Complicações Neurológicas no Paciente com Aids Manifestações neurológicas são freqüentes nos pacientes recém-infectados pelo HIV-1. A doença aguda pelo HIV, que em geral mostra remissão clínica após uma ou duas semanas, freqüentemente apresenta-se sob a forma de uma meningite viral benigna, embora possa assumir também a forma de uma doença febril aguda miálgica semelhante ao dengue, ou imitar uma mononucleose infecciosa REF. Além disso, 30% a 50% dos pacientes apresentam complicações neurológicas quando termina o longo período de infecção assintomática, e o indivíduo passa a apresentar infecções e tumores oportunistas. REF Com o advento dos anti-retrovirais, tem-se observado uma diminuição dessas complicações. REF Além dos sintomas determinados pelas infecções e neoplasias oportunistas, podem ocorrer também sintomas associados com a própria presença do vírus no sistema nervoso(encefalopatia pelo HIV, complexo demencial da aids). REF Outra causa comum de complicações neurológicas nesses pacientes é o uso de grande quantidade de fármacos, como os anti-retrovirais usados para o tratamento e os antimicrobianos profiláticos que, seja pelos seus efeitos colaterais, seja por interação medicamentosa, podem causar acometimento neurológico. REF Podemos dividir as complicações neurológicas que acometem os pacientes com aids de acordo com as manifestações iniciais, que muito nos orientam com relação às patologias mais prováveis, facilitando a conduta diagnóstica e permitindo o diagnóstico e o tratamento precoces. Assim, o primeiro ponto a ser observado num paciente com aids que se apresenta com sintomas neurológicos é a presença ou ausência de sinais neurológicos focais. REF Pacientes com déficits neurológicos focais: 1) Neurotoxoplasmose: A neurotoxoplasmose cerebral ocorre por reativação de pseudocistos tissulares latentes, contendo toxoplasmas viáveis, que grande parte dos indivíduos normais alberga no sistema nervoso. A ruptura destes cistos libera os toxoplasmas, que são, no indivíduo com imunidade normal, destruídos. REF Na aids, no entanto, os parasitas podem determinar o aparecimento de uma lesão destrutiva focal do encéfalo. REF A neurotoxoplasmose e é a causa mais comum de déficit focal no pacientes com aids. Sua freqüência é tão grande que a associação de comprometimento neurológico focal com uma imagem sugestiva na TC ou na RNM autorizam o início do tratamento. REF Mais de 90% dos pacientes com essa patologia apresentam CD4 abaixo de 200. O quadro clínico consiste de febre, cefaléia, rebaixamento do nível de consciência e déficit focal, de início agudo ou subagudo. REF Os métodos diagnósticos são a ressonância nuclear magnética (RNM) e tomografia computadorizada (TC) de crânio, que identificam uma lesão anelar com captação periférica do contraste, o que corresponde ao abscesso local Os locais mais comumente acometidos são a junção cortico-medular e núcleos da base. REF A sorologia não é útil na detecção de infecção ativa: os anticorpos podem elevar-se muito, mas podem, do mesmo modo, estar ausentes. REF No entanto, a presença de IgG permite identificar os pacientes que necessitam de profilaxia primária quando a contagem de linfócitos T CD4+ está abaixo de 100/mm3. REF. O tratamento é feito com sulfadiazina e pirimetamina, sendo necessária a reposição de ácido folínico, pois a pirimetamina inibe também a diidrofolato redutase humana. REF A profilaxia primária é feita com sulfametoxazol e trimetroprim e a profilaxia secundária com o mesmo esquema terapêutico.A resposta ao tratamento é em geral boa, com importante regressão dos sintomas neurológicos, o que traz maior segurança no diagnóstico da doença, até então feito em bases clínicas e radiológicas apenas. É esta melhora clínica que permite afastar as outras doenças que, com quadro clínico muito semelhante, podem também acometer o paciente com aids. REF 2)Linfoma Cerebral primário: É a segunda causa mais comum de déficits focais. REF O quadro clínico é muito semelhante, mas tem evolução mais crônica e caracteriza-se geralmente por confusão mental, letargia e perda da memória, não incluindo febre (que pode faltar também na neurotoxoplasmose). REF O CD4 desses pacientes, no momento do diagnóstico, costuma estar por volta dos 50/mm3. Nos exames de imagem, observamos lesões circulares semelhantes às da neurotoxoplasmose, que acometem principalmente as regiões peri-ventriculares, o corpo caloso e córtex, podendo visualizar-se uma massa única ou múltiplas lesões. A distinção entre o linfoma e as infecções oportunistas pode ser difícil. A totalidade dos linfomas cerebrais primários está associada ao vírus Epstein Barr. A pesquisa do DNA do EBV no liquor tem cerca de 85% de sensibilidade e 90% de especificidade. REF (Marcela, creio que a sensibilidade é de 100%. Confirme, por favor). A citologia do liquor (liquor não tem acento) pode também demonstrar a presença de linfócitos atípicos ou neoplásicos. REF (eu não sabia!) O problema com esta abordagem diagnóstica é a impossibilidade de realizar a punção lombar num indivíduo que tem uma massa intracraniana expansiva, pelo perigo de herniação. REF A biópsia da lesão está indicada quando o paciente, que normalmente é tratado como se tivesse neurotoxoplasmose, não apresenta melhora clínica. O linfoma cerebral primário habitualmente não produz lesões fora do SNC. REF O tratamento é feito com uma combinação de rádio e quimioterapia. REF 3) Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva: Caracteriza-se por um processo difuso de leucoencefalomalácia, causada pelo vírus JC, um vírus que infecta os rins de 90% da população, sem causar doença, sendo reativado em situações de imunossupressão, promovendo desmielinização no SNC. REF A LMP geralmente surge quando a contagem de CD4 encontra-se abaixo de 200/ul. REF Os sintomas mais comuns são hemiparesia, sintomas oculares e confusão mental de evolução lenta. A TC e a RNM mostram áreas de degeneração da substância branca - hipodensas, múltiplas e difusas pelo parênquima. As lesões são bilaterais, assimétricas e localizadas preferencialmente nas áreas periventriculares e substância branca subcortical, sem presença de edema ou compressão de estruturas vizinhas. Pode-se fazer PCR para o vírus JC no liquor desses pacientes com sensibilidade de cerca de 80% e especificidade de 94%. Em alguns casos, porém, pode ser necessária a biópsia da lesão. A punção lombar pode ser feita com relativa segurança nestes pacientes, uma vez que a lesão da LMP não é expansiva. REF Embora o quadro neurológico focal possa sugerir neurotoxoplasmose, esta hipótese é facilmente afastada pelos achados radiológicos. REF O tratamento dessa doença requer a terapia anti-retroviral, na tentativa de recuperar a imunidade desses pacientes. Pacientes sem déficits neurológicos focais: Estes quadros neurológicos dever-se-ão, na sua maior parte, às meningites e à encefalopatia pelo HIV. 1) Meningite por Criptococcus neoformans: É a meningite mais comum nesses pacientes e o CD4 encontra-se, na maioria dos casos, abaixo de 200/ul. Pode se manifestar apenas com febre e cefaléia, que tem início subagudo, mas que se torna progressivamente debilitante. Nos casos graves, (severo, em português, tem um sentido moral: o pai da gente é severo; doenças são graves, embora isso hoje em dia, não tenha mais importância) ocorre confusão mental, cegueira e alteração do estado de consciência. O diagnóstico rápido requer a punção lombar, que será realizada após a realização de uma imagem por TC ou RNM, para afastar com o máximo de certeza, a presença de uma massa expansiva intracraniana. REF Se possível, pode-se realizar também o exame oftalmoscópico, para afastar a presença de papiledema, que, do mesmo modo que a massa expansiva, contra-indica a punção lombar. REF O diagnóstico pode ser rapidamente feito pela encontro do criptococo no liquor, no exame microscópico feito com a técnica do nanquim (Figura), cuja sensibilidade é de 70%. REF Esta técnica fundamenta-se no fato de que o fungo tem uma cápsula gelatinosa, impermeável ao nanquim, que deixa passar a luz do microscópico, tornando o fungo facilmente detectável no fundo negro da preparação de nanquim. REF O diagnóstico pode também ser feito através da pesquisa de antígenos do criptococo no liquor, e confirmado pela cultura. O fungo cresce muito rapidamente, em um ou dois dias, produzindo colônias mucosas. O liquor caracteriza-se por aumento de pressão, pleocitose mononuclear, aumento moderado das proteínas e diminuição da concentração de glicose. O diagnóstico diferencial é feito com outras infecções que acometem o SNC dos pacientes com aids, como tuberculose, histoplasmose, aspergilose, herpes, doença de Chagas (que muitas vezes produz uma massa expansiva e confunde-se com a neurotoxoplasmose) REF e candidíase (a candidíase invasiva na aids é raríssima). REF A meningite bacteriana é relativamente rara em pacientes infectados pelo HIV e deve ser tratada da mesma maneira que nos imunocompetentes. O tratamento da meningite criptocócica é feito com anfotericina B por 2 semanas, seguida pela administração de fluconazol por 8 semanas. Devemos manter profilaxia secundária até que o paciente recupere a imunidade. 1) Complexo de demência relacionada a aids: Acomete cerca de 15% dos pacientes com aids e associa-se ao aumento da imunossupressão – CD4 abaixo de 200/ul. Manifesta-se, inicialmente, com prejuízo na capacidade de atenção e concentração e perda da memória. Com a evolução do quadro, ocorre acometimento de outras funções cognitivas e motoras, estando presente instabilidade da marcha e incapacidade de movimentos finos. Tardiamente, observamos alteração da personalidade e demência global. REF Nos exames de imagem é possível detectar atrofia cerebral difusa. O tratamento é feito com anti-retrovirais, que previne essas lesões e também pode ser capaz de reverter o quadro. Essas são as complicações neurológicas mais freqüentes no paciente com aids e devem ser reconhecidas e investigadas nesses indivíduos, o que permite uma intervenção precoce e melhor prognóstico para o paciente. Bibliografia: 1. Tratado de Medicina Interna, 22º edição Cecil 2. Principles and practice of infectious diseases, 6 th ed. Mandell 3. Rotinas de diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas e parasitárias, 2º edição – Valter Tavares