Ano II, nº 03 – Dezembro de 2006 - ISSN 1809-4589 Página 13 a 17 Manipulação Genética1 Cristiano Rafael Fuck2 [email protected] Diante das inúmeras e incontroláveis experiências de genética, uma certeza começa a integrar o cotidiano da humanidade e passa a povoar as consciências de todos os cidadãos e cidadãs desse planeta: há alguma pretensão teística na ciência genética! Que homem, que mulher, que ser humano, que natureza se quer formar? O que ainda a humanidade precisa para ser feliz? Não seria o caso de apenas qualificarmos a vida que temos, lutarmos por igualdade e justiça, redistribuindo a riqueza? A cada dia aumentam os “produtos” geneticamente modificados, conhecidos mundialmente por OGMs, e a iminência de seres humanos “confeccionados” ao gosto do cliente é palpável. Estamos em uma sociedade onde as pessoas consomem cada vez mais: beiramos a aquisição do “ser perfeito”, podendo efetivar a escolha entre um catálogo elaborado a partir de características e acessórios preferenciais. Segundo (Moser e Soares, 2006), em termos bem amplos, não podemos considerar a biotecnologia como sendo apenas organismos vivos para responder às necessidades do homem. Muito cedo os seres humanos começaram a observar e tirar proveito da natureza, a partir da fermentação do vinho, do pão, do leite. Descobriram a base da fermentação e cuidavam, no mundo dos animais, a multiplicação para não perder o momento propicio da multiplicação dos mesmos. Ao mesmo tempo, o ser humano esteve sempre atento para que algumas espécies não se reproduzissem com exagero. A sabedoria humana esteve, ao longo da história, cuidando do equilíbrio entre as espécies como “representante” de Deus. A ganância, o anseio em ter mais (Vidor, 2006) provocou o descontrole na busca inconseqüente de aprimorar-se rumo à eternidade, a superação do limite da morte, presentificando a possibilidade do homus continus. Hoje são ultrapassados, irracionalmente, os limites mais naturais e a ciência avança para os específicos do ser humano. Onde se observava a fermentação, se manipula o gene e muitos outros órgãos dos vegetais e animais. Ou então, são acelerados os processos naturais, conferindo espaços para a precocidade e a dominação da natureza e do homem. O planeta, os cosmos como um todo, estão dominados pelo próprio homem, seu hospedeiro que corre perigo, através dos descaminhos da tecnologia científica. 1 2 Trabalho elaborado para a conclusão da disciplina de Bioética, II semestre 2006, URI-FW. Acadêmico do Curso de Filosofia, II semestre, 2006 II, URI-FW. 13 Ano II, nº 03 – Dezembro de 2006 - ISSN 1809-4589 Página 13 a 17 Compreendendo conceitos Podemos entender por manipulação genética, todo aquele organismo animal ou vegetal que é geneticamente modificado e que ira reproduzir essas características adquiridas. Nas plantas o maior objetivo da manipulação genética é fazer com que possam criar resistência a pragas e maior produção. Nos animais é para que sejam possíveis novas formas de melhorar a genética e a produção. No ser humano, são buscadas melhorias genéticas, com objetivos questionáveis, sobre a consistência de informações e o avanço genético. Uma reflexão precisa ser esclarecida: onde será aplicado e a quem servirão esses avanços, esses “progressos”? Quem são, e o que querem os “manipuladores” e os pesquisadores, os verdadeiros “donos”, os patrocinadores dessas pesquisas e os pesquisadores, cientistas que levam esses projetos adiante? Se o bem último é a humanidade e sua qualificação, onde está a transparência que a ciência precisa ter? Quanto menor for a transparência, o controle social, maiores serão os interesses escusos e desonestos que a técnica provoca. Também maior é a preocupação que sociedade deve ter porque sobressaem interesse financeiros de empresas ou grupos (Fontes, 2006). A partir da década de 70, a ciência da vida vem se preocupando com o impacto que causam os estudos e os feitos, ao longo do tempo, com a manipulação genética. A Literatura, a Filosofia, a História, a Psicologia e algumas religiões têm abordado esse tema desde a antiguidade. Hoje, a elas se associam outras, como a Bioética que busca aprofundar e revelar o verdadeiro sentido das coisas, a defesa da vida na sua totalidade, a elevação da vida com dignidade como objetivo último da ciência (Quintanilha, 2006). A partir de (Cassol, 2006), devemos atualizar nosso conhecimento quando falamos de bioética e manipulação genética, ou seja, anterior a essa discussão, deve-se compreender o problema local, onde se está vivendo, pois é quase que utópico pensarmos em aplicar bioética primero-mundista, em nosso contexto latino americano. Aqui, os problemas a serem resolvidos são diferentes tanto no sentido financeiro quanto social. Não seria ético fazer manipulação para melhoramento de genes de animais, enquanto milhões de pessoas morrem de fome todos os dias. Isto resume a falta de recursos financeiros e educacionais, as precárias condições e a situação de exploração que recai historicamente sobre os povos do terceiro mundo. Há também o questionamento que busca aprofundar a compreensão em relação à manipulação genética: podemos usufruir desse bem? Em que circunstanciais? De que forma? Para quem estará disponível essa “evolução”? (Nogueira, 2006). Sem dúvidas, devemos admitir a ocorrência de avanços em relação à saúde humana e, igualmente, do planeta. Surgiram novas técnicas que ajudam o ser humano a viver melhor; mas, muitas vezes, esses recursos são limitados apenas grupos privilegiados. Alguns poucos com mais poder econômico (Quintanilha, 2006). 14 Ano II, nº 03 – Dezembro de 2006 - ISSN 1809-4589 Página 13 a 17 Podemos nos perguntar sobre a vantagem em interferir na genética humana, qual o sentido de viver em comunidades onde todos têm a mesma conduta? Onde ninguém, a princípio, teria problemas? O que teria de vida, de humanidade nessas sociedades? É obvio que nós não queremos pessoas violentas em nossa casa, em nossa sociedade. Tampouco desejamos pessoas doentes, impossibilitadas. Mas isso não nos confere o direito de fabricarmos seres em série que atendam aos caprichos de grupos hegemônicos. O ser humano tem recursos “naturais” para sobreviver. Não precisamos ser manipulados e modificados para viver bem, nem precisamos manipular utilizando o poder, a força da ciência e da técnica, sobre a natureza e sobre o ser humano (Okumura, 2005). Manipulação genética na atualidade Hoje são feitos vários tipos de manipulação de genes em animais para melhoramentos de raça e aumento de produtividade. O objetivo é o lucro fácil, diferente do que ocorreu na história da humanidade e, ainda num passado recente, com a “sapiência” de nossos antepassados. Quando não existiam essas “técnicas”, fazia-se naturalmente o cruzamento dos animais. Não apenas em uma só propriedade e com uma só espécie. Várias raças diferentes de lugares também diferentes favorecendo naturalmente a melhoria genética. Um conhecimento empírico que contribuía para a manutenção da “nobreza” de cada espécie, sua preservação e produção animal e vegetal. (Chassot, 2004). Podemos lembrar das sementes que os agricultores trocavam, das variedades diferentes que cultivavam para não “refinar” e comprometer a produção e, conseqüentemente, a alimentação familiar. Com o advento das sementes híbridas, se extinguiram as variedades. Nesse ponto se concentra o foco do problema: a chamada revolução verde no Brasil data da década de 40 do século XX, propicia o controle monopolizado, as patentes de algumas variedades de sementes. As grandes empresas controlam os preços das sementes e de todos os insumos e inclusive o preço de compra e a produtividade e o preço final. Manipulação genética, então, não está sendo sinônima de exploração? Com todos esses “avanços” genéticos, são feitas melhorias em animais e vegetais visando o aumento da produção e do lucro. Cabe uma pergunta: qual o rumo que estão tomando as pesquisas de manipulação genética? São buscados, com obsessão, o rendimento e o lucro e muito pouco se pensa no sentimento das pessoas e nas doenças causadas pelos aceleramentos nos OGMs e suas conseqüências para os seres que deles se alimentam. Com toda elevação no ritmo de produção de alimento, as grandes quantidades, e a rapidez com que se processam esses recursos, devemos nos questionar: como é possível existir milhões que ainda morrem de fome e de suas causas? Como discutir esse assunto, se o beneficio que o mesmo traz não atinge a maior parte da sociedade. O objetivo da manipulação genética não deveria ser em prol da coletividade maior? 15 Ano II, nº 03 – Dezembro de 2006 - ISSN 1809-4589 Página 13 a 17 A genética, agindo dessa forma, está se encaminhando para sua própria degradação. Ao invés de se preocupar em cuidar e criar soluções para a fome da humanidade, usa seus recursos para melhoramento na genética de vegetais e animais, onde se inclui o homem e a mulher, beneficiando uma porcentagem ínfima de privilegiados do planeta. A maior parte continua “esmagada”, excluída. Conclusão Em se tratando de qualidade de vida, no que se refere à Manipulação Genética, pergunta-se: as estruturas sociais, quanto à vida política na saúde pública, na promoção e defesa da vida, qual deve ser nossa postura? Quais são porcentagens de verbas que se destinam a pesquisa de manipulação e quais as que se destinam a saúde publica? Que investimentos são realizados em prol dos mais necessitados e historicamente excluídos? No saneamento básico? Para a educação? Para a satisfação profissional, intelectual ou social? Segundo (Moser e Soares, 2006) uma coisa é certa: “é utopia pensar em qualidade de vida numa sociedade onde grande parte da população vive em estado crônico de doença, onde indústrias farmacêuticas e laboratórios da biotecnologia partilham seus lucros com o sistema bancário” (p. 81). Fundamentados no pensamento de Taylor, citado por Singer (1998) ao nos referimos à vida, não podemos apenas delimitar a vida do ser humano, mas todos os seres vivos, pois a partir do momento que compreendemos que tudo o que possui vida, traz consigo uma qualidade que é única, ou seja, em sua essência está o que muitos outros seres não possuem o sentimento, a razão, a capacidade de pensar, de criar, de educar, a possibilidade de sobreviver. São habilidades que só algumas espécies usufruem. Essa reflexão nos faz vermos a nós mesmos como parte dessa existência e a nos compreendermos como parte de tudo o que construímos. Seattel, citado por Boff (1999), diz que “Quando a última árvore for abatida, quando o último rio for envenenado, quando o último peixe for contaminado, somente aí nos daremos conta de que não se pode comer e beber dinheiro” (p. 137). Para que essa catástrofe e outras ainda imprevisíveis não venham a se concretizar, precisamos urgentemente conscientizar a sociedade, a nós mesmos, e, em especial, aqueles que de forma mais influente usufruem incorretamente dos bens naturais. É preciso saber que a era de “crescimento” cientifico que estamos vivendo, pode acabar por destruir com o pouco de natureza “pura” que ainda nos resta. Referências Bibliográficas BOFF,Leonardo. Ética da vida. Brasília : Editora Letravida. 1999. 16 Ano II, nº 03 – Dezembro de 2006 - ISSN 1809-4589 Página 13 a 17 CASSOL, Claudionei Vicente. Discussão para uma bioética latino-americana. Em estudo para publicação. CHASSOT, Áttico. A ciência através dos tempos. São Paulo : Moderna, 2004. FONTE, Carlos. Manipulação genética. Disponível em: <htt://afilosofia.no.sapo.pt/10nprobleticosManip.htm>. Acesso em nov. 2006. MOSER, A.; SOARES, A. M. Bioética: do consenso ao bom senso. Petrópolis : Vozes, 2006. NOGUEIRA, Pablo. Mexer nos genes vai nos melhorar? Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/galileo/0,6993,ECT352870-1940,0.html Acesso em nov. 2006. QUINTANILHA, Alexandre. A Manipulação Genética e o seu Impacto Social. Disponível em: <http://dequim.ist.utl.pt/bbio/63/pdf/manipulacao_genetica_e_impacto_social.pdf>. Acesso em nov. 2006. Revista Alimentação Animal. Genética dá os primeiros passos. Disponível em: <http://www.bichoonline.com.br/artigos/aa0040.htm > Acesso em 19 nov. 2006. SINGER. P. Ética pratica. 2 ed. São Paulo : Martins Fontes, 1998. VIDOR, Alécio. Por que filosofia? IN: Diálogo Filosófico, ano I, n. 1. Frederico Vestphalen-RS : URI, p. 5, Nov. 2006. 17