O uso de Geotecnologias em análises geomorfológicas bacia do Rio Santana, RJ Victor Cesar Ribeiro Pereira1 Telma Mendes da Silva2 Thainá Vasconcelos Paes3 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ/Graduação Geografia; Estagiário de Iniciação Científica [email protected] 2 3 Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ/Departamento de Geografia [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ/Graduação Geografia; Estagiária de Iniciação Científica [email protected] Resumo Com o avanço das geotecnologias tornando-as cada vez mais disponíveis a Ciência, é de fundamental importância seu conhecimento para melhor uso e aplicação deste recurso metodológico. Desta forma, o presente trabalho tem por objetivo o uso de um dos recursos provenientes desta metodologia de trabalho os Modelos Digitais de Elevação, para a extração de informações geomorfológicas relevantes e auxiliar na compreensão dos eventos evolutivos de uma dada área. Este estudo foi realizado na bacia do Rio Santana, localizada a sudoeste do Estado do Rio de Janeiro (limite nordeste da baixada de Sepetiba), também reconhecida como ‘Gráben do rio Santana’, e considerada uma expressão proeminente da evolução na paisagem no mesozóico-cenozóico do sudeste brasileiro. As análises sobre o arranjo da rede de drenagem e a organização das feições de relevo realizadas a partir de dados orbitais coletados pelo modelo SRTM/TOPODATA, permitiram constatar a presença local de controles lito-estruturais através da identificação de inversões locais de direção da rede de drenagem, compartimentos rebaixados e basculados (alguns com a ocorrência da presença de facetas triangulares) e lineamentos de drenagem bem marcados. Palavras-chave: Geotecnologias; Modelo Digital de Elevação; Evolução GeológicoGeomorfológica. Abstract With advances in geotechnology making them increasingly available science, is of fundamental importance his knowledge to better use and application of this methodological resource. This work use resources from this methodology, the Digital Elevation Models, for extracting geomorphological information and help to understand the evolutionary events in the area. This study was conducted in the basin of the Rio Santana, located southwest of the state of Rio de Janeiro (limit northeastern slope of Sepetiba), also known as 'river Santana Graben', and considered an outstanding expression of landscape evolution in the Mesozoic-Cenozoic of southeastern Brazil. The studies on the arrangement of the drainage network and the organization of relief features made from data collected by orbital model SRTM / TOPODATA, possible to observe the local presence of lithostructural controls by identifying local reversals of direction of the drainage network, lowered and tilted compartments (some with the occurrence of the presence of triangular facets) and drainage lineaments well marked. Key-words: Geotechnology, Digital Elevation Model; Geological-Geomorphological Evolution. 1. Introdução A partir de 1970 os estudos ambientais sofreram grande impacto das novas Geotecnologias que trouxeram maior agilidade, objetividade, consistência e precisão na obtenção de bases de dados para fins de tomada de decisões. Nos estudos geomorfológicos, as ferramentas ligadas às geotecnologias vêm sendo utilizadas com grande ênfase nos últimos anos, devido ao fato de esta possibilitar estudos preliminares em gabinete visando um reconhecimento mais apurado das características da área de estudo, e que podem agilizar e direcionar as atividades de levantamentos em campo. Para a bacia do rio Santana (Figura 1), e mais especificamente, reconhecida por GONTIJO-PASCUTTI et al. (2003) como ‘Gráben do rio Santana’, e que faz parte da importante feição estrutural do ‘Gráben da Guanabara’, há ainda necessidade de muitos estudos para melhor compreensão dos mecanismos evolutivos locais. Desta forma, este trabalho buscou através da aplicação destas novas ferramentas de investigação científica uma melhor espacialização das feições geomorfológicas locais existentes e, assim, corroborar com dados já coletados, bem como mostrar a importância do uso de geotecnologias na geração de novas informações. O Rio Santana nasce na Serra do Couto, parte da Serra do Mar (Figura 1), em altitudes superiores a 1.500m, correndo longo trecho na região montanhosa em vale encaixado, na direção nordeste a partir de Governador Portela (> 600m), ainda na Região Serrana, onde se encaixa em fraturas até a localidade de Arcádia (180m) no sopé da Serra do Mar. A partir desta localidade, ele corre em vale ‘agargantado’ de direção NE até as imediações de Santa Branca (80m), 3,5 km a jusante, correndo em vale aberto e de fundo chato, até a cidade de Japeri (35m) num percurso de aproximadamente 11 km, onde ele encontra as águas do Ribeirão das Lages. Figura 1: Mapa de Localização da Bacia do Rio Santana. 2. Pressupostos Teóricos De acordo com Fernandes (2004), os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) possuem uma grande variedade de instrumentos disponíveis para se trabalhar com a dimensionalidade dos dados, mas podem apresentar limitações, como a de não considerarem a irregularidade topográfica da distribuição dos fenômenos no espaço. Devido a esta limitação existente na análise baseada em observações em superfícies planimétricas, torna-se necessária a utilização dos Modelos Digitais de Elevação (MDEs), que permitam a obtenção de informações de distâncias, áreas e volumes através de uma modelagem tridimensional. Um Modelo Digital de Elevação pode fornecer informações espaciais de grande importância para a modelagem e análise da superfície terrestre, podendo ser obtido através de processos fotogramétricos, cartas topográficas e de sensores diversos. Um dos principais produtos de MDE disponíveis gratuitamente na Internet são os modelos obtidos a partir da missão SRTM (Shuttle Radar Topographic Mission), que no caso do continente Sul Americano, disponibilizou modelos tridimensionais com células de 90 metros. Alguns estudos apontam a precisão vertical desses modelos sendo compatíveis com a escala de 1:100.000 na classe A do PEC (SANTOS et al., 2005; BARROS, 2006). Entretanto, outros produtos, tendo como base os modelos do SRTM, tem sido disponibilizados com uma resolução espacial maior, como os produtos do TOPODATA, disponibilizados pelo INPE. Utilizando como referência o trabalho de DIAS et al. (2011) que analisou este modelo na APA Petrópolis segundo os parâmetros de Erro Médio Quadrático (EMQ) onde esta área com grande variação topográfica o TOPODATA apresentou o mais baixo EMQ para a região (7,619), conseguindo se enquadrar na classe B do PEC da escala 1:50.000. Ainda segundo este autor, o TOPODATA permanece sendo o melhor modelo gratuito em região de relevo acidentado. Os principais modelos disponíveis gratuitamente e suas características podem ser observados na tabela 1. Tabela 1: Principais Características dos Modelos Digitais de Elevação Avaliados. Resolução Método de extração Método de Modelos espacial da altimetria interpolação SRTM 1 90m Interferometria SAR X Interferometria SAR SRTM 4 90m Vários (SRTM1) Interferometria SAR Topogrid EMBRAPA 90m (SRTM1) Interferometria SAR TOPODATA 30m Krigagem (SRTM1) ASTER 30m Estereoscopia X Fonte: DIAS et al. (2011). Sendo assim, para utilização neste trabalho foi escolhido o Modelo Digital de Elevação (MDE) o SRTM/TOPODATA, pois sua resolução espacial proporciona um melhor refinamento dos dados gerados e é compatível com a escala espacial do presente trabalho. Tendo em vista que a bacia do Rio Santana apresenta uma geomorfologia e uma variação altimétrica semelhantes à APA Petrópolis, utilizouse este modelo para todas as análises realizadas. 3. Metodologia do trabalho O Modelo Digital de Elevação utilizado foi o do SRTM/Topodata disponibilizado pelo site http://www.webmapit.com.br/inpe/topodata/ sendo este o MDE das cartas de índice 22S45 e 22S435. A partir deste arquivo e utilizando-se o software ArcGIS 9.3, foi extraída a rede de drenagem utilizando como referência 25 células contribuintes, que segundo MARQUES (2007) seria a que mais se aproxima da escala 1:50.000. Devido às limitações sistêmicas destes dados orbitais, como grande número de vãos e corpos d’água mal definidos, foram realizados tratamentos buscando a eliminação das depressões espúrias, o aprofundamento das calhas e a correção do deslocamento nos dados SRTM em relação às cartas do IBGE. Os lineamentos foram gerados manualmente a partir do traçado retilíneo sobre todas as linhas dos cursos d'água oriundos do MDE (Figura 2), ou seja, o traçado é feito a partir da jusante prolongando-se para montante dos canais de primeira ordem até o segmento côncavo ser mantido, obedecendo quatro classes de azimute: N-S, E-W, NE-SW e NW-SE. Figura 2: Exemplo da extração dos lineamentos na Bacia do Rio Santana. Após a extração dos lineamentos, os mesmos foram separados em camadas (seguindo as quatro classes citadas) que propiciou gerar uma estatística básica de lineamentos, onde foi calculada a quantidade de lineamentos por classe de direção. Estes dados foram então interpretados e relacionados com as bibliografias levantadas sobre a bacia em estudo, permitindo validar, mesmo que preliminarmente, as informações levantadas pelo presente trabalho. 4. Resultados e Discussão A extração do limite da bacia acarretou em uma área maior em relação ao limite extraído pelas cartas do IBGE (Figura 3), que pode ser indicativo de uma nova captura de drenagem, que antes corria em sentido oposto. Este detalhe merece maior investigação, pois pode se tratar de um erro no MDE ou nas cartas topográficas. Para a rede drenagem a densidade de canais ficou mais complexa em relação a existente nas cartas topográficas do IBGE, proporcionando um mapeamento geomorfológico mais detalhado permitindo assim uma investigação aprofundada de caminhos preferenciais, que podem indicar o direcionamento das fraturas existentes como também, podem auxiliar na investigação neotectônica da bacia. Figura 3: Delimitação da bacia do Rio Santana e da rede de drenagem extraída através do MDE TOPODATA, juntamente com o limite da bacia extraída nas cartas topográficas do IBGE. Segundo Dantas (2000) a área é marcada por forte controle estrutural: onde os rios Santana e Ribeirão das Lages são encaixados no lineamento JacuecangaConrado de direção NE-SW paralelos à frente de escarpa, e ainda vales estruturais de direção NW-SE dispostos de forma ortogonal ao lineamento. Segundo Penha et al. (1997) o lineamento Jacuacanga-Conrado ou MonsuabaConrado, é caracterizado por ser uma zona de cisalhamento de expressão regional, onde estruturas dúcteis e rúpteis são observadas por dezenas de quilômetros, o que levou ao reconhecimento de eventos tectônicos recentes ao norte desta megaestrutura e, no limite ocidental do Gráben da Guanabara. Após o mapeamento manual dos lineamentos de drenagem (Figura 4) verificou-se que os lineamentos NE-SW e NW-SE são predominantes na bacia, conforme pode ser visto pelos percentuais totais da tabela 2. Sendo os ângulos de mergulho de alto valor, podendo formar zonas com intensos fraturamentos que, geralmente condicionam as zonas preferenciais de erosão e de dissecação do relevo (GONTIJO-PASCUTTI et al., 2003). Figura 4: Bacia do Rio Santana com os lineamentos de drenagem extraídos manualmente do MDE. Tabela 2: Percentual de lineamentos de drenagem na bacia. Direção Percentual (%) N-S 3,44 E-W 4,31 NE - SW 45,14 NW - SE 47,11 As falhas de direção NE-SW, geralmente são subparalelas à foliação (GONTIJO-PASCUTTI et al., 2003), apresentam estrias com indicações de movimentos que vão de normal a oblíquo, e movimentos direcionais sinistrais, ou esporadicamente dextrais, sendo que as normais-oblíquas geram abatimentos de blocos (Figura 5), geralmente em monoclínios/basculamentos laterais en echélon, escalonados em direção ao eixo do vale caracterizando o gráben. A porção montante do rio Santana encaixa-se numa falha normal, com componente oblíqua dextral, de direção E-W, apresentando brechas e cataclasitos (GONTIJO-PASCUTTI et al., 2003). Outros importantes feixes de falhas, caracterizados por intensa brechação, cataclase e estrias de atrito indicando movimentos normais e oblíquos, geralmente dextrais, são dados por direções NW-SE, responsáveis por deslocamentos de contatos, desnivelamentos e basculamentos de blocos e desvios na drenagem. Ocorrem ainda falhas normais subverticais, geralmente dextrais, de direção N-S. Figura 5: Fotografia panorâmica do médio curso do rio Santana mostrando compartimentos em níveis altimétricos diferenciados (indicado pelos traços na cor verde), basculhados e com presença de facetas triangulares marcadas pelas linhas contínuas na cor vermelha. Foto: T.M.Silva (2011). 5. Considerações finais As ferramentas utilizadas no presente trabalho mostraram-se eficazes na reunião de informações geomorfológicas sobre uma dada área, principalmente no que se refere à extração da rede de drenagem de forma detalhada, e que permitiu avaliar os lineamentos de drenagem com maior precisão. Esta informação coletada não seria possível se a base tivesse sido as cartas topográficas do IBGE, haja vista que nestas há um número de canais fluviais muito inferiores ao que foi extraído pelo MDE. A partir destes lineamentos foi possível a análise de alguns fatores tais como a orientação, que em associação às informações existentes permitiram corroborar com aspectos evolutivos locais. Portanto, os resultados obtidos no estudo confirmam a importância das ferramentas de geotecnologias na investigação geomorfológica, nesse caso ligados a mecanismos que envolvam a influência de controles estruturais na evolução da paisagem, pois existe um forte condicionamento exercido por estruturas no relevo e principalmente na drenagem da bacia do rio Santana. Vale ressaltar que estes foram os resultados preliminares de estudo, e que o mesmo encontra-se em continuidade para aprofundamento das informações levantadas e na realização de trabalhos de campo, a fim de validar as informações obtidas em gabinete como, por exemplo, a existência ou não da captura de drenagem que proporcionou a ampliação do contorno areal da bacia. Referências Bibliográficas Barros, R.S. Avaliação da Altimetria de Modelos Digitais de Elevação Obtidos a partir de Sensores Orbitais. 2006. 195 p. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Depto. de Geografia, IGEO/UFRJ. Dantas, M.E. 2000. Geomorfologia do Estado do Rio de Janeiro - Texto Explicativo do Mapa Geomorfológico do Estado do Rio de Janeiro. Escala 1:500.000. Brasília: CPRM,2000. Cd-rom. Dias, F.M.; Miceli, B.S.; Seabra, F.M.; Santos, P.R.A.; Fernandes, M.C. Avaliação vertical de Modelos Digitais de Elevação (MDEs) em diferentes configurações topográficas para médias e pequenas escalas. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR), XV, 2011, Curitiba, PR, Brasil. Anais. São José dos Campos: INPE, 2011. Artigos, p.4110. CD-ROM. Fernandes, M.C. Desenvolvimento de rotina de obtenção de observações em superfície real: uma aplicação em análises geoecológicas. 2004. 256p. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Depto. de Geografia, IGEO/UFRJ. Gontijo-Pascutti, A.H.F.; Melo, P.B.; Cravinho, F.F.; Morales, N. Falhas, Fraturas e Relevos Associados no Graben do Rio Santana, Porção Ocidental do Graben da Guanabara (RJ). In: Simpósio de Geologia do Sudeste (SGS), VIII, 2003, São Pedro, SP, Brasil. Anais. São Paulo: Sociedade Brasileira de Geologia (SBG), 2003. Artigos, p. 79. Boletim de Resumos. INPE – Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais. Modelo Digital de Elevação utilizado foi o do SRTM/Topodata. Disponível em: http://www.webmapit.com.br/inpe/topodata/. Acesso em: 07.01.2012. Marques, F.A.S., Demetrius, D. Obtenção pixel a pixel de variáveis morfométricas em SIG após tratamento de dados SRTM. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR), XIII, 2007, Florianópolis, SC, Brasil. Anais. São José dos Campos: INPE, 2007. Artigos, p. 34453452. Cd-rom. Penha, H.M.; Ferrari, A.L.; Moretti, C.A.; Panangoulias, T. Indicativos de eventos tectônicos cenozóicos no Lineamento Jacuacanga-Conrado. O exemplo da Região do médio/baixo curso do Rio Santana. In: Simpósio de Geologia do Sudeste, V, 1997, Penedo, RJ, Brasil. Atas. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Geologia (SBG), 1997. v. 1., p. 71-73. Boletim de Resumos. Santos, P.R.A., Gaboardi, C., Oliveira, L.C. Avaliação da precisão vertical dos modelos SRTM para a Amazônia. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, XII, 2005, Goiânia, GO, Brasil. Anais. Goiânia: INPE/SELPER, 2005. v. 1, p. 4473-4480. Cd-rom.