativas, como as reformas trabalhista, midiática, educacional e fiscal, trazendo bem-estar à população e com resultados a serem vistos no crescimento mexicano futuro, mas nada disso pode assemelhar-se a uma volta ao período revolucionário, em que os ideais zapatistas inspiravam os campesinos a pegar em armas e lutar pela justiça social; em verdade, as reformas conduzidas por Peña Nieto são tidas como necessárias para o fortalecimento das relações com os dois parceiros do NAFTA, assim como para garantir ao México maior capacidade de atuação no comércio internacional, tendo em vista a criação da Aliança do Pacífico e da Parceira TransPacífica, principais blocos deste século. (O'Neil, 2014) Em relação à ruptura neoliberal, Carlos Eduardo Martins afirma que, se América Latina, como no caso do México, permanecer com esse mesmo padrão de desenvolvimento pelos próximos anos, o risco é bastante elevado. Portanto, torna-se, pois, necessário construir um novo padrão de desenvolvimento que rompa com a superexploração do trabalho; que distribua a renda e o acesso aos instrumentos de gestão publica e privada; que priorize o crescimento econômico e o compatibilize com o equilíbrio ecológico; que se articule com o mercado internacional, mas considere o mercado interno e a integração regional prioridades (Martins, 2011, p. 341). Contudo, ainda que a crise de 2008 tenha mostrado que o capitalismo financeiro é o verdadeiro inimigo a ser combatido – embora tenha sido o maior beneficiário da crise –, o establishment financeiro internacional tem influência gritante sobre os Estados nacionais, e a saída bolivariana ou de terceira via são cada vez menos tangíveis no México. O rompimento com o modelo ortodoxo neoliberal depende da vontade política dos líderes nacionais e da coalizão das forças populares, para afastar a capacidade de influência do lobby capitalista no processo eletivo e decisório; do contrário, apenas a alternativa extremista torna-se possível, como já o foi na década de 30 e parece estar de volta nestes anos. REFERÊNCIAS ALAIN, Beatrice (2005). La crisis mexicana 10 años más tarde. Centro de Investigación Latinoamérica Europa. APEX Brasil. México: perfil e oportunidades comerciais. Brasília, 2012. Disponível em: <http://www2.apexbrasil.com.br/media/estudo/mexico_17102012160930.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2014. ASSIS, Milton Pereira De. (2001) A Origem das Crises Financeiras Internacionais: Fracos Fundamentos ou Puro Contágio? Uma Análise Empírica. Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia. Disponível em: <http://www.anpec.org.br/encontro2001/artigos/200103151.pdf>. [Acesso em: 5 dez. 2013.] BORON, Atílio. 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Fonte: UN Comtrade Gráfico 8 – Principais origens das importações do México, 2005 e 2010. Fonte: UN Comtrade Gráfico 9 – Saldo comercial entre Brasil e México, 2000-2010. Fonte: MDIC Tabela 6 – Dez principais setores exportadores do Brasil para o México, 2005 e 2010. Fonte: MDIC Tabela 7 – Dez principais setores importados do México pelo Brasil, 2005 e 2010. Fonte: MDIC