Aspectos da tomografia computadorizada
aplicada ao crânio, cérebro e à medula
espinhal em cães
Aspects of computed tomography applied to skull, brain and spinal
cord in dogs
TEIXEIRA, Márcio Aurelio da Costa - Doutor, Professor Adjunto da
Disciplina de Diagnóstico por Imagem no Curso de Medicina Veterinária
da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
ALVES, Luis Cardoso - Doutor, Professor Adjunto das Disciplinas de
Diagnóstico por Imagem, Semiologia e Clínica I, no Curso de Medicina
Veterinária da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
BORTOLI, Raquel - Méd. Veterinária Residente Hospital Veterinário
da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
GARRAFIELO, Carina - Aluna do Curso de Medicina Veterinária da
Universidade Luterana do Brasil(ULBRA), estagiária do Setor de
Diagnóstico por Imagem do Hospital Veterinário da ULBRA
Data de recebimento: 03/02/05
Data de aprovação: 05/04/05
Endereço para correspondência: Prof. Luis Cardoso Alves - R. Miguel Tostes
n°101 Hospital Veterinário predio 25, ULBRA Campus Canoas/RS. Email :
[email protected]
RESUMO
O avanço dos meios de diagnóstico na medicina veterinária vem se destacando como uma área de renovação constante, obrigando o clínico ao
aperfeiçoamento. A tomografia computadorizada é um método avançado e bastante preciso de diagnóstico. Para sua perfeita utilização é necessário conhecimento específico de técnica de exame e avaliação diagnóstica. O presente trabalho tem o objetivo de revisar aspectos importantes da
técnica tomográfica e demonstrar algumas das principais aplicações clínicas no crânio, cérebro e medula de cães.
Palavras-chave: tomografia, aplicações, crânio, cérebro, medula, cães.
Veterinária em Foco
Canoas
v. 2
Veterinária em Foco - v.2, n.2, nov.2004/abr.2005
n.2
nov. 2004/abr. 2005
p.137-145
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ABSTRACT
Advances in diagnostic methods on Veterinary Medicine had been a matter for gradually improving knowledge of the clinicians. The Computed
Tomography is a modern precise advanced method for diagnosis. Specific
knowledge of the technique is necessary, to get good results. The present
article has the objective to describe important aspects of tomography discussing some of the main clinical uses especially on the skull, brain and
medula spinal of dogs.
Key words: tomography, aplications, skull, brain, spinal medula, dogs
INTRODUÇÃO
Nos dias de hoje é notável a rapidez com que se sucedem os avanços tecnológicos; o que é novidade hoje em pouco tempo pode passar a ser parte do
passado. A área de diagnóstico por imagem nos últimos anos tem sofrido
grande acréscimo na eficácia de seus métodos que se somam à radiologia
convencional para cada vez mais munir a clínica e a cirurgia de recursos.
Em medicina veterinária destacam-se por seu poder de resolução a ultrasonografia (US) nos últimos 30 anos, a Tomografia Computadorizada (TC) e
a Ressonância Magnética (RM) que nos últimos 10 anos passaram a ser também utilizadas (ALVES, 2004). Por outro lado sistemas de análises das estruturas orgânicas mediante anatomia seccional, desenvolvidos nos últimos anos
por instituições de ensino e pesquisa, têm contribuído para a interpretação
tomográfica correta na aplicação dessas técnicas de imagem importantes
para apoio do diagnóstico clínico (TEIXEIRA, 2004).
PRINCÍPIOS BÁSICOS E INTERPRETAÇÃO
A TC é uma técnica de diagnóstico por imagem baseada no emprego de
raio X (RX) cujo princípio de funcionamento pode ser resumido da seguinte maneira: uma ampola de RX gera uma radiação que irá atravessar um corpo, nele sofrerá maior ou menor atenuação dependendo da
densidade dos tecidos. Do lado contrário existem detectores que captarão
a radiação atenuada. O coeficiente de atenuação de cada unidade de volume (voxel) é transformado em um valor numérico e a média deste valor
numérico é transformada no computador em uma escala de cinzas. Os
cortes podem ser realizados em diversos planos, sendo os transversais mais
utilizados para animais de companhia. A imagem gerada é a representação de um corte do corpo semelhante a um corte histológico ou uma fatia
de pão. Fatores tais como espessura de cortes, distância entre cortes, regime de kilovoltagem, miliamperagem podem ser escolhidos de acordo com
o tipo de exame pretendido (HAAGA et al., 1996).
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Para a interpretação das imagens além da definição mais adequada do
protocolo de exame para cada caso é importante ter conhecimento dos
artefatos possíveis ( erro parcial de volume, banda em anel, raiado, etc...).
A média do valor numérico do coeficiente de atenuação referido acima
para cada voxel, foi distribuída em uma escala de valores oscilando de 1000 a + 1000. Cada unidade desta escala é conhecida como Unidade
Hounsfield (HU). Os diversos tecidos orgânicos apresentam diferentes
números ou Unidades Hounsfield, assim o osso apresenta um HU de
+1000, ar de -1000 HU, água é igual a zero HU, gordura valores negativos
de -20 a -100, como é apresentado no Quadro 1. É igualmente importante
dominar a técnica das janelas, onde após a aquisição das imagens na
forma de dados brutos, o operador consegue limitar para a interpretação
do exame, uma ampitude de valores em HU, e um centro em HU. Todas
estruturas com HU cujos valores são inferiores ao valor mais baixo da
amplitude aparecerão em preto, por outro lado todas estruturas cujos
valores são superiores ao valor mais alto da amplitude aparecerão em
branco. As estruturas com valores entre o limite máximo e mínimo da
amplitude aparecerão em diversos tons de cinza distintos para facilitar a
interpretação (FEENEY et al., 1991).
Quadro1 - Tecidos orgânicos e suas medidas, em Tomografia Computadorizada.
Tipo de tecido orgânico
Números de TC (HU)
Grau de Atenuação
Osso
1000
Hiperatenuado (branco)
Baço
75 ø 80
Fígado
70 ø 75
Rim
45 ø 55
Sangue
40 ø 50
Cérebro
25 ø 45
Água
0
Gordura
- 50 ø -150
Ar
-1000
Atenuação intermedia
(Escala de cinza)
Hipoatenuado (preto)
Outros aspectos importantes para a interpretação das imagens tomográficas são os relacionados com a anatomia. O técnico deve estar familiarizado com as características tomográficas referentes a cada estrutura corporal assim como sua localização. Neste sentido há necessidade de conhecimento específico de anatomia topográfica seccional, realizando estudos
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em planos específicos como os realizados nos exames tomográficos (planos sagitais, coronais e transversais). Algumas pesquisas foram realizadas com o intutito de preparar matérias para o aperfeiçoamento do médico veterinário na área de anatomia seccional e sua relação com as imagens tomográficas. Podem ser citados os trabalhos: Alves (2004) relacionou aspectos anatômicos da cavidade torácica com o uso da tomografia
computadorizada, analisando imagens tomográficas e cortes em cadáveres. Teixeira (2004) utilizou a mesma metodologia na cavidade abdominal. Feeney et al. (1991) elaboraram um atlas de correlação de imagens
anatômicas com ultra-som e tomografia. Também nesta mesma linha de
pesquisa Smallwood & George (1992) analisaram a cabeça e o pescoço de
cães da raça beagle e em 1993 os mesmos autores abordaram o exame do
tórax e abdômen cranial.
SINAIS TOMOGRÁFICOS NORMAIS DO CRÂNIO, CÉREBRO E
MEDULA
CRÂNIO e CÉREBRO: No estudo tomográfico do crânio podem ser
visualizadas lesões como neoplasias primárias ou metastáticas do cérebro, cerebelo e outras afecções provenientes de estruturas vizinhas como
tecido ósseo, seios paranasais e cavidade oral. As estruturas cerebrais devem ser simétricas, homogêneas com pequenas variações de densidade
entre 25-45 HU (Figura 1). O limite externo corresponde a substância
branca que pode ser distingüida da substância cinzenta, por apresentar
menor densidade (WEGENER, 1992). Os ventrículos aparecem com aspecto escuro (hipodenso) devido ao líquido céfalo-raquidiano. Para realizar o diagnóstico, também podem ser utilizados meios de contraste intravenoso, a fim de destacar as estruturas vascularizadas que não são observadas em exames simples. Os meios de contraste são hidrossolúveis e compostos por moléculas de diferentes elementos, combinadas com moléculas de iodo. A utilização do contraste permite visualizar tanto estruturas
normais como anormais. Considerando que em processos neoplásicos ou
inflamatórios a vascularização é abundante, estas alterações tornam-se
mais facilmente visíveis (WEBB, 1991).
Figura 1 - TC janela cerebral. Observa-se simetria das estruturas, parênquima cerebral
normal.
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Os ossos do crânio aparecem como imagens hiperatenuadas ( brancas ) e
devem ser simétricos.
MEDULA: Quando o objeto de estudo é uma compressão de disco os
cortes devem ser realizados no espaço intervertebral, tentando fazer com
que o raio atravesse de forma ortogonal, atingindo-o plenamente e se
possível em uma só exposição todo o corpo do disco intervertebral. A substância branca da medula geralmente não pode ser dintingüida da substância cinzenta na tomografia. A margem externa da medula e as raízes
nervosas são visíveis nas imagens de TC, por apresentarem gordura epidural que tem baixa densidade. O disco intervertebral apresenta uma densidade uniforme com opacidade de tecidos moles. Não é possível distingüir o núcleo pulposo do anel fibroso, assim como também não podemos
definir o ligamento ventral do canal medular (Figura 2).
Figura 2 - TC canal medular. Imagem hiperatenuada correspondendo ao corpo
vertebral em um animal normal
INTERPRETAÇÃO DAS IMAGENS NAS APLICAÇÕES CLÍNICAS:
Um aumento da área hipodensa (preto), caracterizando uma assimetria
na região do ventrículo lateral direito (Figura 3) pode ser relacionada
com hidrocefalia, o ventrículo lateral esquerdo e o terceiro ventrículo estão normais (PELLEGRINO, 2003).
Figura 3 - TC janela cerebral apresentando dilatação ventricular (seta) devido a hidrocefalia
Na Figura 4 pode ser observada uma área unilateral hiperdensa (mais
clara), que neste caso caracteriza uma neoplasia na região retrobulbar
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direita, esta massa apresenta uma densidade em HU superior a normal
para tecidos moles.
Figura 4 - TC de crânio com área hiperdensa, neoplasia na região retrobulbar direita (seta).
A imagem pode apresentar artefatos como é mostrado na Figura 5. Neste
caso é observado uma imagem irradiada em função da interação dos raios com projétil de arma de fogo alojado no crânio.
Figura 5 - TC de crânio apresentando fratura devido a projétil de arma de fogo (seta), notar o
artefato formado devido a interação do raio com o metal
Na figura 6 pode ser observado outro caso de projétil de arma de fogo,
neste caso dentro do canal medular, e sem apresentação de artefatos. A
identificação da anormalidade é realizada pela quantificação da densidade medida em HU, que é superior a densidade óssea. Neste caso não foi
observado artefato pelo reduzido tamanho do projétil.
Figura 6 -TC coluna torácica evidenciando um projétil de arma de fogo dentro do canal
medular (seta)
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Uma assimetria no local do canal medular pode indicar o local e grau de
compressão medular como é mostrado na Figura 7, em um caso de extrusão de disco intervertebral. Neste exemplo observa-se uma imagem em
meia lua (hipoatenuada) do canal medular, a compressão aparece hiperatenuada, nesta janela com a mesma densidade do osso, se extendendo
das 5 as 11 horas, ou seja no lado direito e ventral.
Figura 7 - TC coluna cervical demonstrando o local e o grau
de compressão medular devido a extrusão do disco intervertebral (seta)
Uma descontinuidade no contorno ósseo do crânio representa uma fratura, como é observado na Figura 8 onde é apresentado uma fratura múltipla do osso parietal.
Figura 8 - TC de crânio apresentando fratura mútipla do osso parietal (setas)
Utilizando uma janela para cérebro e contraste venoso pode-se observar
áreas localizadas, hiperdensas, que no caso da Figura 9, representa uma
neoplasia na região da hipófise e hipocampo direito.
Figura 9 - TCcerebral evidenciando massa hiperdensa na região da hipófise (seta da direita)
e hipocampo direito (seta da esquerda), identificada com a utilização de contraste.
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DISCUSSÃO
É consenso entre os autores que a Tomografia computadorizada tem se
mostrado superior em alguns aspectos a outros métodos de diagnóstico
por imagem, principalmente em algumas regiões do corpo de difícil acesso. Para a correta interpretação das imagens, é fundamental um bom
domínio de técnica tomográfica, incluindo principalmente no momento
da aquisição das imagens, o posicionamento do paciente, espessura do
corte, distância entre cortes, e posteriormente na interpretação das imagens, o conhecimento da de anatomia seccional, e da técnica de janelas.
São ainda escassos os estudos tomográficos em Medicina Veterinária ,entretanto, o conhecimento clínico associado aos conhecimentos básicos
mencionados acima, e a experiência em humanos, podem proporcionar
bons resultados como temos observado em nossa prática diária.
CONCLUSÃO
A tomografia é um método de exploração radiográfica, incruento e não
invasivo, que permite obter imagens em duas dimensões de diferentes planos anatômicos e visualizar estruturas teciduais de variados tipos, avaliar
a densidade das estruturas, sendo um meio auxiliar de diagnóstico capaz
de diagnosticar patologias em regiões de difícil acesso como cérebro por
exemplo, além de facilitar o diagnóstico precoce de diferentes patologias.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Setor de Diagnóstico por Imagem do Hospital Veterinário da ULBRA, pela cedência das imagens tomográficas apresentadas, provenientes de casos da rotina deste setor.
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São Paulo, 2003.
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WEGENER O . H. Whole Body Computed Tomography , Blackwell Scientific
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